segunda-feira, 27 de maio de 2024

Santa Mariana de Jesus, a “Açucena de Quito” – 26 de maio


Uma Santa equatoriana desconhecida; a primeira a ser canonizada no Equador
 
     Santa Mariana é Heroína Nacional do Equador, padroeira de Quito, protetora dos órfãos e dos doentes. A Santa nasceu no dia 31 de outubro do ano 1618, na cidade em Quito. Hoje Quito é a capital do Equador. Na época, porém, pertencia ao Vice-Reino do Peru. Ela era a mais nova de oito filhos e alega-se que seu nascimento foi acompanhado por fenômenos incomuns nos céus, fenômeno este claramente conectado com a criança e juridicamente atestado durante o seu processo de beatificação.
     Mariana era filha de Jerônimo de Paredes y Flores, Capitão espanhol, nascido em Toledo, e de Mariana de Granobles de Xamarillo. Sua mãe era descendente dos conquistadores espanhóis, católica convicta e mulher virtuosa. A Santa era de alta nobreza, pois descendia de “Grades de Espanha” (nobreza mais antiga que a da Família Real Espanhola), teve seu nome em consideração a Madre Mariana de Jesus Torres y Berriochoa (1563-1635), grande mística, sobrinha do Rei Felipe II da Espanha. Esta Madre chegou a Quito com 15 anos, acompanhando sua tia Madre Maria Taboada que fora incumbida pelo Soberano, a pedido das matronas de Quito, para fundar um monastério de Concepcionistas reclusas na capital equatoriana.
     Com apenas quatro anos Santa Mariana ficou órfã de pai. Pouco tempo depois ela perdeu também sua mãe, que ficara muito entristecida pela morte do marido. Antes de morrer, a mãe de Mariana confiou-a a guarda de sua irmã mais velha. Esta já era casada com um capitão chamado Cosme de Casso, com o qual já tinha três filhas, com idades próximas às de Mariana.
     O casal deu aos filhos e a Mariana uma educação humana e religiosa. Mariana sobressaiu-se logo pela inteligência nos estudos e na música, com uma bela voz. Mas cantava somente cânticos religiosos. E desde cedo manifestou grande piedade, espírito de sacrifício e oração. Com sete anos, salvou suas sobrinhas da morte, tirando-as de um lugar onde, logo em seguida, uma parede caiu.
A Maturidade espiritual
     O cunhado e a irmã, percebendo que Mariana tinha uma espiritualidade precoce, quiseram que ela, aos sete anos, fizesse a Primeira Comunhão. O costume na época era aos 12 anos.  Um padre jesuíta examinou-a e, surpreso com sua maturidade e virtude, ministrou-lhe a Primeira Comunhão, passando a ser seu diretor espiritual. Por essa ocasião ela quis passar a ser chamada de Mariana de Jesus, com a finalidade de mostrar a todos que ela pertencia somente a Ele. Desde menina, quis evangelizar os índios e ser eremita, mas ainda não era a hora.
     Aos 12 anos, sua irmã e o cunhado quiseram levar Santa Mariana a um convento franciscano. Ela também queria, porém, fatos externos impediram que isso acontecesse. Então, Mariana compreendeu que sua vocação era viver recolhida, mas estando “no mundo”. O diretor espiritual aprovou e sua irmã destinou três aposentos da casa para que ali, ela vivesse sua vida “reclusa”. Mariana recusou móveis e luxos, escolhendo tudo muito simples e pobre.
     Uma das salas tornou-se capela. Ao entrar para a sua “reclusão”, fez os votos de pobreza, castidade e obediência. De lá, só saía quando ia à igreja ou ajudar os pobres, aos quais muito amava. Sempre levava sua guitarra e cantava cânticos religiosos para consolo dos pobres. Vivia fazendo jejuns, passava dias à base de pão e água, outras vezes seu único alimento era a Eucaristia e a oração.
     Levantava-se diariamente de madrugada para fazer suas orações. Todas as manhãs, das 8 às 9 horas, rezava pelas almas do purgatório. Fazia trabalhos manuais para dar aos pobres, servia refeições à família de sua irmã, lavava louças e objetos. Trabalhava como uma empregada e depois se recolhia novamente para orações e descanso noturno.
A Fraqueza física
     Por causa dos jejuns e sacrifícios, ela adoecia. Por isso, como era costume na época, era submetida a “sangrias”. Uma empregada jogava o sangue tirado sempre no mesmo local. Após a morte de Santa Mariana, neste local nasceram lírios de beleza inigualável.
Profecias
     Santa Mariana, como qualquer pessoa, sofreu tentações, principalmente a do desânimo e a do desespero. Porém, venceu através da Eucaristia, da oração, do jejum e da direção espiritual. Ela profetizou que a casa de seu cunhado e de sua irmã se transformaria num convento e que o lugar em que ela dormia seria o coro das irmãs. Isso, de fato, aconteceu alguns anos mais tarde, com as Irmãs carmelitas.
Milagres de Santa Mariana
     A história de Santa Mariana de Jesus apresenta vários milagres e duas ressurreições acontecidas através de sua oração: uma de sua sobrinha e outra de uma índia assassinada pelo marido que julgou, injustamente, que a índia o traía. Ao voltar à vida, a índia revelou que, no meio de seus sofrimentos, antes de morrer, teve uma visão de Santa Mariana dizendo a ela: “coragem”.
Salvando a cidade de Quito
     No ano 1645, quando Mariana tinha 26 anos, uma horrorosa epidemia caiu sobre a cidade de Quito. Muita gente morreu por causa dessa doença. Além disso, fortes terremotos ocorriam na região por causa de um vulcão próximo. Todos estavam alarmados e sem esperança.
     Quando chegou o dia 25 de março, dia da Anunciação, Santa Mariana estava na missa. Ali ela ouviu o padre dizer que era preciso mais sacrifícios e penitências para suplicar a paz naqueles tempos de provação. Mariana quis, então, oferecer sua própria vida pela salvação do povo da cidade e orou a Deus para que assim acontecesse. Quando chegou o dia seguinte, ela começou a sofrer inúmeros males.
      Ao mesmo tempo, porém, os tremores foram cessando e a peste foi terminando. Mas o povo de Quito ficou consternado ao saber do estado grave em que se encontrava aquela que tinham como verdadeira santa. A população se reuniu em frente à casa de seu cunhado, mas somente o Bispo pôde entrar.
     O Bispo ministrou a ela os sacramentos e soube do oferecimento que ela fizera de sua vida. Sabendo de sua morte próxima, ela quis ser levada para a cama de sua sobrinha para que, na hora da morte, não tivesse mais nenhum pertence.
Devoção a Santa Mariana
     Santa Mariana faleceu em 26 de maio do ano 1645, com apenas 26 anos de idade.
     No sermão de seu enterro, realizado pelo Pe. Alonso de Rojas, S.J., este enfatizou que a sua mortificação corporal e renúncia da carne a colocou como um modelo para as mulheres de Quito, tanto que suas palavras foram: “Aprendam, mulheres de Quito, de sua compatriota, (a preferir) a santidade acima da beleza, as virtudes acima de ostentação”. E esse sermão se tornou o documento-chave no longo processo de estabelecer a sua santidade, beatificação (1853) e canonização (1950).
     A peste e os terremotos passaram e a paz reinou por muito tempo em Quito. Logo todo o povo da cidade acorreu para chorar e prestar sua última homenagem àquela que tinha entregado sua própria vida por eles. Seus restos mortais foram colocados no altar da Igreja de Quito e permanecem lá até hoje. Por isso, ela chamada de a Heroína Nacional do Equador e padroeira de Quito. Após sua morte, várias graças e milagres foram alcançados através da intercessão de Santa Mariana.
Canonização
     Do processo de beatificação, Monsenhor Alfonso dela Pegna deu início ao primeiro passo preliminar e instituiu o processo de inquirir e coletar evidências de santidade em sua vida, suas virtudes e milagres. Os Ritos das Sagradas Congregações discutiram e aprovaram o processo em favor de sua introdução formal e o Papa Bento XIV assinou a causa em 17/12/1757. O processo apostólico concerniu virtudes da Venerável Mariana das Paredes. Após todos os processos legais, na Basílica de São Pedro, no dia 10/11/1853, o resumo foi lido e a beatificação foi realizada.
     Santa Mariana de Jesus foi beatificada pelo Papa Pio IX, no ano de 1850. Ela foi canonizada, em 1950, um século depois, pelo então Papa Pio XII. 


Na igreja da Companhia (dos Jesuítas), em Quito, aos pés de Nossa Senhora de Loreto, se venera a imagem de Santa Mariana de Jesus ladeada por várias de suas relíquias, entre elas a guitarra (à esquerda) e a caixa de costura (à direita).
 




Este quadro representa Santa Mariana de Jesus Paredes Flores Granobles y Jamarillo (1618-1645), leiga 
que viveu no Equador — o traje da época era de leigas — e que, por sua beleza, candura e pureza virginal, ficou para a história como a “Açucena de Quito”.
 
Oração a Santa Mariana   
     “Santa Mariana de Jesus, modelo de oração e de amor a Jesus, orai por nós, para que saibamos seguir vosso exemplo de dedicação a Deus e ao próximo. E que saibamos colocar sempre o Senhor em primeiro lugar em nossa vida”. 
     Santa Mariana de Jesus, Açucena de Quito, Heroína do Equador, Rogai por nós.
 
Fontes:
História de Santa Mariana - Santos e Ícones Católicos - Cruz Terra Santa
S. Mariana de Jesus de Paredes, virgem | Salve Maria

domingo, 19 de maio de 2024

Beata Humiliana Cerchi, Viúva e Terciária Franciscana - 19 de maio

Martirológio Romano: Em Florença, Beata Humiliana, da Ordem Terceira de São Francisco, que suportou com paciência e mansidão muitos maus tratos do esposo e, tendo enviuvado, se dedicou inteiramente à oração e às obras de caridade (†: 1246).
 
 
     Os Cerchi, guelfos da parte branca, eram uma família ilustre: um irmão de Humiliana ocupou cargos públicos importantes. Era época de lutas infindas, mesmo dentro das muralhas da cidade. O vizinho podia ser um inimigo e, portanto, cada casa rica tinha a sua torre. Os guelfos eram leais ao Papa e os gibelinos ao imperador alemão. Na verdade, mais do que por motivos políticos se lutava por motivos econômicos; ricos comerciantes e nobres que disputam o poder. Em Florença, as lutas começaram com a morte de Buondelmonte, no domingo de Páscoa de 1215.
     Naquele período turbulento o espírito evangélico deu origem a novas ordens dentro da Igreja, pensamos nos franciscanos e nos dominicanos. São Francisco morreu quando Humiliana tinha sete anos. A notícia causou um rebuliço mesmo em Florença, que ele tinha visitado muitas vezes, e certamente chegou aos ouvidos de Humiliana.
     Humiliana nasceu em Florença em 1219, filha de Olivério Cerchi. Por perder a mãe quando era ainda criança, foi educada pela madrasta Ermelina, consanguínea de São Filipe.
     Conhecemos pouco de sua infância, mas podemos imaginá-la bastante normal. As mulheres eram sujeitas a muitas limitações. Aos quinze anos de idade, em obediência ao seu pai, ela se casou com Bonaguisi, um tecelão tão rico quanto ganancioso e rude, provavelmente usurário. O pai havia colocado bem as outras filhas, por exemplo, as uniões com os Adimari e os Donati. O casamento de Humiliana foi, portanto, um acordo econômico entre duas famílias ricas (o dote esponsal era um verdadeiro contrato), sendo completamente insignificantes as suas aspirações. A jovem noiva sofreu acima de tudo pelas iniquidades e má conduta do cônjuge, e tentou compensar isso com muitas obras de caridade.
     A Providência sempre vem em auxílio dos justos. Humiliana encontrou em sua nova casa uma colaboradora excepcional: a cunhada Ravena. Foi um apoio importante porque, sendo maior idade, tinha o controle da casa e juntas elas chamavam menos atenção. A união foi perfeita. Levantavam-se cedo e iam à Missa (geralmente na vizinha igreja de São Martino), faziam o trabalho doméstico, coordenando os empregados. Elas, então, dedicavam-se às obras de misericórdia. Humiliana geralmente se levantava antes do estabelecido e, enquanto o silêncio envolvia a casa, ela rezava intensamente ao seu Jesus. Ravena testemunhou que Humiliana subtraía da mesa toda a comida que podia para distribuí-la aos pobres, juntamente com sapatos e roupas. Para os doentes, uma vez ela esvaziou metade do seu colchão. Juntas, elas visitavam o Mosteiro dominicano de Ripoli e o hospital de São Gallo.
     Humiliana também confeccionava paramentos sagrados para as igrejas que visitava, usando escondido os tecidos preciosos que o marido lhe dava, ela tinha uma grande veneração pelo culto divino. Para os pobres intervinha junto aos conhecidos ricos para obter recursos e muitas vezes trabalhava à noite, longe dos olhos das pessoas. Na caridade, a única regra era a de Cristo. Quando foi descoberta, teve que suportar insultos e espancamentos do esposo e até de parentes do marido. Mas Humiliana conhecia a passagem do Evangelho que chama bem-aventurados os perseguidos por causa do Senhor. Encarnando perfeitamente o ideal franciscano, ela tomou o hábito da Ordem Terceira na Igreja de Santa Cruz das mãos de Frei Michele Alberti, seu confessor.
     Humiliana teve duas filhas; o casamento durou cinco anos até a morte repentina de seu marido, que morreu com os últimos sacramentos. Os parentes tinham de manter por um ano a viúva que, em seguida, voltou para sua família. Durante este ano ela convidou para sua mesa muitos pobres. O costume cruel do tempo estipulava que as crianças deviam ser deixadas com os parentes do marido (no caso de Humiliana, felizmente, seriam cuidadas por Ravena).
     Viúva com pouco mais de vinte anos, seu pai tentou convencê-la a se casar novamente. Desta vez a negação foi inflexível, ela queria entrar no Mosteiro de Monticelli (fundado por Santa Inês, irmã de Santa Clara). Os planos do Senhor, no entanto, eram diferentes. O seu dote que foi devolvido foi cedido ao seu pai (por um ato oficial!) e não podendo se tornar uma freira, em 1241 pediu e obteve do papa autorização para viver isolada na torre dos Cerchi, próximo da Praça da Senhoria. Privada dolosamente de grande parte dos bens, se alegrou com isso, deu graças a Deus e se dedicou à penitência e à esmola, distribuindo aos pobres o pouco que lhe restava.
     A fiel Gisla era mais do que uma camareira, foi uma companheira. No isolamento de seu quarto, com o essencial, montou um altar para Nossa Senhora. Passava os dias rezando e fazendo penitência, mesmo com cilicio. Jejuava nos dias de festa e nas vigílias, durante a Quaresma e Advento. Em alguns períodos ela também respeitava o grande silêncio. Ela sofreu muito por causa da impossibilidade de continuar as atividades caritativas. Ela se deu toda a Deus, a castidade da viuvez. Ela vivia como uma reclusa no coração de Florença, entre as pessoas que muitas vezes iam visitá-la (incluindo as filhas). Seu quarto tornou-se uma espécie de centro espiritual; entre outras coisas, a cada Quinta-feira Santa ela lavava os pés de suas irmãs terciárias. A Fé, sua riqueza mais importante, sempre a apoiara em dificuldades e Cristo recompensou consolando-a todos os dias. Não faltaram as vexações diabólicas e as provas espirituais, mas também as visões místicas. Foram muitos os dons com que Deus a agraciou: êxtases, espírito profético e poder taumatúrgico.
     Muitos episódios da sua vida mereceram ser inscritos em florilégios legendários: ser curada duma chaga dolorosa por meio dum sinal da cruz traçado por mão invisível; fazer com que a água substituísse o azeite para alimentar a lamparina do Santíssimo Sacramento; seu Anjo da Guarda a chamava de madrugada para a oração da manhã; padecendo de sede em virtude de uma febre, veio a Virgem Maria dar-lhe de beber; Jesus muitas vezes a alimentou com pão e mudou a água em vinho, e  ressuscitou uma filha morta subitamente. Satanás vinha tentá-la com alucinações e seduções, com imagens sedutoras ou formas repelentes: a firmeza de sua fé defendia-a sempre desses assaltos.
         Ela adoeceu, mas se manteve em silêncio para evitar distúrbios: uniu seus sofrimentos aos de Cristo na Cruz. No dia de sua última Páscoa terrena, ao som dos sinos caiu em êxtase. Ela morreu assistida apenas pela fiel servidora no alvorecer de 19 de maio de 1246. Era sábado, o dia dedicado a Maria e Humiliana tinha vinte e sete anos.
     O funeral foi triunfal dado que já a cercava a fama de santidade. Seus pés foram enfaixados para evitar os excessos das pessoas; ela tinha expressado esse desejo movida pelo senso de pudor que sempre lhe fora tão caro. As pessoas aclamaram-na santa e espontaneamente se dirigiam ao seu túmulo para rezar. Ela foi enterrada em sua igreja favorita de Santa Cruz. No começo, ela foi enterrada no chão, em seguida por trás de uma parede sob as escadas do púlpito, até que seu irmão Arrigo (que seguira seu exemplo se tornando franciscano), dispôs uma capela no claustro. Hoje suas relíquias são veneradas em uma capela do transepto, em uma urna artística. A humilde beata repousa na basílica que o mundo inteiro conhece por suas obras de arte e porque ali estão sepultados alguns grandes da Itália.
     Sua vida foi escrita em latim pelo Frei Vito de Cortona (do convento de Celle) e pelo confessor Frei Miguel, sendo que os dois a tinham conhecido. Houve uma atenção incomum ao recolher testemunhos: são citadas escrupulosamente trinta e quatro testemunhas, incluindo três cunhadas, uma avó e três empregadas domésticas. Mesmo os milagres (quarenta e sete), que ocorreram nos três anos após a morte, foram registados por Frei Hipólito, do mesmo convento.
     A biografia foi resumida trezentos anos mais tarde por Raphael Volterrano e pelos Bollandistas. Exemplo de grande e humilde mulher, de filha, de esposa e mãe, nela resplandeceram as virtudes da humildade, da caridade e da obediência. Suas maiores devotas eram as mulheres em necessidade. O seu culto foi aprovado pelo papa Inocêncio XII em 24 de julho de 1694.
Fontes:
https://franciscanos.org.br/
www.santiebeati/it
 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Beata Juliana de Norwich, Mística - 13 de maio

     Ignora-se o seu nome de batismo e o de sua família. O seu livro “Revelações do Amor Divino”, que contém dados sobre sua existência, é mencionado por uma testemunha recentemente descoberta: Margery Kempe, outra mística inglesa de seu tempo, que em sua autobiografia diz que no ano 1414 visitou "Lady Julian" (Sra. Juliana) para obter conselhos de direção espiritual.
O Cardeal Adam Easton, beneditino de Norwich, pode ter sido o diretor espiritual de Juliana e editado o seu Texto Longo.
     Juliana, nome como era conhecida em vida, e pelo qual ficará conhecida para sempre, talvez tenha sido adotado em honra de São Julião, patrono da igreja junto à qual transcorreu grande parte de sua vida. A igreja pertencia ao Mosteiro de Beneditinas de SS. Maria, dentro da cidade de Norwich. Há um debate acadêmico sobre se Juliana era uma monja do priorado, ou uma leiga. Ela viveu em uma ermida de três quartos do lado de fora do mosteiro, e tinha duas servidoras que a atendiam quando atingiu a idade avançada.
     Aos 30 anos, quando ela vivia em casa, sofreu uma doença grave. Julgando-se que estivesse perto da morte, um padre veio-lhe administrar a Santa Unção em 8 de maio de 1373. Como parte do ritual, o padre manteve o crucifixo no ar acima dos pés da cama. Juliana relata que estava a perder a vista e entorpecida, mas quando olhou para o crucifixo viu que a imagem de Jesus começou a sangrar. Durante as horas seguintes, Juliana teve uma série de dezesseis visões de Jesus Cristo, que terminaram quando ela se recuperou da sua doença, em 13 de maio de 1373.
     Juliana escreveu sobre as suas visões imediatamente depois de terem acontecido, apesar do texto final pode não ter sido terminado durante alguns anos, numa primeira versão das Revelações do Amor Divino, agora conhecida como o Texto Curto, com 25 capítulos e cerca de 11 000 palavras. Vinte a trinta anos depois, talvez no início da década de 1390, Juliana começou a escrever uma explicação teológica do significado das visões, conhecida esta versão como o Texto Longo, que consiste em 86 capítulos e cerca de 63 500 palavras. Este trabalho parece ter passado por várias revisões, antes de ser completado, talvez na primeira ou na segunda década do séc. XV. Acredita-se ser o mais antigo livro escrito no idioma inglês por uma mulher.
 
Revelações do Amor Divino
     “Revelações do Amor Divino” é uma obra célebre no Catolicismo por causa da clareza e da profundidade da visão de Deus de Juliana.
     O Texto Curto sobrevive apenas num manuscrito de meados do séc. XV, o Manuscrito Amherst, que foi copiado de um original escrito em 1413, ainda em vida de Juliana. O Texto Curto parece não ter sido muito lido e apenas seria publicado em 1911. O Texto Longo parece ter sido um pouco mais bem conhecido, mesmo assim parece não ter sido muito divulgado na Inglaterra do final da Idade Média. O único manuscrito sobrevivente desta época é o Manuscrito de Westminster, escrito de meados a final do séc. XVI, que contém uma parte do Texto Longo, sem referência à autoria, reescrito como um tratado didático em contemplação.
     A primeira edição impressa das “Revelações do Amor Divino” foi da responsabilidade do monge beneditino inglês Serenus Cressy, tendo sido publicada em 1670. Esta versão foi reedita em 1843, 1864 e 1902. O moderno interesse pela obra aumentou na sequência da edição da responsabilidade de Grace Warrack, em 1901, com uma linguagem modernizada, tendo sido a principal responsável por dar a conhecer aos leitores contemporâneos esta obra. As “Revelações do Amor Divino” vêm sendo publicadas em várias línguas, tornando-se muito populares no âmbito da literatura mística cristã.
     A versão do livro feita por Grace Warrack, em 1901, introduziu os escritos de Juliana junto à maioria dos leitores do início do século 20. Após a publicação da edição de Warrack, o nome de Juliana se espalhou rapidamente e se tornou tema de muitas palestras e escritos. Em 1979, uma edição do livro foi publicada e, como resultado, o livro tornou-se amplamente vendido e discutido, em um momento de espiritualidade renovada. Juliana de Norwich é agora reconhecida como uma das místicas mais importantes da Inglaterra.
     Os beneditinos de Norwich e o Cardeal da Inglaterra, Adam Easton, podem ter sido os diretores espirituais de Juliana de Norwich, e os editores de seu Longo Texto mostrando o Amor.
     O ditado: "... Tudo estará bem, e todos estarão bem, e todos os tipos de coisas deverão estar bem", que Juliana afirmou ter sido dito a ela por Deus, reflete sua teologia. É uma das linhas mais famosas da escrita teológica católica e é uma das mais famosas frases da literatura de sua época.
     Em suas visões, Juliana viu o sangue fluindo sob a Coroa de Espinhos de Jesus Cristo, viu a Virgem como uma jovem e simples senhora; e em relação à Cruz, ela viu a misericórdia Divina caindo como uma fina chuva de graças durante a Sua Paixão. Ela viu o Senhor morrendo, os Seus terríveis tormentos, e escreveu: “Assim eu O vi e eu O amava”.
     De sua ermida na Inglaterra da virada do século XIV para o XV, Juliana de Norwich é uma das vozes que se destacam nesse percurso, levando totalmente a sério a identificação que o cristianismo faz entre Deus e o amor.
     “Vi com certeza que quando Deus nos criou já nos amava, e tal amor nunca diminuiu nem diminuirá. Nesse amor ele fez todos os seus trabalhos, fez todas as coisas benéficas a nós, e nesse amor nossa vida é eterna. Na nossa criação tivemos um princípio, mas o amor em que nos fez estava nele desde a eternidade; nesse amor temos nosso princípio”, escreveu Juliana na última página de seu único escrito, em que procurou aprofundar, no decorrer de sua vida, uma visão que teve em um dia de maio de 1373, quando tinha 30 anos de idade.
     Se Deus é amor, “Ele está em tudo que é bom” e “é Ele a bondade que cada coisa tem” – disso Juliana estava convencida. Segundo a sua visão, estamos profundamente arraigados em Deus. O pecado não foi e não é capaz de negar que é em seu útero maternal que vivemos. “Nada pode estar entre Deus e nossa alma”, escreveu ela. “Deus nunca está fora da alma, na qual habita alegremente e sem fim”.
     Deus está mais próximo de nós do que a nossa própria alma, pois Ele é o fundamento em quem nossa alma repousa”, afirmou Juliana. “Nossa alma se assenta em Deus no verdadeiro descanso e nossa alma se assenta em Deus na verdadeira força, e nossa alma está naturalmente enraizada em Deus no amor infinito. E, portanto, se desejamos ter conhecimento de nossa alma, comungar e envolver-nos com ela, é necessário buscar nosso Senhor Deus, em quem ela está incluída”.
 
    É precisamente prestando atenção a essa presença amorosa de Deus na interioridade que a pessoa pode recobrar a semelhança com Ele. “Ele ensinará à alma como deve comportar-se quando O contempla”, explicou Juliana. Cristo, que assume a nossa natureza humana e sensível, fazendo com que tudo aquilo que somos se insira definitivamente na realidade divina, é o amor de Deus, “o fundamento de todas as leis”.
     É o amor a garantia de que tudo acabará bem, apesar dos contextos conflituosos em que vivemos. É o amor que dará sentido à história e é no amor que serão reconciliadas todas as coisas. “Assim como a Santíssima Trindade criou todas as coisas a partir do nada, assim então a mesma Santíssima Trindade fará ficar bem tudo o que não está bem”, escreveu Juliana.
     O rosto do Deus que lhe fala em sua visão é a própria expressão disso: “Tudo isso Ele me revelou cheio de felicidade, mostrando assim: ‘Vê! Eu sou Deus. Eu estou em todas as coisas. Vê! Eu fiz todas as coisas. Vê! Eu nunca retiro as minhas mãos da minha obra, nem nunca retirarei, eternamente – vê! E conduzo todas as coisas até o final que ordenei desde o início dos tempos, pelo mesmo poder, sabedoria e amor com os quais as criei. Como poderia alguma delas ser errada?
     Na época de sua morte, a Beata tinha uma vastíssima reputação e atraia visitantes de toda a Inglaterra para a sua cela. Embora Juliana não tenha sido formalmente beatificada, é mencionada como Beata por vários autores e na Inglaterra a invocam como Santa.
     A festa da Beata Juliana de Norwich na tradição católica romana é a 13 de maio.
 
Fontes: Juliana de Norwich – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Juliana de Norwich, la mística desconocida | BalmesLibreria.com
https://www.semprefamilia.com.br/

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Santa Solange de Bourges, Mártir da pureza - 10 de maio

     
Solange foi uma pastora do século IX. É uma das padroeiras de Berry, França. Ela é invocada para o alívio da seca.
     “A ilustríssima virgem Solange é a patrona e, por assim dizer, a Santa Genoveva de Berry. Ela nasceu em 863, no burgo de Villemont, a duas ou três léguas da cidade de Bourges. Seu pai era um pobre vinhateiro que levava uma vida muito católica; Deus recompensou sua piedade abençoando seu casamento. Ele teve uma filha a quem pôs o nome de Solange. Nesta admirável criança a beleza do corpo e a beleza da alma faziam as delícias de Deus e dos homens”.
     “Antigas crônicas a chamam de Solange ou Soulange; o local de seu nascimento não existe mais; podemos ver as ruínas de uma casa no meio do Prado Verdier, que dizem que era a habitação de Santa Solange. Esta pradaria fica a meia légua do burgo que recebeu o nome da Santa após sua morte”.
     “As lições do ofício que a Igreja consagrou a ela narram que dia e noite aparecia sobre sua cabeça uma estrela que a conduzia em suas caminhadas, e que lhe servia de regra em tudo o que ela devia fazer; esta estrela servia especialmente para guia-la e adverti-la, assim que o tempo que ela destinava à oração ou à salmodia se aproximava, como se esta luz, que outrora convidara os Santos reis Magos a ir reconhecer e adorar Jesus Cristo, tivesse sido reproduzida para favorecer esta Santa esposa do Salvador, e indicar a ela os preciosos momentos que o divino Esposo pedia suas adorações”. (Extraído dos Petits Bollandistes)
     Ela era forte, alegre e piedosa; gostava de ouvir as vidas dos santos durante as longas noites de inverno. Especialmente gostava da história de Santa Inês, que tinha sofrido um terrível martírio, e para si repetia que haveria de seguir os seus passos. Aos sete anos fez voto de castidade.
     Quando se tornou mais velha, passou a se ocupar do pequeno rebanho da família. Levantava-se ao amanhecer, passava diante da pequena igreja e parava para deixar algumas flores sobre o altar, depois seguia para o campo, onde havia construído uma capelinha toda para si e ali se ajoelhava rezando com fervor.
     Algumas vezes era transportada por êxtases e o tempo passava velozmente, mas os anjos a chamavam de volta à realidade. Era muito generosa com os pobres e também foi abençoada com o poder de curar os doentes e curou muitos.
     Um dia, atraído pela reputação da pastora, Bernardo de la Gothie, filho de Bernardo, Conde de Poitiers, de Bourges et do Auvergne, montou seu cavalo e, sob pretexto de ir à caça, foi em direção a Villemont, onde Solange guardava seu pequeno rebanho. Ao vê-la, ele desejou vivamente tê-la, mas ela recusou sua proposta.
     Aparentemente resignado, o jovem, entretanto voltou a abordá-la no mesmo local dias depois e, diante de nova recusa, agarrou-a e levou-a em seu cavalo. Solange, decidida a não consentir em seus avanços, conseguiu escapar e caiu em um riacho próximo da estrada. Bernardo, cego de raiva diante da persistente recusa de Solange, a decapitou (outros dizem que ele a traspassou com sua espada).
     Solange, que estava de pé, calmamente estendeu seus braços para receber sua cabeça e caminhou até Saint Martin du Cros (um cruzeiro) onde caiu sem vida e foi sepultada. (Boll. T. 5, pp. 427 à 431) A ereção de cruzes nas encruzilhadas era então muito frequente.
     A tradição tem como data do martírio de Solange o dia 10 de maio de 878, sob o pontificado de Frotario, Arcebispo de Bourges (876-890). Uma nova igreja foi construída sobre o túmulo da Santa e lhe foi dedicada.
    Desde a Idade Média até os dias de hoje seu culto permanece importante em Berry. Seus restos foram exumados “por causa dos milagres que eles operavam” (Guérin). Inicialmente colocados em um relicário de madeira, foram depois postos em um relicário de cobre. A última transladação ocorreu em 1511. Em 1657, a cidade de Bourges doou um relicário de prata para substituir o antigo. Em 1793, durante a Revolução Francesa, as relíquias foram dispersas.
Igreja da Santa na
cidade de Solange 
     "Fazendo minha visita a Méry-ès-Bois, em 5 de abril de 843 – escreve M. Caillaud, vigário geral – aí encontrei relíquias de Santa Solange: um osso do crânio, a mandíbula superior e um dente da Santa. Estas relíquias pertenciam, antes da Revolução, à abadia dos bernardinos de Luis e tinham sido transferidas com grande pompa à Méry-ès-Bois em 1791, assim que os monges deixaram o convento; eu dividi estas relíquias em duas porções iguais, das quais uma ficou em Méry-ès-Bois, e a outra foi dada à paroquia de Santa Solange”.
     Todos os anos, os fiéis peregrinos levam o relicário contendo as relíquias de Santa Solange até a capela consagrada, no “Campo do martírio”. A igreja foi classificada como monumento histórico em 1913.
     O Papa Alexandre VII autorizou a criação de uma confraria dos “Primos de Santa Solange".
 

Etimologia: Solange = do latim Solemnia, “solene, majestosa”.

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Beata Gisela da Hungria, Rainha, abadessa - 7 de maio

A Beata Gisela com seu
 filho Sto. Américo
     
Gisela, filha do duque Henrique II da Baviera, e de Gisela da Borgonha, nasceu c. 980/985. Era a irmã mais nova de Henrique II da Alemanha, de Bruno, que depois se tornaria bispo de Augsburgo, e de Brígida, futura abadessa de Mittelmuenster. 
     Foi a época em que seu pai se reconciliou definitivamente com a imperatriz Teofana, regente da Alemanha.
     Gisela recebeu uma educação católica muito profunda, notadamente por parte do Bispo Wolfgang de Ratisbonne, confessor e conselheiro da corte ducal. Por toda sua infância ela viu seu pai em conflito quase constante com a Hungria.
     Em agosto de 995, seu pai faleceu deixando a Baviera ao seu filho mais velho, o futuro imperador Henrique II. Gisela foi logo dada em noivado ao herdeiro da Hungria, Estevão. Desde pequena ela desejara tornar-se religiosa, mas decidiu aceitar um casamento que contribuiria muito para a expansão do cristianismo, deixando sua vocação para mais tarde.
     A união teve lugar no Castelo de Scheven no fim de 995, ou no início de 996, com concessões de ambas as partes: os húngaros cederam o sudeste da Morávia e a bacia de Vienne. Além disso, eles aceitaram a evangelização do país. Em troca, a Baviera prometia a paz; por nove séculos a fronteira de Morávia e de Leitha permaneceu estável.
     Um cortejo numeroso acompanhou Gisela ao país de seu esposo e muitos eram religiosos. Gisela se tornou a primeira rainha católica húngara.
     Gisela e Estevão tiveram muitos filhos: o primogênito, nascido em 1002 e outro nascido depois, morreram muito jovens, e as fontes que os mencionam são posteriores, já as informações sobre o mais velho, Américo da Hungria, que foi canonizado, são mais extensas. Nascido em 1007, ele faleceu em 1031, antes de seus pais.
     Gisela construiu muitas igrejas e mosteiros, inclusive a Catedral de Vezprim, decorando-a com trabalhos dos mais importantes artistas da época, até mesmo de escultores gregos.
     Além da importância religiosa e cultural que seu reinado obteve, há de considerar-se também a importância política que permitiu, graças a seu casamento e à conversão da Hungria, que as boas relações com a Alemanha chegassem até o século XXI.
     Gisela cumpriu essa missão com muito sofrimento pessoal: a perda de seu filho mais velho e de uma filha; duas filhas seguiram seus maridos para terras distantes e ela nunca mais as viu; como vimos, o herdeiro, Américo, sucessor natural do trono, também faleceu. Mas, embora tivesse enfrentado várias tragédias, a que a fez mais sofrer ocorreu em 1038: a morte de seu esposo, Santo Estevão.
     Ainda teria que enfrentar os húngaros opostos a ela, que assumiram o poder desejando neutralizar a sua influência junto ao povo. Pedro, sobrinho e sucessor de seu esposo, negou seus compromissos e tiranizou os habitantes, inclusive ela. Despojada de seus bens, permaneceu presa por vários anos, sem qualquer contato com os parentes do exterior. Em 1045, depois de muitas negociações com o rei Henrique III, Gisela pôde retornar à sua Baviera natal.
     Na Baviera, ela se retirou no Mosteiro de Niedernburg, Passau. Gisela foi eleita abadessa, governando até o dia 7 maio de 1065, quando faleceu. O seu túmulo em Passau foi objeto de peregrinações e veneração dos fiéis.
     Assim, esta grande figura feminina da história da Igreja deixou uma marca profunda no final do primeiro milênio. Gisela, a rainha católica que se fez abadessa, patrocinou grandes obras de caridade, construiu igrejas, ajudou a converter a Hungria e por isso teve grande participação política na expansão do Cristianismo.
     Seu culto é muito antigo e ainda intenso em todo o norte da Itália, Hungria, Alemanha, França, por todo o Oriente e pelos países onde os beneditinos se instalaram, levando com eles a comemoração litúrgica desta rainha abadessa no dia 7 de maio.
     Gisela foi declarada Beata em 1975. Em 1908, foi realizado um reconhecimento de suas relíquias. 
 
Etimologia: Gisela: do alemão Geisila = “bastão, vara, açoite”; ou ainda abreviação de Gisel = “prisioneiro de guerra, refém”.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Serva de Deus Elisabeth Leseur, Esposa, Mística – 3 de maio

“Deus soube fazer jorrar a verdade de meus próprios erros e apoderou-se de mim pelos meios mais inesperados. E agora, com a sua graça, minha fé é íntima, consciente e tão profunda, que as pessoas ou coisas que me fazem sofrer por ela, não podem mais perturbá-la”.
“Esposas, nunca se esqueçam disso: Deus JAMAIS as abandonará e SEMPRE ouvirá suas orações”.
 
     Em 16 de outubro de 1866, nascia em Paris, Elisabeth Arrighi, jovem de boa condição financeira, bem-educada e de boa família católica. Seu nome de batismo Paulina Elisabeth Arrighi, Elisabeth tinha tido hepatite quando criança, que retornou ao longo de sua vida com ataques de gravidade variável.
     Em 1887, ela conheceu o médico Félix Leseur (1861-1950), também oriundo de uma rica família católica. Pouco antes de se casarem em 31 de julho de 1889, Elisabeth descobriu que Félix havia deixado de ser um católico praticante. O Dr. Félix Leseur logo se tornou conhecido como materialista e colaborador de jornais anticlericais em Paris.
     Assim conta Félix: “No momento de nosso casamento, me comprometera a respeitar as crenças de minha mulher e deixá-la praticar em liberdade. Mas logo comecei a suportar impacientemente outras convicções que não eram as minhas negações, e, como a neutralidade religiosa é uma burla nas relações particulares assim como nas instituições públicas, tomei Elisabeth como objeto do meu proselitismo às avessas. Pus-me a atacar a sua crença, esforcei-me para arrancar-lhe e, – que Deus me perdoe! – quase o consegui”.
     Sua campanha ardorosa para esta conversão às avessas de sua esposa, a conduziu a certo esfriamento da prática religiosa. Ele buscava influenciá-la através de livros, que ele pensava que poderiam “ajudar”. Assim, deu-lhe livros de Renan, “História das origens do Cristianismo”, “A Vida de Jesus”.
     Mas estes tiveram o efeito contrário… Sua alma reagiu diante da apostasia… e retornou para Deus, começando para ela uma fase nova: frequência dos sacramentos, ascese, oração e de formação.
     Se Félix tem sua biblioteca anticatólica, ela inicia sua própria, com a leitura de São Jerônimo, São Tomás, São Francisco de Sales, Santa Teresa.
     Ela escrevera: “Comecei a estudar filosofia e muito me interessa. Esse estudo esclarece muita coisa e põe em ordem o espírito. Não compreendo que não se faça dele o complemento de toda educação feminina”.
     Os Leseur são um casal de seu tempo, de uma Paris efervescente: amigos, jantares, viagens internacionais. Cercados de amigos, mas praticamente todos partilhavam da aversão religiosa e da incredulidade de Félix.
     Este seu percurso interior é extremamente só. E a Nosso Senhor ela diz na oração: “Sede Senhor, o caro Companheiro da minha solidão interior, o Hóspede divino de minha alma, vivei nela e dai-lhe sem cessar, na comunhão e na oração, as vossas mais íntimas graças. Fazei de mim o apóstolo do vosso Coração pela prece, pelo sofrimento e pela ação”.
     E sua Vida Espiritual vai se aprofundando. Ela vai se tornando contemplativa, orante, verdadeira mística, sem nada de extraordinário, exceto seu amor a Deus.
     Aos amigos, aos incrédulos, buscará ajudar com suas palavras, com suas respostas cheias de convicção, com sua amabilidade e com sua amizade. Mas especialmente com sua oração e sacrifício. Ela diz: “Deus se encarrega de fazer por nós, e melhor que nós, o que sonhamos empreender. A influência que quiséramos exercer, Ele a emprega no bem das almas, enquanto nós Lhe oferecemos unicamente o nosso silêncio, a nossa fraqueza e inércia aparente”.
     Para seu amado Félix, ela deseja que reencontre a Deus. Redobra as orações, os sacrifícios: “Meu Deus, dar-me-eis um dia… em breve... a alegria imensa de uma plena comunhão de alma com meu caro marido, de uma mesma fé e uma mesma existência completamente orientada para vós? Quero por esta intenção, redobrar as orações, mais que nunca suplicar, sofrer e oferecer a Deus comunhões e sacrifícios, a fim de obter essa graça tão desejada”.
     Elisabeth sempre teve uma saúde frágil, e durante sua vida, as enfermidades se sucederam. Muitas vezes a obrigaram a longos repousos e a várias intervenções cirúrgicas. Deus a vai conduzindo ao Calvário: “Sofrer parece ser verdadeiramente minha vocação e o apelo íntimo de Deus para minha alma. E depois, sofrer me permite fazer obra de reparação, de obter – eu espero – as grandes graças que eu desejo tanto para minhas almas queridas, para as almas”.
     Em meio a esta solidão interior e sofrimento físico, Deus lhe dá um grande conforto: durante uma visita ao famoso Hôtel-Dieu, de Beaune, ela conhece uma religiosa, Irmã Marie Goby, que será sua amiga. Que consolo uma verdadeira amizade espiritual! O contato epistolar entre as duas trará a Elisabeth muito consolo, já que com ela podia abrir sua alma.
     Diz Nosso Senhor: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15,13). E Elisabeth ama profundamente seu esposo Félix, ama com aquele verdadeiro amor… Assim escreve: “Meu caro Félix, nem minha família, nem essas outras almas pelas quais tão pouco posso fazer, sabem talvez a que ponto eu as amo. Na “querida eternidade”, no centro do amor mesmo, é que gozaremos inteiramente esses afetos. Mas, meu Deus, como se pode amar quando não se ama em Vós?”.
     E, por amor, desejava que ele conhecesse a Verdade do Evangelho, que ele experimentasse a felicidade que ela vivia, felicidade da Vida em Deus. Assim, em um momento decisivo, quando foi decidido que ela seria submetida a uma operação cirúrgica, ela faz com Nosso Senhor um “Pacto íntimo entre minha alma e Deus, meu coração e o Coração de Jesus”.
     E nesta oração, de coração a Coração, que repetirá nos últimos anos de sua vida, ela se oferece por Félix, ela se oferece pela conversão do seu esposo. “Meu bom Salvador, entre o Vosso Coração e o meu é que se deve fazer esse pacto de amor, que Vos dará uma alma, e a mim, para a eternidade, aquele que amo e quero comigo no Céu”.
     Assim, escreverá posteriormente Félix: “No momento em que foi decidida a operação que se tinha que fazer, concluíra com Deus uma espécie de PACTO oferecendo sua vida em troca da minha conversão. O seu sacrifício era absoluto e estava convencida que Deus o havia aceitado e que a chamaria para Si prematuramente. Mas, estava também persuadida que ele asseguraria a minha conversão. (…), ela própria me declarara algumas semanas antes de sua morte. Conversávamos uma tarde sobre Sua crença na vida futura e na Comunhão dos Santos, e ela terminou com esta afirmação dita com autoridade um tanto solene: ‘Virás encontrar-me, estou certa”.
A profecia de Elisabeth Leseur a seu marido
     Deixemos que seja o próprio Félix Leseur a contar-nos:
     “- Hei de morrer antes de ti – disse-me ela à queima-roupa, ao terminar uma conversa.
     – Por que me dizeis isto? – respondi – como o sabeis?
     –Sei, com todas as doenças que tenho tido e os vestígios profundos que elas deixam em meu organismo, isto é certo.
     – Mas não, as saúdes delicadas são em geral as mais duráveis e a tua não está tão comprometida como o supões.
     – Sim, morrerei antes de ti. E, quando eu morrer, hás de te converter e quando estiveres convertido, te farás religioso. Serás Dom Leseur ou o Padre Leseur. Serás o Padre Leseur.
     – Mas é absurdo o que dizes. Conheces minhas idéias e meu agnosticismo só tem se acentuado, assim como a minha hostilidade.
     – Verás – disse ela certamente para terminar – verás”.
-.-
     Depois de longos sofrimentos, Elisabeth morre no dia 3 de maio de 1914, nos braços de seu amado Félix.
     Mas, tudo estava por começar… A grande mudança só estava começando na vida de Félix Leseur. Assim, ele contará:
     “Depois de sua morte, quando tudo parecia acabado para mim, achei o Testamento Espiritual, que redigira em minha intenção, e por indicação de minha cunhada, seu DIÁRIO. Mergulhei-me nessa leitura, li-o, reli-o e uma revolução operou-se em todo meu ser moral. Compreendi a beleza celeste daquela alma, que aceitara seus sofrimentos, os oferecera, mais até, que se oferecera e sacrificara principalmente por minha conversão”.
     “Pouco a pouco, se abriram os olhos da fé. Senti Elisabeth, na aparência desaparecida, no entanto guiando-me”.
     “Elisabeth me conduzia à verdade, e continua, bem o sinto no meu íntimo, a sustentar meus passos para uma união ainda maior com Deus”.
     Em 1917, Félix publica o Diário da sua Elisabeth, fazendo que o mundo conhecesse a preciosa obra que Deus realizou na alma de sua esposa. E o segredo de Elisabeth, sua vida interior, que durante toda sua vida fora desconhecida para todos, especialmente para Félix, agora se fazia conhecida…
     Assim, Deus realizava os desejos mais profundos que Elisabeth deixou escrito: “Que Ele me conceda a graça de ser apóstolo, e de fazer conhecer às almas, por meus exemplos e meus atos, a força e a vida que Ele traz a uma alma e como pode transformar um ente humano, mesmo fraco como eu. O Espírito Divino que fez de pescadores ignorantes, apóstolos de coração ardente, pode servir-se de mim para fazer algum bem; isso rogo-lhe com ardor”.
     Em 1919, Félix entra no noviciado dos Dominicanos, seu nome religioso será Frei Marie-Albert Leseur, e em 8 de julho de 1923, menos de dez anos após a morte de Elisabeth, ele é ordenado sacerdote.
     Dedicar-se-á a fazer conhecida a vida e espiritualidade de sua esposa, que ele assim descreve: “A existência de Elisabeth Leseur não apresenta, sem dúvida, fatos sensacionais; ela decorreu muito simplesmente no amor de Deus e do próximo, na unidade confiante da família e do lar, no cumprimento dos deveres de estado, de todos os deveres, na aceitação do sofrimento físico e moral, muitas vezes muito penoso, na resignação e submissão à vontade de Deus”; ela “prova que, uma senhora, tendo parte na vida mundana do século XX, casada com um incrédulo, é possível ter uma religião ativa e esclarecida, fortalecida na oração, inspirando seus atos e elevando-a aos cumes da perfeição cristã. Ela se torna assim, para qualquer senhora no mundo, um guia seguro, um apoio sólido, e seu exemplo é, nesse ponto de vista, um argumento apologético de primeira ordem”.
     Ele se encarregará da publicação de seus escritos íntimos, cartas etc., e de preparar a sua causa de beatificação, até sua morte em 1950.
O processo de beatificação de Elisabeth Leseur
     O Postulador geral da Ordem dos Pregadores está buscando dar um novo impulso a causa de beatificação da Serva de Deus Elisabeth Leseur (1866-1914).
     Hoje mais que nunca, precisamos do seu testemunho de fidelidade, sua profunda vida interior e sua vivência do Evangelho na vida cotidiana. Sua mensagem é atual e necessária ao nosso tempo atribulado.
     Portanto, pedimos a todos que receberam graças (físicas ou espirituais), a todos que foram tocados pela vida e pelos escritos da Serva de Deus, o favor de entrarem em contato com a Postulação Geral dos Dominicanos:
Frei Llewellyn Muscat O.P.
postulatio@curia.op.org
     Rezemos ao Senhor que nos conceda a graça da beatificação da Serva de Deus Elisabeth Leseur.
 
Fonte: http://www.claustrum.com.br/2016/11/28/serva-de-deus-elisabeth-leseur/