sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Santa Mônica, mãe de Sto. Agostinho - 27 de agosto


O colóquio de Santo Agostinho com Santa Mônica em Óstia     

     A mãe de Santo Agostinho, Santa Mônica (331–387), passou uns trinta anos ou mais chorando a pedir a Deus a conversão de seu filho. Santo Agostinho acabou por comer as bolotas dos porcos e começou um processo de conversão que fez dele o grande Doutor da Igreja.
     Santo Agostinho, já convertido, e Santa Mônica resolveram voltar para a África do Norte, naquele tempo inteiramente romana, e mais especificamente para a cidade de Cartago, de onde eram naturais, para ali residirem. E assim percorreram uma parte da Itália para tomar um navio em Óstia, pequeno porto perto de Roma, e de lá iam seguir para a África.
     Encontravam-se então numa hospedaria de Óstia, junto a uma janela e começaram a conversar a respeito de Deus e das coisas do Céu, quando os dois tiveram um êxtase.
     Santo Agostinho relata este colóquio extraordinário e é um dos trechos mais famosos das “Confissões”. O trecho é extraído diretamente das “Confissões”:
     Próximo já do dia em que ela ia sair desta vida - dia que Vós conhecíeis e nós ignorávamos – sucedeu, segundo creio, por disposição de Vossos secretos desígnios, que nos encontrássemos sozinhos, ela e eu, apoiados a uma janela cuja vista dava para o jardim da casa onde morávamos. Era em Óstia, na foz do Tibre, onde, apartados da multidão, após o cansaço duma longa viagem, retemperávamos as forças para nos embarcarmos.
     Falávamos a sós, muito docemente, esquecendo o passado e dilatando-nos para o futuro. Na presença da Verdade, que sois Vós, alvitrávamos qual seria a vida eterna dos santos, que 'nunca os olhos viram, nunca o ouvido ouviu, nem o coração do homem imaginou'.
     Sim, os lábios do nosso coração abriam-se ansiosos para a corrente celeste da nossa fonte, a fonte da Vida, que está em Vós, para que aspergidos segundo a nossa capacidade, pudéssemos de algum modo pensar num assunto tão transcendente.
     Encaminhamos a conversa até a conclusão de que as delícias dos sentidos do corpo, por maiores que sejam e por mais brilhante que seja o resplendor sensível que as cerca, não são dignas de comparar-se à felicidade daquela vida, nem mesmo que delas se faça menção. Elevando-nos em afetos mais ardentes por essa felicidade, divagamos gradualmente por todas as coisas corporais até ao próprio céu, donde o sol, a lua e as estrelas iluminam a terra.
     Subíamos ainda mais em espírito, meditando, falando e admirando as Vossas obras. Chegamos às nossas almas e passamos por elas para atingir essa região de inesgotável abundância, onde apascentais eternamente Israel com o pastio da verdade. Ali a vida é a própria Sabedoria, por Quem tudo foi criado, tudo o que existiu e o que há de existir, sem que ela própria se crie a si mesma, pois existe como sempre foi e como sempre será. Antes, não há nela 'ter sido', nem 'haver de ser', pois simplesmente ‘é’, por ser eterna.
     Enquanto assim falávamos, anelantes pela Sabedoria atingimo-la momentaneamente num vislumbre completo do nosso coração.
     Suspiramos e deixamos lá agarradas as primícias de nosso espírito. Voltamos ao vão ruído dos nossos lábios, onde a palavra começa e acaba. Como poderá esta, meu Deus, comparar-se ao Vosso Verbo, que subsiste por si mesmo, nunca envelhecendo e tudo renovando?
     Dizíamos pois: suponhamos uma alma onde jazem em silêncio a rebelião da carne, as vãs imaginações da terra, da água, do ar e do céu...
     Suponhamos que ela guarde silêncio consigo mesma, que passa para além de si, nem sequer pensando em si; uma alma na qual se calem igualmente os sonhos e as revelações imaginárias, toda a palavra humana, todo o sinal, enfim, tudo o que sucede passageiramente.
     Imaginemos que nessa mesma alma existe o silêncio completo, porque se ainda pode ouvir, todos os seres lhe dizem: ‘Não nos fizemos a nós mesmos, fez-nos O que permanece eternamente’. Se ditas estas palavras os seres emudecerem, porque já escutaram quem os fez, suponhamos então que Ele sozinho fala, não por essas criaturas, mas diretamente, de modo a ouvirmos a sua palavra, não pronunciada por uma língua corpórea, nem por voz de Anjo, nem pelo estrondo do trovão, nem por metáforas enigmáticas, mas já por Ele mesmo.
     Suponhamos que ouvíamos Aquele que amamos nas criaturas, mas sem o intermédio delas, assim como nós acabávamos de experimentar, atingindo num voo de pensamento, a Eterna Sabedoria que permanece imutável sobre todos os seres.
     Se esta contemplação continuasse e se todas as outras visões de ordem muito diferente cessassem, se unicamente esta arrebatasse a alma e a absorvesse, de modo que a vida eterna fosse semelhante a este vislumbre intuitivo - a visão beatifica - pelo qual suspiramos, não seria isto a realização do “entra no gozo do teu Senhor”? E quando sucederá isto? Será quando todos ressuscitarmos? Mas então não seremos todos transformados?
     Ainda que isto, dizíamos, não pelo mesmo modo e por estas palavras, contudo, bem sabeis, Senhor, quanto o mundo e os seus prazeres nos pareciam vis, naquele dia quando assim conversávamos. Minha mãe acrescentou ainda: ‘Meu filho, quanto a mim, já nenhuma coisa me dá gosto nesta vida. Não sei o que faço ainda aqui, nem porque ainda cá esteja, esvanecidas já as esperanças deste mundo. Por um só motivo desejava prolongar um pouco a minha vida: para ver-te cristão e católico, antes de eu morrer. Deus concedeu-me esta graça superabundantemente, pois vejo que já desprezas a felicidade terrena para servirdes ao Senhor. Que faço, eu, pois, aqui?’
     Santa Mônica, nesta visão, teve o prenúncio de sua própria morte, compreendeu que não tinha nada mais para fazer. Quando sentiu que Santo Agostinho estava nas mãos de Deus, não quis perder tempo vendo-o servir a Deus. Poucos dias depois ela morria, ainda estando na cidade de Óstia. Sua missão na terra estava cumprida e Nosso Senhor a chamou ao Céu para gozar do prêmio que merecia.
Morte de Sta. Mônica, por Ottaviano Nelli (séc. XV)

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