Vida
e morte dos videntes de La Salette
Há 170 anos, nas pastagens da montanha!
No sábado, 19 de setembro de 1846, bem
cedo, duas crianças sobem as ladeiras do Monte Planeau. O sol resplandecia
sobre as pastagens... De repente, um clarão se mexe, se agita, gira sobre si
mesmo. Às duas crianças faltam palavras para externar a impressão de vida que
irradia desse globo de fogo. Uma Mulher ali aparece, assentada, a cabeça entre
as mãos, os cotovelos sobre os joelhos, numa atitude de profunda beleza.
Inicia-se assim a Aparição de Nossa
Senhora em La Salette (vide neste blog o
relato da Aparição e a Mensagem, post de 19 de setembro de 2014).
Hoje nos deteremos nas vidas dos videntes
e seu calvário após terem sido arautos das admoestações de Nossa Senhor.
Narradores da visão
Nos anos subsequentes à aparição, as duas
crianças, Melanie Calvat e Maximino Giraud, repetiram incansavelmente a
mensagem pública de Nossa Senhora aos peregrinos que iam a La Salette. Tinham
as reações típicas da idade, mas se transformavam na hora de contar a milagrosa
aparição.
Não faltaram incrédulos ou
mal-intencionados que tentaram pegá-los em contradição. Nas respostas dos
videntes transparecia de tal maneira o sobrenatural, que todos ficavam num
misto de desconcerto e admiração.
Um caso arquetípico deu-se com o Padre
Dupanloup, líder liberal francês que posteriormente, como bispo de
Orleans, foi um dos chefes da oposição à proclamação do dogma da infalibilidade
papal durante o Concílio Vaticano I. O Pe. Dupanloup passou alguns dias com
Maximino, tentando que o menino lhe revelasse o segredo. Até colocou sobre a
mesa uma pilha de moedas de ouro — coisa que deslumbrou a Maximino, pois, sendo
de família miserável, jamais vira algo assim — e lhas ofereceu em troca da
violação do compromisso com Nossa Senhora. O pretexto foi tirar da indigência a
ele e à sua família. A reação de Maximino foi de uma tal integridade, que o Pe.
Dupanloup saiu confundido: "Eu senti que a dignidade da criança era
maior que a minha”. (3)
O Calvário de Maximino
Maximino entrou no seminário diocesano,
onde primou por sua seriedade e piedade.
O bispo de Grenoble, Mons. Ginoulhiac,
acérrimo opositor da aparição, impôs-lhe como condição para ser ordenado não
mais falar do caso e silenciar o segredo que Nossa Senhora lhe pedira para
divulgar.
Maximino respondeu em carta: “Se Sua
Excia. Mons. Ginoulhiac tem a intenção de me paralisar antecipadamente, de não
me deixar nem agir, nem falar nem escrever, quando a minha missão de apóstolo
de La Salette me tornará obrigatório fazê-lo, pense antes de me dar sua
opinião. Uma tal intenção no meu superior seria um sinal positivo de eu não ter
vocação. Deus não iria me dar uma vocação sacerdotal diametralmente oposta à
vocação que me vem de Maria: a de difundir em todo lugar e sempre, segundo as
circunstâncias, suas advertências a seu povo. Eu não teria então outra coisa a
fazer senão ingressar na nova milícia religiosa que combate voluntariamente e
sem empecilhos, mas também por sua conta e risco, sem engajar em nada a
responsabilidade dos pastores”. (4)
Maximino teve que deixar o seminário. Procurou
estudar e trabalhar em Paris e em Le Havre. Mas aonde ia, seguia-o um amontoado
de maledicências e hostilidades de origem anticatólica ou eclesiástica liberal.
Espalhou-se ser ele inculto, estúpido, instável, bêbado e dissoluto. Mons.
Ginoulhiac escreveu ao anticatólico Ministro de Culto, afirmando que se tratava
de um “mentiroso” que tinha sido necessário expulsar do seminário. (5) O
vigário de Saint Germain l'Auxerrois — famosa igreja de Paris — escreveu um
libreto acusando-o de viver em concubinato com sua mãe adotiva! (6)
Um fato banal serviu de pretexto para a
maledicência opor São João Maria Vianney a Maximino e La Salette. O próprio
Cura d'Ars dissipou as murmurações em carta ao bispo de Grenoble: “Tenho
uma grande confiança em Nossa Senhora de La Salette; faço vir água da fonte; abençoo
e distribuo grande quantidade de medalhas e imagens representando esse fato;
distribuo pedacinhos da pedra sobre a qual a Santa Virgem teria sentado, levo
um pedaço continuamente comigo e até o fiz pôr num relicário. Falo muito frequentemente
do fato na Igreja. Parece-me, Monsenhor, que há poucos sacerdotes em vossa
diocese que tenham feito tanto quanto eu por La Salette”. (7)
Maximino transmitiu mensagens pessoais
para personagens-chaves do tempo: ao Conde de Chambord, pretendente legitimista
à coroa da França, para dissuadi-lo de reinar; ao arcebispo de Paris, Mons.
Darboy, a quem predisse que morreria fuzilado, como de fato o foi pelos
revolucionários da comuna de Paris; a Napoleão III, advertindo-o de sua próxima
queda caso abandonasse o Papa, como acabou acontecendo.
Maximino alistou-se nos zuavos
pontifícios, mas a vida de caserna não correspondia a seu ideal. Em seus
últimos anos de vida foi acolhido por uma família de Paris, até que esta perdeu
a casa na revolução da comuna de 1870. Ele acabou dormindo ao relento e
contraiu a doença que lhe provocou a morte.
Na mais extrema indigência, Maximino pediu
a Mons. Ginoulhiac um lugar onde morrer dignamente. O prelado recusou o pedido.
O bispo, “turiferário do regime", (8) tinha sido recompensado
pelo governo com a Sé primacial de Lyon. Aliás, o Bem-aventurado Pio IX nunca
concedeu a esse prelado a honra do cardinalato, que é concedida ex-oficio a
todos os arcebispos de Lyon.
Na miséria, Maximino entregou sua alma a
Deus em sua cidade natal de Corps, em 1º de março de 1875, aos 39 anos de
idade. Deixou o exemplo de uma vida moral íntegra e de uma indomável
determinação em fazer a vontade de Nossa Senhora acima da vontade dos homens.
Seu coração foi depositado na basílica de La Salette, e seu corpo no pequeno
cemitério de Corps.
O Calvário de Melanie
Melanie ingressou nas Irmãs da Providência
em Corenc, diocese de Grenoble. Não quis fazer-se religiosa contemplativa, pois
queria ter toda a liberdade para divulgar o segredo de La Salette. A comunidade
ficou edificada com suas virtudes e dons sobrenaturais. Melanie recebera os
estigmas quando tinha quatro anos, e o Menino Jesus — a quem ela chamava “meu
irmãozinho” — aparecia-lhe regularmente para aconselhá-la. As religiosas
decidiram aceitar a sua profissão solene.
Mons. Ginoulhiac, porém, exigia-lhe que
silenciasse para sempre a mensagem de La Salette e não divulgasse o segredo
quando chegasse a data determinada pela Virgem Santíssima — 1858. Como Melanie
não aceitasse essa imposição, no dia de profissão o bispo a enviou para a
abadia da Grande Chartreuse. Na volta, a vidente percebeu que suas companheiras
tinham feito os votos, e que ela ficara de fora. Mons. Ginoulhiac aconselhou-a
a ingressar no Carmelo de Darlington, na Inglaterra. Era um exílio, mas Melanie
aceitou em espírito de obediência.
Em Darlington, as carmelitas ficaram
admiradas com os dons sobrenaturais incomuns de Melanie, bem como pelo assédio
que sofria por parte do demônio. Ela fez os votos com as ressalvas
indispensáveis para garantir a divulgação do segredo.
Melanie não sabia, mas Mons. Ginoulhiac
ordenara ao diretor espiritual dela, sob pena de interdito, entregar a ele as
cartas contendo matéria de consciência. Quando se aproximava a data de 1858,
ela sentiu-se numa espécie de cárcere e enviou cartas às autoridades, até
jogando-as por cima do muro da clausura. O fato foi muito explorado por seus
inimigos, mas o bispo de Exham lhe outorgou as devidas licenças e o Papa Pio IX
confirmou a exclaustração.
Voltou à França, mas nunca teve sossego,
estando sempre submetida a pressões para não revelar a mensagem. Em 1858, como
ordenara Nossa Senhora, ela enviou o segredo por inteiro ao Papa Pio IX. Além
do mais, providenciou sua publicação em Marselha em 1860; e em Lecce (Itália),
com imprimatur de Mons. Zola, em 1879. Ameaçada de excomunhão por
bispos adversários de La Salette, Mélanie instalou-se no sul da Itália, onde
alguns bispos a protegeram.
As incessantes mudanças de diocese, a que
foi forçada, deram pretexto para maiores difamações. Dizia-se que ela era
orgulhosa, egocêntrica, histérica, girovaga, mistificadora, amasiada com
padres, que fora surpreendida num prostíbulo, masoquista e antissemita!
Na Itália, Melanie foi co-fundadora das
religiosas do Divino Zelo, que tem entre suas finalidades rezar pela vinda dos Apóstolos
dos Últimos Tempos. O fundador — Santo Aníbal de França — foi seu diretor
espiritual nos últimos anos de vida. Também na Itália, o Beato Giacomo Cusmano
implorou o auxílio dela para fundar a Ordem dos Servos e Servas dos Pobres.
Melanie faleceu em Altamura, província de
Bari (Itália) –– sozinha num quarto, como tinha predito –– na noite de 14 para 15
de dezembro de 1904, com 72 anos de idade. Os vizinhos ouviram aquela noite um
cântico de anjos que saía de seu apartamento. Santo Aníbal de França pronunciou
ardoroso elogio fúnebre da vidente e de sua santidade nas catedrais de Altamura
e Messina. Um ano depois, durante a trasladação de seus restos mortais,
verificou-se que o corpo estava incorrupto. Numa segunda trasladação, já não estava
mais. Seu corpo venera-se em monumento fúnebre na capela do orfanato das
religiosas do Divino Zelo, em Altamura.
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Sto. Aníbal de França e Melanie |
Santo
Aníbal de França preparou seu processo de beatificação, mas não pôde
introduzi-lo pois foi chamado ao Céu. São Pedro Julião Eymard, fundador dos Sacramentinos,
morreu estreitando contra o peito uma imagem da aparição. O Papa São Pio X
perguntou ao bispo que presidiu os funerais de Melanie: “E nossa santa?”. (9)
Contraditados, antipatizados, difamados e
perseguidos por alguns, mas apreciados, defendidos e protegidos por pessoas
virtuosas e mesmo santas, Melanie e Maximino entraram na iconografia católica
aos pés de Nossa Senhora, nas inúmeras imagens de La Salette que se veneram em
toda a Terra.
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Notas:
3. Jean Stern, La
Salette — Documents authentiques, vol. 2, Cerf, Paris, pp. 284 ss.
4. René Laurentin —
Michel Corteville, Découverte du secret de La Salette, Fayard, Paris,
2002, p. 75.
5. Stern, op. cit.,
vol. 3, pp. 227-228.
6. Laurentin-Corteville,
op. cit, p. 106.
7. Stern, op. cit,
vol. 3, p. 161.
8. Laurentin-Corteville,
op. cit., p. 27.
9. Laurentin-Corteville, op.
cit., p. 139.
Fonte:
(excertos) de artigo de Luís Dufaur publicado em