A vida e a obra de Santa
Colete se situam numa época extremamente tormentosa: a Guerra dos Cem Anos,
gerada pelas rivalidades sangrentas entre duas famílias principescas da França;
e o Cisma do Ocidente que dividia a Cristandade. Na Ordem franciscana, as
dissensões - nascidas já em vida de São Francisco - entre os partidários da
regra estrita e os que desejavam mitigações, terminaram com a vitória destes
últimos.
Quanto ao ramo feminino
da Ordem, o direito de possuir bens, concedido por Alexandre IV ao mosteiro de
Longchamps, próximo de Paris, fundado pela Beata Isabel de França, irmã de São
Luís IX, começou a enfraquecer seriamente o "privilégio da pobreza"
arduamente defendido por Santa Clara.
Em 1263, Urbano IV
estendeu a regra mitigada a todos os conventos de Clarissas e só raras
comunidades guardaram a estrita observância primitiva. Autorização de possuir
bens e tolerâncias relativas à clausura levaram à tibieza os conventos
"urbanistas".
É neste contexto que
devemos compreender a missão de Santa Colete.
A vocação
Nicolette Boylet ou
Boëllet nasceu em Corbie, diocese de Amiens, França, em 13 de janeiro de 1381.
Seus pais, Roberto Boylet e Marguerite Moyon, quase sexagenários, colocaram
este nome na menina em sinal de reconhecimento a São Nicolau de Bari pelo seu
nascimento. O pai era artista carpinteiro, caridoso e virtuoso; a mãe
confessava-se e comungava toda semana, coisa rara naquela época.
A menina cresceu em um
ambiente acolhedor e muito religioso. Aos quatro anos já tinha uma vida de
oração; aos sete, fazia uma hora de oração diária e assistia clandestinamente
as Matinas cantadas nos beneditinos. Ela dirá mais tarde que aos nove anos
recebeu plena e inteira revelação do espírito da Ordem franciscana e da
necessidade de sua reforma.
Em 1399, seus pais
faleceram com alguns meses de intervalo um do outro. O pai confiara a filha aos
cuidados de D. Raoul de Roye, abade do mosteiro beneditino de Corbie. Este
desejava que ela se casasse. Colete recusou-se e acabou obtendo sua permissão
para doar seus bens aos pobres e para entrar para a beguinaria (*) de Amiens,
onde ficou apenas um ano por achar muito suave a disciplina ali vigente.
Pelo mesmo motivo fez
tentativas frustradas junto às beneditinas de Corbie e no Convento de Moncel,
que seguia a regra de Urbano IV.
Colete retornou a Corbie
e seus concidadãos, que anteriormente a admiravam, passaram a desprezá-la
porque a consideravam uma instável. Seu tutor começava a se impacientar com
seus "caprichos".
Neste isolamento moral, a
Providência colocou o Padre João Pinet em seu caminho. Ele era guardião do
convento de Hesdin, fervoroso religioso de São Francisco, intensamente desejoso
de fazer reviver a observância primitiva da Ordem. Este religioso aconselhou-a
a se fazer reclusa da Terceira da Ordem de São Francisco.
Em 17 de setembro de
1402, festa dos Estigmas de São Francisco, ela pronunciou o voto de clausura, e
passou a viver numa pequena ermida próxima da igreja paroquial de Nossa
Senhora, em Corbie. Emparedaram-na entre dois contrafortes da igreja, numa
pequeníssima cela que recebia a luz através de uma grade de ferro que dava para
a igreja. Ali permaneceu por três anos, jejuando durante a Quaresma a pão e
água, dormindo sobre um punhado de gravetos espalhados no chão.
A reformadora
Em sua reclusão as visões
se multiplicaram: por determinação de São Francisco e de Santa Clara, que lhe
apareceram, ela devia reformar a Ordem segunda franciscana. Colete temia que
tais visões fossem causadas "pelo inimigo do inferno". Ela consultou
clérigos de seu meio e todos concordam em que ela devia agir. Após muita
relutância, fruto de sua humildade, empreendeu a reforma inspirada por Deus.
Ela precisava de alguém
que a aconselhasse e mais uma vez a Providência vem em seu auxílio: o Padre
Henrique de Baume, religioso franciscano de grande virtude, que sofria com a
decadência da sua Ordem, tornou-se seu diretor espiritual e seu colaborador
zeloso. Ele obtém a adesão da Condessa Branca de Genebra para a causa de Colete.
Em Besançon, ele se encontra com Isabeau de Rochechouard, viúva do Barão de
Brissay, que o acompanha a Corbie.
Durante o Cisma havia
três papas ao mesmo tempo: um em Roma, outro em Avinhão e o terceiro em Pisa. A
França - bem como a Espanha e a Escócia - prestava obediência ao papa de
Avinhão, que então era Bento XIII.
Em 1406, obtida a
dispensa do voto de reclusão perpétua, Colete dirigiu-se a Nice, acompanhada do
Padre Baume e da Baronesa de Brissay, para se encontrar com Bento XIII.
Expõe-lhe detalhadamente seu propósito restaurador.
Depois de profunda
reflexão, Bento XIII impôs-lhe o véu e o cordão seráfico e nomeou-a Superiora
Geral de todos os conventos de Clarissas que viesse a fundar ou reformar.
Autorizava Colete a transferir para o convento que fosse fundar as religiosas
de mosteiros estrangeiros, e acolher eventualmente membros da Ordem Terceira
franciscana. Bento XIII expediu a bula autorizando a reforma no dia 16 de
outubro de 1406.
Os católicos viviam na
perplexidade e na boa vontade durante esses tormentosos anos do Cisma; estavam
do lado que tinham por autêntico, ou que lhes indicavam suas autoridades. Santa
Catarina de Siena e Santa Catarina da Suécia estavam com o papa de Roma,
enquanto São Vicente Ferrer e Santa Colete estavam com o de Avinhão,
concretamente com Bento XIII.
Não foi fácil para Colete
dar andamento aos seus projetos imediatamente. Durante alguns anos suas
tentativas de reforma fracassaram. Seu empenho teve o apoio de personagens tão
relevantes como a Condessa de Genebra e das duquesas de Borgonha e da Baviera.
No Franche-Comté, com
mais três amigas, que se tornaram suas primeiras filhas, ela se instalou. A
comunidade logo cresceu e foi preciso procurar um lugar mais espaçoso. Em 1410,
conseguiu finalmente autorização para ocupar o convento de urbanistas de
Besançon, onde viviam apenas duas irmãs. A reforma estava assegurada. Àquele
convento logo seguiram outros até um total de 17, reformados ou novas
fundações.
Como norma, cada convento
devia ter quatro frades a seu serviço. Assim, a dinâmica reformadora sempre
mantinha contato com os Gerais Franciscanos. Os Gerais da Ordem, principalmente
Antônio de Massa e Guilherme de Casal, aceitaram e confirmaram a bula de 1406.
O espírito da reforma coletina se infiltrava sutilmente na Ordem primeira.
Colete precisava criar as Constituições para
reger tão numerosas fundações. Em 1430, ela redigiu um texto - conhecido como Sentimentos
de Santa Colete - que foi remanejado em 1432 e aprovado em 28 de setembro
de 1434 por Frei Guilherme de Casal. Este havia submetido o texto a dois
cardeais e alguns outros teólogos, que deram sua aprovação.
Quanto ao ramo masculino,
Santa Colete não tinha evidentemente jurisdição sobre a Ordem primeira, mas ela
exerceu uma forte influência espiritual nela e conseguiu a adesão de alguns
conventos masculinos à sua reforma. Segundo uma estimativa mais provável, em
1447, data da morte da Santa, a sua reforma contava com 17 conventos femininos
e 7 masculinos.
A reforma coletina
estendeu-se rapidamente pela França, Espanha, Flandres e Saboia. Sob o impulso
renovador de Santa Colete, os franciscanos voltaram a praticar aquilo que São
Francisco havia querido para sua Ordem: vida de pobreza sem mitigações, vida
austera, intensa oração pessoal e comunitária, e muita oração e penitência pela
unidade da Igreja, então dividida pelo Cisma.
Nos dias atuais, os
conventos de "coletinas" são cerca de 140, a maior parte na
Europa, embora haja alguns também na América, Ásia e África.
A piedade de Colete, notável desde a infância, cresceu e
a conduziu a um tal grau de união com Deus, que os êxtases tornaram-se
contínuos. Por vezes, eles duravam vários dias. Ao redor dessa intensa vida
mística, que a ação não obstava, gravitavam fenômenos tais como: levitação;
eflúvios odoríferos que emanavam não somente da pessoa de Colete, mas das coisas
que ela tocava; conhecimento das consciências; o estado das almas do
Purgatório; dons de profecia.
Santa Colete era de uma pureza requintada, e seu amor por
esta virtude se manifestava por seu pendor irresistível pelas almas puras, as
crianças também a atraiam, e mesmo os animais cuja aparência simbolizavam a
pureza, como as rolas e os cordeiros.
Ela protagonizou inúmeros milagres que favoreciam suas
fundações: na reforma de Hesdin, recebeu uma soma de quinhentos escudos de
ouro, de origem celeste; em Poligny, descoberta de água potável; a provisão de
trigo de Auxonne não diminuía e possibilitava as religiosas reparti-lo com os
frades de Dôle; um tonel de vinho encheu-se sob a ação das preces de Colete, e
muitos outros fatos relatados em seu processo de canonização.
Verdadeira filha da Igreja, ele sofria com o Cisma que
dilacerava sua unidade, e trabalhou denodadamente com São Vicente Ferrer pela
extinção do Cisma.
Coleta era também filha
da França. As nobres casas conflitantes, Armagnacs (partido do Duque d'Orleans)
e Bourguignons (partido do Duque de Bourgogne), a chamaram para fundar
conventos em seus domínios. Segundo depoimentos, ela certa vez conseguiu
dissuadi-los de lutar. Apesar das tensões, Colete foi respeitada por ambas e
pode continuar sua obra.
Santa Colete viajou muito, operou numerosos milagres,
suportou sofrimentos de toda a espécie. Ela foi uma mulher extraordinária que
soube obter a colaboração de papas, frades, príncipes, duques para a sua obra. Santa
Colete morreu em Gand, Bélgica, no dia 6 de março de 1447. As marcas de sua
própria doença e do sofrimento desapareceram. Seu corpo tornou-se belo, com uma
pele branca como a neve, membros flexíveis e exalando um celestial perfume. Como
era seu desejo, o corpo foi sepultado direto na terra. Numeroso foi o público
que compareceu às suas exéquias, atraídos por sua fama de virtude e pelos fatos
maravilhosos que narravam sobre ela.
O processo de sua
canonização iniciou poucos anos após sua morte, em 1472, mas somente se
tornaria realidade anos depois. O processo relata, além dos fatos mencionados,
curas operadas em pessoas de suas comunidades e cinco casos de ressurreição. Colete
foi beatificada em 23 de janeiro de 1740. Porém, ela só foi canonizada em 24 de
maio de 1807, sob o pontificado de Pio VII. Sua festa é celebrada no dia 6 de
março.
(*) Beguinaria:
convento onde vivem religiosas sem pronunciar votos, cada qual ocupando o seu
aposento à parte. Beguina é o nome dado a essas religiosas nos Países
Baixos e na Bélgica.
Etimologia: Colete,
ou Colette, abreviação de Nicolette, feminino de Nicolet, em português Nicolau, do grego Nikólaos: “vencedor (niko) do povo (laos)”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário