Monges
da Trapa de Sept-Fons, França, fizeram ao Padre Mateo Crowley Boevey, um Apóstolo do Sagrado Coração que dedicou sua vida inteira pela
entronização da devoção à Ele, como
nós, religiosos contemplativos, que não temos mais relação alguma com o mundo
exterior, podemos ser apóstolos do Sagrado Coração? Eles diziam isto porque
chegara até eles as maravilhas realizadas em sua obra de entronização do
Sagrado Coração. O Padre Mateo viajou por muitos lugares fazendo um intenso
apostolado ativo, o que trazia dúvidas quanto a eficácia de suas vidas
contemplativas e reclusas.
Quando ouviu a pergunta, Padre Mateo ficou
perplexo. Afinal percebeu que os monges estavam questionando a forma de viver
para se tornarem apóstolos. Eles questionaram até o Padre dar-lhe a resposta. Na
época não havia gravadores, então um monge fez um resumo da conferência do Padre
Mateo. É o que segue:
Ora essa! Respondeu-nos o padre, estais
confinados por amor a Jesus, o prisioneiro do amor, e, por causa deste
sacrifício, estaríeis privados dos méritos dos apóstolos? Impossível! Seria uma
injustiça! Não apenas podeis ser apóstolos, mas é este vosso grande dever!
De fato, o que é ser um apostolo? É uma
voz que ressoa? É alguém que se agita, que faz barulho, um semeador que corre
aqui e ali para semear a boa semente? Mil vezes não! Converter as almas,
ganhá-las para Jesus Cristo, é uma obra sobrenatural. Ora, o sobrenatural não
se faz senão pelo sobrenatural. A ciência, a eloquência não bastam aqui. Não é
de sábios nem de grandes oradores que precisamos, sobretudo na hora atual, mas
de santos. Um apóstolo é um cálice cheio de Jesus, transbordando sobre as
almas sua super plenitude. Enchei-vos de Jesus, enchei-vos de vida divina, e
sereis apóstolos.
Mas como se enche a alma? Não é no
recolhimento, no silêncio, na mortificação, na oração das quais se compõe as
suas vidas? Então, quem pode ser mais e melhor apóstolo que vós? Muito antes de
dizer que um trapista não pode ser um apóstolo, ousaria dizer que ninguém pode
o ser sem possuir o espírito e o coração de um trapista.
Certamente não foi a primeira vez que
alguém nos falou da fecundidade de nosso gênero de vida; mas até aqui ninguém o
dissera de modo tão luminoso e convincente. Sem o querer, não nos revelara por
estas palavras o reverendo Padre Mateo o segredo da fecundidade de seu
apostolado? Não é por estar ele pleno de Jesus até o total esquecimento de si
próprio que Jesus fez tudo nele e por ele?
Alguns exemplos nos fizeram compreender
melhor o pensamento do reverendo padre. Quando esteve na Suíça, veio a ele um
bom padre que lhe disse: Se procurais uma alma capaz de lhe ajudar, conheço
uma. É uma jovenzinha que sofre em todo seu corpo. Ela não tem senão a mente
para pensar em Deus e o coração para amá-lo. Paralítica, não pode vir à igreja,
contudo, queria vos ouvir.
O padre vai até ela. Fala sobre seu
apostolado e lhe diz: Quero que me faças presente de tua doença e de teus
sofrimentos. Queres oferecer-te como vítima de amor ao divino Coração para ser
seu apóstolo?
Com sinais e olhares, ela demonstra ter
compreendido e que, doravante, se oferece em holocausto para o crescimento da
obra da entronização.
Em Rotterdam, na Holanda, uma menininha de
dez anos consegue desembaraçar-se de seus acompanhantes e corre até ele. Meu padre, diz-lhe ela, abençoa-me para
que eu, criança que sou, possa me tornar ainda pequena o que és adulto:
apóstola do Sagrado Coração.
Em Valparaiso, Chile, uma das mais
devotadas zeladoras é uma velha de 75 anos, pobre, reduzida a mendicância,
ignorante, não sabendo nem ler nem escrever. Para propagar a obra, ela decorou
as orações e, desde então, faz a entronização nas famílias pobres sem jamais
considerar seus problemas, privações e fadigas.
Um último exemplo que prova de modo
evidente a tenra delicadeza do Coração de Jesus.
O padre acabara de pregar em Lyon. Embora
visse multidões acorrendo para ouvi-lo, partia decepcionado e triste; ele
apenas dizia a Nosso Senhor na ação de graças que fazia após sua Missa, na
manhã de sua partida: Senhor, vós o sabeis, parto triste porque não
encontrei aqui nenhuma alma pronta para amar e sofrer pela obra. Se esta obra
que prego deve frutificar aqui, enviai-me uma destas almas pequenas e
generosas, que, à exemplo da irmã Teresa do Menino Jesus, ofereça-se para
rezar, amar e sofrer pelo reino de vosso Coração. (Nota: Santa Teresinha ainda
não havia sido canonizada.)
Ele repete essa oração três vezes, quatro
vezes, quando alguém o interrompe: Reverendo padre, há aqui na porta uma
menina pobre, uma pequena importuna que insiste em te ver e falar. Mas não te
incomode, digo a ela para ir embora, não é? — Não, não, faça com que venha.
A criança chega: Meu padre, disse
ela, ouvi o senhor falar da obra e eu também queria fazer alguma coisa. Se o
senhor precisa de uma pequena alma que, à exemplo da irmã Teresa do Menino
Jesus, ofereça-se para rezar, amar e sofrer, por favor, diga.
O padre, estupefato, guarda silêncio,
observando a rapidez com que Jesus respondeu ao pedido que mal formulara. A
pobrezinha, julgando que o padre não havia entendido, recomeça: Meu padre, o senhor então não compreendeu:
eu queria ser uma alminha como a irmã Teresa do Menino Jesus, que reza, que
ama, que sofre pelo reino do Sagrado Coração... O senhor me aceita? — Sim,
minha filha, eu compreendi. — Então, meu padre, vamos até a capela. Farei minha
oblação a Jesus e o senhor lhe rogará de ratificar.
E o
reverendo padre não podia senão bendizer Nosso Senhor. Agora podia deixar Lyon.
Há alguns que dizem, continua o padre: olha o que faz o Padre Mateo! Tolos! Sabeis
quem são os verdadeiros apóstolos do Sagrado Coração, esses que fazem as
maravilhas que eu vos contei, e outros, bem mais numerosos, dos quais não pude
falar? São almas pequeninas, bem simples e, sobretudo, muito esquecidas delas
mesmas que encontrei por toda parte, na corte de Espanha e nos castelos, assim
como nas palhoças e entre mendigos nas portas das igrejas. Estes são os que,
oferecendo-se em holocausto ao Sagrado Coração para amar, rezar e sofrer fazem
reinar Jesus, o rei do amor.
Quereis, vós também, ser do número desses
apóstolos? Do reverendo prior até o último dos irmãos conversos, vós o podeis, à
condição de serdes santos, ao menos pelo esforço e desejo sincero. — Mas,
direis, é muito difícil, muito complicado! — Ao contrário, nada é mais simples.
E então o reverendo padre nos fala, não
sem uma ponta de ironia, de algumas biografias que parecem feitas com o único
objetivo de desencorajar os de boa vontade. Vidas de santos que não dormem, não
comem, não bebem, não têm paixões, não conhecem nem a tentação nem a luta, como
aquela boa fundadora de uma certa congregação que, a crer na sua biografia,
possuía o gênio de Santo Tomás de Aquino, a eloquência de São João Crisóstomo,
a pureza de Santa Inês, a doçura de São Francisco de Sales, a alma seráfica de São
Francisco de Assis etc. Certamente, acrescentava o padre, se tudo isso fosse
verdade, a Santíssima Trindade teria tido dificuldades ao escolher a Mãe de
Deus e, sem dúvida, teria sido obrigada a tirar a sorte para decidir entre a
Santíssima Virgem e esta boa senhora...
Não, os santos não são pequenos anjos que
caíram prontos do céu. Com exceção da puríssima e Imaculada Virgem Maria, todos
passaram por tentações e lutas. E isto deve nos encorajar. Quod isti et
istae, cur nom ego? O que estes e aqueles fizeram, porque também eu não o
posso fazer? O que é então um santo? Eis a definição que julgo verdadeira: um
santo é alguém que vive de fé e de amor.
A
vida de Fé
É o espírito de fé que mais nos falta. É
preciso ver Jesus por toda parte — Respice Jesum, vê Jesus — nos nossos
superiores, nos nossos irmãos, nos incidentes da vida, na boa como na má
fortuna. Sejamos ainda mais sábios que o cego do Evangelho. Ele dizia a Jesus:
“Senhor, fazei que eu veja”. Digamos, nós também: “Senhor, fazei que eu vos
veja, e que eu seja cego para todo o resto”.
Assim fazia São Bento Labre que se poderia
chamar o trapista das grandes jornadas. Ele via Deus por toda parte e não via
senão a Deus.
Nós somos sabidos demais.
Raciocinamos demais. Seria preciso ter a cabeça em menos consideração. Então
teríamos mais fé, mais luz e agiríamos em conformidade, sobretudo se tivéssemos
alguma cruz a carregar.
Num hospital de Paris havia uma pobre moça
presa a um leito de sofrimentos. A seu pedido, fizemos em seu pequeno quarto a entronização
do Sagrado Coração. Algum tempo depois ela escreveu ao Padre Mateo: Como é
bom ter Jesus perto de si! Não posso me mexer, contudo, queria ter asas para ir
pregar a todos os que sofrem. Mas não, não preciso de asas para amar e para
sofrer. Sei que o sofrimento também é um apostolado e que, do meu leito, posso
[ajudar as almas] melhor do que quem quer que seja.
Também vós, disse-nos o padre, tendes
cruzes, felizmente! Um trapista sem cruz, não é um trapista. Aceitai-as com fé
e podereis dizer: “Senhor, enganaram-me. Disseram-me que a vida do convento era
uma vida dura, penosa, austera; mas não me disseram que estais na cruz. Uma vez
que aí estais, nada mais tenho a sofrer”. Aceitai-as com fé, dizei a Jesus:
“Aceito-as assim mesmo e de bom grado, a fim de que reinais”. Esquecei-vos a
vós mesmos, pensai somente em Jesus e nos interesses dele, e Ele se encarregará
dos vossos interesses e fará de vós santos.
A
vida de amor
É triste, mas é a verdade: Jesus Cristo, o
amor mesmo, não é amado. Não, não é amado. Os maus o blasfemam de modo
horrível. Escutai estas palavras, publicadas há pouco num jornal: É chegado o tempo de caçar a
pontapés este homem vil de cabelos avermelhados que se chama Jesus. Enquanto
tivermos lábios, seja para blasfemá-lo; enquanto tivermos mãos, seja para
apedrejá-lo; enquanto estivermos vivos, sejamos para ele Barrabás!
Que fazemos para reparar estes ultrajes?
Que fazemos nós sobretudo para desagravar Jesus dos golpes, muito mais
dolorosos ao seu coração, que recebe de seus amigos?
Ah! Amemos Jesus, amemos até a
loucura! Que o coração de Jesus se torne para nós, como para São Bernardo, o
coração de um irmão, de um rei, de um amigo: Inveni Cor Regis, Fratris et
Amici Benigni Jesu! Amemos! Amemos! Amor: eis o segredo único da santidade.
Evidentemente, não se trata do amor sensível, mas desse amor forte e
possante que jaz no mais profundo da vontade; deste amor que só sabe uma
coisa: fazer a vontade de Jesus. Fiat voluntas tua, seja feita a
vossa vontade; trabalhar para o estabelecimento do seu reino: Adveniat
regnum tuum, venha a nós o vosso reino; oferecer-se neste fim como hóstia
de amor.
Ao terminar, o reverendo padre nos exorta,
com palavras de fogo, a tornarmo-nos apóstolos, santificando-nos numa vida de
fé e de amor. Na sua segunda conferência, nos disse: “Não tenho outra
eloquência que a dos fatos”. Quanto a isso, ele se engana: da eloquência das
belas palavras e sentenças harmoniosas ele não faz caso. Mas a eloquência
verdadeira, que move e aquece os corações, essa ele possui no mais alto grau.
Sua peroração foi um exemplo. Pena não podermos citar textualmente e,
sobretudo, repeti-la com a mesma flama!
E vós, quereis ser hóstia para o triunfo
de Jesus? Sede dele, sem reservas. Ele é a única realidade da vida; o resto não
é nada! Lá, no mundo, só há trevas. Sede a luz do mundo, é esta a vossa
vocação! Estais mortos, e suas vidas estão escondidas em Deus. Apesar de
estardes mortos para o mundo, ou antes, justamente por estardes mortos para o
mundo, sede apóstolos no mundo e poderemos aplicar a vós esta palavra da
Escritura: “Defunctus adhuc loquitur”, morto, ainda fala (He 11, 4).
Uma única palavra basta para transformar o
pão em Corpo de Jesus. Sereis mais rebeldes que a matéria inerte à palavra que
Jesus vos dirige por minha boca: Sede apóstolos, sede santos! Jesus
fez-se hóstia para resgatar o mundo. Também nós, sejamos hóstias de amor para
resgatar o mundo e salvar as almas!
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O Mosteiro de Sept-Fons, França |
Fontes:
http://www.aascj.org.br/home/2018/11/os-monges-do-sagrado-coracao-de-jesus/; https://reginafidei.com.br/