sábado, 26 de fevereiro de 2022

Santa Olga de Kiev e a Introdução do Cristianismo no Principado de Kiev

     
     O processo de cristianização dos diversos povos precisou de muito tempo para se concretizar. Assim foi com o Principado de Kiev, que nascera no século VII e era o centro de um império que ia do Mar Negro ao Báltico, chegando até o Rio Volga. Somente no século XVII, por meio do Tratado de Pereiaslav, a Ucrânia, nome atual do antigo principado, ficaria sob a influência do império russo.
     A fé cristã começou a penetrar na região graças aos missionários que vinham não só de Bizâncio, mas também dos territórios vizinhos dos eslavos do Ocidente - os quais celebravam a liturgia em língua eslava, segundo o rito instaurado pelos Santos Cirilo e Metódio - e das terras do Ocidente latino.
     Como atesta uma antiga Crônica, chamada Crônica de Nestor ("Povest' Vremennykh Let"), no ano de 944 já existia em Kiev uma igreja cristã dedicada ao Profeta Elias.
     Foi neste ambiente propício que Olga fez-se batizar, livre e publicamente, pelo ano de 955, permanecendo depois sempre fiel às promessas batismais. As cerimônias para a sua recepção formal em Constantinopla aparecem minuciosamente descritas pelo Imperador Constantino VII (Porfirogênito, "o Nascido na Púrpura", reinou de 913-959) na sua obra De Cerimonialis. Durante o seu Batismo, Olga adotou o nome Yelena (Helena), em honra da imperatriz reinante Helena Lecapena.
     Olga, a primeira Santa ucraniana - ou russa por causa da influência do império russo - inserida no calendário católico bizantino, é considerada o elo entre a época pagã e a cristã na história das populações eslavas. As fontes que a citam são numerosas e todas de relevância histórica.
     Olga nasceu em 890, na aldeia Vybut, próxima de Pskov e do rio Velika. Era uma belíssima jovem típica daquela região. Era filha do chefe dos Varegos, uma tribo normanda de origem escandinava que se dedicava à exploração do transporte e do comércio ao longo do Rio Volga, do Mar Negro e do Cáucaso.
     Em 903, quando o príncipe Igor de Kiev conheceu-a, quis se casar com ela apesar de sua pouca idade. O seu casamento foi um símbolo concreto da fusão do povo ucraniano com o eslavo, que ao final do século IX começava a viver sob a influência do Cristianismo.
     Em 945 o príncipe Igor foi assassinado, e Olga vingou-se com firmeza e crueldade dos assassinos. Mandou matar muitos chefes inimigos e impôs tributos e taxas de todos os tipos aos sobreviventes. As represálias eram algo comum entre os povos ainda não cristianizados. A graça do Batismo ainda não tocara seu coração vingativo e inquieto.
     Entretanto, seus súditos não a consideravam como uma tirana. Relatando o retorno da soberana a capital depois de uma incursão em terras dos inimigos, um autor comenta: “Ela foi recebida pelo povo, feliz de revê-la, com tanta alegria quanto admiração, sendo cercada de uma popularidade que se fundamentava na razão. […] Nesta ocasião, ela pôde ouvir tanto os homens de guerra quanto os amigos da paz chamarem-na de gloriosa grande princesa”. Ela era amada pelo povo, que reconhecia suas virtudes, pois era justa e misericordiosa, mas também severa e inflexível.
     Durante a regência, pois seu filho Svistoslav tinha treze anos de idade apenas, ela governou Kiev com sabedoria política, conseguindo que a Província de Novgorod se tornasse tributária de Kiev.
     A Fé cristã ia aos poucos penetrando em Rus de Kiev, graças aos missionários que vinham de Bizâncio e dos territórios eslavos vizinhos outrora evangelizados por São Cirilo e São Metódio.
     A princesa tomou conhecimento das práticas religiosas de alguns de seus súditos, os cristãos, que gozavam de liberdade no principado e possuíam inclusive uma igreja onde se reuniam para as celebrações. Por volta de 955, Olga se dirigiu a Constantinopla para ser batizada, abraçando publicamente o estilo de vida dos cristãos. Provavelmente Santa Olga visitou diversas igrejas na capital do Império Bizantino, como a dos Santos Apóstolos, onde se venerava os restos de Santo André, que, segundo a tradição, estivera na região de Kiev, a abençoou e profetizou que ali surgiria uma cidade que serviria a Deus.
Monumento em Kiev tendo Sto. André, Sts. Metodio
e Cirilo, e Sta. Olga
     Ela também procurou estreitar os laços com o sólido Império de Bizâncio por meio do casamento de seu filho com uma princesa bizantina, porém não obteve bons resultados, para desilusão dos cristãos e satisfação dos pagãos.
     Em 961, a princesa Olga buscou então o apoio de Otão I, Imperador da Alemanha, e obteve que ele enviasse missionários e um bispo para "que lhes mostrasse o caminho da verdade". Mas, a conversão do povo foi muito difícil: eles eram pagãos, e ainda ofereciam sacrifícios humanos. Em 962, todos os missionários foram assassinados, com exceção de Santo Adalberto de Tréveris.
     Ela havia educado o filho retamente, mas não teve a felicidade de vê-lo se converter ao Cristianismo como ela tinha feito. Seu neto Vladimir é quem lhe daria esta alegria. Em 988, Vladimir oficializou o Cristianismo como religião do Principado de Kiev. Além de se tornar cristão, veio a ser canonizado pela Igreja. (**)
     Olga rezava dia e noite pela conversão do filho e dos súditos. Ao terminar a regência, segundo as leis da época, se retirou para suas atividades privadas, dando continuidade às obras de seu apostolado. Construiu algumas igrejas, inclusive uma dedicada à Santa Sofia, em Kiev.
     A santa princesa viveu piamente e faleceu em 11 de julho de 969. Ela havia ordenado que à sua morte os últimos ritos sobre seu corpo fossem os Sacramentos e a bênçãos da Santa Igreja.
     Dela escreveu seu biógrafo: "Antes do Batismo, a sua vida foi manchada por fraquezas e pecados, crueldade e sensualidade; entretanto, tornou-se Santa não tanto pelo seu próprio mérito, mas por um plano especial de Deus para o povo russo".
     O seu neto, Vladimir, e os novos convertidos experimentaram a beleza da liturgia e da vida religiosa da Igreja de Constantinopla. Havia a Igreja do Oriente e a do Ocidente; cada uma delas se desenvolvera segundo tradições, disciplinas e litúrgicas próprias, mas subsistia a plena comunhão entre o Oriente e o Ocidente, entre Roma e Constantinopla, que mantinham relações recíprocas. E foi a Igreja indivisa do Oriente e do Ocidente que recebeu e ajudou a Igreja de Kiev.
     O príncipe Vladimir deu-se conta de que havia esta unidade da Igreja e da Europa, e por isso manteve relações não só com Constantinopla, mas também com o Ocidente e com Roma, cujo Bispo era reconhecido como aquele que presidia à comunhão de toda a Igreja.
     A veneração por Santa Olga começou durante o governo do seu neto Vladimir. Em 996, ele mandou transferir as relíquias da avó para a igreja que mandara construir especialmente para recebê-las. O seu culto foi confirmado pela Igreja, mantendo a festa litúrgica no mesmo dia que ocorreu seu falecimento.
     Em 17 de abril de 1075, numa carta dirigida ao rei Demétrio, e à rainha sua esposa, o Papa São Gregório VII declarou o reino da Ucrânia sob a proteção de São Pedro.
     Em 1240 os mongóis invadiram e destruíram Kiev completamente. Quatrocentos anos depois, o metropolita da cidade, Pedro Moghila, mandou restaurar as antigas igrejas destruídas, e as relíquias de Santa Olga foram encontradas. Mas, desde 1700 não se tem notícia sobre o paradeiro de seus despojos.
     Santa Olga é celebrada no dia 11 de julho.

(*) D’Elissalde Castremont, L. Histoire de l’introduction du Christianisme sur le continent Russe et vie de Sainte Olga. Paris: Charles Douniol, 1879, p.416-417. 4 Idem, p.416.
(**) No tempo da regência de Santa Olga e do governo de seu neto São Vladimir, era plena a comunhão entre a Igreja de Constantinopla e a de Roma, “cujo Bispo era reconhecido como aquele que presidia à comunhão de toda a Igreja” (cf. Carta apostólica Euntes in mundum, de João Paulo II, por ocasião do milênio do Batismo de Rus de Kiev, n.4).

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