quarta-feira, 30 de março de 2022

Beata Joana de Toulouse, Carmelita - 31 de março

 
     Poucos elementos biográficos são conhecidos com certeza sobre Joana de Toulouse. Sua data de nascimento parece desconhecida, sua data de morte varia de fonte para fonte. Existem erros de impressão e/ou confusões em determinados sites que contêm biografias curtas. Para aumentar a confusão, em Toulouse, nesse período do século XIII, várias mulheres adotaram o mesmo nome de Joana de Toulouse.
     Uma tradição indica que após a fundação de um mosteiro carmelita em Toulouse em 1240, Joana descobriu a espiritualidade carmelita. São Simão Stock (1), passando por Toulouse em 1264, a conheceu e aceitou seu pedido para seguir a regra do Carmelo, e assim ela se tornou a "primeira Carmelita da Ordem Terceira". Joana, permanecendo virgem, então se empenhou em seguir todos os requisitos da Regra do Carmelo. Ela vai em socorro da comunidade carmelita da cidade e atende os doentes e os pobres. Ela também encoraja os leigos de Toulouse a ajudar a servir e ajudar os pobres.
     Outra fonte faz dela a filha de Balduíno de Toulouse e Alix de Lautrec. Tendo seu pai sido assassinado por seu irmão, o Conde Raimundo VI de Toulouse, Joana, em reparação pelo crime de seu tio, teria sido enclausurada em uma pequena casa adjacente à catedral de Santo Estevão. Através de uma pequena janela ela tinha uma visão do altar e adorava o Santíssimo Sacramento dia e noite. Ela viveu ali como reclusa até sua morte.
     Segundo a fonte biográfica mais confiável, escrita pelo religioso carmelita Jean Bale, que visitou Toulouse em 1527, Joana vinha de uma família nobre do Reino de Navarra. Tendo uma grande devoção à Virgem Maria, Joana decidiu viver como reclusa perto do convento carmelita em Toulouse. Ela então escolheu viver em grande austeridade. “Ela gostava de conversar sobre assuntos espirituais com os jovens irmãos carmelitas e orava muito por eles, o que lhes trazia grande benefício espiritual”.
     Joana de Toulouse não aparece na lista de santos da Ordem publicada por João Grossi (+1437), que era membro da província carmelita de Toulouse. É por isso que, tendo em conta os outros elementos bibliográficos conhecidos, Joana parece ter vivido no início do século XV, na melhor das hipóteses pouco antes (outro sítio do Carmelo propõe como data da morte "por volta de 1380").
      Joana é citada ao mesmo tempo como terciária e como monja carmelita; não é de se excluir que tenha professado a regra carmelitana, como fizeram outras mulheres "conversas" suas contemporâneas.  Após sua morte, os fiéis atribuíram a sua intercessão numerosos milagres.
      Entre 1452 e 1474, o Arcebispo de Toulouse, Bernardo Yvest de Roserge (+1474), mandou exumar as suas relíquias e depositou-as numa urna, colocada na capela do convento carmelita da cidade., exumou o corpo de Joana colocando-o em uma urna que foi colocada em uma capela da igreja carmelitana da cidade. Na ocasião, concedeu uma indulgência de quarenta dias aqueles que visitassem as suas relíquias.
     Em 1656, um convento espanhol solicitou algumas relíquias da Beata. O Prior Geral da Ordem, Henrique Silvio, aproveitou uma viagem à Espanha para levar-lhes o braço e a mão direita da santa. Escritos datados de 1688 indicam que nessa data também faltavam no ossuário de Toulouse a mão esquerda e alguns dentes.
     Foram feitos reconhecimento de suas relíquias nos anos de 1616, 1656 e 1688. Depois da Revolução Francesa, durante a demolição da igreja carmelitana de Toulouse, em 1805, os restos de Joana foram encontrados em uma parede, junto com o documento de reconhecimento de 1688 (documentos colocados por ocasião do exame das relíquias realizado na sequência do processo de beatificação) e algumas orações que a Beata recitava habitualmente.
      Levados para a igreja metropolitana de Santo Estevão, os seus despojos foram sepultados na capela de São Vicente de Paulo, até que em 1895, por ocasião da beatificação, foi novamente exumado e colocado em um relicário de forma ogival.
Catedral de Sto Estevão
Beatificação
     O pedido de beatificação de Joana de Toulouse foi feito durante o Capítulo Geral da Ordem do Carmo em Nápoles em 1510. O exame foi aberto em 1616, depois relançado em 1656 e 1688.
      A Beata Joana de Toulouse foi oficialmente beatificada por Leão XIII em 1895.
O culto da bem-aventurada
     Após sua morte, vários milagres foram atribuídos a ela por seus contemporâneos. Seu culto foi oficialmente autorizado em meados do século XV pelo bispo Bernardo du Rosier.
     A sua memória é celebrada no dia 31 de março, ao mesmo tempo que Ana de Toulouse, também freira de clausura ligada ao Carmelo e que viveu reclusa no mesmo período que Joana. Considerada santa e celebrada na Ordem do Carmelo antes de sua beatificação, a última reforma litúrgica retirou sua festa do calendário dos santos da Ordem do Carmelo.
 
(¹) São Simão Stock, comemorado dia 16 de maio. Era natural do condado de Kent, Inglaterra. Geral da Ordem do Carmo, recebeu da Santíssima Virgem o Escapulário com a promessa de que quem com ele piedosamente morresse não padeceria as penas do inferno. Em 1264, ele presidiu ao Capítulo Geral em Toulouse, França. Faleceu em 1265 na cidade de Bordeaux, França, onde até hoje se encontram seus restos mortais.
 
Postado neste blog em 30 de março de 2012
 
http://coisasdesantos.blogspot.com/2018/03/31-de-marco-beata-joana-de-toulouse.html
https://fr.wikipedia.org/wiki/Jeanne_de_Toulouse_(carm%C3%A9lite)
 

segunda-feira, 28 de março de 2022

Aparição de São José em Cotignac, França - 7 de junho de 1660


“EU SOU JOSÉ: LEVANTA ESTA ROCHA E TU BEBERÁS”
 
Conheça a história da única vez que São José apareceu sozinho e da única aparição do Santo reconhecida pela Igreja
 
     No dia 21 de fevereiro de 1660, o Rei Luís XIV viajava em direção a Saint Jean de Luz (confins com a Espanha), cidade onde, no dia 9 de junho, se uniria em matrimônio a Marie-Thérèse, infanta da Espanha. No caminho, fez uma parada em Cotignac, para testemunhar seu reconhecimento a Nossa Senhora das Graças, a quem devia o seu milagroso nascimento.
     No dia 7 de junho, após o encontro com os reis da França e da Espanha, na fronteira comum, Marie-Thérèse foi acolhida com honras, na França, aonde chegava para desposar Luís XIV, como previa o Tratado dos Pirineus, restabelecendo assim a paz entre os dois países assim como no interior da própria França.
     Neste mesmo dia, no Monte Bessillon, em Cotignac, Gaspar Ricard, um jovem pastor de ovelhas, esgotado pelo trabalho, parou para descansar, e sedento ao menos por um gole de água, não tinha como saciar a sua sede, quando viu surgir diante de si um homem de altura imponente, que lhe mostrou um rochedo, dizendo: "Eu sou José: levanta esta rocha e tu beberás".
     A pedra era pesada; oito homens juntos poderiam apenas empurrá-la, mas como poderia o pobre Gaspar erguê-la? O venerável ancião - segundo os relatos da época - reiterou a sua ordem e o pastor obedeceu, empurrando a pedra - não se sabe com que força - e viu surgir, diante de seus olhos, um jorro de água fresca que passou a correr. Imediata e avidamente, ele se ajoelhou e bebeu daquela fonte. Ao se levantar, a aparição desaparecera. Gaspar corre ao povoado para contar o que lhe tinha acontecido e os curiosos vieram constatar o ocorrido. Apenas três horas passadas, naquele local conhecido por todos como árido, e desprovido de qualquer fonte, uma água abundante começara a correr.
     
Os habitantes da região começaram a construir uma capela no local da aparição, para onde iam muitos doentes que voltavam “curados ou confortados diante de seus sofrimentos”. A capela foi concluída em 1663 e confiada pelo bispo de então aos Padres Oratorianos, que construíram um santuário ao redor da fonte. O lugar foi transformado num Santuário Consagrado a São José. Multidões começaram a visitar o local e a terem suas graças alcançadas. Até hoje, há no local uma inscrição tirada do livro de Isaías: “Vós tirareis com alegria água das fontes de salvação”.
    
No dia 19 de março, após a aparição de São José, em Bessillon (Cotignac), e o surgimento repentino da fonte de água, Luís XIV decretou como legal, festivo e feriado, o dia de São José. Um sermão do escritor francês, Bossuet, o felicitaria por este gesto.
 
https://www.sites.google.com/site/asaparicoesdejesusmariaejose/aparicao-de-sao-jose-em-cotignac-franca


A fonte de São José

domingo, 27 de março de 2022

Beata Panaceia de Muzzi, Virgem e mártir - 27 de março

   
     Panaceia, conforme o dicionário, é “o remédio pretensamente eficaz para todos os males, físicos e morais”. Quem traz este nome estranho é uma jovenzinha que viveu na segunda metade do século 13, cuja existência histórica e cujo martírio são bem documentados a partir de registros antiquíssimos, e que ao longo dos séculos tem estimulado a imaginação de artistas e escritores, entre os quais certamente se destaca Silvio Pellico.
     Panaceia nasceu em Quarona (cidadezinha entre Borgosesia e Varallo), em 1368, e logo perdeu a mãe. O pai, Lorenzo Muzio, se casou novamente com uma certa Margarida Gabotto, também ela viúva com uma filha, e para a pequena começaram os problemas. A madrasta e a meia-irmã se coligaram contra ela, reservando-lhe os trabalhos mais duros e humildes, zombando dela por sua piedade, contestando seus atos de caridade.
     As biografias de fato concordam em descrever Panaceia como uma jovem que reza muito, cuida dos doentes e socorre os pobres: uma autêntica cristã, portanto, que além disso suporta com paciência heroica os maus tratos com que é recebida todos os dias ao voltar para casa. Panaceia é vítima de um ciúme familiar ou de uma simples antipatia.
     Contra essa jovenzinha que vive com simplicidade, mas também com intensidade, a sua fé, se desencadeia uma verdadeira perseguição "doméstica" que atingiu o seu clímax em uma noite de primavera de 1383. Panaceia, que tem 15 anos, naquela noite não voltou do local de pastagem do rebanho com a pontualidade que a madrasta reivindicava. Com raiva no coração e o ressentimento de sempre, esta última foi procurá-la e encontrou-a nas pastagens que circundam Quarona e a sua ira se desencadeou ao observar que Panaceia estava rezando na ermida de São João.
     A raiva é sempre má conselheira. A mulher passou facilmente das palavras aos atos, batendo repetidamente na jovem com um objeto pontiagudo, possivelmente um fuso ou um pedaço de pau encontrado no local, até matá-la. Talvez não tenha sido realmente um homicídio intencional, isso é demonstrado pelo fato de que a madrasta, levada pelo desespero, após o ocorrido foi imediatamente cometer suicídio pulando de um barranco nas proximidades.
     Atraídos pelos sinos que espontaneamente começaram a tocar, ecoando pelos campos, o pai de Panaceia e os habitantes de Quarona se dirigiram ao local do crime com o pároco Pe. Rocco, mas não conseguiram erguer o corpo de Panaceia do solo. O pároco informou ao então bispo de Novara, Oldrado Maineri, que chegou acompanhado do clero que testemunhou o milagre. O bispo ordenou ao corpo de Panaceia que se deixasse erguer. Depois, o cadáver foi levado por um veículo puxado por terneiros, e passou por várias pequenas aldeias até que, chegando a Ghemme, com os sinos começando a tocar espontaneamente, se deteve no cemitério adjacente da Igreja de Santa Maria. O bispo, o clero e várias pessoas do povo, que haviam acompanhado a trajetória, compreenderam que Panaceia deveria ser enterrada ali, o que ocorreu. Ela foi sepultada em 1º de maio de 1383, primeira sexta-feira do mês. Sua mãe, falecida há anos, ali também se encontrava sepultada.
Panorama de Ghemme
     Nesse túmulo, porém pouco restou, porque as suas relíquias foram logo levadas para a igreja, cercadas de veneração e meta de peregrinações. Para Panaceia iniciou-se uma devoção popular, porque as pessoas viam na sua morte um verdadeiro martírio.
     No princípio do século XV dois oratórios dedicados à beata foram construídos: um no local do martírio, chamado Beata al Monte, e outro no local onde se encontram suas relíquias, denominado Beata al Piano. O corpo de Panaceia se encontra atualmente numa urna de cristal na igreja de Ghemme, onde é objeto de peregrinação.
     Na igreja se pode observar o antigo sepulcro onde a beata permaneceu desde o ano de sua morte até 1666, quando o antigo cemitério de Ghemme foi desmantelado e transladado para outro lugar devido à ampliação da igreja.
     A devoção por Panaceia atravessou os séculos e se transformou em culto popular que recebeu a confirmação papal em 1867.
Santuário em honra à Beata 
     Embora o martírio tenha ocorrido em 27 de março, Panaceia é honrada a cada 5 de maio pela Diocese de Novara, e no vicariato de Valsesia sua festa é celebrada na primeira sexta-feira do mês.
Em todo o Vale do Sesia ela é indicada simplesmente como "a Beata", sendo comemorada com cerimônias religiosas e festas seculares, enquanto os bispos indicam Panaceia como um modelo de santidade de uma leiga, enfatizando sua fé vivida no dia a dia, capaz de superar adversidades e incompreensões, fé que é alimentada pela oração e testemunhada pela caridade.

 
 
Postado neste blog em 27 de março de 2014



quinta-feira, 24 de março de 2022

Beata Bertranda de Laon, Mãe de S. Carlo Magno - 24 de março


    
Enquanto o filho, depois de tantos e tantos séculos, ainda é muito célebre, a mãe caiu no esquecimento da História. Trata-se da Beata Bertranda (ou Berta) de Laon, mãe do imperador São Carlos Magno.
     Tendo nascido em 726, foi esposa de Pepino, o Breve, e Rainha dos Francos. Ela faleceu em 12 de julho de 783 e foi enterrada em Saint-Denis, junto com o esposo, onde o seu túmulo, mandado restaurar pelo rei francês São Luís IX, leva como única inscrição "Berta, mater Caroli Magni".
     Os historiadores dizem que o grande imperador nutria uma ternura respeitosa por sua mãe e que ouvia os seus conselhos com certa deferência.
     Não sabemos nada de certo sobre as origens de Bertranda: segundo alguns era a filha de Cariberto, Conde de Laon, enquanto outros defendem que ela era filha de um imperador de Constantinopla.
     Porém, é do conhecimento de todos os historiadores como os reis dos Francos se preocupavam pouco com as origens mais ou menos ilustres de suas esposas; ninguém nunca se ocupou em descobrir verdadeiramente de onde veio a Rainha Berta, já que até mesmo a antiga poesia heroica e as várias legendas também deixam de fora a questão.
     Seu culto como "beata" tem um caráter estritamente local. Às vezes ela é conhecida como "Berta, a Piedosa".
     A Beata Berta é considerada padroeira das fiadeiras. “Do tempo em que a Rainha Berta fiava”. Este adágio, que remonta aos nossos avós, demonstra qual era a veneração que eles tinham por Berta, que permanecera em suas lembranças como um tipo de perfeição real e feminino. Este renome que atravessou os séculos é, entretanto o pouco que nos restou da Beata Berta.
     Sua festa é celebrada em 24 de março.
Dados Históricos
     Ela era filha de Cariberto, Conde de Laon, cuja mãe, Bertranda de Prüm, co-fundadora do Mosteiro de Prüm, talvez fosse filha do rei merovíngio Thierry III; e de Gisele da Aquitânia.
     O casamento de Bertranda com Pepino coloca uma série de problemas. A documentação contemporânea, estudada pelo historiador Leo Levillain (1870-1952), retomada depois por Christian Settipani, cita Bertranda como única esposa de Pepino, o Breve.
     Alguns escritos indicam, entretanto, que Pepino fora casado primeiro com Leutburgie ou Leutberga, com a qual ele teria tido cinco filhos, totalmente desconhecidos em outros lugares. Esta legenda de uma primeira esposa talvez tenha erroneamente origem no Li Roumans de Berte aus grans piés (A história de Berta dos pés grandes), em que o autor dá uma primeira esposa, chamada Leutburgie, à Pepino.
    A data de seu casamento também é objeto de discussão. Os Anais de Prüm mencionam 743 ou 744 e os Anais de Saint-Bertin, escritos cem anos mais tarde, indicam 749. Em qualquer caso, Pepino era então prefeito do palácio.
     A data de nascimento de Carlos Magno também é controvertida. De acordo com Einhard em sua Vita Caroli, Carlos Magno tinha 72 anos quando de sua morte em 814. Mas o seu testemunho é incerto. Os Anais Petaviani dão a data de 747, mas eles também afirmam que Carlos Magno nasceu após a ida de seu tio Carlomano à Roma, num evento que ocorreu após 15 de agosto de 747, ocasião em que Carlomano assinou uma carta a favor da Abade Anglinus, de Stavelot-Malmédy. Além disso, em 747 a Páscoa caiu em 2 de abril e os colunistas não teriam deixado de notar a coincidência. É por estas razões que o nascimento de Carlos Magno é provavelmente considerado no dia 2 de abril de 748, e o casamento de seus pais em 743 ou 744.
     Bertranda deu à luz a Carlomano em 751, ano em que Pepino tornou-se rei dos Francos após a deposição do último rei merovíngio Childerico III. Ela foi coroada com o marido em Soissons.
     Em julho de 754, por ocasião da sagração do marido em Saint-Denis, ela recebeu a bênção do Papa Estevão II, bem como seus filhos Carlos e Carlomano.
     Após cerca de 10 anos de casamento, Pepino tentou se separar de Berta, mas o papa persuadiu-o com firmeza a mantê-la como esposa; ela lhe deu sete filhos dos quais três atingiriam a idade adulta: Carlos Magno (748-814 ou 742); Carlomano (751-771); Gisele, abadessa de Chelles (757-811).
     Dotada de uma personalidade doce e afável, Berta era muito ativa durante o reinado de seu marido, a quem ela muitas vezes dava conselhos.
     Após a morte de Pepino (768), Carlos e Carlomano tornam-se reis dos Francos, tendo o reino sido dividido entre eles, de acordo com os costumes francos. Bertranda se esforçou para manter alguma influência sobre eles. Ela inclusive tratou do casamento de Carlos, em 770, com Désirée da Lombardia, mas ele a repudiou em 771. Ela também tentou manter a harmonia entre os dois irmãos.
     Com a morte de seu irmão em 771, Carlos apossou-se de seus territórios em detrimento de seus sobrinhos. Ele afasta sua mãe, que deixa a corte para se retirar na Abadia de Choisy-au-Bac, local de sepultamento de alguns reis merovíngios (na Igreja de Sto. Estevão), perto de Compiègne, onde ela morreu em 783.
    Ela foi sepultada na Abadia de Saint-Denis, junto ao esposo Pepino, o Breve.
Inspiração literária
     Berta inspirou o trovador Adenet le Roi, que escreveu, em 1270, Li Roumans de Berte aus grans piés. Neste poema ele narra uma suposta substituição no casamento de Pepino, que foi enganado e desposou uma falsa rainha, surpreendentemente parecida com sua noiva Berta, princesa húngara. Esta última foi finalmente reconhecida pelo comprimento dos pés.
     Berta dos pés grandes também é citada na Balada das damas de outrora de François Villon. Em 21 de outubro de 2014, Rémi Usseil publicou Berthe au grand pied, uma canção épica moderna vagamente baseada no poema de Adenet le Roi.

Fontes: fr.wikipedia.org/wiki/Bertrade_de_Laon
http://www.santiebeati.it/dettaglio/94440
 
Postado neste blog em 24 de março de 2015


terça-feira, 22 de março de 2022

Santa Léia (ou Lea), Viúva – 22 de março

     
     Esta grande dama romana fazia parte, como Marcela, Melânia e outras, do círculo aristocrático de Roma a quem São Jerônimo dirigia e dava aulas sobre a Sagrada Escritura no século IV.
     Os poucos dados sobre Santa Léia estão contidos numa carta escrita por São Jerônimo a Santa Marcela quando soube da sua morte, em 384.
     Léia era uma rica romana que ao ficar viúva ainda jovem recusou um novo casamento, como era o costume da época, para se juntar à Marcela e outras mulheres, em um mosteiro criado na própria residência desta, em Aventino, Roma.
     Léia havia recusado ninguém menos que Vécio Agorio Pretestato, cônsul romano, que lhe proporcionaria uma vida ainda mais luxuosa pelo prestígio e privilégios que envolviam aquele cargo. Teria uma vila inteira como moradia e incontáveis criados para atendê-la. Entretanto, Léia preferiu viver numa cela pequena, fria e escura, com simplicidade e dedicada à oração, à caridade e à penitência. Curiosamente, Léia morreu em Roma no mesmo ano em que faleceu Vécio, o cônsul rejeitado por ela.
     A presença pagã ainda era forte no Império quando Léia nasceu. Havia decorrido pouco mais de uma década do Edito de Milão (ano 313), pelo qual Constantino tirou a Igreja das catacumbas, permitindo sua expansão. Este imperador ao falecer em 337, dividiu o Império Romano entre seus três filhos, Constantino II, Constante e Constâncio. Com a morte dos dois primeiros, Constâncio ficou o único imperador. Ganho pela heresia ariana, ele faleceu em 361 de rápida doença, sendo batizado em seu leito de morte por um bispo herege. Assim sendo, Santa Léia viveu parte de sua vida durante o reinado deste Imperador favorecedor da heresia.
     Por outro lado, a Cidade Eterna, no tempo de Santa Léia, já não era mais a orgulhosa cidade que causava inveja a todos os povos. Com a divisão do Império e a importância que adquiriu Bizâncio ao se tornar Constantinopla, Roma perdeu muito de sua grandeza. Mesmo os Imperadores posteriores a Constantino pouco nela ficaram, transferiram-se para outras cidades do Império, como Milão e Ravena.
     Pelo que a orgulhosa Roma passou a ser cobiçada como possível presa pelos vários povos bárbaros. Assim, em 408, por duas vezes, Alarico, rei dos visigodos, a sitiou. Mas o Senado, pressionado por uma minoria de pagãos, tratou com o invasor, depôs o imperador Honório, e pôs Atalus no trono. Mas isso foi só uma medida temporária, pois, dois anos depois, o mesmo Alarico retornou invadindo e saqueando a cidade a ferro e fogo.
     Nada sabemos da vida de Santa Léia antes de ela juntar-se a Santa Marcela em seu convento do Aventino. Desprezando proposta de casamento muito vantajosa, consagrou-se inteiramente a Deus. A isso ajudou-a muito ter encontrado, no seio da sociedade corrompida de Roma, uma outra sociedade de igual nobreza, formada por viúvas e virgens pertencentes às primeiras famílias da Cidade Eterna, que levavam vida de piedade e boas obras sob a direção de Santa Marcela. Era o Cristianismo que, pela graça de Deus, vicejava nas mais altas classes sociais do Império.
     Como surgiu esse convento do nobre bairro do Aventino, na Cidade Eterna? Ocorrera que, no ano de 382, o Imperador Teodósio – com razão chamado “o Magno” – e o papa São Damaso resolveram convocar um sínodo em Roma para combater as heresias que pululavam principalmente no Oriente. Adoecendo Santo Ambrósio, que deveria ser o secretário do Sínodo, São Damaso nomeou São Jerônimo para substituí-lo. Este Santo desincumbiu-se tão bem do cargo, que o Papa o nomeou depois seu secretário particular.
     Um grupo de matronas e virgens romanas da mais alta aristocracia pôs-se então sob sua direção espiritual. Elas tinham sido reunidas e dirigidas, por sua vez, por Santa Marcela, e entre elas destacam-se Santa Paula e suas filhas Paulina, Santa Estóquia, Blesila e Rufina; Albina, Asela, Leia e outras. Para elas transformou o palácio de Santa Marcela, no Aventino, em convento.
     Acontece que, até essa época, nenhuma grande dama da Cidade Eterna tinha feito profissão de vida monástica. Era mesmo ignominioso e degradante aos olhos das classes mais elevadas só o pensar em tal ideia. A primeira a fazê-lo, Santa Marcela, teve que desafiar todo o ambiente mundano que a cercava, sendo assim a primeira grande dama romana a professar abertamente a vida de devoção. Entretanto, bela, rica, de alta linhagem, muito culta, perfeitamente ao nível de tudo o que Roma encerrava de mais refinado e erudito, ninguém se atrevia a desconsiderá-la. O mesmo ocorreu com as outras que lhe seguiram.
     Com isso tiveram origem as “reuniões do Aventino”, onde São Jerônimo fazia conferências sobre teologia e estudos bíblicos para essas novas monjas. Eram muito atentas as aristocráticas alunas ao ensinamento de São Jerônimo, de modo que ele exclama: “O que eu via nelas de espírito, de penetração, ao mesmo tempo que de encantadora pureza e virtude, não saberei dizer”.
     A notícia que temos de Santa Léia é dada pelo seu diretor espiritual, São Jerônimo em carta que escreveu de Belém, na Palestina, onde vivia após sofrer perseguições em Roma, a Santa Marcela, em Roma, depois da morte da primeira. Diz ele:
     Quem renderá a bem-aventurada Léia os louvores que merece? Renunciou a pintar o rosto e a adornar a cabeça com pérolas brilhantes. Trocando ricos atavios por vestido de saco, deixou de dar ordens aos outros para obedecer a todos; viveu num canto com alguns móveis; passava as noites em oração; ensinava as companheiras mais com o exemplo do que com admoestações ou discursos; esperou a chegada ao Céu para ser recompensada pelas virtudes que praticou na terra.
     Acontece que Santa Léia faleceu ao mesmo tempo que Vécio, cônsul romano muito popular, que levava vida bastante irregular. Por isso, como veremos, São Jerônimo, sem nenhuma cerimônia, o lança no inferno. Continua o Santo:
     É lá [no céu] que ela gozará, daqui em diante, da felicidade perfeita. Do seio de Abraão, onde está com Lázaro, olha para o nosso cônsul, outrora coberto de púrpura e agora revestido de ignomínias, pedindo em vão uma gota de água para matar a sede. Embora ele tivesse subido ao Capitólio entre os aplausos da população e a sua morte enlutasse toda a cidade, é em vão que sua mulher proclama imprudentemente que ele foi para o Céu e lá ocupa um grande palácio. A realidade é que foi precipitado nas trevas exteriores, ao passo que Léia, que queria passar na terra por insensata, foi recebida na casa do Pai ao festim do Cordeiro.
     São Jerônimo termina com um conselho espiritual às suas discípulas:
     Por isso vos peço, com lágrimas nos olhos, que não procureis os favores do mundo e que renuncieis a tudo o que é da carne. Em vão se procuraria seguir ao mesmo tempo o mundo e Jesus. Vivamos na renúncia de nós mesmos, porque o nosso corpo em breve se converterá em pó e o resto não durará também muito.
 
Etimologia: Léia é um bonito nome de origem hebraica, que quer dizer “abrigo”, “resguardo”. Este nome pode aparecer como uma variante feminina de “leo”, “leoa” no latim, ou ainda com os significados de “fatigada”, “ativa”, “trabalhadeira” ou “bonita”. É uma variação do nome Leah, de origem hebraica, e significa "mulher delicada". Na Bíblia, Leah ou Lea foi a primeira esposa de Jacó e mãe de seus seis filhos e uma filha, Diná.
 
Medalha de Santa Leia


Postado neste blog em 22 de março de 2018
 
http://www.santiebeati.it/dettaglio/46500

domingo, 20 de março de 2022

Beata Sibilina Biscossi, Dominicana - 19 de março

   
     A Beata Sibilina Biscossi, nasceu em Pavia em 1287, e era órfã de pai e mãe. Ela perdeu os pais, Umberto Biscossi e Onore de Vezzi, ainda jovem. Nascida na honrada família Biscossi, desde os primeiros anos demostrou grande inclinação à piedade. Apenas teve forças para trabalhar, foi colocada a serviço. Aos doze anos, atingida por uma dolorosa enfermidade, ficou totalmente cega. Se bem que a menina aceitasse com resignação a dolorosa prova, não cessou de rogar a Deus a recuperação da visão, tão necessária a ela que tinha que conseguir o pão de cada dia com o trabalho de suas mãos.
     Ela teve então a sorte de encontrar as freiras da Ordem Terceira de São Domingos, que se compadeceram e a levaram consigo. Sibilina logo percebeu que aquele era o mundo para o qual ela estava destinada e então decidiu fazer os votos. Não pesava a sua condição e, apesar da cegueira, desempenhava as suas tarefas com dedicação e vontade, uma convicção acima de tudo lhe abria espaço no pensamento: para lhe permitir cumprir a sua missão com maior proveito, tinha a certeza de que São Domingos concederia a ela visão. Ela esperou o dia da festa do santo, mas o milagre não aconteceu.
     Um pouco de tristeza, um pouco de cansaço, o fato é que Sibilina desmaiou diante da estátua do santo: viu São Domingos vir ao seu encontro, estendendo a mão e arrastando-a por milhares de horrores que ela percebida sem vê-los: "Na eternidade, filha querida" - disse o santo no final - "você terá que suportar as trevas, para depois desfrutar da luz eterna". O Santo Patriarca Domingos lhe mostrou uma luz tão maravilhosa, que a fez desejar para sempre aquela luz e nenhuma outra coisa deste mundo. A Beata compreendeu que a sua cegueira podia ser luz e orientação para os outros.
     E assim, em 1302, com apenas quinze anos, vestindo o hábito da Ordem Terceira, e inflamada de um amor santo, se retirou em uma ermida junto à igreja dos Frades Pregadores, iniciando uma vida que podemos definir como heroica. A única companheira que teve que compartilhar essa experiência com ela morreu muito cedo e então Sibilina foi deixada sozinha.
     Os primeiros sete anos de reclusão, confessou mais tarde, foram certamente os mais difíceis: tinha apenas um vestido para todas as estações do ano, dormia sobre uma mesa de madeira e comia pouco; único vínculo que mantinha com o mundo exterior. uma pequena janela pela qual os cidadãos de Pavia costumavam pedir sua ajuda e conta-se que Sibilina realizou muitos milagres nos 67 anos que passou no claustro. As poucas crônicas que chegaram até nós nos deram duas.
     Mais heroico ainda foi perseverar nela por 67 anos, sem jamais abandonar a sua cela: ali permaneceu dos 15 aos 80 anos, na mais severa penitência. O único vínculo que a mantinha com o mundo exterior era uma pequena janela pela qual os cidadãos de Pavia costumavam pedir sua ajuda e conta-se que Sibilina realizou muitos milagres nos 67 anos que passou no claustro. As poucas crônicas que chegaram até nós nos deram duas.
     Um deles relata que um dia um padre estava passando sob sua janela para ir a um doente: Sibilina lhe disse que a hóstia que ele carregava não havia sido consagrada. O padre voltou para a igreja e percebeu que havia tirado a hóstia do recipiente errado. Isto demonstra, sem sombra de dúvida, a santidade de Sibilina.
     Visitada por prelados e potentados, por devotos e descrentes, ela foi a Sibila cristã que respondia a todos os pedidos de conselho e de conforto. Era o olho luminoso de toda a cidade de Pavia, que reconhecia na cega vidente uma mestra de espírito.
     Com coração de mártir suportou as trevas da cegueira, a solidão completa, os rigores e uma severa penitência. Mas o segredo de tanta coragem era sua amorosa contemplação do Crucifixo. Nele ela adquiriu também a sabedoria celeste que a tornou mestra e consoladora de inumeráveis almas que acorriam a ela à procura de luz e de consolação.
     A hora de sua morte lhe foi revelada, e ocorreu no dia 19 de março de 1367, na veneranda idade de oitenta anos, cercada pelos religiosos da Ordem, que a assistiram na hora suprema. Seu corpo foi enterrado na igreja de Santa Maria Nuova. Os restos mortais foram posteriormente transportados para a Catedral de Pavia onde foram colocados sob o altar de Santa Lúcia.
     O Papa Pio IX confirmou o seu culto em 1853 e em 17 de agosto de 1854 a beatificou. A Ordem Dominicana a recorda no dia 18 de abril.
 
Etimologia: Sibilina (diminutivo de Sibila) = que dá a conhecer a vontade de Deus, do grego.
 
http://www.comune.villabiscossi.pv.it/sections/sibillina.php
http://www.santiebeati.it/dettaglio/46750
 
Postado neste blog em 18 de março de 2013

terça-feira, 15 de março de 2022

Santa Eusébia, Abadessa de Hamage - 16 de março

      
     Aqui estão os dados essenciais relativos a Eusébia, que podem ser obtidos nestas fontes: Sabe-se essencialmente da Vita Rictrudis, sua mãe, que Ubaldo, monge de Santo Amando, escreveu em 907. A partir dela o autor da Vita Eusebiae tentou desenvolver os detalhes próprios de sua biografada. Há também uma métrica Vita Eusebiae do século X ou XI. De acordo com L. Van der Essen, as duas obras construídas em um plano aproximadamente semelhante devem-se a João de Santo Amando, que viveu por volta do ano 1000. No século XII, foram escritos os Miracula sanctae Eusebiae.
     Rictrude e Adalberto tiveram quatro filhos, incluindo Eusébia, que teve como madrinha a rainha Nantilde, que lhe deu as terras de Verny, perto de Soissons, na França. Com a morte de seu marido, Rictrude retirou-se com suas filhas para o mosteiro de Marchiennes-sur-la-Shoes. Eusébia tinha oito anos quando acompanhou a mãe para a sua fundação de Marchiennes.
     Gertrudes, sua avó, que governava a Abadia de Hamage, quis ter Eusébia junto de si. Santa Rictrudes, soube que Eusébia seria a abadessa após a morte de sua avó, então fez de tudo para ela ser bem formada antes, pois tinha apenas 12 anos. Ela foi chamada a voltar para junto de sua mãe, que fora elevada à Abadessa de Marchiennes.
     Mas como Eusébia não queria deixar a Abadia de Hamage, foi preciso uma ordem régia do soberano Clóvis II para obrigá-la a ir. Foi realmente para Marchiennes, mas com toda a sua comunidade; para lá levou até mesmo o corpo de Santa Gertrudes e as outras relíquias da sua igreja.
     Apesar de tudo, Eusébia conservava grande atrativo pela sua Abadia de Hamage: ia lá às escondidas durante a noite e lá rezava o Ofício Divino com a sua assistente. Mas Rictrude deu conta e dirigiu repreensões severas à filha. Rictrude, depois de ouvir os pareceres de bispos e de abades, permitiu à Eusébia regressar a Hamage com sua comunidade.
    A jovem abadessa, depois de receber a bênção da mãe, voltou de fato para a sua antiga residência, restabeleceu nela a ordem e a observância religiosa, como se praticavam quando a sua avó governava. Conquistou o afeto e o respeito das companheiras pela doçura do governo, a afabilidade das maneiras e a regularidade perfeita de seu comportamento; viam-na reservar para si os ofícios mais humildes e mais custosos: tais exemplos incutiram coragem nas mais tíbias.
     Embora jovem, teve o pressentimento do seu fim próximo. Avisou as irmãs e estas sentiram profundo desgosto, mas ela própria, inteiramente submetida à vontade de Deus, esperou cheia de calma e confiança pela hora última; dirigiu piedosas recomendações às suas religiosas e morreu no dia 16 de março de 680. Segundo a tradição, teria 23 anos à sua morte e fora a mais jovem abadessa de seu tempo.
     Muitos milagres ocorreram em seu túmulo. A abadessa Gertrudes, que a sucedeu, mandou construir uma nova igreja, maior e mais adequada para acolher os numerosos peregrinos; São Vindiciano, bispo de Arras e Cambrai, teria feito a dedicação e os restos mortais de Eusébia teriam sido transferidos para lá em 18 de novembro, por volta de 690.
     Mais tarde, esses restos foram transportados para Marchiennes, cujo abade, Tiago Doene, em 20 de setembro de 1537, reconheceu que possuía relíquias de Rictrude e Eusébia, em particular uma costela desta última. Para oferecê-las à veneração dos peregrinos, elas foram colocadas e seladas em um novo relicário. Conservadas até 1793, essas relíquias foram transferidas para o arcebispado de Paris, onde desapareceram no saque de 1830.
     Eusébia figura nos martirológios da França e da Holanda, e nos da Ordem Beneditina. Sua festa, em 16 de março, é registrada na diocese de Cambrai. As principais virtudes reconhecidas em Eusébia são a prudência nas ações, a justiça e a moderação nas decisões e a força de espírito e caráter.
 
Etimologia: Eusébia, do grego eusebés: “piedosa”.
 
Fonte: Santos de cada dia, Pe. José Leite, S.J. 3ª. Edição
http://www.santiebeati.it/dettaglio/45630
 
Postado neste blog em 16 de março de 2015

sábado, 12 de março de 2022

Santa Eufrásia, Nobre, Monja – 13 de março

     
     Antígono, o pai desta santa, era um fidalgo de primeira ordem e qualidade na corte de Teodósio, o grande (*), parente de sangue desse imperador, e por ele honrado com vários grandes empregos no Estado. Casou-se com Eufrásia, senhora não menos ilustre pelo nascimento do que pela virtude, com quem teve apenas uma filha e herdeira, também chamada Eufrásia, a santa de que tratamos.
     Antígono morreu dentro de um ano e Eufrásia foi criada sob a proteção do imperador Teodósio, que se encarregou de cuidar tanto dela como de sua mãe. Ao completar 5 anos, o imperador a prometeu em casamento ao filho de um rico senador romano para quando tivesse idade suficiente.
     Aos 7 anos, Eufrásia viajou com sua mãe para o Egito, pois a piedosa viúva, para evitar importunos pretendentes para casamento, se retirou com sua filhinha naquele país onde ela possuía uma grande propriedade. No Egito conheceram eremitas e monges da Tebaida. Começaram a visitar o mosteiro de Santa Maria, fundado por São Cirilo de Alexandria e Santa Sara, e se tornaram amigas das monjas.
     As monjas nunca usavam outro alimento além de ervas e leguminosas, que só comiam depois do pôr-do-sol, e algumas apenas uma vez em dois ou três dias; elas usavam e dormiam em sacos de pano, feitos com as suas mãos, e rezavam quase sem interrupção. Quando doentes, elas suportavam suas dores com paciência, estimando-as como um efeito da misericórdia divina e agradecendo a Deus por elas; nem buscavam alívio de médicos, exceto em casos de absoluta necessidade.
     O exemplo dessas santas virgens, levou a devotada mãe a se dedicar os exercícios da religião e da caridade, aos quais se dedicou totalmente. Ela frequentemente visitava essas servas de Deus e pedia-lhes fervorosamente que aceitassem uma considerável renda anual, com a obrigação de que elas sempre rezassem pela alma de seu falecido marido. Mas a abadessa recusou, dizendo: “Renunciamos a todas as conveniências do mundo para comprar o céu. Somos pobres e assim desejamos permanecer”. Ela só pôde persuadi-la a aceitar uma pequena espórtula para abastecer a lâmpada da igreja com óleo e para queimar incenso no altar.
     Eufrásia pediu à sua mãe para servir a Deus naquele mosteiro. A piedosa mãe, ao ouvir isto apresentou-a à abadessa, que, tomando uma imagem de Cristo, a entregou em suas mãos. A terna virgem o beijou, dizendo: “Por voto me consagro a Cristo”. Então a mãe a levou diante de uma imagem de nosso Redentor e, levantando as mãos para o céu, disse: “Senhor Jesus Cristo, receba esta criança sob sua proteção especial. Só a ti ela ama e busca: a ti ela se recomenda”. (1) Então, voltando-se para sua querida filha, ela disse: “Que Deus, que lançou os alicerces dos montes, te fortaleça sempre em seu santo temor”. E deixando-a nas mãos da abadessa, saiu do mosteiro.
     Algum tempo depois, ela adoeceu e faleceu. Após a notícia de sua morte, o imperador Teodósio mandou chamar a nobre virgem à corte, uma vez que ela havia sido prometida em casamento a um senador. Mas Eufrásia, então com 12 anos, escreveu-lhe de próprio punho a seguinte resposta:
     Imperador invencível, tendo-me consagrado a Cristo em castidade perpétua, não posso ser falsa e casar-me com um homem mortal, que em breve será comida pelos vermes. Pelo bem de meus pais, tenha o prazer de distribuir suas propriedades entre os pobres, os órfãos e a igreja. Põe em liberdade todos os meus escravos e dispensa os meus vassalos e servos, dando-lhes o que lhes é devido. Ordene aos administradores de meu pai que absolvam meus fazendeiros de tudo o que devem desde sua morte, para que eu possa servir a Deus sem impedimentos, e possa estar diante dele sem a solicitude dos assuntos temporais. Ore por mim, vós e sua imperatriz, para que eu seja digna de servir a Cristo”.
     Os mensageiros voltaram com esta carta ao imperador, que derramou muitas lágrimas ao lê-la. Os senadores que a ouviram também choraram e disseram a Sua Majestade: “Ela é a filha digna de Antígono e Eufrásia, de seu sangue real, e a santa descendência de uma linhagem virtuosa”. O imperador executou pontualmente tudo o que ela desejava, pouco antes de sua morte, em 395.
     Santa Eufrásia era para suas piedosas irmãs um modelo perfeito de humildade, mansidão e caridade. Se ela se via assaltada por alguma tentação, ela logo a revelava para a abadessa, para afastar o diabo por aquela humilhação, e buscar um remédio. A discreta superiora muitas vezes lhe impunha, nessas ocasiões, algum trabalho penitencial humilhante e doloroso, como às vezes carregar grandes pedras de um lugar para outro, emprego que ela continuava por trinta dias com maravilhosa simplicidade, até que o diabo sendo vencido por sua humilde obediência e castigo de seu corpo, a deixava em paz. Sua dieta era apenas ervas ou leguminosas, que ela tomava após o pôr-do-sol, primeiro todos os dias, mas depois apenas uma vez a cada dois ou três, ou às vezes sete dias. Ela limpava os aposentos das outras freiras, levava água para a cozinha e, por obediência, dedicou-se alegremente à mais vil labuta, fazendo do trabalho doloroso uma parte de sua penitência.
     Para citar um exemplo de sua extraordinária mansidão e humildade, conta-se que um dia uma empregada na cozinha lhe perguntou por que ela jejuava semanas inteiras, o que nenhuma outra tentou fazer além da abadessa? Sua resposta foi que a abadessa lhe havia ordenado aquela penitência. A outra a chamou de hipócrita. Diante disso, Eufrásia caiu a seus pés, implorando-lhe que a perdoasse e orasse por ela. É difícil dizer se devemos admirar mais a paciência com que ela recebeu uma repreensão e calúnia tão injusta, ou a humildade com que ela se condenou sinceramente, como se por sua hipocrisia e imperfeições, ela tivesse sido um escândalo para os outros.
     Ela foi favorecida com milagres antes e depois de sua morte, que aconteceu no ano 410, e no trigésimo de sua idade. A abadessa do convento, Santa Sara, teve uma visão na qual Cristo glorioso tomava Eufrásia por esposa no Paraíso.
     Em pouco tempo, Santa Eufrásia teve febres e, em seu leito de morte, tanto sua companheira de cela, Júlia, como a abadessa imploraram à santa que lhes obtivesse a graça de estar com ela no céu. Três dias depois da morte de Eufrásia, Júlia faleceu e, pouco tempo depois, aconteceu o mesmo com a abadessa. 
     O nome de Santa Eufrásia está registrado neste dia 13 de março no Martirológio Romano.
 
(*) São Teodósio, imperador, celebrado dia 17 de janeiro
 
Nota 1. Esta passagem é citada por São João Damasceno, Or. 3. A Vida dos Santos, Vol. III: March, pelo Rev. Alban Butler (Nova York: D.&J. Sadlier Publishers, 1866), pp. 585-586.
     A notável biografia em grego, que é a fonte de todo conhecimento relativo a Santa Eufrásia, foi impressa em Acta Sanctorum março, vol. u. Há boas razões para considerar o autor mais ou menos contemporâneo e a obra é um relato fidedigno. Certamente o ascetismo que reflete é o daquela época. Poucos anos depois da data em que Eufrásia faleceu, São Simão, o Estilita, fundou o primeiro pilar. De Eufrásia, bem como de sua abadessa, é assegurado que tinham frequentes êxtases. Etheria, a peregrina ocidental que escreveu a Peregrinatio Etheriae ao relatar sua peregrinação (e. 390) nos diz muito dos jejuns que os ascetas consideravam como questão de honra e resistência, e passavam uma semana sem comer, de domingo a domingo. Além disso, o texto integral do documento nos lembra os ideais ascéticos expostos na vida de Santa Melânia, a Menor, que foi contemporânea.
Vide também Dictionary of Saintly Women, de A.B.C. Dunbar, vol. i. pp. 292-293.
fonte: “Vidas de los santos de A. Butler”, Herbert Thurston, SI
Vide antiga vida autêntica da santa em Rosweide, p. 351, D'Andilly, e mais correto no Acta Sanctorum pelos bolandistas.
 
https://nobility.org/2014/03/euphrasia-nobility/
 

sexta-feira, 11 de março de 2022

Beata Balbina de Assis, a jovem, Clarissa – 11 de março


Balbina de Martinho de Corozano, prima em segundo grau de Santa Clara e irmã de Amata de Martinho, Irmã Pobre de São Damião, como ela. É a sétima testemunha no processo de canonização. O Martirológio Franciscano põe sua morte em 1254 e comemora o seu dia aos 11 de março.
 
     A bem-aventurada Balbina de Assis, chamada a jovem, foi uma Clarissa que viveu no séc. XIII. Prima de Santa Clara, nasceu em Assis em 1215. Inscrita entre as Clarissas de São Damião, nos martirológios franciscanos, é lembrada como uma freira dotada de dons sobrenaturais e um grande exemplo de vida vivida sob a bandeira das virtudes.
     Ela é lembrada com estas palavras: "Soror erat Beatae Amatae Viriginis vitanque Monasticam professa em Assis sub-disciplinar S. Clare Viriginis; ubi ad tantum perfectis gradum peruenit: quòd Deus per eam quamplura editerit miracula”.  (Ela era irmã da Beata Virgem Amata, e professou a vida monástica de Assis sob a disciplina de Santa Clara, Virgem, onde alcançou o grau perfeito, porque Deus através dela produziu muitos milagres.)
     A Beata Balbina foi enviada para fundar um mosteiro das Clarissas em Arezzo. Em seu retorno a Assis, ela morreu santamente em 11 de março de 1254.
     No Martirológio Franciscano do Padre Arthur Du Monstier é lembrada e celebrada em 11 de março.

segunda-feira, 7 de março de 2022

32 anos após a queda do Muro de Berlim, católicos buscam reconhecer heroicas irmãs do Leste Europeu mártires da era comunista

     
     VARSÓVIA, POLÔNIA — Quando a igreja polonesa apresentou um documento ao Vaticano em agosto de 2019, propondo a beatificação de 16 membros das Irmãs da Congregação de Santa Catarina, Zofia Luszczkiewicz, a Virgem e mártir, foi um lembrete vívido das dificuldades infligidas às irmãs religiosas sob o domínio comunista na Europa Oriental.
     As freiras, com idades entre 27 e 65 anos, morreram mártires nas mãos de soldados soviéticos na região nordeste de Warmia durante a nova invasão da Polônia em 1945, e estavam entre os mais de 100 mortos apenas da Congregação de Santa Catarina.
     Foi apenas um dos inúmeros episódios brutais envolvendo freiras católicas que, três décadas após o colapso do comunismo e a derrubada do Muro de Berlim em 9 de novembro, muitos agora esperam se tornar mais conhecidos. Um relato completo é necessário, dizem alguns católicos, no interesse da precisão histórica, bem como para ilustrar as virtudes envolvidas em atos de testemunho e martírio, e para garantir que à coragem e resistência das irmãs religiosas seja concedido o devido reconhecimento.
     Ainda hoje, no entanto, o controle rigoroso exercido sobre as aparições da mídia significa que poucos líderes religiosos estão preparados para falar com jornalistas. Pedidos da RSS para comentários sobre a era comunista não receberam resposta.
     "Certamente, a situação das freiras era diferente aqui do que nos países vizinhos — os piores sofrimentos aconteceram nas décadas de 1940 e 1950, após os quais repressões planejadas foram abandonadas diante da resistência", disse Malgorzata Glabisz-Pniewska, apresentadora católica e especialista da Rádio Polonesa, em entrevista à GSR no final de outubro.
     "Mas toda a história foi mal contada, e as irmãs envolvidas permaneceram nas sombras enquanto a atenção se concentrava na perseguição aos padres. Deve ser uma inspiração para os membros mais jovens das ordens religiosas, bem como para a Igreja e para a sociedade em geral", disse ela.
A agressão às irmãs
     Quando a Europa Oriental foi invadida pelo Exército Vermelho de Stalin no final da 2ª. Guerra Mundial, os regimes comunistas recém-instalados agiram rapidamente para neutralizar a Igreja Católica.
     Historiadores concordam que as congregações religiosas eram vistas como organizações secretas ameaçando o poder absoluto do Partido Comunista oficialmente ateu, por isso tornaram-se alvos-chave para a repressão.
     Centenas de livros foram publicados sobre as perseguições da era comunista. Alguns usados como fontes para esta história incluem um novo livro em língua polonesa de Ágata Puścikowska, Irmãs de Guerra, um livro de dois volumes da Eslováquia, coeditado por František Mikloško, Gabriela Smolíková e Peter Smolík, Crimes do Comunismo na Eslováquia 1948-1989; e um livro romeno de C. Vasile, Entre o Vaticano e o Kremlin.
     Na Romênia, as congregações católicas foram banidas em 1949, suas casas fechadas e saqueadas; e enquanto a maioria das freiras eram enviadas para campos de trabalho, um número menor, em sua maioria idosas e doentes, foram transferidas para "claustros de concentração".
     Na Bulgária, onde as congregações com sede estrangeira já haviam sido proibidas, as Irmãs Eucarísticas viram sua capela de Sófia transformada em um salão de esportes, enquanto mais de uma dúzia de freiras carmelitas sobreviventes receberam pesadas penas de prisão.
     Até 700 conventos católicos na então Tchecoslováquia foram apreendidos em uma ação coordenada em 1950, deixando cerca de 10.000 freiras encarceradas em centros de prisão e detenção.
     Muitas haviam se qualificado como professoras, médicas e tradutoras, mas foram designadas como trabalhadoras rurais, tecelãs e colhedoras de frutas quando se recusaram a renunciar aos seus votos. Outras foram enviadas para “conventos centralizados” como Bilá Voda na Morá, que se tornou o lar de cerca de 450 irmãs encarceradas de 13 congregações.
     Em lugares como este, as ordens continuaram recrutando e treinando membros em segredo, colocando-os sob a cobertura de trabalhos regulares. Em outros países, as ordens foram mais tarde permitidas, mas somente depois que suas escolas, clínicas e casas de saúde foram apreendidas e muitas freiras mortas ou presas.
     Na Hungria, o regime optou por rápidas incursões noturnas, como a da Tchecoslováquia, transportando freiras para centros de internação e retirando o status legal de pelo menos 60 pedidos.
     Uma petição ao governo lamentou como irmãs de enfermagem foram peremptoriamente demitidas e outras ofereceram subornos para abandonar suas comunidades. Mas o Ministério da Cultura da Hungria foi inflexível: as congregações eram “ninhos de agitação anti-estado”.
     Antes do ataque comunista, irmãs do Leste Europeu sofreram perseguição nazista. Quando se tratava de atos de heroísmo, as irmãs católicas da Europa Oriental já tinham um histórico impressionante durante a 2ª. Guerra Mundial, muito antes dos comunistas tomarem o poder.
     Sua coragem foi melhor simbolizada por 11 polonesas das Irmãs da Sagrada Família de Nazaré, que, pedindo para tomar o lugar de moradores presos, foram baleadas pelos alemães ocupantes em Nowogrodek em 1943.
     Freiras Carmelitas, Franciscanas, Sagrado Coração e outras congregações foram notáveis em resgatar judeus na Polônia. Várias foram mais tarde homenageadas por seus esforços heroicos por Israel, enquanto duas, da Imaculada Concepção, Irmãs Marta Wolowska e Eva Noiszewska, foram beatificados em 1999, um total de 57 anos depois de serem baleadas em retaliação pela Gestapo. Na Hungria, da mesma forma, Sara Salkahazi, das Irmãs do Serviço Social, fundadora da Liga das Mulheres Católicas, foi baleada e jogada no rio Danúbio em dezembro de 1944 por esconder fugitivos judeus.
     Freiras também morreram ajudando aos sem-teto e feridos na sangrenta Revolta de Varsóvia de 1944, e mais tarde ajudaram os movimentos anticomunistas da região. 
Zofia Luszczkiewicz, 2a.à esquerda,
 num quarto de hospital
    
Zofia Luszczkiewicz, uma musicista e enfermeira das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, havia sido resgatada da Gestapo nazista pela resistência nacional da Polônia, a AK, apenas para ser ressarcida novamente pela UB comunista em agosto de 1948, acusada de ligações subterrâneas.
     A freira perdeu três dentes sob tortura, depois de se recusar a testemunhar contra os líderes da Igreja, e foi forçada a passar noites nua e com água em sua cela de prisão. O tribunal se recusou a ouvir suas testemunhas de defesa; e em 1950, aos 52 anos, Irmã Zofia foi condenada à morte por “pretender a derrubada forçada do sistema”.
     “Durante os três meses que esperei minha sentença ser cumprida, fui convocada todas as noites e diziam que estava prestes a ser morta”, registrou a freira. “No início, foi difícil, mas eu me acostumei com isso e tentei estar pronta para a morte”.
     A sentença de Luszczkiewicz foi eventualmente comutada para prisão perpétua, e após três anos em Inowroclaw, uma prisão conhecida como “Auschwitz Polonesa”, ela foi condicionalmente libertada por motivos de saúde, morrendo em agosto de 1957, alquebrada pela tuberculose e câncer. A recusa de Luszczkiewicz em colaborar com seus captores era típica das freiras polonesas.
     Na Iugoslávia, onde as congregações femininas tinham criado mais de 300 creches e escolas, freiras católicas foram ridicularizadas na imprensa comunista e acusadas de maltratar crianças.
     As Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo com sede em Zagreb, contabilizando um terço dos 397 conventos croatas, viu seus hospitais e orfanatos serem tomados à medida que a vida religiosa organizada se tornava impossível. No início da década de 1950, duas dúzias de irmãs tinham sido mortas e cerca de 40 estavam definhando na prisão.
     Só no oeste da Polônia, 323 conventos e casas religiosas foram fechados em agosto de 1954 em uma operação especial “X-2”. Mais de 1.300 freiras de 10 congregações foram reunidas por milícia armada e levadas para campos de trabalho, onde a tuberculose campeava e muitas vezes não havia eletricidade ou saneamento.
     Testemunhas relataram que a Irmã das Servas da Virgem Maria tinha sido espancada, chutada e ameaçada com armas quando a polícia de segurança urząd Bezpieczeństwa invadiu seu convento durante a madrugada, em Bochnia, supostamente procurando perigosos colaboradores nazistas.
     “Nossas irmãs foram empregadas a serviço da Igreja e trabalharam entre os doentes, como poderiam ter ameaçado a segurança pública”, inquiriu mais tarde a superiora geral, Demetria Cebula, em uma carta ao chefe comunista da Polônia, Wladyslaw Gomulka. “O único crime que cometeram aos olhos das autoridades foi usar o hábito monástico”.
Refazendo a história
     Ordens que permaneceram legais na Polônia mais tarde enfrentaram perigos tentando ajudar irmãs subterrâneas em outros países, apesar do fechamento de fronteiras e intensa vigilância policial secreta.
     Impulsionadas pelo papa polonês, João Paulo II, as ordens femininas rapidamente reviveram em toda a Europa Oriental após 1989. Embora as vocações tenham caído acentuadamente desde então, a própria Polônia, de acordo com um relatório de janeiro de 2019 da Agência de Informação Católica da Igreja Polonesa, conta com cerca de 18.000 freiras de 105 ordens e congregações.
     Ao lado do clero masculino que domina as manchetes, no entanto, as freiras mantêm um perfil discreto, levando alguns católicos a temer que seu papel heroico da era comunista pudesse ser esquecido.
     Embora centenas de livros tenham detalhado o testemunho de padres como o martirizado Beato Jerzy Popieluszko (1947-1984), levou até 2009 para que o primeiro estudo completo da operação “X-2” fosse publicado pela Irmã Ágata Mirek, professora de história da Universidade Católica de Lublin.
     “O ataque foi cuidadosamente preparado durante um longo período; os governantes comunistas sabiam que as irmãs tinham grande autoridade e temiam que as pessoas pudessem vir em sua defesa”, disse Mirek à Agência de Informação Católica da Polônia. “Eles esperavam persuadir o maior número possível a desistir de suas ordens religiosas, ao mesmo tempo em que induziram alguns a colaborar como informantes em uma vigilância de círculos monásticos”.
     As tentativas de fazer freiras colaborarem alcançaram pouco sucesso.
     Embora um em cada 10 clérigos masculinos seja estimado pelo Instituto Nacional de Memória da Polônia ter agido como informante secreto da polícia, com as maiores taxas de recrutamento durante a luta dos anos 1980 com o movimento Solidariedade, não mais do que 30 das 27.000 irmãs religiosas da Polônia sucumbiram à pressão policial durante a década.
     As tentativas de forçá-las a colocar insetos em presbitérios ou apresentar queixas de assédio sexual contra o clero masculino quase sempre falharam, apontam os pesquisadores, enquanto poucas se deixaram vulneráveis à chantagem e intimidação.
     Glabisz-Pniewska, apresentadora de rádio, está entre aqueles que acreditam que este impressionante registro deve ser mais conhecido e reconhecido.
     “Dada a sua relativa fraqueza física diante da perseguição violenta, elas tinham que ser ainda mais resistentes do que o clero masculino. Mas pouco disso está sendo reconhecido”, disse ela.
Testemunha e martírio
     Histórias de testemunhos heroicos vieram à tona em outro lugar também.
     Na Eslováquia, onde dezenas de freiras foram presas sob acusações anti-estatais sob o domínio comunista, uma das Filhas do Amor Cristão, Florina Boenighora, foi presa por agentes da polícia secreta do StB em 1951 no hospital onde trabalhava em Nitra, e acusada de executar um seminário secreto.
     Em julgamento, a freira insistiu que tinha apenas honrado sua vocação para ajudar os necessitados. Mas ela recebeu uma sentença de 15 anos, apesar de sofrer diabetes e pleurisia, e foi enterrada em uma cova não marcada quando morreu cinco anos depois, aos 61 anos, na prisão Pankrac de Praga.
     As condições eram ainda mais duras na União Soviética.
     Na Rússia, a maioria dos padres e freiras católicos foram baleados ou presos dentro de duas décadas da revolução de 1917.
     As Irmãs Eucarísticas administravam casas secretas na Geórgia e no Cazaquistão, enquanto freiras da Letônia e da Ucrânia realizavam serviços improvisados para católicos em campos e fábricas da Sibéria.
Ana Abrikosova, Madre Catarina
Ana Abrikosova jovem
     Uma comunidade de terciários dominicanos, liderada por Ana Abrikosova em Moscou, havia sido desmembrada em 1922, e por uma nova onda de prisões e sentenças de trabalho forçado em 1931.
     As freiras de Abrikosova mostraram grande coragem, recusando-se a testemunhar contra ela e insistindo que a polícia soviética não tinha o direito de examinar sua vida espiritual.
     “Eram heroínas que mereciam nossa admiração”, disse o último bispo católico da Rússia até 2002, D. Pio Neveu, ao Vaticano em um despacho; e elas tinham “adicionado uma página gloriosa à história de nossa Santa Madre Igreja”.
     Presa em 1934, Abrikosova morreu na prisão Butyrka de Moscou, dois anos depois, aos 54 anos. Suas cinzas foram enterradas em uma vala comum no Mosteiro Donskoi próximo.
     Mas pelo menos duas irmãs de sua comunidade dominicana, Nora Rubashova e Vera Gorodets, ainda estavam ensinando e fazendo trabalhos de caridade na década de 1970.
     Na Lituânia ocupada pelos soviéticos, onde as ordens religiosas foram liquidadas em 1948, a resistência católica se baseou fortemente no trabalho secreto de freiras, com muitas fazendo trabalhos diurnos.
     “A própria Lituânia está livre agora, e podemos organizar nossas comunidades em relativa paz”, disse Jolita Sarkaite à GSR. “Mas todos sabemos que isso é muito em grande parte graças à luta travada por essa geração mais velha, que ainda é uma grande fonte de riqueza para a Igreja e a sociedade contemporânea”. [...]
A busca pelo reconhecimento
     Embora algumas histórias sejam conhecidas, as de milhares de outras ex-freiras subterrâneas que fizeram seus votos secretamente em grande risco ainda estão sendo reunidas, enquanto a Igreja também está começando a reconhecer seu testemunho.
     Em 2001, quando João Paulo II beatificou 27 católicos ucranianos, a lista incluía Tarsykia Matskiv, uma Irmã da Congregação das Servas de Maria Imaculada, baleada por um soldado russo na porta de seu convento em 1944, e Laurentia Herasymiv e Olympia Bida, ambas da Congregação das Irmãs de São José, que morreram em Tomksk em Sibéria.
     Em 2003, a Irmã Zdenka Schelingová, uma freira da Santa Cruz, da Eslováquia, foi igualmente beatificada, 48 anos após uma sentença de 12 anos por ajudar padres detidos, durante os quais lhe foi negado sacramentos e sendo mutilada por tortura.
Camila Kruszelnicka
     
Uma comissão de martirológio, lançada pela conferência dos bispos da Rússia, está reunindo material para a beatificação de pelo menos 13 mártires, incluindo Ana Abrikosova e uma seguidora, Camila Kruszelnicka, que foi executada perto de Sandormoch.
     Enquanto isso, a pesquisa continua.
     Na Polônia, as 16 irmãs de Santa Catarina de Warmia cuja beatificação está sendo encaminhada, incluem Maria Abraão, uma enfermeira ortopédica de Tolkmicek, que morreu de espancamento pouco depois de se recuperar da tuberculose, e Rozalia Angrick, que foi baleada no pescoço enquanto resistia aos soldados que entraram em seu convento em Lidzbark.
     As Irmãs Ágata Bonigk e Bárbara Rautenberg morreram sendo arrastadas atrás de um caminhão em alta velocidade, enquanto outras morreram após serem deportadas para campos de trabalho soviéticos.
     Irmã Lucja Jaworska, postuladora do processo, lamenta que a documentação tenha sido coletada apenas para os atuais 16 anos, dos que optaram por permanecer em seus postos como enfermeiras, professoras e catequistas, apesar de saberem dos perigos que enfrentavam.
     “Tratadas com insensibilidade e crueldade pelos soldados soviéticos, elas morreram porque eram freiras: pela fé, em defesa da honra e por amor ao próximo”, disse Jaworska à Agência de Informação Católica da Polônia. “Todos que as conheciam testemunharam ter recebido graça delas”.
     Tais histórias podem não ser interessantes para os fracos de coração, e são apenas ilustrativas das muitas freiras católicas que morreram como mártires na Europa Oriental e na União Soviética.
     “Apesar desse registro heroico, as freiras ainda permanecem confinadas às margens aqui”, disse a apresentadora da rádio católica à GSR, Malgorzata Glabisz-Pniewska. “Apesar de todas as mudanças em todo o mundo, estamos apenas começando a ouvir sobre suas lutas da era comunista. Devemos esperar que elas ganhem mais voz pública, pelo menos para que essa história épica possa finalmente ser devidamente conhecida”.
 
Fonte: 7 de novembro de 2019          por Jonathan Luxmoore  (excertos)
[Jonathan Luxmoore cobre notícias da igreja de Oxford, Inglaterra, e Varsóvia, Polônia. O Deus do Gulag é seu estudo de dois volumes de mártires da era comunista, publicado por Gracewing em 2016.]