quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Santa Lutgarda e o Papa Inocêncio III

    
     O Papa Inocêncio III morreu no dia 16 de julho de 1216. No mesmo dia, ele apareceu a Santa Lutgarda, no monastério de Aywières, região central da Bélgica. Surpresa por ver um espectro envolto em chamas, ela perguntou de quem se tratava e o que queria.
     “Sou o Papa Inocêncio”, ele respondeu.
     “Mas seria possível que o senhor, nosso pai comum, se encontrasse em um estado assim?”, ela perguntou.
     “Sim, eu de fato me encontro neste lugar”, ele respondeu. “Estou expiando três faltas que teriam causado minha perdição eterna. Graças à bem-aventurada Virgem Maria, obtive o perdão delas, mas tenho de fazer reparação. Ai de mim! Aqui é terrível e isto durará por séculos, se tu não vieres em meu auxílio. Em nome de Maria, que obteve para mim o favor de recorrer a ti, ajuda-me”.
     Depois de dizer estas palavras, ele desapareceu.
     Lutgarda anunciou a morte do Papa a suas irmãs, e juntas elas se dedicaram à oração e a obras penitenciais em favor do augusto e venerável Pontífice, cujo falecimento lhes foi comunicado algumas semanas depois, vindo de outra fonte.
     Nos constrange pensar que um Papa, e ainda mais este Papa, tivesse se condenado a um Purgatório tão longo e terrível!
     O papa Inocêncio III, pontífice de 1198 até 1216, foi um dos papas mais influentes da história. Sabemos que ele foi um dos maiores Pontífices a se sentar no trono de S. Pedro. Ele convocou e presidiu em 1215 o célebre Concílio de Latrão, no qual foi definida dogmaticamente a doutrina da transubstanciação. Foi ele que concedeu a São Francisco de Assis e ao seu pequeno grupo de seguidores a permissão para fundar a Ordem dos Frades Menores.  Seu zelo e sua piedade levaram-no a realizar grandes feitos pela Igreja de Deus e pela santa disciplina. Ele fez grandes esforços para combater as heresias na Europa e repelir a invasão das hordas muçulmanas. Em parte, a sua grande energia se devia à incomum juventude com que foi eleito papa: 37 anos de idade.
     No entanto, após 18 anos como pontífice, ele morreu de repente.
     Como admitir, então, que um homem dessa estirpe fosse julgado com tamanha severidade pelo Tribunal Supremo? Como reconciliar essa revelação de Santa Lutgarda com a misericórdia divina?
     A veracidade dessa aparição é admitida pelos mais sérios autores, não sendo rejeitada por nenhum sequer. Ademais, o biógrafo dessa santa, Tomás de Cantimpré, é muito transparente ao escrever e, ao mesmo tempo, bastante reservado. “Devo explicar, leitor”, ele escreve ao fim de sua narrativa, “que foi da própria boca da piedosa Lutgarda que eu ouvi as faltas reveladas pelo defunto, as quais eu omito aqui por respeito a um tão grande Pontífice”.
     Os Papas aparecem diante do tribunal de Deus assim como o mais humilde dos fiéis. Judicium durissimum his, qui praesunt, fiet: “Será duríssimo o juízo dos que governam” (Sb 6, 6). É o Espírito Santo quem o declara. Pois bem, Inocêncio III reinou por dezoito anos e durante tempos muito turbulentos; além disso, acrescentam os Bolandistas, não está escrito que os julgamentos de Deus são inescrutáveis, e com frequência muito diferentes dos julgamentos dos homens? Judicia tua abyssus multa: “Teus juízos são como o grande abismo” (Sl 35, 7).
     A realidade dessa aparição não pode, portanto, ser razoavelmente posta em dúvida, dado que Deus não revela mistérios dessa natureza senão com o fim de que sejam conhecidos para a edificação de sua Igreja.

Referências: Extraído e levemente adaptado da obra "Purgatory Explained by the Lives and Legends of the Saints” (c. XXII), Londres: Burns & Oates, 1893, pp. 71-73.
(Pe. François Xavier Schouppe, via Pe. Paulo Ricardo)

Quem foi Santa Lutgarda?
    
     Santa Lutgarda, Mística Cisterciense de Aywières, Bélgica, é padroeira dos cegos e é festejada no dia 16 de junho.
     Ela nasceu em Tongres, Holanda, em 1182. Aos doze anos de idade foi recomendada às monjas beneditinas do Convento de Santa Catarina, próximo de Saint-Trond, não por piedade, mas porque o dinheiro para seu dote matrimonial havia sido perdido por seu pai. Era o costume da época.
      Lutgarda era bonita e gostava de divertir-se sadiamente e de vestir-se bem. Não aparentava ter vocação religiosa; vivia no convento como uma espécie de pensionista, livre para entrar e sair.
     Um dia, porém, enquanto conversava com umas pessoas amigas, teve uma visão de Nosso Senhor Jesus Cristo que lhe mostrava suas feridas e lhe pedia que amasse somente a Ele. Lutgarda naquele dia descobriu o amor de Jesus e o aceitou no mesmo instante como seu Prometido. Desde aquele momento sua vida mudou. Algumas monjas, que observaram a mudança em Lutgarda, vaticinaram que aquilo não duraria. Enganaram-se, pois seu amor por Jesus crescia. 
     Ao rezar, Lutgarda O via com seus olhos corporais, falava com Ele de forma familiar. Quando a chamavam para algum serviço ela dizia a Jesus: "Espere-me aqui, meu Senhor; voltarei logo que termine esta tarefa". Teve também visões de Santa Catarina, a padroeira de seu convento, e de São João Evangelista.  Às vezes durante seus êxtases erguia-se um palmo do solo ou sua cabeça irradiava luz.
     Participava misticamente dos sofrimentos de Jesus quando meditava sobre a Paixão. Nessas ocasiões apareciam em sua fronte e em seus cabelos minúsculas gotas de sangue. Seu amor se estendia a todos de maneira que sentia como próprias as dores e penúrias alheias.
     Depois de doze anos no Convento de Santa Catarina, sentiu-se inspirada a abraçar a regra cisterciense que é mais estrita. Seguindo o conselho de sua amiga Santa Cristina, que era do seu convento, ingressou no Convento Cisterciense de Aywières. Ali só se falava o francês, idioma que ela desconhecia, mas era para ela uma forma de maior desapego do mundo.
     Certa ocasião, quando rezava oferecendo veementemente sua vida ao Senhor, arrebentou-se uma veia que lhe causou uma forte hemorragia. Foi-lhe revelado que no Céu aquilo fora aceito como um martírio.
     Tinha o dom de cura de enfermos, de profetizar, de entender as Sagradas Escrituras, de consolar espiritualmente. Segundo a Beata Maria de Oignies, Lutgarda é uma intercessora sem igual para os pecadores e as almas do purgatório.
 
Visões do Sagrado Coração de Jesus

     Em uma ocasião, Nosso Senhor lhe perguntou que presente ela desejava. Ela respondeu: "Quero Teu Coração", ao que Jesus respondeu: "Eu quero teu coração". Aconteceu então algo sem precedentes conhecidos: Nosso Senhor misticamente trocou corações com Lutgarda.
     Onze anos antes de morrer Santa Lutgarda perdeu a visão, fato que recebeu com gozo, como uma graça para desprender-se mais de tudo. Mesmo cega jejuava severamente. O Senhor lhe apareceu para anunciar sua morte e as três coisas que devia fazer para preparar-se:
1 - dar graças a Deus sem cessar pelos bens recebidos;
2 - rezar com a mesma insistência pela conversão dos pecadores;
3 - em tudo confiar unicamente em Deus.
     Sua morte ocorreu na noite do sábado posterior à Festa da Santíssima Trindade, precisamente quando começava o oficio noturno do domingo. Era o dia 16 de junho de 1246.
     Foi beatificada e o seu túmulo, no coro de Aywières, foi objeto de grande devoção.
     No dia 4 de dezembro de 1796, para escapar às consequências da Revolução Francesa, a comunidade de refugiou em Ittre com as relíquias da Santa, exumada no século XVI.
     Em 1870 os preciosos despojos tornaram-se propriedade da igreja paroquial e, sete anos depois, passaram para Bas-Ittre.   

Festa dos Santos Inocentes - 28 de dezembro

    

     São Mateus narra a chacina das crianças de Belém (Mt 2,13-18). A celebração destes “santos inocentes” por ordem do perseguidor, o rei Herodes, tem uma história muito antiga na liturgia da Igreja. Por volta da metade do século 5º, São Pedro Crisólogo já se referia a ela. No calendário da Igreja em Cartago, no século anterior, ela já constava. Os Inocentes são mártires, pois foram mortos por causa de Jesus, por ódio ao Messias. São inocentes, porque não tinham culpa nenhuma.
     Herodes era famoso pela crueldade. Foram matanças contra assaltantes que o levaram ao trono, por determinação dos romanos, que queriam ordem a todo custo no Império. Assassinou, por ciúmes, a princesa Mariana, descendente dos Macabeus, que ele, porém, amava, filha do sumo sacerdote Hircano II. Temeroso de que desejavam o seu reino, mandou matar seu genro, José; Salomé; o sumo sacerdote Hircano II; os irmãos de Mariana, Aristóbulo e Alexandra; seus próprios filhos, Aristóbulo, Alexander e Antipatro.
     O Imperador Augusto teria comentado, fazendo um trocadilho em grego: “É melhor ser porco (“hys”) de Herodes, do que filho (“hyos”).
     A cidadezinha de Belém teria uns mil habitantes no tempo do Nascimento de Jesus. Portanto deveria haver cerca de quarenta meninos de dois anos para baixo. O poeta Prudêncio os chama de “flores dos mártires”, flores que enfeitaram o berço do Redentor.
Alguém censurou São José por não ter avisado ao povo de Belém a respeito do seu sonho. A pergunta fica: quem teria acreditado num pobrezinho, desconhecido na cidade, e que viesse acordá-los falando de anjos e sonhos? Se não creem no Ressuscitado, por que acreditariam no humilde operário de Nazaré?
     São Mateus, no seu relato, recorda uma passagem do Profeta Jeremias: “Raquel chora seus filhos”. Na profecia, Raquel simboliza as mães de Israel, que choravam os seus filhos deportados pelos assírios, membros das tribos de Efraim, Manassés e Benjamim. Sempre haverá mães chorando, enquanto nossos corações se deixarem endurecer no desprezo ao Amor, que se fez carne e habitou entre nós. Este desprezo nasce de um amor exagerado a si próprio, egoísmo, apego ao poder, a ponto de nada respeitar, muito menos a vida humana. Isto é um amor infernal! Deus nos livre deste mal terrível, por intercessão dos Santos Inocentes.
A gruta de Belém e os Santos Inocentes
     Santa Helena, mãe do imperador Constantino, que deu paz aos cristãos no século IV, construiu uma Basílica sobre a gruta de Belém, onde o Menino Jesus nasceu. Essa Basílica, reconstruída, ainda existe e guarda em sua cripta a preciosa gruta onde uma estrela de prata marca o lugar do santo nascimento. “Aqui nasceu Jesus Cristo de Maria, a Virgem”, diz a inscrição em latim.
     A gruta de Belém é um sistema de cavernas que se estendem debaixo da antiga basílica e do templo católico de Santa Catarina. Em uma dessas cavernas foram encontrados restos de crianças enterradas. O primeiro pensamento foi que eram os restos dos Santos Inocentes, mas os caixões correspondiam a uma época muito posterior. De todo modo, essa caverna foi dedicada à memória dos Santos Inocentes.
Os santos inocentes de hoje
“Da boca dos pequeninos e das criancinhas de peito preparaste um louvor para ti”
(Mt 21,16).
     No dia 28 de dezembro, em que a Igreja celebra os Santos Inocentes, os grupos pró-vida festejam a vida dos bebês e para protestar contra o aborto. A oração a seguir [1] pode ser rezada pedindo a intercessão dos pequenos mártires.
     Ó Santos Inocentes, pequeninos, mortos por alguém que se julgava “grande”, intercedei a Deus em favor de tantos pequeninos, que continuamente são ameaçados pelo aborto, vítimas do ódio dos “grandes”. 
     Ó Santos Inocentes, que derramastes vosso sangue por Cristo, antes mesmo que Cristo derramasse seu sangue por vós, intercedei a Deus para que não vacilemos diante das tribulações que sofremos por causa de Cristo, mesmo que elas cheguem até o martírio cruento.
     Ó Santos Inocentes, que proclamastes a glória de Deus não por palavras, mas pela própria morte, intercedei por nós a fim de que testemunhemos com a vida e com a morte aquilo que nossos lábios professam.
     Ó Santos Inocentes, cuja morte causou tanta dor em vossos pais, intercedei a Deus por aqueles pais e mães que hoje, sem necessidade da ordem de um rei, voluntariamente procuram o aborto de seus filhos.
     Ó Santos Inocentes, vítimas da covardia dos soldados executores da ordem de Herodes, intercedei a Deus por todos os médicos, enfermeiras e demais profissionais que, por medo de desagradar às autoridades, praticam aborto em nossos hospitais.
     Ó Santos Inocentes, cujo sangue foi fonte de bênçãos para a cidade de Belém, intercedei a Deus para que nos livre da aprovação de uma lei permitindo o aborto em nosso país. Por vossa intercessão, livrai-nos do derramamento de um sangue de maldição e de morte em território brasileiro.
     Ó Santos Inocentes, que derramastes vosso sangue conservando a inocência, intercedei a Deus em favor das criancinhas já nascidas, cuja inocência é ameaçada por uma avalanche de corrupção moral.
     Ó Santos Inocentes, que morrestes após o nascimento, mas antes da idade adulta, intercedei a Deus para que não se fabriquem, não se manipulem nem se destruam os pequeninos em laboratório, em nome da medicina. Por vossa intercessão, que nenhuma criança seja considerada excedente ou descartável.
     Ó Santos Inocentes, cujo brilho nos olhos causou tanto ódio em quem odiava a Deus, intercedei por nós a fim de que não nos esqueçamos de que a luta contra o aborto é sobretudo uma luta espiritual contra o demônio, luta esta que requer o uso de armas espirituais.

Fontes:
http://www.providaanapolis.org.br/index.php/todos-os-artigos/item/283-os-santos-inocentes
http://www.caminhandocomele.com.br/os-santos-inocentes-28-de-dezembro/

[1] Devidamente aprovada pelo Bispo de Anápolis Dom João Wilk.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A Imperatriz Sissi e o Natal dos pobres

     
     Em nenhum lugar o Natal era comemorado com tanto fervor quanto na corte austríaca. A véspera de Natal era uma festa dupla, como também era o aniversário de Elizabeth.
     Havia sempre duas árvores de Natal, uma no dia 23 de dezembro, que a pequena arquiduquesa decorava com as próprias mãos para uma centena de crianças pobres selecionadas dentre seus protegidos especiais, e uma no dia 24 para a família imperial. Os grandes abetos brilhando com nozes de prata e ouro, maçãs de bochechas rosadas, e miríades de pequenas luzes para iluminar os milhares de brinquedos bonitos, eram coisas para admirar.
     Às quatro horas da tarde do dia 23, a árvore das crianças pobres era iluminada no Rittersaal, a esplêndida galeria de teto alto e arqueado, onde havia vitrais, tapeçarias flamengas de valor incalculável, cortinas de veludo vermelho e grandes escudos de metal esmaltado, cobertos por finas esculturas. Cada quadro e espelho, cada uma das duas fileiras de sombrias armaduras que ficavam de cada lado do longo "Saal", eram enfeitados com visco e azevinho. Guirlandas de rosas de Natal e gotas de neve salpicavam as grinaldas de hera dispostas graciosamente em todos os cantos disponíveis. No piso da gigantesca lareira troncos aromáticos queimavam, acrescentando seu suave brilho às chamas deslumbrantes das velas na árvore de Natal.
      Quando os lacaios, em suas librés, abriam as portas e os pesados ​​pórticos, a tropa de crianças encasacadas, admitidas às delícias dignas do Paraíso, faziam uma reverência, mas sem timidez - pois sabiam que eram amadas lá e bem-vindas também - depois se aproximavam em fila: os meninos à direita e as meninas à esquerda.
     A Arquiduquesa Valéria era uma imagem encantadora de se ver enquanto avançava em direção a eles, um sorriso alegre em seus lábios e suas pequenas mãos cheias de pacotes enfeitados, como uma pequena fada pronta para distribuir seus pródigos presentes. Cada criança recebia roupas quentes, botas, bonés, lenços, lingerie de lã, luvas revestidas de peles e brinquedos, para não falar das guloseimas, como "Mutzerl", chamados de bombons de todos os tipos.
     As crianças felizes expressavam seu êxtase por meio de pulos e gritos de alegria, tão desinibidos como se estivessem em suas próprias casas e não dentro das paredes do palácio imperial. Quando o ruído diminuía um pouco, a Arquiduquesa invariavelmente pedia, como sua recompensa, para ouvi-los cantar o "Hino do Kaiser". Por um minuto todos ficavam quietos, então a grande melodia ondulava sob os tetos altos, as vozes infantis ressoavam como a canção de cem cotovias excitadas pela mera alegria de viver. Quando esses alegres sons mais uma vez se silenciavam, as portas do Rittersaal eram abertas, revelando um grande salão onde uma festa substanciosa fora preparada.  
   Ah! como todos esses olhos infantis se dilatavam de surpresa ao ver as longas mesas cobertas de enormes assados, carne de veado, ótimas ervas, perus trufados e enormes pilhas de sanduíches delicadamente cortados. Maravilhosos bolos cheios de frutas confeitadas, chuva de bombons em grandes conchas de prata, pirâmides de uvas e pêssegos, peras, laranjas e abacaxis, completavam este conjunto esplêndido, por cima do qual flutuavam os delicados aromas de chá, café, chocolate e caldo de legumes.
    Mais tarde, quando as crianças felizes se despediam, seus pequenos estômagos bem preenchidos e as pequenas mãos sobrecarregadas de presentes, Valéria tinha um outro dever, igualmente agradável para ela. O prefeito de Viena, quando o Natal era passado naquela metrópole austríaca em vez de Gödöllö, como sempre era o caso, era convocado para Hofburg e recebia um pequeno portfólio contendo a oferta de Natal do casal imperial para os hospitais da cidade, dez mil florins e uma pedido para frutas, charutos, papéis ilustrados e revistas, bem como uma quantidade de flores ...

Marguerite Cunliffe-Owen, The Martyrdom of an Empress (New York: Harper & Brothers, Publishers, 1902), pp. 86-88.
Short Stories on Honor, Chivalry, and the World of Nobility—no. 241


sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Beatas Maria Jula Ivanišević e 4 companheiras, mártires

   
     Num mundo em que a honra e a dignidade feminina são substituídas por uma liberdade que descamba para a libertinagem, estas cinco mártires da castidade, em pleno século XX, nos dão exemplo de qual é a verdadeira face da mulher católica.
     As “mártires do Drina” faziam parte da Congregação das Filhas do Amor Divino.
*
    A Serva de Deus Madre Francisca Lechner, Fundadora da Congregação das Filhas do Amor Divino (fundada em Viena em 1868), recebeu do Arcebispo Josef Stadler o convite para a abertura de uma Comunidade de Religiosas em Sarajevo, Bósnia. Após os trâmites legais, a própria Madre Francisca e duas Irmãs partiram de Viena, Áustria, no dia 24 de abril de 1882, e chegaram a Sarajevo no dia 28 do mesmo mês.
     Em Sarajevo as Irmãs trabalhavam em escolas e acolhiam alunas internas e crianças órfãs. Rapidamente seu trabalho foi reconhecido e ganhou o prestígio da população. A missão das Filhas do Amor Divino foi se expandindo em Sarajevo e arredores, com o trabalho abnegado e generoso das Irmãs. Para atender a demanda da missão, foi necessário realizar novas fundações.
     Assim, em 1911, em Pale, localidade distante cerca de 20 k de Sarajevo, abriram um convento, “Casa de Maria”. Inicialmente esta casa era destinada para o repouso das religiosas que trabalhavam no Instituto São José, em Sarajevo, e para a recuperação de doentes. Entretanto, a “Casa de Maria” foi recebendo credibilidade e se tornou famosa pelas obras de caridade exercidas em favor de todos os necessitados que batiam às suas portas. Pale era um corredor de muitos transeuntes, pessoas que iam e retornavam de Sarajevo. Nesta casa também eram acolhidas pessoas, sem fazer distinção de etnia, cultura, cor, religião, que vinham de diferentes lugares. Ali recebiam alimentação e, não raras vezes, lugar para um repouso restaurador de energias para então seguir a viagem.
     As culturas ocidental e oriental - e seus respectivos interesses políticos e econômicos - chocavam-se seguidas vezes. A 2ª Guerra Mundial foi particularmente trágica na Bósnia oriental. O Rio Drina estabelece o limite entre as duas partes que hoje divide a Bósnia da Sérvia. Houve um conflito acirrado entre os sérvios e a população muçulmana e católica da Bósnia oriental. Estes povos foram duplamente provados pelas tragédias: em primeiro lugar, porque um grande número de civis inocentes perdeu a vida; em segundo, porque os que sobreviveram ao massacre tiveram de abandonar o seu ambiente e foram forçados a fugir.
     Havia duas facções que entravam em atrito: os “četnik”, membros voluntários da tropa armada do Estado da Sérvia. É um grupo irregular com conotação terrorista contra os povos não Sérvios; os “uštasa”, croatas revolucionários da direita. Aqueles multiplicavam os ataques às populações civis católicas e muçulmanas. Os incêndios às vilas indefesas, as torturas mais desumanas e os assassinatos em massa, o corte das linhas de comunicação fazia parte da ordem do dia. Estes, apoiados pelas forças armadas de ocupação ítalo-germânica, instituíam, a exemplo deles, os campos de concentração onde perderam a vida dezenas de milhares de opositores ao regime, mas também civis inocentes.
     Neste ambiente conflituoso, as Irmãs viviam e doavam a sua vida em favor do próximo e experimentavam a dor do povo indefeso e inocente.
     As cinco Irmãs Filhas do Amor Divino que formavam a comunidade “Casa de Maria”, em Pale, eram:
           - Maria Jula Ivanišević, nasceu em Godinjak, Croácia, em 1893. Desde sua juventude manifestou a vontade de entrar no convento, se bem que teve que esperar por causa da enfermidade de sua mãe.  Ingressou no Instituto dedicado a responder às necessidades sociais da juventude feminina de seu tempo. Exemplar na obediência, realizou diversos serviços. Em 1883 foi enviada à Bósnia, onde permaneceu o resto de sua vida. Foi uma religiosa “segundo o Coração de Jesus”, modelo na oração e no sacrifício, modesta e humilde, com um amor ilimitado ao Senhor, à Congregação e ao próximo. Fundamentalmente se sentia grata à Providência por haver sido educada na fé católica e pelo dom da vocação religiosa.
     Foi enviada a Pale como superiora da comunidade, onde exercia seu apostolado empenhando-se no âmbito pastoral e caritativo. Com efeito, em seu convento, chamado o “hospital dos pobres”, acolhia os doentes, os convalescentes, pobres e fugitivos. Sua atividade generosa e gratuita era de domínio público entre os habitantes daquela região, composta especialmente por ortodoxos.
          - Berchmana Leidenix - seu nome de batismo era Karoline Anna Leidenix; nasceu em 28 de novembro de 1865 em Enzersdorf, vizinho de Viena, Áustria, sendo seus pais Michael e Josefa. Foi batizada dois dias depois na igreja paroquial de São Tomé, Apóstolo. Nasceu em seguida uma outra filha, Matilde (mais tarde religiosa, Irmã Bernarda, FDC), e uma terceira nasce morta. A família logo ficou sem o pai, o que deixou Josefa, a mãe, em uma difícil situação social. A Madre Francisca Lechner, acolheu as duas meninas no convento em 1878. Karoline tinha então 12 anos.
     Durante os estudos sentiu-se chamada e decidiu se tornar membro daquela Congregação. Ingressou no noviciado em 1882 e recebeu o nome de Irmã Maria Berchmana Johanna. Emitiu os primeiros votos em 20 de agosto de 1883 e os perpétuos em 17 de agosto de 1892. Foi enviada à Bósnia, então país de missão, onde permaneceu a vida toda.
     Professora muito hábil e empenhada, trabalhou nas escolas da Congregação. Além de outras atividades, dava aulas de catecismo. Durante a 1°. Guerra Mundial, prestou serviço no hospital militar alemão de Višegrad, cuidando dos doentes e dos feridos. A administração do hospital expressou sua gratidão em carta de 1915.
     Em 1931, quando tinha mais de 60 anos, foi nomeada mestra de noviças em Sarajevo. Na sua atividade educativa procurava infundir o amor por Deus, pela Igreja e pelo próximo nos corações das noviças, conforme afirmam aquelas que educou.
     Irmã Berchmana era uma mulher de fé profunda. Continuamente se dirigia à capela, toda imersa na oração. Ela sofria de asma, mas suportava tudo com paciência, abandonada à vontade de Deus. Se distinguia particularmente pelo equilíbrio, pontualidade e disciplina, exigindo o mesmo das noviças. Dois meses antes da sua morte, falando com o Pe. Ksaver Meško, Irmã Berchmana assim sintetizou a sua vida: “Por duas coisas sou infinitamente grata a Deus: porque nasci e fui educada na fé católica e porque me tornei religiosa”.
     Foi assassinada no dia 23 de dezembro de 1941 em um bosque de Sjetlina na idade de 76 anos. 
          - Krizina Bojanc, eslovena, nascida em 1885, "silenciosa e diligente como uma abelha", entrou no convento com 36 anos, quando as condições da família o permitiram. Aos 56 anos de idade, ela tinha um olhar atento para ajudar e confortar suas coirmãs, porque ela era simples, mas "cheia de Deus, era como se estivesse sempre pensando em Deus".
          - Antonija Fabjan, nome de batismo Josefa, nasceu em 23 de janeiro de 1907 no vilarejo de Malo Lipje (vizinho a Žužemberk, na Eslovênia) terceira de cinco filhos da mãe Josefa e do pai Janez (que tinha outros 3 filhos da primeira esposa que morrera). Perdeu o pai quando tinha 4 anos, e a mãe faleceu quando ela tinha 11 anos. Josefa foi confiada aos cuidados de uma das tias.
     Ingressou no convento em 9 de abril de 1929 e se consagrou a Deus em 19 de março de 1932. Esteve primeiramente no convento de Betânia próximo de Sarajevo, depois foi para Antunovac na Ilidža, e de novo no convento Betânia. Fazia trabalhos agrícolas e cuidava dos animais. Tinha uma saúde muito frágil e por isso passou um tempo em Pale se convalescendo, para onde foi transferida em 16 de setembro de 1936 e onde permaneceu até sua morte.
     Na Casa de Maria atendia os doentes e recebia pobres e crianças com boa vontade. Fazia todo necessário: cozinha, lavanderia, jardim e capela. O servir era o seu grande dom e simplesmente reconhecia as necessidades dos outros. Tinha uma palavra boa para todos.
     Era notada pela obediência e pelo espírito juvenil. Irmã M. Wilibalda Markensteiner disse dela: “Esta era a nossa grande menina! De boa vontade rezava em silêncio na capela do convento. Depois da oração sabia dizer: ‘Rezei, mas não recebi’”. Irmã M. Ligorija Murn deu este testemunho: “Quando Irmã Antonija estava comigo em Betânia, me contou que sua tia dizia sempre: ‘A quem te faz mal, tu faças o bem!’, como fala a passagem do Evangelho. Fui sempre fiel a estas palavras”.
     Na manhã do dia 11 de dezembro de 1941, o dia em que seria presa com suas coirmãs, um cetnico disparou e quase a matou enquanto ela fugia para a Casa de Maria.
          - Bernadeta Banja de origem húngara, nascida na Croácia em 1912, de 29 anos, a mais jovem das cinco mártires; era a cozinheira da comunidade, mas tão pequena de estatura que tinha que subir em um banquinho para desempenhar sua função. Era de uma família devota e numerosa, que considerou sua vocação como uma bênção de Deus; alegre, ela escolheu ser "fiel no pouco", e fazia um grande trabalho sobre si mesma para melhorar seu caráter e ser mais prestativa e humilde.   

   Era perigoso viver em Pale. Diante das sugestões de abandonar o povo, as Irmãs que ali viviam decidiram permanecer no meio dele, para compartilhar sua sorte e continuar a testemunhar-lhes o Amor Divino. Como era de se esperar, em 11 de dezembro de 1941, os soldados da milícia “četnik” aprisionaram as Irmãs, saquearam e incendiaram o convento.
     Assim iniciou a via-sacra dessas cinco Irmãs. Elas foram obrigadas a marchar, durante 4 dias e 4 noites, pelos caminhos da montanha Romanija, na neve, sem veste adequada, com interrogatórios, ameaças e ofensas. Irmã Berchmana não podendo prosseguir a caminhada, foi levada a Sjetlina onde se recuperaria do cansaço. Conforme o combinado, ela deveria ser levada também para Goražde, a fim de se juntar ao grupo de suas coirmãs, o que não aconteceu. Ela foi morta no dia 23 de dezembro, no bosque de Sjetlina.
     As Irmãs tiveram de continuar a sua caminhada até Goražde, percorrendo cerca de 70 km. Ali chegaram na tarde de 15 de dezembro e foram levadas à caserna (2° andar do quartel), próxima ao Rio Drina. À noite, os “četnik”, completamente embriagados, invadiram o seu quarto com intenção de violentá-las, pediram que renunciassem à vida religiosa, em troca suas vidas seriam garantidas, teriam trabalho e graduação militar. Elas, porém, resistiram fortemente e declararam que estavam prontas a morrer antes de trair Deus e a própria consagração.
     Em defesa da dignidade e honrando o voto de castidade, Irmã Jula, Superiora da Comunidade, para evitar o estupro, abriu a janela e convidou as demais Irmãs a segui-la. Com a invocação “Jesus, salva-nos!”, lançou-se no vazio e as outras três fizeram o mesmo. Os soldados furiosos, sentindo-se derrotados, às pressas desceram as escadas até o local onde as Irmãs haviam caído e com muitíssimos golpes de faca mataram-nas. Depois, chutaram seus corpos até as margens do Rio Drina. Um soldado, também ferido por este grupo, viu como cada uma delas, antes de morrer, fez o sinal da cruz.
     Durante o processo canônico, fica evidente que as Irmãs foram mortas pelo fato de serem freiras católicas e por ter rejeitado o assédio dos soldados; foram consideradas mártires pelo ódio à fé e pela pureza.
     As Irmãs Jula, Berchmana, Krizina, Antonija e Bernadeta, conhecidas como as Mártires do Drina, verdadeiras missionárias na Bósnia sofrida, serviram a Deus e aos pobres com generosidade e amor desinteressado. Ao derramarem seu sangue, confirmaram a fidelidade a Deus. Estas zelosas religiosas foram elevadas à glória dos altares em 24 de setembro de 2011 como "mártires do Drina".

Fontes: Congregação das Filhas do Amor Divino; santiebeati/it

Beata Elia de São Clemente - 25 de dezembro

    
A Beata na adolescência
Uma vida simples, mas na qual podemos ver uma profunda experiência de Deus. Seus modelos, Santa Teresinha do Menino Jesus e, claro, a grande Santa Teresa. Mas foi com a primeira que ela mais se assemelhou.
     O pensamento de que eu vivo para Ti, meu Deus, deve me fazer feliz em todos os eventos. Peço-Te, meu bom Jesus, com todo o meu coração a graça do desapego de todas as coisas deste mundo e viver apenas para Ti, de não desejar nada para mim, mas viver como se eu fosse sozinha no mundo”.
     Dá-me graça, ó meu Deus, para penetrar nos segredos mais íntimos do teu Coração ardente, e viver aqui desconhecida para qualquer olhar humano vivo e até para mim mesma; faça que eu aja conduzida diretamente por Ti, fale inspirada por Ti, viva de Teu respiro, e as batidas do meu coração se fundam com as batidas divinas do Teu”.
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     Terceira filha de José Fracasso e Pasqua Cianci, a nova Beata nasceu no dia 17 de janeiro de 1901, em Bari (Itália), e aos quatro dias foi batizada, com o nome de Teodora, na igreja de Santiago por seu tio o Pe. Carlos Fracasso, capelão do cemitério. Recebeu a confirmação em 1903.
     Em 1929, seu pai, mestre pintor e decorador de edifícios, com grandes sacrifícios abriu um negócio para a venda de pinturas. Sua mãe se ocupava dos trabalhos domésticos. Considerados ambos como ótimos cristãos praticantes, tiveram nove filhos, quatro dos quais morreram em tenra idade. Representavam um ponto seguro de referência no crescimento humano e espiritual para os cinco filhos que restaram: Prudência, Ana, Teodora, Domingas e Nicola.
     Quando tinha cerca de cinco anos de idade, Teodora afirmou ter visto em sonho uma linda “Senhora” que passeava num campo coberto de lírios floridos e em seguida desapareceu num feixe de luz. Depois de sua mãe lhe ter explicado o possível significado da visão, a criança prometeu que quando crescesse se tornaria monja. 
     Em 8 de maio de 1911, depois de ter feito uma longa preparação, recebeu a Primeira Comunhão; na noite precedente sonhou com Santa Teresa do Menino Jesus, que lhe prediz: “Serás monja como eu”. Depois frequentou a oficina de costura e de bordado no Instituto das Religiosas Estigmatinas, onde também havia aprendido as primeiras letras.
     Entrou na Associação da Beata Imelda Lambertini, dominicana de acentuada piedade eucarística, e depois na “Milícia Angélica” de São Tomás de Aquino, reunindo-se periodicamente com as amigas para meditar e rezar, ler o Evangelho, a “Imitação de Cristo”, as vidas dos santos e em particular a autobiografia de Santa Teresinha.
     Enquanto isso, a não bem definida vocação religiosa de Teodora começava a tomar uma direção sob o conselho do Pe. Pedro Fiorillo, O. P., seu diretor espiritual, que a introduziu na Terceira Ordem Dominicana, na qual, admitida como noviça em 20 de abril de 1914 com o nome de Inês, fez a profissão em 14 de maio de 1915, com dispensa especial por sua jovem idade.
     Durante os anos difíceis da guerra 1914-1918, Teodora encontrou uma infinidade de ocasiões para ampliar mais além do âmbito familiar e de suas amizades seu campo de apostolado, de catequese e de assistência, dando livremente caminho a seu ardente desejo de fazer bem ao próximo. Mas, o seu coração aspirava por uma vida de clausura.
     Em fins de 1917, Teodora decidiu dirigir-se ao padre jesuíta Sergio Di Giorgia para pedir conselho, o qual, convertido em seu novo confessor, decidiu encaminhá-la, depois de cerca de um ano, junto com a amiga Clara Bellomo, futura Irmã Diomira do Divino Amor, ao Carmelo de São José, da Rua De Rossi, em Bari, ao qual se dirigiram ambas por vez primeira em dezembro de 1918.
        Entrou na Ordem dos Carmelitas Descalços em 8 de abril de 1920 e vestiu o hábito em 24 de novembro do mesmo ano, tomando o nome de Irmã Elia de São Clemente. Emitiu os primeiros votos em 4 de dezembro de 1921: "Só aos pés de meu Senhor crucificado – escreveu – fitei-o longamente, e naquele olhar vi que ele era toda minha vida". Além de Santa Teresa de Jesus, tomou como guia Santa Teresa do Menino Jesus seguindo "a pequena via da infância espiritual de onde me sentia" - afirma a Beata - "chamada pelo Senhor". Fez a profissão solene em 11 de fevereiro de 1925.
     Seu caminho, desde o início, não foi fácil. Já nos primeiros meses do noviciado havia tido de enfrentar com grande espírito de fé não poucas dificuldades. Mas o verdadeiro problema surgiu depois que a madre priora, Angélica Lamberti, na primavera de 1923, nomeou a Irmã Elia responsável pela máquina de bordar e ornamentar no centro de educação para jovenzinhas junto ao Carmelo. A diretora, Irmã Paloma do Santíssimo Sacramento, de caráter autoritário, severa e pouco compreensiva, não via com bons olhos a bondade e a gentileza com que Irmã Elia tratava as alunas e, depois de dois anos, tirou-a de seu ofício.

     Sempre rigorosamente observante das regras e dos atos comuns, a beata passava longos momentos de grande parte da jornada em sua cela, dedicada aos trabalhos de costura que lhe eram encomendados, continuando inclusive a desfrutar de uma grande estima por parte da madre priora, que a nomeou sacristã em 1927. Nesta dolorosa prova, serviu-lhe de grande consolo o Pe. Elias de Santo Ambrósio, procurador geral da Ordem dos Carmelitas Descalços, que a havia conhecido em 1922, por ocasião de uma visita ao Carmelo de São José, e com o qual a jovem manteve uma edificante correspondência epistolar tirando um grande proveito.
     No final de 1926, afetada por uma forte gripe que a debilitou muito, Irmã Elia começou a acusar frequentes dores de cabeça das quais não se lamentava, e que suportava sem tomar nenhum medicamento. Ela passou a chamar estas dores de “irmãozinho” amado. “Meu irmãozinho – escreve para o sacerdote que dirigia a sua alma – não me permite fazer longos discursos, muito menos ouvir. Como o Sr. vê, todas as coisas cooperam para me isolar cada vez mais de tudo e viver somente de Deus. Nada perturba a paz de minha alma. Tudo que eu preciso é uma alavanca para levantar-me a Ele. Não, Padre venerável, não me arrependo de me ter consagrado uma vítima do Senhor”.
     Na verdade, era o começo de uma encefalite que a levaria à morte. Sua doença foi quase despercebida, tratada como uma simples gripe. A Irmã Elia sofreu deste mal durante o ano inteiro. Poucos dias antes do Natal, em 21 de dezembro, Irmã Elia começou a ter uma forte febre e outras moléstias, a situação se fez cada vez mais preocupante. Em 24 de dezembro a visitou um médico que, ainda que tivesse diagnosticado uma possível meningite ou encefalite, não considerou a situação clínica particularmente grave, pelo que somente na manhã seguinte foram convocados à cabeceira da enferma dois médicos, os quais desgraçadamente constataram que suas condições eram irreversíveis.
     A Beata faleceu ao meio-dia de 25 de dezembro de 1927, entrando no Céu como tinha previsto: “Morrerei num dia de festa”. O arcebispo de Bari, Mons. Augusto Curi, celebrou o funeral no dia seguinte em presença dos familiares da Beata e com a participação de muita gente.
     A jovem Carmelita deixou em todos uma lembrança nostálgica, mas também um grande ensinamento: é necessário caminhar com alegria rumo ao Paraíso, porque este é o “Ponto Ômega” de todo aquele que crê. 
     Foi beatificada por S.S. Bento XVI em 18 de março de 2006.

Fontes: Zenit; Fraternidade São Gilberto

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Santa Francisca Xavier Cabrini, Fundadora - Festa 22 de dezembro

    
     Nasceu dia 15 de julho de 1850 em Sant'Angelo Lodigiano, Lombardia, Itália. Filha do agricultor Agustine Cabrini e de sua esposa Estella, era a última de treze filhos. No dia em que nasceu, um bando de pombos brancos sobrevoou a sua casa. Seu nome de batismo era Maria Francisca.
     Quando pequena, Chiquinha (como era conhecida) gostava de brincar de barquinhos e de colher violetas. Quem a conheceu dizia que tinha pequena estatura e grande espírito. Recebeu uma educação no convento de Arluno e formou-se professora. Sua mãe rezava por uma hora antes de ir para a missa e ela seguia seu exemplo. Às vezes se refugiava num local onde sozinha podia rezar tranquila.
     Quando adolescente, era franzina e muito tímida. Mais tarde disse: "Quem diria que eu fui por tanto tempo tão tímida? Não ousava levantar os olhos, por medo de faltar a modéstia. Chegou o dia, porém, em que compreendi que na verdade devia tê-los bem aberto para o bem do Instituto. E nada mais pôde me intimidar".
     Parece que o destino de Madre Cabrini era mesmo as viagens, pois ela gostava de Geografia e vivia debruçada nos Atlas.
     Ficou órfão bem jovem e aos 18 anos queria ser religiosa, mas sua saúde delicada impediu que recebesse o véu. O Pe. Serati pediu que ela ensinasse na escola de meninas "A Casa da Providência", um orfanato em Codogno, Itália, e lá ela ensinou por seis anos.
     Ela fazia tão bem seu trabalho, que quando o orfanato fechou, em 1880, o Bispo de Todi pediu que ela fundasse o Instituto das Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus para cuidar das crianças pobres nas escolas e em hospitais.
     Segundo a tradição, embora elas não tivessem dinheiro para prover o que era necessário para as crianças, sempre que Francisca enviava uma das Irmãs para buscar leite, o pote estava sempre cheio, e quando buscava pão, o cesto de pão estava também cheio. Milagrosamente não faltava comida para as crianças.
     Madre Cabrini colocou sua obra sob a proteção do grande missionário São Francisco Xavier, de quem era devota e a quem desejaria imitar sendo missionária na China, assumindo ela mesma o nome do seu patrono. No mesmo ano ela abriu uma casa para moças e no ano seguinte abriu outra casa em Milão.
     Em 1887 foi a Roma para conseguir a aprovação das Regras do Instituto e pedir permissão para abrir outra casa em Roma. Conseguiu a aprovação para abrir duas casas: uma escola para crianças pobres e um orfanato. Em 1888 conseguiu a aprovação da Constituição do Instituto.
     De 1901 a 1913, 4.7 milhões de italianos imigraram. Era um verdadeiro problema social. Como havia um grande número de emigrantes italianos em Nova York, o Arcebispo Corrigan enviou um convite formal a ela para ir para a América, e logo depois o Papa Leão XIII deu a sua permissão e bênção para que ela fosse para os Estados Unidos.
     Ela e seis outras freiras chegaram em Nova York em 1889. Elas trabalharam principalmente com os emigrantes italianos. Em março de 1889 ela já tinha o terreno que queria. Apesar de toda fragilidade e saúde precária, nos próximos 28 anos ela viajou pelos Estados Unidos fundando escolas, orfanatos e hospitais. Nada a fazia parar.
     No dia 11 de junho de 1894, numa audiência com o Papa, ela recebeu a aprovação para uma expedição que desejava fazer para o Brasil. Em 1896 ela montou um colégio em Lima (Peru). Na mesma ocasião esteve no Equador e na Argentina.
     Ela fundou 67 instituições incluindo escolas, hospitais e orfanatos na América, Chile, Venezuela, Brasil e Argentina. Para expandir sua obra, Santa Francisca fez vinte e quatro travessias oceânicas, fato extraordinário para a época. Ela se tornou a mãe dos imigrantes italianos em toda a América.
     Em 1900 ela retornou à Argentina e apesar de muito debilitada abriu o Colégio Internacional de Rosário. Debilitada pela constante febre, se vê obrigada a retornar à Itália. Nomeia as irmãs responsáveis pela continuação de suas obras. Era o ano de 1902. E quando todos pensavam que era o fim, ela se recuperou da febre para continuar o seu trabalho. Visitou uma a uma de suas obras na Itália, França e Espanha. Quanta força tinha!
     Em New Orleans, verão de 1905, uma epidemia de febre amarela matou muita gente. E as irmãs de Madre Cabrini permaneceram firmes porque sabiam que o povo precisava delas.
     Madre Cabrini com 57 anos e com a saúde debilitada não se deu por vencida e voltou a viajar. Ao invés de ficar na Itália, resolveu vir ao Brasil. Aqui já havia uma casa que tinha sido aberta por um grupo de irmãs da Argentina.
     No ano de 1908 ela enfrentava uma epidemia e uma perseguição no Rio de Janeiro. Não se deixou abater e ainda teve forças para procurar um terreno na Tijuca para abrir um colégio.
     Depois de um ano no Rio de Janeiro, Madre Cabrini voltou para os Estados Unidos a fim de percorrer suas obras. Vai para a Itália e o Papa São Pio X, com um decreto de 16 de julho de 1910, confirma Madre Cabrini como Superiora Geral vitalícia.
     Em dezembro de 1911, com as poucas forças que lhe restam, resolve voltar aos Estados Unidos, onde ainda tem forças para reerguer o Hospital Columbus de Nova Iorque. Amplia e constrói escolas e orfanatos.
     Ela faleceu de malária em 22 de dezembro de 1917 em Chicago, Illinois, USA. Foi enterrada na Capela do Colégio Madre Cabrini em Nova York. Foi canonizada em 7 de julho de 1946 pelo Papa Pio XII. Quando Madre Cabrini faleceu, o Instituto contava com 4.000 freiras.
     Santa Francisca Cabrini é considerada a primeira santa dos Estados Unidos, já que ela obteve a cidadania americana em 1913. Mas os títulos mais importantes são o de Santa dos Italianos na América e o concedido pelo Papa Pio XII em 8 de setembro de 1950: o de patrona universal dos imigrantes. Além dos EUA, também há uma estátua de bronze em homenagem à santa na Argentina.

Transplante de olhos feito por Deus
      O caso é referido em quase todas as biografias da santa. Foi um dos milagres aprovados para a Beatificação da Madre Cabrini.
     Aconteceu no Hospital Columbus, de Nova York. A superiora e responsável pela direção geral do Hospital era a Madre Teresa Basigalupi. No processo, a Madre Teresa omite o nome da Irmã encarregada da Seção.
     O acidente aconteceu por volta do meio-dia de 14 de março de 1921. O Dr. Michal Joseph Horan e a enfermeira Srta. Maria Redmond assistiram ao parto, e foi esta quem lavou os olhos do bebê com uma solução de nitrato de prata a 50 por cento, em vez de 1 por cento, que seria o correto. O recém-nascido era Peter, filho primogênito do jovem casal Peter e Margaret Smith.
     Quando uma hora mais tarde outra enfermeira - Srta. Sifert - acudiu apavorada pelo estado dos olhos do bebê, a Irmã responsável pela Seção compreendeu a tragédia que ocasionara ao fornecer por erro um vidro diferente do devido. O Dr. Paulo Casson acudiu. Os olhos do bebê estavam inflamados e pretos, tão inchados que não se abriam. Não teve dúvidas: o menino iria morrer e, se escapasse, certamente ficaria absolutamente cego.
     Às 21 horas o Dr. Horan voltou ao leito do bebê trazendo o especialista em oftalmologia Dr. Keaney, que só com ajuda de um instrumento próprio (Lindhbers) conseguiu abrir as pálpebras inchadas e coladas. A conjuntiva estava gravemente queimada. A córnea de ambos os olhos aparecia ensanguentada e dos lugares queimados surgia uma secreção amarelo-acinzentada. "Prognóstico: morte, e certamente em poucas horas" (qualquer espécie de inflamação em crianças desse tamanho é mortal quase em cem por cento dos casos).
     As irmãs e as enfermeiras, nos horários em que não estavam obrigadas a ficar junto aos doentes, reuniram-se na Capela e rezaram durante toda a noite pedindo um milagre pela intercessão da Madre Fundadora. Sabiam que somente um milagre resolveria a situação do menino, do jovem casal e do próprio Hospital.
     Chegou a manhã do dia 15. Pelas 9 horas o Dr. Horan voltou com o especialista Dr. Keaney, para ver se havia alguma possibilidade de atenuação do dano causado. E o Dr. Keaney... não encontrou nada de errado no menino! Peter Smith "estava absolutamente bem. Não ficou traço algum de cicatriz apesar da queimadura profunda que houvera". Os Drs. Horan, Casson e Keaney "reconheceram espantados que havia se dado um milagre. O menino deixou o hospital absolutamente curado e em estado normal". Só havia um pormenor: os médicos constataram que os olhos do garoto estavam perfeitos, mas que não eram dele: eram verdes e não tinham os caracteres dos pais do garoto. Chamaram a Irmã e perguntaram o que havia acontecido, e ela falou da novena a Santa Francisca.
     Depois de 50 anos da morte da santa, desenterraram-na e seu corpo estava intacto, faltando-lhe apenas os olhos, que não estavam na cavidade ocular. Verificaram que os olhos do referido menino eram os da santa! O rapaz na ocasião já era formado de Medicina, mas da data do seu nascimento até a exumação da Santa vinte e oito anos haviam se passado!
     Na manhã de 7 de julho de 1946, Peter Smith, que já havia sido ordenado sacerdote na Igreja da Mother Cabrini School de Nova Iorque, assistiu à solene canonização de Santa Francisca Xavier Cabrini por Pio XII. Estavam também presentes Paulo Pezzini e Ettore Pagetti, protagonistas das duas curas milagrosas aprovadas para a Canonização. As curas de Peter Smith e da religiosa Delfina Grazioli foram os milagres aprovados para a Beatificação.

Madre Cabrini jovem religiosa