A
participação ativa das religiosas nas missões estrangeiras se desenvolveu tanto
nos séculos XIX, XX e atual, que chegamos a considerá-la como uma inovação
moderna. Mas tal, entretanto, não é verdadeiro, pois apesar de algumas
diferenças de métodos, devidas ao aparecimento de congregações ativas sem
clausura, o mesmo sistema de missões era praticado no início da evangelização
dos bárbaros na Europa.
Como exemplo, basta citar a solicitude missionária de São Bonifácio a qual
corresponderam Santas Líoba, Tecla, Valburga e muitas outras que, deixando sua
tranquila Abadia de Wimborne, na Inglaterra, transladaram-se para as terras
selvagens dos pagãos alemães.
Líoba pertencia a uma boa família de Wessex e sua mãe, Ebba, era aparentada com
São Bonifácio. Embora a data de seu nascimento não seja conhecida, este é
considerado um milagre. Os pais de Líoba eram muito religiosos e levavam uma
vida santa e temente a Deus. Passados muitos anos sem ter filhos, pediam a Deus
que lhe enviasse um filho para perpetuar sua descendência e, assim, mesmo na
velhice, o bom Deus lhes presenteia com uma linda criança. Tinne e Ebba, seus
caros pais, nunca se cansaram de rezar e pedir a Deus o cumprimento de um
desejo que a muitos anos lhes era tão caro.
Numa noite, sua mãe teve um sonho em
relação ao nascimento da filha Líoba. Assim foi o seu sonho revelador: “Sonhara
que trazia em seu seio um sino de igreja e no momento em que estendia a mão
para tomá-lo, o sino emitia doces e melodiosos sons. Ebba chamou sua fiel ama e
narrou-lhe o sonho; a velha escrava, tomada de espírito profético, disse-lhe:
‘Dareis à luz a uma filha, que deveis consagrar ao serviço de Deus’”. (Vida
de Santa Líoba, 1914, p. 5). Assim, bem pequena foi consagrada e entregue aos
cuidados da abadessa do Mosteiro de Wimborne, Santa Tetta. A criança fora
batizada com o nome de Thruthgeba, logo modificado para Liobgetha (Leofgyth) e
abreviado para Líoba (ou Leoba), que significa “a bem-amada”.
Interessante também foi o sonho que teve a
própria Santa Líoba, que resumia toda a sua santa vida. Assim foi o seu sonho:
“Parecia-lhe que um fio cor de fogo saia de sua boca; quanto mais se
esforçava por tirá-lo, tanto mais e mais se prolongava, como se saísse do
íntimo do seu coração. Tendo a mão cheia deste rico fio de seda, começou a
enrolá-lo em forma de um novelo, que se tornava cada vez maior, até que cansada
de enrolar, adormeceu, vencida pela fadiga e a ansiedade”. (Vida de Santa Líoba,
1914, p. 8). Este sonho ficara tão vivo em sua memória, pois sabia que Deus
queria dizer-lhe algo através dele. E, realmente, neste, resumia sua vida
inteira.
Quando chegou a maioridade, Líoba decidiu permanecer no mosteiro, fez
sua profissão religiosa e progrediu rapidamente na virtude e na sabedoria. Sua
inocência servia de exemplo para as monjas mais velhas. Ela se deleitava nas
leituras sacras e nas devoções.
Em 722, São Bonifácio foi sagrado bispo pelo papa São Gregório Magno, que o
enviou para pregar o Evangelho na Saxônia, na Turíngia e no Hesse. Quando as
notícias de seu trabalho chegaram aos ouvidos das monjas de Wimborne, sua jovem
parente, Líoba, se atreveu a escrever-lhe uma carta (conservada em arquivo).
Nesta carta Líoba pede orações pela alma do pai, há oito anos falecido, por sua
mãe, Ebba, que ainda vivia, e para si própria. Além disso, ela envia uma
pequena poesia composta em latim. (*)
São Bonifácio comoveu-se com sua carta e manteve uma longa correspondência com
as monjas de Wimborne, até o ano de 748, quando escreveu para Santa Tetta
pedindo-lhe que enviasse Líoba com outras companheiras para estabelecer um
mosteiro e centros de religião para mulheres na nascente Igreja da Alemanha.
A abadessa enviou umas 30 monjas, entre as quais as Santas Líoba, Tecla e
Valburga. Todas se reuniram a São Bonifácio em Mainz, e Líoba foi colocada na
direção da comunidade que se instalou em um mosteiro chamado Bischofsheim, isto
é, “Casa do Bispo”, o que faz supor que São Bonifácio tenha cedido sua
residência para as monjas.
Sob a direção de Líoba o convento rapidamente atraiu mais vocações e dele
saíram as monjas que ocupariam outras casas que a própria Líoba fundou na
Alemanha, em Kitzingen e Ochsenfurt.
Um monge de Fulda chamado Rodolfo, que
escreveu a vida da Santa antes de transcorrerem sessenta anos de sua morte,
relata que segundo o testemunho de quatro das monjas de seu convento, todas as
casas religiosas naquela parte da Alemanha solicitavam uma monja de
Bischofsheim para guiá-las.
Segundo essa “Vida”, a beleza de Líoba era notável: tinha o rosto “como de um
anjo”, sempre sereno e sorridente, embora raramente ela fosse vista rindo.
Ninguém jamais a viu de mau humor, nem a ouviram dizer uma palavra dura; sua
paciência e sua inteligência eram tão amplas quanto sua bondade.
Diz-se que o copo em que ela bebia era o menor de todos, dado que nos permite
afirmar que ela se entregava a jejuns e austeridades, em uma comunidade sujeita
a Regra de São Bento, onde não se comia mais que duas vezes diárias.
Todas as monjas faziam trabalhos manuais, e além dos afazeres domésticos na
cozinha, refeitório, horta, recebiam uma educação intelectual: aprendiam latim
e tinha uma sala destinada à escrita.
Líoba não tolerava as penitências excessivas, como privar-se do sono, e insistia
que todas descansassem ao meio-dia, como constava da Regra. Ela mesma se
recostava naquele período, enquanto alguma das noviças lia para ela passagens
das Escrituras; e se acreditando que a abadessa havia dormido a leitora se
descuidava da tarefa, não passava um instante sem que Líoba abrisse os olhos e
a boca para corrigi-la.
A abadessa dedicava duas horas para conversas com qualquer das Irmãs que
quisesse falar com ela. Todas essas atividades estavam à margem do dever
principal: oração em comum, adoração de Deus e assistência aos sacerdotes que
trabalhavam na missão junto com elas.
A fama de Santa Líoba espalhou-se por toda parte; os vizinhos pediam a ajuda de
suas orações quando o perigo de incêndio, as tempestades ou as doenças os
ameaçavam, e os homens responsáveis pelos assuntos da Igreja e do Estado lhe
pediam conselho.
No ano de 754, São Bonifácio empreendeu uma viagem missionária à Frísia, onde
sofreria o martírio, e recomendou Líoba a seu sucessor na sé episcopal, São
Lull, e a todos seus monges de Fulda, pedindo que cuidassem dela com todo
respeito e honra. Nessa ocasião, ele pediu também que fosse enterrado com ela,
para que juntos eles aguardassem a ressurreição e permanecessem eternamente
unidos no Senhor.
Após o martírio de São Bonifácio, gozando de um privilégio especial, Líoba
visitava frequentemente seu túmulo na Abadia de Fulda e assistia as cerimônias
em sua honra.
Depois de ter governado Bischofsheim por 28 anos, estando já bem idosa, Santa
Líoba fez visitas de inspeção a todos os conventos que estavam sob seus
cuidados, renunciou ao cargo de abadessa e foi residir em Schornsheim, a seis
quilômetros de Mainz, numa propriedade dada a ela por Carlos Magno.
Sua amiga, a Beata Hildegarda, esposa de Carlos Magno, insistentemente a
convidou para a corte de Aachen; ela não pode deixar de ir, porém sua estadia
foi breve. Ao despedir-se da rainha, disse: “Adeus, parte preciosa de minha
alma! Cristo, nosso Criador e Redentor, queira dar-nos a graça de voltar a nos
vermos, sem perigo de confundir os rostos, no claro dia do juízo final, porque
nesta vida não voltaremos a nos ver”.
Assim aconteceu, pois Santa Líoba morreu poucos dias depois de ter regressado,
a 28 de setembro de 782, e foi sepultada na igreja da Abadia de Fulda, não no
mesmo túmulo de São Bonifácio, porque as monjas temiam perturbar suas
relíquias, mas junto dele, no lado norte do altar mor.
Em 838, o abade de Fulda, Rabano Mauro, para proteger suas relíquias,
transferiu-as para a Igreja Monte de São Pedro, e encarregou o monge Rodolfo de
escrever a vida da Santa, estendendo seus relatos a quatro discípulas dela:
Ágata, Tecla, Maria e Eoliba.
Santa Líoba é mencionada no Martirológio Romano e sua festa se celebra em
várias partes da Alemanha no dia 28 de setembro.
(*)
Ao Reverendíssimo Senhor Bispo Bonifácio,
Líoba, a última das servas de Cristo,
saúda Bonifácio, seu muito amado em Cristo, que se acha revestido da maior
dignidade do Senhor, a quem está ligada pelos laços de parentesco.
Rogo que vos digneis lembrar-vos de vossa
amizade para com meu pai Tinne, habitante de Wessex, falecido a oito anos e
para a alma de quem peço vossa intercessão junto a Deus. Recomendo-vos também
minha Mãe Ebba que, como sabeis, vos está ligada pelos laços de parentesco. Sua
vida passou-se no sofrimento; durante muito tempo prostrou-a o peso das
enfermidades corporais. Sou sua única filha e desejaria que me fosse permitido,
embora indigna, considerar-vos como um irmão, no qual confio mais do que em
qualquer outro de meus parentes. Envio-vos este pequeno presente, não que seja
digno de vosso agrado, mas a fim de que vos lembreis de minha humilde pessoa e
que a distância não me apague completamente de vossa memória. Desejo também
muito que esse presente estreite entre nós o laço de sincero afeto, para que
perdure sempre.
Suplico-vos, irmão bem-amado, ajudar-me com o escudo de vossas orações
contra os assaltos de meu inimigo invisível. Peço-vos também que vos digneis
corrigir esta carta tão mal redigida e não recuseis enviar-me algumas palavras,
pelas quais ardentemente suspiro como prova de vosso fervor.
Procurei compor os seguintes versos,
segundo as regras da metrificação poética, embora tenha pouca confiança em meu
talento e somente deseje exercitar minha veia poética, ainda muito fraca, o que
prova que nisto também preciso de vossa direção. Aprendi esta arte com
Eadburga, que nunca cessa de meditar sobre a santa Lei de Deus.
Adeus! Vivei por muito tempo, sede feliz e
rezai sempre por mim”.
(Seguem-se
quatro linhas de versos em latim)
“Arbiter omnipotens, solus qui
cuncta creavit,
In regno Patris semper qui lumine
fulget,
Qua jugiter flagrans sic regnat
gloria Christi,
Ilaesum
servet semper te jure perenni”.
Postado
neste blog em 27 de setembro de 2011
Fontes:
http://www.santiebeati.it/dettaglio/72350