“A taumaturga da Normandia”
Martirológio
Romano: Na região de Séez, na Nêustria, Santa Oportuna, abadessa, célebre
por sua abstinência e austeridade (c. 770).
Etimologicamente: Oportuna
= Aquela que nos conduz ao porto, é de origem latina
Uma Vita
et miracula Sanctae Opportunae foi escrita cerca de um século após sua
morte (ca. 885-88) por Santo Adelmo, bispo de Séez (*).
Santa
Oportuna nasceu na outrora importante Exmes, na diocese de Séez, próximo de
Argentan, numa data desconhecida. Seu pai governava esta região com o título de
conde; seu irmão, Santo Crodegran, ocupava a sede episcopal de Séez; e sua tia,
Santa Lantilde, era abadessa das beneditinas de Almenèches, fundada dois
séculos antes.
Muito
jovem Oportuna decidiu ingressar no convento. Embora a abadia beneditina de
Almenèches governada por sua tia ficasse mais próxima, ela preferiu a solidão
de Montreuil, pequeno mosteiro no vale do Auge, célebre por sua estrita
observância. Oportuna recebeu o véu pelas mãos de seu irmão, Crodegran, alguns
dias após sua entrada na abadia.
Após
o falecimento da abadessa, as religiosas escolheram-na para sucedê-la. A nova
abadessa mudou de condição, mas não de conduta, aumentou suas devoções e
penitências. Ela dormia sobre a terra nua e tinha por coberta um simples
cilício; alimentava-se apenas de pão e aos domingos comia um pouco de peixe;
jejuava nas 4as e 6as feiras.
Oportuna
primava pela prudência e pela caridade com os pobres; tinha uma maneira muito
peculiar para instruir suas filhas, ou para corrigi-las, sempre temperando a
justiça com a misericórdia, por suas orações e exemplo. Ela fazia isto tão bem,
que as mais recalcitrantes se tornavam dóceis aos movimentos do espírito de Deus
que a conduzia.
Contudo,
como a vida dos justos é cheia de cruzes para estar conforme a de Jesus Cristo,
Deus permitiu que ela as tivesse e a maior foi a seguinte:
Seu
irmão, Crodegran, fez uma viagem a Roma e a Palestina para visitar os lugares
santos. Ele deixou como vigário geral Godoberto. Este, ao invés de agir como o
bom pastor, tornou-se um lobo por suas injustiças, especialmente contra as
pessoas religiosas da diocese e em particular contra Oportuna. Sua ambição, tão
alta quanto violenta, o fez se consagrar bispo de Séez. Oportuna rezava pedindo
o fim de tanta desordem.
Finalmente,
sete anos depois de sua partida, o Santo voltou a sua diocese e restabeleceu a
ordem. Furioso com sua deposição, Godoberto conspirou contra a vida do santo
bispo e o mandou assassinar durante o trajeto de uma visita que ele faria a
irmã. Pessoas piedosas desejavam dar sepultura ao bispo, mas sua irmã, que
chegara ao local do crime, o levou para seu mosteiro, onde ele foi solenemente
sepultado.
Algumas
fontes dizem que Oportuna morreu de uma doença causada pelo sofrimento após a
morte de seu irmão, que ocorreu dia 3 de setembro de 769. Embora ela tivesse
previsto sua morte numa visão profética, nada pode fazer para impedi-la.
Antes
de sua morte a Santa teve uma visão: recebeu a visita das Santas Luzia e
Cecília, cuja presença inundou sua cela de uma brilhante claridade e de um odor
muito agradável; elas asseguraram que a Rainha dos céus logo viria buscá-la.
Oportuna recebeu o santo viático e a Ssma. Virgem lhe apareceu para levá-la em
seus braços. Era o dia 22 de abril de 770. Seu corpo foi sepultado próximo ao
de seu irmão.
Devido
aos inúmeros milagres que ocorriam junto a sua sepultura, muito numerosas eram
as visitas que lhe fazia o povo rogando por sua intercessão. Foram tantos os
milagres alcançados, que Santa Oportuna ficou conhecida como “a taumaturga da
Normandia”.
A vida de
Santa Oportuna relata que certa vez um camponês roubou um jumento do convento e
recusava admitir seu crime. Oportuna deixou o caso nas mãos de Deus e no dia
seguinte o campo do homem estava coberto de sal. O camponês arrependido atirou-se
aos pés da santa abadessa e pediu perdão pelo que fizera; não apenas devolveu o
animal, como doou as terras para as religiosas, que passou a chamar-se Campo
Salgado. Tempos mais tarde, ali se construiu uma capela, pequenina e graciosa
que se dedicou à Santa.
Oportuna também recebeu de Deus o poder de
submeter os animais e as aves à sua vontade. Certa vez, foram dizer-lhe que uma
nuvem de passarinhos se abatera sobre as hortas das redondezas e estava
causando um estrago terrível. Oportuna foi-lhes ao encontro. E dizendo às
avezinhas que se considerassem suas prisioneiras, passou, suavemente, a
reprovar o que andavam fazendo.
Nem bem chegara de volta à abadia, e
alguém veio contar-lhe que as aves, portando-se estranhamente, voando e piando
tristemente, não abandonavam um determinado lugar. Tornou então ao local e
tendo descoberto que haviam matado um deles, por isso que chilreavam tão
compungidamente e não se iam, Oportuna, tomando ternamente nas mãos a avezinha
morta, rogando a Deus, restituiu-lhe a vida. Num grande bando que empanou a luz
do sol, os pássaros, agora cantando alegremente, desapareceram e jamais
voltaram.
A
Santa é muito venerada entre as monjas beneditinas de Almenèches-Argentan, que
a invocam para os casais estéreis que desejam um filho, e é a patrona das
antigas igrejas paroquiais de Lessay.
Em
1374, seu braço direito e uma costela foram colocados num relicário em uma
pequena igreja dedicada a ela em Paris, próxima da ermida chamada Notre
Dame des Bois. Conforme a cidade crescia, o mesmo se dava com a igreja.
Seu relicário de Paris é levado em procissão junto com as relíquias dos Santos
Honório e Genoveva.
História da Abadia de Almenèches-Argentan
Uma
das mais antigas abadias femininas da França, com Poitiers e Jouarre, sua
origem é bastante obscura; os mais antigos arquivos datam do século XII. Sempre
modesta, a abadia atravessou séculos e enfrentou muitas vicissitudes, com duas
interrupções: durante um século e meio, após as invasões vikings do século IX,
e durante 30 anos após a Revolução Francesa.
Segundo
a tradição, no final do século VII, o monge Santo Evroul († 707) fundou 15
mosteiros na região, entre eles o de Almenèches, a 10 km sudoeste de
Argentan, governado por Santa Lantilde no século VIII, e um outro, o Monasteriolum,
a 17 km ao norte de Argentan. Neste foi abadessa Santa Oportuna notável
por sua grande caridade fraterna e por sua devoção mariana.
No
fim do século IX, os dois mosteiros foram destruídos pelas invasões normandas.
As relíquias de Santa Oportuna foram colocadas em segurança na região
de Paris, sinal que ela já era objeto de uma grande veneração.
1060: Uma restauração difícil
Rogério
II de Montgomery, parente de Guilherme o Conquistador e “amigo dos monges”,
reconstruiu Almenèches em 1060, e dotou a abadia de muitas ricas possessões na
Normandia e na Inglaterra. Sua filha, Ema, aí se tornou abadessa em 1074. Uma
parte das relíquias de Santa Oportuna retornaram então a Almenèches,
que a acolhe como patrona. Envolvidos, apesar deles, nas lutas opositoras dos
Montgomery, os mosteiros foram incendiados por duas vezes, em 1103 e 1118, e
ficaram muito empobrecidos.
Do século XII ao século XV, a decadência
O Registro
de Visitas do arcebispo de Rouen, de 1250 a 1260, menciona 33
religiosas que cantavam o Ofício. A decadência vai se acentuando no decorrer do
século XIV, em seguida a um novo incêndio, em 1318, e das circunstâncias
difíceis da época: a Guerra dos 100 anos, peste e problemas na Normandia. Em
1455, o bispo de Séez constata que o capítulo fora transformado em estábulo e
que as religiosas se alojam como podiam nas ruínas e arredores.
Nos
séculos XV e XVI, uma renovação sob o signo de Fontevrault
A
ajuda da Abadia de Fontevrault tornou possível a necessária renovação da vida
monástica. Um primeiro desenvolvimento foi dado por uma jovem abadessa vinda de
Fontevrault, Maria de Alençon. Em 1517, 16 monjas de Fontevrault chegam a
Almenèches para uma segunda reforma. O culto de Santa Oportuna começa
então a se desenvolver, em seguida a um milagre.
Com
a Pseudo-reforma protestante a existência do mosteiro se tornou precária: em
1563, os huguenotes saquearam a abadia e o fervor se torna morno.
As grandes abadessas do período clássico
Uma
nova vitalidade foi dada pela jovem abadessa, Luisa Rouxel de Médavy
(1593-1652), que se revelou uma grande abadessa: ela restaurou o claustro e
adotou as Constituições de Poitiers, próximas da observância de Fontevrault. A
vida no mosteiro se tornou profundamente religiosa, mas de uma austeridade
relativa. Ela também fundou o priorado de Exmes em 1629, e participou do
estabelecimento de muitos mosteiros, entre os quais o de Verneuil (1627). O
impulso dado à comunidade se mantém sob as duas abadessas que a seguiram.
Em 1736,
a abadessa Helena Marta de Chambray se vê obrigada por Luis XV a fechar
Almenèches e transferir o mosteiro para o antigo priorado Notre-Dame de la
Place de Argentan, para facilitar o recrutamento.
Às
vésperas da Revolução Francesa, a comunidade contava com trinta monjas: todas
se recusaram a prestar juramento a constituição civil do clero. Mas em 1792,
elas foram dispersas. Duas delas foram aprisionadas.
A segunda restauração em 1822
Em
1822, Carlota Bernart de Courmesnil conseguiu reagrupar as sobreviventes dos
dois mosteiros, Argentan e Exmes, a princípio em Vimoutiers, depois, em
1830, em Argentan. Notre-Dame de la Place estando
irrecuperável, a comunidade renascente se instalou nas modestas construções do
Quarteirão São Joaquim. Pouco a pouco elas vão crescendo no século XIX, com a
abertura de um pensionato, de um orfanato e de uma escola gratuita, e, em 1874,
de uma escola de rendas destinada a retomar a tradição esquecida do “ponto de
Argentan”. As múltiplas tarefas educativas, desejadas pelo contexto político,
afastam um pouco as religiosas do ideal monástico.
As leis de 1901 e o retorno à vida contemplativa
Com
as leis anti-congregacionistas do início do século XX, a existência do mosteiro
é ameaçada. Em 1904, se procede ao inventário de seus bens: graças ao prestígio
da escola de rendas, foi obtido um sursis. O pensionato foi fechado em 1907. Em
30 de junho de 1914, aparece o decreto de fechamento do mosteiro, mas a guerra
o suspende oficialmente: uma parte do mosteiro é transformada em ambulatório e
as religiosas ficam no local.
A
supressão do pensionato leva as monjas a retornar para a grande tradição
monástica. Em 1912, o Ofício monástico substitui o Ofício romano e o título abacial
é restaurado pela Santa Sé. A nova igreja abacial é dedicada em 1933.
Durante
a 2ª Guerra Mundial, o mosteiro sofre o bombardeiro de 6 de junho de 1944. Três
monjas sucumbem, as outras encontram asilo na “Antiga Misericórdia” de Séez
durante 14 anos. Foi a Madre São Leão Chaplain, abadessa de 1940
a 1964, que assegurou a unidade da comunidade nessas circunstâncias
difíceis e pode reconstruir o mosteiro. Em 26 de julho de 1958, retornam a
Argentan, em uma construção nova, situada às margens do Orne. A dedicação da
igreja teve lugar no dia 17 de setembro de 1962.
A
comunidade conta agora com 46 monjas, que desejam cultivar a herança dos
séculos passados e continuar a servir a Deus Nosso Senhor.
É
impressionante que após 1.250 anos de seu falecimento, Santa Oportuna continue
tão presente. Que ela inspire o seu ideal monástico em muitas jovens almas de
nossos dias!
(*)
Diocese que ainda hoje existe em França.
Fontes:
(Livro
Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume VII, p. 178 à 181)
Postado
neste blog em 22 de abril de 2011
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