A Beata Joana Le Ber ocupa um
lugar excepcional entre as grandes figuras religiosas que se destacaram no
início da colonização da Nova França (Canadá): a de primeira reclusa na América
do Norte.
Filha de Jacques Le Ber, o
maior negociante do Canadá na época, e de Joana Le Moyne, irmã do Barão de Longueil, Jeanne nasceu em
Ville-Marie, atualmente Montreal, em 4 de janeiro de 1662. Foi batizada no
mesmo dia, sendo seus padrinhos Gabriel Souart, Paulo Chomedey de Maisonneuve
(fundador e governador de Montreal) e Joana Mance (fundadora e administradora do Hôtel-Dieu).
Desde a mais tenra infância Joana se sentia atraída
por Jesus presente no Santíssimo Sacramento; esta devoção cresceu dia a dia e
se desdobrou numa atração pelo silêncio e pela oração. Acompanhada de sua madrinha Joana Mance, Joana visitava com frequência o Hospital. Ela também mantinha amizade com Santa
Margarida Bourgeoys, a fundadora da Congregação de Nossa Senhora, que teve
grande influência em sua vida espiritual (veja
sua história neste blog, no dia 12/1/2012).
O ano de 1672 foi marcado pelo
início das provas na família Le Ber. Jacques Le Ber foi aprisionado por um
breve tempo. A mãe de Joana ficou muito afetada por este evento.
Era o fim de uma época. Muitos pioneiros foram mortos ou retornaram para a
França. Joana Le Ber vai para
Quebec encontrar sua tia, Maria Le Ber da Anunciação, que lecionava nas
Ursulinas, para completar a sua educação formal,
onde permaneceu por três anos (1674 a 1677). (1)
Aos quinze anos, Joana concluiu seus estudos e retornou a Ville-Marie. Ela
era a única filha de Jacques Le Ber (ela tinha quatro irmãos mais novos) e como
herdeira de grande parte da fortuna do pai era considerada o melhor partido na
Nova França. Seus pais obrigaram-na a
se vestir segundo a sua alta condição social, sonhando realizar para ela um
casamento bastante vantajoso. Mas Joana já havia renunciado ao mundo, mas não
se sentia chamada à vida comunitária: começou a levar uma vida de recolhimento,
afastada do mundo, na casa paterna. Embora não a compreendem-se, seus pais,
piedosos, respeitaram sua vocação.
Joana desejava reparar os pecados do mundo, começando pelos seus
próprios e para isto entregava-se a penitências comuns: usar cilício, flagelar-se,
comer os restos dos pobres que iam se alimentar à porta da casa do seu pai -
isto estava no programa diário de penitências da jovem. Vestia-se com um tecido
de lã grosseira acinzentada, sem adorno algum - Joana o usava para honrar a
pureza e a humildade de Maria Santíssima - e um capuz cobria sua cabeça. A
piedosa jovem reclusa somente saía para assistir a Santa Missa.
Após cinco anos
de reclusão sob a direção dos padres François Dollier de Casson e Séguenot, e
dos superiores eclesiásticos, a jovem pronunciou os votos de perpétua reclusão,
castidade e pobreza de coração.
Em 4 de junho de
1685, quando a capela que ela havia mandado construir para a comunidade de
Madre Bourgeoys ficou pronta, Joana deixou a casa paterna para morar em uma
cela atrás do altar. No dia 5 de agosto do mesmo ano, durante a celebração das
Vésperas na festa de Nossa Senhora das Neves, teve lugar a breve e tocante
cerimônia da sua solene reclusão.
Em sua cela de
três dependências, construída segundo suas especificações, havia uma mesa de
trabalho, uma cadeira, um fogão e um colchão miserável colocado perto do
Tabernáculo - isto compunha todo o mobiliário da pobre cela. Para imitar a piedade
de Maria para com Jesus, a Beata dedicava-se a bordar paramentos sacerdotais e ornamentos
do altar.
As vestimentas litúrgicas e os
ornamentos do altar, bordados com fios de ouro, de prata e de cores vivas,
refletiam sua intensa vida de contemplação, bem como sua veneração pelas
belezas da natureza, obras de Deus. Ela está na origem da Obra dos Tabernáculos,
que perdura ainda hoje em Montreal. Além das roupas brancas e dos ornamentos
litúrgicos, Joana também
confeccionava roupas para os pobres. (2)
Sua pobreza e
reclusão, entretanto, eram atenuadas pelo fato de que, devido sua posição
social, durante seus anos de reclusão ela manteve uma acompanhante, sua prima
Ana Barroy, que zelava por suas necessidades materiais e a acompanhava à Missa.
Sua oração era contínua e sua
imolação total. À noite, ela se levantava sem acender o fogo, mesmo nos mais
rigorosos invernos; não acendia luz alguma para que ninguém a percebesse.
Virando-se então para o Santíssimo Sacramento iluminado pela claridade da
lamparina do santuário, ela prolongava suas orações durante uma hora. Ela pedia
particularmente a instauração da Adoração Perpétua.
Benfeitora de
Ville-Marie, no decorrer dos anos Joana se desfez de sua fortuna para ajudar
os pobres, a Igreja, a Congregação de Nossa Senhora e a educação das meninas
menos favorecidas.
Em 1695, ela pronunciou um último
voto de reclusão. Ela comungava quatro vezes por semana, fato raro para a
época. Em meio a pungentes desolações do coração e do espírito, Joana nunca deixou de dedicar
três ou quatro horas por dia à oração e jamais deixou de fazer seus exercícios
de piedade.
Muito conhecida na colônia
canadense, ela recebeu a visita de Mons. de Saint-Vallier, Bispo de Quebec, e
de outras personalidades. Em suas orações, ela sempre incluía as preocupações e
as dificuldades de seus compatriotas. O que segue é um exemplo concreto do
poder de intercessão de Jeanne.
Em 1711, a Grã-Bretanha e a
França estavam em guerra. Naquela época o Canadá era francês. Joana soube que o
general britânico Nicholson estava viajando pela Nova Inglaterra em direção a
Montreal, e que o almirante Walker da Grã-Bretanha estava navegando no Rio São
Lourenço em direção à cidade de Quebec.
O Barão de Longueuil,
comandante do exército canadense, primo de Joana, a tinha visitado para pedir-lhe que ela fizesse uma
bandeira em que ela devia bordar uma oração. Joana fez a bandeira, em
que escreveu: "Nossos inimigos
colocam a confiança em suas armas, mas nós colocamos a nossa confiança na
Rainha dos Anjos, que invocamos. Ela é tão poderosa como um exército pronto para
a batalha. Sob sua proteção esperamos derrotar nossos inimigos".
Uma
tempestade no Rio São Lourenço causou o encalhe dos navios de Walker em
Île-aux-Œufs. Quando Nicholson soube o que acontecera, decidiu que não iria
lutar contra os habitantes de Ville-Marie, atual Montreal.
Resultado: o exército canadense não teve que lutar para ser vitorioso.
O “anjo de
Ville-Marie”, como era conhecida, deixou a terra em 3 de outubro de 1714, às 9h
da manhã, aos cinquenta e dois anos de idade. Seu funeral atraiu toda a
população de Montreal, que lhe foi prestar uma última homenagem.
Seus pobres
andrajos foram distribuídos aos fiéis, até mesmo seus sapatos, que eram feitos
de palha. Todos os que conseguiram obter alguma coisa que tivesse pertencido à
admirável reclusa reverenciavam tal lembrança como relíquia digna de devoção.
Seu corpo foi enterrado no subsolo da capela da Congregação de Nossa Senhora.
Os restos mortais da Beata
estão atualmente na Capela Nossa Senhora do Bom Auxílio, onde uma placa mural
indica o local. Os bordados de Joana Le Ber estão expostos na Maison Saint-Gabriel, Montreal. Sua vida
contemplativa inspirou a congregação religiosa das Reclusas Missionárias,
fundada por duas antigas alunas da Congregação de Nossa Senhora. Em 1943, religiosas
reclusas foram fundadas em Alberta. Em 2004, um distrito eleitoral recebeu o
seu nome.
(1) As Ursulinas de Quebec foram marcadas
pela forte personalidade da Santa Maria Guyart da Encarnação, sua fundadora;
tinham uma excelente reputação quanto à formação para a vida social e a piedade
religiosa. Eram muito boas na educação cristã, no ensino dos bordados que
decoravam os altares das igrejas novas erigidas nas novas paróquias da região
de Quebec.
(2) Joana Le Ber é
considerada a maior bordadeira do século XVII em Montreal, Canadá. Os seus
bordados contribuem para se conhecer os ornamentos litúrgicos influenciados
pelas técnicas e padrões franceses. Joana aprendeu a utilização dos fios de ouro e de prata,
uma técnica dispendiosa, portanto rara. Desenhos de acabamento, festões de
renda, galões, Joana rapidamente aprendeu
os segredos da arte de confeccionar belíssimos ornamentos de altar.
Fontes diversas, incluindo: Resumo O. D. M. Tradução e Adaptação: Gisèle do Prado Pimentel
gisele.pimentel@gmail.com http://hagiosdatrindade.blogspot.com; http://www.magnificat.ca/cal/fran/10-12.htm
Bordado feito pela Beata Joana Le Ber
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