Martirológio
Romano: Em Gorazde, no cantão bósnio, hoje Bósnia e Herzegovina, Beatas
Maria Jula (no século Kata Ivanisevic) e quatro companheiras, virgens da
Congregação das Filhas do Amor Divino e mártires, mortas pela fé, em fidelidade
aos seus votos religiosos. (1941)
Num mundo em que a honra e a dignidade feminina são substituídas
por uma liberdade que descamba para a libertinagem, estas cinco mártires da
castidade, em pleno século XX, nos dão exemplo de qual é a verdadeira face da
mulher católica.
As “mártires do Drina” faziam parte da Congregação das Filhas
do Amor Divino.
*
A Serva de Deus Madre Francisca Lechner, Fundadora da Congregação das
Filhas do Amor Divino (fundada em Viena em 1868), recebeu do Arcebispo Josef
Stadler o convite para a abertura de uma comunidade de religiosas em Sarajevo,
Bósnia. Após os trâmites legais, a própria Madre Francisca e duas Irmãs
partiram de Viena, Áustria, no dia 24 de abril de 1882, e chegaram a Sarajevo
no dia 28 do mesmo mês. Em Sarajevo as Irmãs trabalhavam em escolas e acolhiam alunas internas e
crianças órfãs. Rapidamente seu trabalho foi reconhecido e ganhou o prestígio
da população. A missão das Filhas do Amor Divino foi se expandindo em Sarajevo
e arredores, com o trabalho abnegado e generoso das Irmãs. Para atender a
demanda da missão, foi necessário realizar novas fundações.
Assim, em 1911, em Pale, localidade distante cerca de 20 k de Sarajevo, abriram
um convento, “Casa de Maria”. Inicialmente esta casa era destinada para o
repouso das religiosas que trabalhavam no Instituto São José, em Sarajevo, e
para a recuperação de doentes. Entretanto, a “Casa de Maria” foi recebendo
credibilidade e se tornou famosa pelas obras de caridade exercidas em favor de
todos os necessitados que batiam às suas portas. Pale era um corredor de muitos
transeuntes, pessoas que iam e retornavam de Sarajevo. Nesta casa também eram
acolhidas pessoas, sem fazer distinção de etnia, cultura, cor, religião, que
vinham de diferentes lugares. Ali recebiam alimentação e, não raras vezes,
lugar para um repouso restaurador de energias para então seguir a viagem.
As culturas ocidental e oriental - e seus respectivos interesses políticos e
econômicos - chocavam-se seguidas vezes. A 2ª Guerra Mundial foi
particularmente trágica na Bósnia oriental. O Rio Drina estabelece o limite
entre as duas partes que hoje divide a Bósnia da Sérvia. Houve um conflito
acirrado entre os sérvios e a população muçulmana e católica da Bósnia
oriental. Estes povos foram duplamente provados pelas tragédias: em primeiro
lugar, porque um grande número de civis inocentes perdeu a vida; em segundo,
porque os que sobreviveram ao massacre tiveram de abandonar o seu ambiente e
foram forçados a fugir.
Havia duas facções que entravam em atrito: os “četnik”, membros voluntários da
tropa armada do Estado da Sérvia. É um grupo irregular com conotação terrorista
contra os povos não sérvios; os “uštasa”, croatas revolucionários da direita.
Aqueles multiplicavam os ataques às populações civis católicas e muçulmanas. Os
incêndios às vilas indefesas, as torturas mais desumanas e os assassinatos em
massa, o corte das linhas de comunicação fazia parte da ordem do dia. Estes,
apoiados pelas forças armadas de ocupação ítalo-germânica, instituíam, a
exemplo deles, os campos de concentração onde perderam a vida dezenas de
milhares de opositores ao regime, mas também civis inocentes.
Neste ambiente conflituoso, as Irmãs viviam e doavam a sua vida em favor do próximo
e experimentavam a dor do povo indefeso e inocente.
As cinco Irmãs Filhas do Amor Divino que formavam a comunidade “Casa de Maria”,
em Pale, eram:
-
Maria Jula Ivanišević, nasceu em Godinjak, Croácia, em 1893. Desde sua
juventude manifestou a vontade de entrar no convento, se bem que teve que
esperar por causa da enfermidade de sua mãe. Ingressou no Instituto
dedicado a responder às necessidades sociais da juventude feminina de seu
tempo. Exemplar na obediência, realizou diversos serviços. Em 1883 foi enviada
à Bósnia, onde permaneceu o resto de sua vida. Foi uma religiosa “segundo o
Coração de Jesus”, modelo na oração e no sacrifício, modesta e humilde, com um
amor ilimitado ao Senhor, à Congregação e ao próximo. Fundamentalmente se
sentia grata à Providência por haver sido educada na fé católica e pelo dom da
vocação religiosa.
Foi
enviada a Pale como superiora da comunidade, onde exercia seu apostolado
empenhando-se no âmbito pastoral e caritativo. Com efeito, em seu convento,
chamado o “hospital dos pobres”, acolhia os doentes, os convalescentes, pobres
e fugitivos. Sua atividade generosa e gratuita era de domínio público entre os
habitantes daquela região, composta especialmente por ortodoxos.
-
Berchmana Leidenix - seu nome de batismo era Karoline Anna Leidenix; nasceu em
28 de novembro de 1865 em Enzersdorf, vizinho de Viena, Áustria, sendo seus
pais Michael e Josefa. Foi batizada dois dias depois na igreja paroquial de São
Tomé, Apóstolo. Nasceu em seguida uma outra filha, Matilde (mais tarde
religiosa, Irmã Bernarda, FDC), e uma terceira nasce morta. A família logo
ficou sem o pai, o que deixou Josefa, a mãe, em uma difícil situação social. A
Madre Francisca Lechner, acolheu as duas meninas no convento em 1878. Karoline
tinha então 12 anos.
Durante
os estudos sentiu-se chamada e decidiu se tornar membro daquela Congregação.
Ingressou no noviciado em 1882 e recebeu o nome de Irmã Maria Berchmana
Johanna. Emitiu os primeiros votos em 20 de agosto de 1883 e os perpétuos em 17
de agosto de 1892. Foi enviada à Bósnia, então país de missão, onde permaneceu
a vida toda.
Professora
muito hábil e empenhada, trabalhou nas escolas da Congregação. Além de outras
atividades, dava aulas de catecismo. Durante a 1°. Guerra Mundial, prestou
serviço no hospital militar alemão de Višegrad, cuidando dos doentes e dos
feridos. A administração do hospital expressou sua gratidão em carta de 1915.
Em
1931, quando tinha mais de 60 anos, foi nomeada mestra de noviças em Sarajevo.
Na sua atividade educativa procurava infundir o amor por Deus, pela Igreja e
pelo próximo nos corações das noviças, conforme afirmam aquelas que educou.
Irmã
Berchmana era uma mulher de fé profunda. Continuamente se dirigia à capela,
toda imersa na oração. Ela sofria de asma, mas suportava tudo com paciência,
abandonada à vontade de Deus. Se distinguia particularmente pelo equilíbrio,
pontualidade e disciplina, exigindo o mesmo das noviças. Dois meses antes da
sua morte, falando com o Pe. Ksaver Meško, Irmã Berchmana assim sintetizou a
sua vida: “Por duas coisas sou infinitamente grata a Deus: porque nasci e fui
educada na fé católica e porque me tornei religiosa”.
Foi
assassinada no dia 23 de dezembro de 1941 em um bosque de Sjetlina na idade de
76 anos.
-
Krizina Bojanc, eslovena, nascida em 1885, "silenciosa e diligente como
uma abelha", entrou no convento com 36 anos, quando as condições da
família o permitiram. Aos 56 anos de idade, ela tinha um olhar atento para
ajudar e confortar suas coirmãs, porque ela era simples, mas "cheia de
Deus, era como se estivesse sempre pensando em Deus".
-
Antonija Fabjan, nome de batismo Josefa, nasceu em 23 de janeiro de 1907 no
vilarejo de Malo Lipje (vizinho a Žužemberk, na Eslovênia) terceira de cinco
filhos da mãe Josefa e do pai Janez (que tinha outros 3 filhos da primeira
esposa que morrera). Perdeu o pai quando tinha 4 anos, e a mãe faleceu quando
ela tinha 11 anos. Josefa foi confiada aos cuidados de uma das tias.
Ingressou
no convento em 9 de abril de 1929 e se consagrou a Deus em 19 de março de 1932.
Esteve primeiramente no convento de Betânia próximo de Sarajevo, depois foi
para Antunovac na Ilidža, e de novo no convento Betânia. Fazia trabalhos
agrícolas e cuidava dos animais. Tinha uma saúde muito frágil e por isso passou
um tempo em Pale se convalescendo, para onde foi transferida em 16 de setembro
de 1936 e onde permaneceu até sua morte.
Na
Casa de Maria atendia os doentes e recebia pobres e crianças com boa vontade.
Fazia todo necessário: cozinha, lavanderia, jardim e capela. O servir era o seu
grande dom e simplesmente reconhecia as necessidades dos outros. Tinha uma
palavra boa para todos.
Era
notada pela obediência e pelo espírito juvenil. Irmã M. Wilibalda Markensteiner
disse dela: “Esta era a nossa grande menina! De boa vontade rezava em silêncio
na capela do convento. Depois da oração sabia dizer: ‘Rezei, mas não recebi’”.
Irmã M. Ligorija Murn deu este testemunho: “Quando Irmã Antonija estava comigo
em Betânia, me contou que sua tia dizia sempre: ‘A quem te faz mal, tu faças o
bem!’, como fala a passagem do Evangelho. Fui sempre fiel a estas palavras”.
Na
manhã do dia 11 de dezembro de 1941, o dia em que seria presa com suas coirmãs,
um cetnico disparou e quase a matou enquanto ela fugia para a Casa de Maria.
-
Bernadeta Banja de origem húngara, nascida na Croácia em 1912, de 29 anos, a
mais jovem das cinco mártires; era a cozinheira da comunidade, mas tão pequena
de estatura que tinha que subir em um banquinho para desempenhar sua função.
Era de uma família devota e numerosa, que considerou sua vocação como uma
bênção de Deus; alegre, ela escolheu ser "fiel no pouco", e fazia um
grande trabalho sobre si mesma para melhorar seu caráter e ser mais prestativa
e humilde.
Era
perigoso viver em Pale. Diante das sugestões de abandonar o povo, as Irmãs que
ali viviam decidiram permanecer no meio dele, para compartilhar sua sorte e
continuar a testemunhar-lhes o Amor Divino. Como era de se esperar, em 11 de
dezembro de 1941, os soldados da milícia “četnik” aprisionaram as Irmãs,
saquearam e incendiaram o convento.
Assim iniciou a via-sacra dessas cinco Irmãs. Elas foram obrigadas a marchar,
durante 4 dias e 4 noites, pelos caminhos da montanha Romanija, na neve, sem
veste adequada, com interrogatórios, ameaças e ofensas. Irmã Berchmana não
podendo prosseguir a caminhada, foi levada a Sjetlina onde se recuperaria do
cansaço. Conforme o combinado, ela deveria ser levada também para Goražde, a
fim de se juntar ao grupo de suas coirmãs, o que não aconteceu. Ela foi morta
no dia 23 de dezembro, no bosque de Sjetlina.
As Irmãs tiveram de continuar a sua caminhada até Goražde, percorrendo cerca de
70 km. Ali chegaram na tarde de 15 de dezembro e foram levadas à caserna (2°
andar do quartel), próxima ao Rio Drina. À noite, os “četnik”, completamente
embriagados, invadiram o seu quarto com intenção de violentá-las, pediram que
renunciassem à vida religiosa, em troca suas vidas seriam garantidas, teriam
trabalho e graduação militar. Elas, porém, resistiram fortemente e declararam
que estavam prontas a morrer antes de trair Deus e a própria consagração.
Em defesa da dignidade e honrando o voto de castidade, Irmã Jula, Superiora da
Comunidade, para evitar o estupro, abriu a janela e convidou as demais Irmãs a
segui-la. Com a invocação “Jesus, salva-nos!”, lançou-se no vazio e as outras
três fizeram o mesmo. Os soldados furiosos, sentindo-se derrotados, às pressas
desceram as escadas até o local onde as Irmãs haviam caído e com muitíssimos
golpes de faca mataram-nas. Depois, chutaram seus corpos até as margens do Rio
Drina. Um soldado, também ferido por este grupo, viu como cada uma delas, antes
de morrer, fez o sinal da cruz.
Durante
o processo canônico, fica evidente que as Irmãs foram mortas pelo fato de serem
freiras católicas e por ter rejeitado o assédio dos soldados; foram
consideradas mártires pelo ódio à fé e pela pureza.
As Irmãs Jula, Berchmana, Krizina, Antonija e Bernadeta, conhecidas como as
Mártires do Drina, verdadeiras missionárias na Bósnia sofrida, serviram a Deus
e aos pobres com generosidade e amor desinteressado. Ao derramarem seu sangue,
confirmaram a fidelidade a Deus. Estas zelosas religiosas foram elevadas à
glória dos altares em 24 de setembro de 2011 como "mártires do
Drina".
Fontes:
Congregação das Filhas do Amor Divino; santiebeati/it
Postado
neste blog em 22 de dezembro de 2017