sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Santa Marcela de Roma, Viúva, “A glória das senhoras” - 31 de janeiro

     
     Algumas cartas de São Jerônimo, em especial a de número 127 (1) para a virgem Principia, discípula de Marcela, constituem a principal fonte para a vida da Santa.
     A presença pagã ainda era forte no Império quando Marcela nasceu. Havia decorrido pouco mais de uma década do Edito de Milão (ano 313), pelo qual Constantino tirou a Igreja das catacumbas, dando-lhe liberdade e permitindo sua expansão.
     Santa Marcela viveu quando Roma já não era mais a orgulhosa cidade que causava inveja a todos os povos. Com a divisão do Império e a importância que adquiriu Bizâncio, perdera muito de sua grandeza. Os imperadores posteriores a Constantino pouco permaneceram em Roma, escolhendo outras cidades do Império para capital, como Milão e Ravena.
     A Cidade Eterna tornou-se cobiçada como possível presa por vários povos bárbaros. Alarico, rei dos visigodos, a sitiou duas vezes em 408. Alarico retornou dois anos depois, invadindo e saqueando a cidade a ferro e fogo.
     Marcela pertencia a uma das mais ilustres famílias romanas, os Marcelos (segundo outros dos Claudios). Nasceu em 325, ficando órfã do pai na adolescência. Com a educação que recebeu, Marcela tornou-se uma donzela muito culta, capaz de manter conversação em qualquer campo do saber. Cresceu em meio ao luxo, frequentando os mais altos ambientes de Roma.
     Casou-se muito jovem, ficando viúva apenas sete meses depois das núpcias. Jovem, bela, de alta estirpe, logo apareceram vários pretendentes à sua mão. Apesar das pressões da mãe, Albina, Marcela tinha decidido consagrar-se inteiramente a Jesus Cristo, dedicando-se inteiramente a uma vida retirada. Assim, segundo São Jerônimo, Marcela foi a primeira matrona romana a desenvolver os princípios do monaquismo entre as famílias nobres, desafiando o ambiente mundano que a cercava.
     Marcela entrou em contato com alguns sacerdotes de Alexandria refugiados em Roma devido à perseguição ariana, dos quais ouviu o relato da vida de Santo Antão, ainda vivo, e de como funcionavam os mosteiros da Tebaida fundados por São Pacômio para virgens e viúvas. Resolveu seguir o exemplo dessas heroínas da solidão. Vestiu-se com uma pobre túnica, passou a jejuar moderadamente por causa de sua frágil saúde, e a dedicar longo tempo à oração e ao estudo das Sagradas Escrituras.
     Seu majestoso palácio do Aventino transformou-se em um cenáculo para onde confluíam outras nobres romanas como Sofronia, Asélia (sua irmã), Principia, Marcelina - seus irmãos Ambrósio e Sátiro; Lea, Paula com suas filhas; a própria mãe, Albina, aderiu àquela nova forma de vida.
     Entre aquelas nobres romanas destacou-se Santa Paula (2), de tão alta estirpe quanto a de Marcela, que também tinha consagrado a Deus sua viuvez. São Jerônimo afirma que “foi na cela de Marcela que Eustáquia (filha de Paula, ainda criança), esse paradigma de virgens, foi gradualmente formada”. Mais tarde Santa Eustáquia mudou-se com sua mãe para a Terra Santa, a fim de trabalharem com São Jerônimo. Santa Paula conhecia os idiomas grego e hebraico. Ela e a filha auxiliavam São Jerônimo nos seus trabalhos de tradução dos textos bíblicos, a famosa Vulgata usada durante séculos pela Santa Igreja. Mãe e filha finalmente fundaram um mosteiro na Terra Santa, onde viveram santamente.
     A casa de Marcela tornou-se um centro de propaganda monástica. Penitência, jejum, oração, estudo, exclusão de conversações fúteis eram praticados na vida quotidiana.
     No ano 382 o imperador Teodósio e o Papa São Dâmaso resolveram convocar um sínodo em Roma para combater as heresias que pululavam principalmente no Oriente. Entre os que compareceram figuravam Santo Epifânio, bispo de Salamina (Chipre), e São Paulino, bispo de Antioquia. Com eles veio a Roma o monge Jerônimo, já então com fama de grande exegeta. Adoecendo Santo Ambrósio, que deveria ser o secretário do sínodo, São Dâmaso nomeou São Jerônimo para substituí-lo.
     Esse futuro Doutor da Igreja assinalou-se tanto por sua erudição e segurança de doutrina que, terminado o sínodo, São Dâmaso escolheu-o para seu secretário particular.
     A pedido de São Dâmaso, São Jerônimo hospedou-se em casa de Marcela. Foi uma época emocionante para essa mulher de letras que havia mergulhado no grego e no hebraico, entreter uma das grandes mentes da época. São Jerônimo passou os três anos seguintes no que chamou de "igreja doméstica", traduzindo a Bíblia para o latim. Marcela aprendeu com seus ensinamentos, mesmo quando criticou sua tradução. Ele falou e escreveu sobre sua devoção cristã e erudição e elogiou sua influência sobre Anastácio, bispo de Roma - particularmente em sua condenação das doutrinas de Orígenes, que São Jerônimo declarou uma "vitória gloriosa". Na verdade, sua admiração por Marcela era ilimitada, não apenas por sua perspicácia intelectual, mas também por sua deferência aos homens que poderiam ser ameaçados por seu vasto estoque de conhecimento.
     Marcela, no entanto, também era conhecida por seus esforços para impedir São Jerônimo de brigar com seus oponentes - ou pelo menos ajudá-lo a controlar seu temperamento lendário. Onze de suas cartas existentes são endereçadas a ela, e ela é mencionada em muitos de seus outros escritos. Em uma de suas cartas, ele responde à pergunta dela sobre a verdade do montanismo. Alguém aparentemente estava tentando convertê-la, e ela estava profundamente interessada no que estava ouvindo, embora suspeitasse que a alegação de que eles possuíam uma espiritualidade mais autêntica poderia ser falsa. São Jerônimo escreve uma longa refutação ponto por ponto do movimento
     Santa Marcela, estudiosa erudita das Escrituras, tudo fez para que o santo a dirigisse, com suas discípulas, nos estudos e na vida de piedade. Conta São Jerônimo:
     “Em minha modéstia, evitava os olhos das damas de alta categoria. Contudo ela pleiteou tão pressurosamente — ‘oportuna e importunamente’ (2 Tm 4, 2), como diz o Apóstolo — que por fim sua perseverança superou minha relutância. E, como nesses dias meu nome tinha alguma fama como estudante das Escrituras, ela nunca veio me ver sem que me perguntasse alguma questão relativa a elas; nem aquiescia logo às minhas explicações, pelo contrário, as debatia. Não era, entretanto, para discutir, mas para aprender as respostas às objeções que poderiam ser feitas aos meus pronunciamentos”. Com admiração, acrescenta: “Quanta virtude e habilidade, quanta santidade e pureza encontrei nela, espanto-me em dizer. [...] E o que em mim era o fruto de longo estudo e, como tal, feito pela constante meditação que se tornou parte de minha natureza, isso ela saboreou e fez como próprio dela” (Carta 127, 7).
Sta. Marcela, Sta. Paula e
sua filha com São
Jerônimo

     Quando São Jerônimo retirou-se para Belém, Santa Marcela ficou como árbitra em matéria de Sagrada Escritura para os discípulos que o santo deixara em Roma, inclusive alguns sacerdotes.
     São Jerônimo diz que Santa Marcela estava atenta à pureza da fé. E quando surgiram em Roma, ou nela se tornaram conhecidas algumas heresias como a dos pelagianos, ela pôs-se em guarda: “Consciente de que a fé de Roma — louvada por um apóstolo (Rm 1, 8) — estava agora em perigo, e de que essa nova heresia estava levando consigo não somente padres e monges, mas também muitos leigos, [...] ela resistiu a seus mestres, escolhendo agradar antes a Deus que aos homens” (Id. nº 9).
     A Santa desejou transferir-se para Belém, atendendo ao pedido de suas amigas Santas Paula e Eustáquia, mas preferiu continuar a vida ascética e penitente em Roma. Por volta do ano 399 mudou-se para um local mais isolado, nos arredores de Roma, onde vivia com a jovem Principia, sua discípula, mantendo entretanto sua casa no Aventino.
     Santa Marcela se correspondia frequentemente com o seu mentor espiritual, São Jeronimo, o qual respondia suas perguntas sobre questões espirituais, e ele passou a respeita-la e referir-se a ela com "a gloria das damas romanas". Onze das suas cartas à Santa Marcela sobreviveram ao tempo e estão guardadas na Biblioteca do Vaticano.[1]
     Em 410, quando Alarico e os seus bárbaros invadiram Roma, encontraram a casa de Santa Marcela no prestigioso bairro do Aventino. Apesar de sua avançada idade, ela os recebeu sem nenhum temor. Quando perguntaram por ouro, mostrou-lhes seu pobre hábito como prova de que vivia na pobreza. Mas eles não acreditaram, e flagelaram-na impiedosamente. Esquecida de si mesma, ela só pedia que poupassem Principia, então ainda nova, pois sabia que a ela eles não ultrajariam, o mesmo não se dando com a jovem virgem. Afinal os bárbaros levaram as duas para a basílica de São Paulo Apóstolo, e lá as abandonaram. Poucos dias depois, Santa Marcela entregava sua alma a Deus (Id. nº 13).
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Notas:
1. Cfr. Saint Jerome, Letters, New Advent, CD-Rom.
2. Festejada dia 26 de janeiro.
MOMENTOS OPORTUNOS: Santa Marcela - Digna discípula de São Jerônimo     
Santa Marcela de Roma: Conheça a história da sua devoção
Marcela de Roma – Wikipédia, a enciclopédia livre

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Santa Jacinta Marescotti, Padroeira de Viterbo - 30 de janeiro

     
     Clarice de Marescotti era filha de Marcantonio Marescotti e Otávia Orsini, Condessa de Vignanello, localidade próxima de Viterbo, Itália, onde nasceu provavelmente no dia 16 de março de 1585.
     De seus pais recebeu profunda formação religiosa. Entretanto, atingindo a adolescência, Clarice, nobre, bela, tornou-se vaidosa e mundana, buscando apenas divertir-se. Sua preocupação passou a ser vestidos, adornos, entretenimentos e um casamento digno de sua classe social.
     Seu pai se preocupava muito com a salvação da filha. Resolveu mandá-la para o convento onde já estava sua irmã mais velha, que lá era um exemplo de virtude. Clarice foi de má vontade, mas como terceira franciscana, pois alimentava o desejo de sair dele o mais rápido possível para voltar à vida de antes. Tanto insistiu que o pai acabou cedendo.
     Mas fora ela não encontrou o que esperava: nenhum casamento apareceu e Clarice viu ainda sua irmã mais nova, Hortência, casar-se com o marquês romano Paulo Capizucci e ela ficar para trás.
     Por insistência da família ela retornou àquele mesmo convento das religiosas da Ordem Terceira Franciscana regular, desta vez como freira, tomando o nome de Jacinta.
     Mas, julgando ela que as celas das freiras eram muito pequenas e pobres, mandou construir uma especial para si, de acordo com sua posição social. Sua cela parecia um bazar pelos luxuosos adornos. Aquilo poderia ficar bem num palácio, destoava do ambiente do convento. Sua piedade é tíbia; a mortificação prescrita, um tédio; até recebe as admoestações com desprezo. Por dez anos levou no convento uma vida mundana.
     Quando completou 30 anos, chegou a hora de Deus e surgiu potente a nobre e católica linhagem que levava dentro de si. Uma grave doença a faz refletir sobre o fogo do Purgatório e do Inferno; tremeu de terror e clamou pelo confessor.
     O Pe. Antônio Biochetti, virtuoso sacerdote, foi atender a doente. Mas, entrando naquele quarto luxuoso recusou-se atender a confissão da freira, dizendo que o Paraíso não era feito para os soberbos. Chorando perguntou-lhe: "Então não há mais salvação para mim?". "Sim — respondeu o religioso — contanto que deixe esses vãos adornos, essas vestimentas suntuosas, e se torne humilde, piedosa, esqueça o mundo e pense só nas coisas do Céu".
     Na manhã seguinte, após ter trocado sua roupa de seda por um pobre hábito, Jacinta fez sua confissão geral com um verdadeiro arrependimento. Depois, no refeitório, aplicou-se forte disciplina diante das irmãs e pediu-lhes perdão pelos maus exemplos que havia dado.
     Nova enfermidade fez com que a ruptura com a vida antiga fosse total. Entregou tudo o que possuía para a superiora e revestiu-se com a mortalha de uma freira que acabava de morrer. Fez o propósito de romper com tudo aquilo que lhe lembrava a antiga vida. Desde então passou a ser chamada de Jacinta de Santa Maria e não mais de Marescotti.
     Trocou sua cama por um feixe de lenha, tendo uma pedra como travesseiro; mortificava-se dia e noite, tomando tão ásperas disciplinas, que o solo de sua cela ficava manchado de sangue. Às sextas-feiras, em memória da sede que Nosso Senhor sofreu na Paixão, colocava um punhado de sal na boca. Sua alimentação passou a ser pão e água. Durante a Quaresma e o Advento, vivia de verduras e raízes apenas cozidas na água.
     Considerando-se como a pior pecadora, escolheu para patronos santos que tinham ofendido a Deus antes de se converterem, como Santo Agostinho, Santa Maria Egipcíaca e Santa Margarida de Cortona. Era devota do Arcanjo São Miguel, amava a contemplação da Paixão de Jesus Cristo, a Missa a levava às lágrimas, as imagens da Virgem Santíssima eram seu refúgio.
     Procurava toda ocasião para se humilhar. Às vezes ia ao refeitório com uma corda ao pescoço, ajoelhava-se diante das freiras, beijava-lhes os pés pedindo perdão pelos maus exemplos passados.
     Ela escreveu a uma religiosa: "Há 14 anos que eu mudei de vida. Durante esse tempo eu rezei algumas vezes quarenta horas seguidas, assisti todos os dias a várias missas, e me encontro ainda longe da perfeição. Quando poderei servir meu Deus como Ele merece? Reze por mim, minha amiga, para que o Senhor me dê ao menos a esperança".
     Embora se considerasse a mulher mais pecadora, a nomeiam subpriora e mestra de noviças. E a fama de suas virtudes propaga-se por toda a região. Deus recompensou sua fiel serva com dons extraordinários como o de profecia, milagres, conhecer os corações, ser instrumento de conversões e frequentes êxtases.
     A conversão de Francisco Pacini, célebre por seus desmandos, tornou-se famosa. Ouvindo falar dele, a Santa fez jejuns e orações por sua conversão. Convencido por um amigo convertido por Jacinta, Pacini vai ao convento falar com ela. No parlatório, diante daquela pobre freira, começou a tremer e à medida que ela falava, ele foi se transformando, caiu de joelhos e prometeu confessar-se.
     No domingo seguinte, o da Paixão, com os pés descalços e uma corda no pescoço, Pacini, no meio da Igreja pediu perdão a todos por seus crimes e escândalos. Mais tarde revestiu o hábito de peregrino e consagrou sua vida a Deus.
     Jacinta reformou muitos conventos com cartas escritas às superioras relaxadas, admoestando-as dos castigos que as ameaçavam. Por sugestão sua a Duquesa de Farnese e de Savella fundou dois mosteiros de clarissas, um em Farnese, outro em Roma.
     Ela se preocupava com as almas que se extraviavam no pecado e para sua recuperação fundou duas confrarias: a Companhia dos Sacconi, para atendimento material dos enfermos e para ajudá-los a morrer bem; e a Congregação dos Oblatos de Maria para incentivar a piedade, fazer obras de caridade e fomentar o apostolado dos leigos.
     Como não tinha voto de clausura, Jacinta ia visitar os pobres, levando-lhes sempre o auxílio espiritual, além do material. Em seu grande apreço pela nobreza dava assistência especialmente aos nobres empobrecidos e envergonhados.
     Santa Jacinta de Marescotti entregou sua bela alma a Deus em 30 de janeiro de 1640. Foi canonizada em 1807 pelo Papa Pio VII. É festejada no dia de seu nascimento para o Céu.

Fontes: Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le Père Giry, Paris, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo II, pp. 348 a 356; Manuel de Castro, O.F.M., Santa Jacinta de Marescotti, in Santoral Franciscano

domingo, 26 de janeiro de 2025

Grã-Duquesa Maria Adelaide de Luxemburgo, falecida 24 de janeiro de 1924


A Tragédia de Maria Adelaide 
por Diane Moczar

     O que se segue é um breve resumo da vida da Grã-Duquesa, que espero desenvolver mais plenamente quando fontes documentais estiverem disponíveis. 1
     Embora relatos resumidos do seu reinado sejam dados em várias histórias gerais do Luxemburgo, especialmente aquelas em francês, alemão e no idioma de Luxemburgo, a única biografia completa parece ser a de Marie Edith O'Shaughnessy, publicada em 1932 e há muito tempo fora de impressão. Infelizmente este trabalho quase não contém referências documentais precisas. A autora, já falecida, muitas vezes se baseia em relatos de testemunhas oculares, às vezes anônimos, de eventos chaves da vida de sua heroína, mas não documentados, e talvez ela própria tenha sido a confidente da Grã-duquesa. 2
     Maria Adelaide nasceu em 14 de junho de 1894 e morreu em 24 de janeiro de 1924; governou Luxemburgo de 1912 (quando ela atingiu a maioridade aos dezoito anos) até sua abdicação forçada em 1919. Após sua renúncia, ela vagou pela Europa buscando a paz espiritual, tentando primeiramente entrar em um convento de Carmelitas e depois nas Pequenas Irmãs dos Pobres, tendo falecido no exílio, aparentemente de uma doença contraída durante o trabalho com os pobres em Roma. Sobre estes poucos fatos todas as fontes concordam, mas não em muito mais.

Os pais da grã-duquesa: Guilherme IV e Maria Ana de Portugal

     Tão logo ela subiu ao trono em uma onda de popularidade – em dois séculos o primeiro soberano nascido em Luxemburgo – uma jovem mulher muito bonita e piedosa, a sua devoção à Igreja e aos seus deveres como uma governante católica lançaram-na em amarga controvérsia. Em um discurso no dia de sua coroação ela declarou: "... Vou ser fiel ao nobre lema da nossa antiga casa: Je maintiendrai". 3
     Na mente da Grã-Duquesa, "Je maintiendrai" significava promover o bem comum de seus súditos, incluindo a defesa de sua fé católica, em toda a extensão dos poderes concedidos ao soberano pela Constituição de Luxemburgo. Diz-se que ela havia observado a fé católica de seus súditos: "Eu não vou permitir que seu patrimônio mais precioso seja roubado, enquanto eu tiver a chave" 4.  Logo ficou claro para todos, tanto nas palavras quanto nas ações da Grão-Duquesa, que ela levou a sério o lema de Sta. Joana d’Arc: “Dieu premier servi".
     Como a Imperatriz austríaca Maria Teresa, Maria Adelaide não tinha sido treinada por seu pai na política, fato ao qual ela mencionou em seu discurso de coroação. Ela foi, portanto, forçada a depender em grande medida dos conselhos dos ministros do governo, especialmente do Ministro de Estado, Paul Eyschen, que tinha sido uma grande influência política durante o reinado do pai de Maria Adelaide, e tinha exercido ainda maior poder durante a doença fatal do Grão-Duque e a regência de sua esposa de 1907 a 1912. Eyschen iria enfrentar uma incomum oposição a sua vontade por parte da nova jovem soberana.
     As primeiras escaramuças entre os dois ocorreram ao longo de nomeações de políticos radicais para cargos no governo. Comunismo, socialismo e anticlericalismo foram ganhando força em Luxemburgo, seus patrocinadores usando retórica democrática para criar oposição à monarquia católica. Por outro lado, Maria Adelaide era excepcionalmente piedosa, comungava diariamente e era devota da espiritualidade carmelita, e estava determinada a manter a fé entre seu povo.
     Com esta finalidade, ela reviveu peregrinações e procissões do Santíssimo Sacramento que tinham sido descuidadas durante o reinado de seu pai protestante, e participou delas para deleite de seu povo. "Sua fé não deve ser menor, mas maior quando eu morrer", diz-se ter ela argumentado, e "Você conhece a história do meu povo. Suas orações têm sido muitas vezes o seu único pão. Devo oferecer-lhes a pedra da incredulidade?" 5
     Sua mais importante quebra com Eyschen veio com a proposta de redução da instrução religiosa nas escolas, que a Grã-Duquesa, em oposição aos desejos de seu primeiro-ministro, recusou-se a assinar. 6. O impasse resultou que Eyschen preparou e assinou sua renúncia pouco antes do ataque cardíaco que provocou sua morte em 1915.
     A instabilidade de sucessivos ministérios e o crescimento do poder político da esquerda levaram Maria Adelaide a dissolver a Câmara e a convocar novas eleições, o que resultou em graves prejuízos para os partidos de esquerda, enquanto os tornou mais determinados em derrotá-la. 7
     Embora a soberana tivesse o cuidado de se manter nos limites fixados pela Constituição, os seus inimigos (e os inimigos da Igreja) exploraram suas dificuldades políticas para agitar sentimentos contra ela. Além de ser acusada de ceder à influência clerical, ela foi acusada de intransigência e autoritarismo. 8.  Cargas mais extravagantes logo estavam para vir.
     A existência de Luxemburgo como uma Nação tem sido muitas vezes precária, sendo cercado como é por seus vizinhos por vezes avarentos – Bélgica, França e Alemanha. Na sua forma atual, Luxemburgo é um ‘produto’ dos acordos do Congresso de Viena, especialmente o Tratado de Londres, em 1839. Outro Tratado de Londres em 1867 garantiu a neutralidade do novo Estado. 9
     A eclosão da I Guerra Mundial encontrou o país em uma posição perigosa, incapaz de se defender da invasão alemã por causa de seu status neutro. Quando em 2 de agosto de 1914 a Alemanha violou a neutralidade de Luxemburgo sob o pretexto de proteger as ferrovias, Maria Adelaide e seu governo emitiram protestos formais que não conseguiram impedir a ocupação militar do país.10
     Sob a orientação de sua governante e de seu governo, Luxemburgo e seu povo, agora atrás das linhas alemãs, sabiamente não tentou uma resistência temerária e vã contra o exército de ocupação, mas manteve a sua neutralidade durante a guerra. (Esta era para ser realizada contra eles pelos Aliados vitoriosos.)
     Maria Adelaide dedicou-se ao trabalho da Cruz Vermelha em Luxemburgo e cuidou dos soldados em ambas as frentes. Tensões políticas, no entanto, continuaram inabaláveis durante a guerra. Os esquerdistas cada vez mais hostis dentro de Luxemburgo aproveitaram todas as desculpas para desacreditar sua adversária real.
     Maria Adelaide era de sangue alemão, havia concordado com o noivado de sua irmã com um príncipe alemão; ela foi ao funeral de um parente idoso na Alemanha; ela havia recebido o Kaiser em seu palácio (na verdade, ela só soubera de sua visita quando ele já estava a caminho), e aparentemente concordou, a conselho de seu primeiro-ministro e contra seu melhor juízo, em receber o comandante alemão quando ele entrou no país. 11
     A Bélgica, entretanto, vinha conduzindo uma campanha diplomática e de propaganda na tentativa de anexação do Ducado uma vez que a guerra terminasse. 12 Mesmo alguns dos inimigos políticos domésticos de Maria Adelaide apoiaram a reivindicação belga, em seu ódio a sua soberana. A atitude ambígua dos Aliados depois do armistício tornou a posição da Grã-Duquesa mais e mais insustentável.
     A ideologia democrática era muito mais favorável ao estabelecimento da república em todos os lugares em vez da manutenção da monarquia. Além disso, a percepção de ser a Grã-Duquesa "pró-alemães" tornou-a impopular a ponto de o governo francês declarar, em dezembro de 1918, a um representante do governo de Maria Adelaide que "O governo francês considera que não é possível manter contato ou negociação com o governo da Grã-Duquesa de Luxemburgo, a quem considera [ter sido] gravemente comprometida com os inimigos da França". 13
     A luta política das próximas semanas envolveu todas as partes. Em Luxemburgo os defensores da dinastia real perceberam que a causa de Maria Adelaide estava perdida e favoreceram sua abdicação e a ascensão de sua irmã Carlota, embora os esquerdistas continuassem a exigir uma república.
     A Bélgica parecia considerar uma república como potencialmente mais favorável ao seu objetivo de anexação, enquanto a França começou a ver na existência da monarquia um baluarte contra as pretensões belgas. 14
     No final, Maria Adelaide se curvou à pressão intensa, abdicando em favor de sua irmã. Carlota e seus sucessores, porém, não exerceriam o poder político e a autoridade anteriormente concedida ao soberano pela Constituição. Com a alteração do artigo 32 da Constituição de Luxemburgo, a soberania já não reside na pessoa do soberano, mas na Nação. O governante "não tem outros poderes além dos formalmente atribuídos a ele pela Constituição e leis específicas..." 15
     Como Denis Scuto coloca, "A fórmula 'pela graça de Deus' é esvaziada do seu verdadeiro significado", e a dinastia recebe seu direito ao trono do povo. “... além da pessoa de Maria Adelaide, toda uma concepção da monarquia, ultrapassada pelos acontecimentos nacionais e internacionais, concordou em abdicar. Com Maria Adelaide, Grã-Duquesa de 1912 a 1919, a figura do monarca exercendo plenamente as prerrogativas constitucionais e intervindo nos debates políticos desapareceu". 16
A Grã-duquesa em
seu leito de morte
     A luta de uma jovem princesa em um pequeno país pode assim ser vista como um microcosmo dos épicos conflitos políticos e espirituais que têm afligido todas as nações da Europa desde a Pseudo-Reforma Protestante.
     Está além da finalidade deste artigo seguir Maria Adelaide na odisséia espiritual que preencheu o restante de sua curta vida. Ela sofreu intensamente sob a cruz do exílio, da doença, e de um sentimento de fracasso na vida religiosa, onde ela tinha a esperança de encontrar a paz, uma paz que só veio finalmente com a sua santa morte, quando ainda no exílio.
     Em certo sentido ela foi destruída pela ideologia moderna que diviniza o homem e a democracia e odeia a Igreja Católica. A tragédia de Maria Adelaide foi que ela tentou ser, como Carlos d’ Áustria, um monarca católico no século XX.

Notas:
1 Muitos documentos importantes sobre a vida de Marie Adelaide permanecem nos arquivos pessoais da família real de Luxemburgo. O arquivista que deve catalogá-los ainda não entrou os papéis do século XX entrevista [com M. Guy de Maio, Luxemburgo National Archives, 19 de maio de 1992].
2 Eu estou muito interessada em ouvir alguém que possa ter informações sobre Edith O'Shaughnessy ou seus descendentes.
3 Jean Schoos, "Vor 50 Jahren, Dokumentation zur Regierung und Abdankung Ikh der Grossherzogin Marie-Adelheid ", em Marienkaldender Lumemburger, não. 88 (1969), p. 78.
4 Edith O'Shaughnessy, “Maria Adelaide, Grã-duquesa de Luxemburgo, Duquesa de Nassau” (New York: 1932), pp 134-135.
5 Ibid.
6 Christian Calmes, "Maria Adelaide (1894-1924), Grã-Duquesa de Luxemburgo de 1012 a 1919", em De l'Etat a la Nation 1839-1989 (Luxemburgo, 1989), p. 93.
7 Ibid.
8 Schoos, "Vor 50 Jahren", pp 79-80.
9 Gilbert Trausch, De l'Etat a la Nation (Luxemburgo, 1989), p. 13.
10 Denis Scuto, "1919: Quel avenir pour la Monarchie?" Em Tageblatt, 11 de novembro de 1989, p. 5.
11 O'Shaughnessy, p. 155.
12 Gilbert Trausch, "A adesão ao Trono da Grã-Duquesa Carlota em janeiro 1919 na sua significação histórica" em Hemecht-Revue d'Histoire Luxembourgeoise, 31 (1979), pp 153 e ss.
13 Scuto, loc. cit.
14 Ver a discussão dessas posições em Trausch "L'adesão".
15 Citado em Scuto, loc. cit.
16 Ibid.

A Tragédia de Marie Adelaide - Nobreza e Elites Tradicionais Análogas

Beata Laura Vicuña, exemplo de amor filial - 22 de janeiro

   
     Laura del Carmen Vicuña nasceu no dia 5 de abril de 1891 em Santiago, Chile. Ela foi a primeira filha da família Pino Vicuña. Seus pais eram José Domingo Vicuña, um soldado com raízes aristocráticas, e Mercedes Pino. Seu pai estava no serviço militar e sua mãe trabalhava em casa.
     No final do século XIX a guerra civil eclodiu no Chile. Uma figura chave em uma das facções em guerra era Claudio Vicuña, parente de José Domingo. Claudio Vicuña não conseguiu se tornar presidente; seus inimigos começaram a perseguir a família Vicuña, o que os obrigou a fugir de sua terra natal.
     Em 1894, após o nascimento de sua segunda filha, Júlia Amanda, José Domingo faleceu, deixando sua esposa e filhas sem dinheiro e em grande perigo. Mercedes decidiu viajar para a Argentina para se esconder daqueles que queriam a sua família morta.
     Mercedes e suas filhas se mudaram para a província argentina de Neuquén. Em busca de uma forma de financiar a educação de suas filhas, ela conseguiu um emprego no albergue Quilquihué. Pressionada pelos assédios do patrão, Manuel Mora, Mercedes acabou aceitando uma união pecaminosa. E passou a viver com ele na fazenda Quilquihué. Ela se agarrou a ele como a uma tábua de salvação, mas ele se transformou no seu feroz tirano. "Manuel Mora, voltando da cadeia de Chos-Malal, onde estivera preso, e passando por Las Lajas, conheceu Mercedes Pino".
     Manuel Mora tem, na vida de Laura, embora de maneira indireta, importância decisiva. É preciso, pois, conhecê-lo. Pertencia a uma família abastada da Província de Buenos Aires, cidade de Azul; depois de ter estado no Forte General Roca, no Alto Rio Negro, foi para uma região sobre o rio Quilquihué, a uns vinte quilômetros de Junin de Los Andes. Organizou ali duas estâncias: uma chamada Quilquihué, a outra Mercedes, para criação de gado.
     Algumas testemunhas limitam-se a chamá-lo: "Um sujeito mau", "um homem que por um nada puxava o facão e a pistola", "indivíduo perverso, prepotente e grosseiro", etc. As irmãs salesianas de Junin, tinham-no como: "Rico proprietário de gado, pouco instruído e sem religião". Foi justamente nas mãos desse indivíduo, como entre as garras de um condor, que caíram tristemente Mercedes Pino e suas filhas.
     O relacionamento de Mercedes com este homem influenciava negativamente na educação das duas meninas. Embora Laura fosse ainda pequena, percebia a precariedade religiosa da mãe, já que esta não era admitida aos Sacramentos devido a sua vida irregular.
     Mercedes Pino matriculou as filhas no Colégio de Maria Auxiliadora em Junin de Los Andes no início de 1900, sendo diretora, Irmã Ângela Piai.
     A 1º de abril, Segunda-feira Santa, abriu-se o ano escolar de 1900. A crônica, reduzida como a do ano anterior, assinala a presença de 14 alunas internas e 19 externas: 33 ao todo: "Meninas da roça, pobrezinhas, humildes, de casca dura e deselegantes... que mais facilmente empunham as rédeas do cavalo que a pena ou a agulha... selvagens caipirinhas que é preciso domesticar" (Crônicas).
     Em 1900, Laura foi classificada entre as alunas da segunda ou terceira elementar; Júlia Amanda entre as pequeninas da primeira. Concluiu também com sucesso, os anos de 1901 e 1902, sendo que neste mesmo ano, ela recebeu o sacramento da Crisma, conferido por Dom Juan Cagliero, filho predileto de São João Bosco. Dom Cagliero morreu em Roma em 1926, seu corpo descansa na catedral de Viedma - Argentina.
Laura entre alunas contemporâneas
     A Irmã Azócar já então conhecia as duas irmãs, e mostrava apreciar Laura pela boa vontade que a animava e a tornava apontada entre as mais solícitas e caprichosas no cumprimento dos múltiplos deveres da vida colegial e também da vida espiritual.
     Laura Vicuña amava ardorosamente a Jesus Sacramentado e Maria Santíssima, rezava com fervor e se sacrificava pela conversão do próximo; era dócil e obediente às Irmãs do Colégio, ao ponto de, por obediência, plantar um galho seco de roseira, e a mesma brotou e permanece até hoje. Laura amava todas as religiosas, mas tinha por modelo a Irmã Ana Maria a quem imitava nas virtudes.
     Com o passar do tempo, Laura descobriu que a sua mãe vivia em pecado, morando com o fazendeiro Manuel Mora: "A primeira vez que expliquei o sacramento do matrimônio, Laura desmaiou, certamente porque pelas minhas palavras percebeu que a mãe vivia em estado de culpa..." (Irmã Azócar).
     Laura sentia pavor em passar as férias na Estância Quilquihué (lugar dos falcões), justamente porque devia enfrentar o monstro Manuel Mora que não a deixava em paz, o mesmo tentou violentá-la por várias vezes.
     Ela amava a sua mãe com terníssimo afeto; desejava revê-la e estar perto dela. Ansiava pelo ar puro do campo; e bem que gostava de se entreter mais tempo com Júlia e com qualquer outra menina, para lhes ensinar o que sabia. Mas o pensamento e a só figura de Manuel Mora enchiam-na de horror e de pavor.
     O único recurso e inabalável sustentáculo de Laura era a oração, que tanto lhe tinham inculcado em Junin e que a fazia reviver no isolamento espiritual das férias, as doces e inesquecíveis horas do colégio.
     Laura fez sua Primeira Comunhão em 2 de junho de 1901. Naquele dia ela escreveu alguns propósitos muito similares aqueles do Santo aluno de Dom Bosco, Domingos Sávio:
     “Meu Deus, quero amar-Vos e servir-Vos por toda a vida; por isso Vos dou a minha alma, o meu coração, todo o meu ser. Antes quero morrer que ofender-Vos com o pecado; por isso desejo mortificar-me em tudo aquilo que me afastaria de Vós. Proponho fazer tudo o que sei e posso para que Vós sejais conhecido e amado, e para reparar as ofensas que todos os dias recebeis dos homens, especialmente das pessoas da minha família. Meu Deus, dai-me uma vida de amor, de mortificação, de sacrifício”.
     Ela tinha uma boa amiga, Mercedes Vera, a quem ela expressava seus sentimentos mais profundos, como o seu desejo de se tornar freira. Mesmo muito jovem, Laura era madura o suficiente para entender os problemas de sua mãe, que incluía o distanciamento de Deus. Isso levou-a a rezar todos os dias para a salvação de sua mãe, e para ajudá-la a deixar Manuel.
     Durante uma de suas férias escolares, Manuel Mora bateu duas vezes em Laura, porque não queria que ela se tornasse freira. Ele tratava Laura com excessivo interesse. Durante uma festa a convida para dançar e ao ser rechaçado a arrasta para fora de casa e ela tem que dormir ao relento. Mora reage cruelmente e decide não pagar a anuidade do colégio. Mas ela permaneceu firme no seu desejo de se tornar freira. Quando as freiras de sua escola souberam do conflito, deram-lhe uma bolsa de estudos. Embora ela fosse grata a suas professoras, ela ainda ficava preocupada com a situação de sua mãe.
     Um dia, lembrando-se da frase de Jesus: "Não há ninguém maior do que aquele que dá a vida por seus irmãos", Laura decidiu dar sua vida em troca da salvação de sua mãe. Algum tempo depois ela ficou gravemente doente com tuberculose pulmonar.
     Em setembro de 1903 ela não consegue sequer tomar parte nos exercícios espirituais, tão fraca tinha se tornado a sua saúde. Tentou-se uma mudança de clima, indo para a casa da mãe. Laura partiu para Quilquihué a 15 de setembro de 1903: "Como sempre, trazia um traje simples, mas elegante para nosso pequeno mundo" (Irmã Ângela Piai), e: "Laura, naquele dia, usava um vestido roxo, modesto, mas bonito" (Irmã Rosa Azócar).
     A chegada à fazenda não podia ser alegre. Dois anos atrás tinha a menina partido de Quilquihué com ótima saúde; voltava desfeita, como arbusto que a tormenta vergou. Manuel Mora a recebeu com desprezo, não era homem para se comover com o sofrimento alheio: muito menos com o de Laura que o enfrentara, humilhando-o repetidamente nos seus insensatos intentos.
     A estada em Quilquihué em vez de lhe infundir energias, lhe renovava e aumentava as amarguras do coração. Sentia falta da Santa Missa, das amiguinhas, dos conselhos do confessor etc.
     Mercedes Pino, vendo a saúde de Laura piorar, aluga um ranchinho, de palha e barro, próximo ao Colégio: "A mãe levou de novo Laura para Junin a fim de poder ser mais atendida" (Irmã Marieta Rodrigues, enfermeira).
     No alvorecer de 1904, as forças de Laura pareciam ter chegado ao fim, a moléstia fatal que a corroía tinha terminado o seu trabalho: não restavam senão as últimas e débeis esperanças para derrocar: "Devorada por uma febre que não a deixava, Laura saía ainda, vez por outra, amparada pela mãe, mas somente nas horas frescas do dia, para respirar um pouco de ar. Caminhando devagar, rosto magro e afilado, a enferma causava dó quem parasse para vê-la" (Pe. Augusto Crestanello).
     Em janeiro de 1904, Mora chegou de visita, com o propósito de permanecer na mesma habitação naquela noite. “Se ele ficar aqui, eu vou para o colégio das irmãs”, ameaçou Laura escandalizada. E assim faz, embora perturbada pela doença. Mora a perseguiu e alcançou, a espancou violentamente, deixando-a traumatizada. Chegando ao colégio ela se confessa com seu diretor espiritual, renovando o oferecimento da própria vida pela conversão da mãe.
     Laura piorava a cada dia, recebeu uma procissão contínua de companheiras, conhecidas e amigas, que chegavam com admiração para visitá-la.
     No dia 22 de janeiro de 1904, que devia ser o último dia da sua vida terrena, a "... pobrezinha, reduzida a pele e osso, pôde receber a Santíssima Eucaristia como Viático".
     À tarde do mesmo dia, Laura Vicuña chama a mãe e lhe diz: "Mãe, vou morrer! Fui eu mesma que o pedi à Jesus; há dois anos ofereci minha vida a Deus em sacrifício para obter que não vivas mais em união livre. Você deve separar-se deste homem e viver santamente. Antes de morrer terei a alegria de seu arrependimento e seu pedido de perdão a Deus e que comeces a viver santamente?", a mãe, entre lágrimas, lhe diz: "Sim, minha filha, amanhã cedo vou à igreja com Amandinha e me confesso".
     A exausta menina beijou repetidas vezes o crucifixo que tinha nas mãos. Olhou para a fita azul que entretecia a inicial do nome de Maria e disse baixinho: "Obrigada, Jesus! Obrigada, Maria! Agora morro contente", serenamente expirou: "Laura morreu falando" (Júlia Cifuentes). Foi às 16 horas, sexta-feira, 22 de janeiro de 1904. O Pe. Crestanello escreve que Laura morreu às 18:00 horas: "Eram seis da tarde, e Laura não existia mais"(Vida, p. 88-90). Faltavam 2 meses e poucos dias para Laura completar 13 anos.
A mãe da Beata
e a irmã (de pé)
com as filhas
     Por ocasião dos funerais, Mercedes se confessou e comungou junto com Júlia Amanda. A mãe teve que mudar de nome e se disfarçar para sair da região, porque Manuel Mora a perseguia. Mercedes a partir de então levou uma vida santa.
     De 1937 a 1958, os despojos de Laura estavam no cemitério Nequén, após o que foram transferidos para Bahía Blanca.
     As Irmãs Salesianas de Dom Bosco começaram o processo de canonização de Laura em 1950. A Congregação elegeu para o trabalho a Irmã Cecilia Genghini, que passou muitos anos na coleta de informações sobre a vida de Laura. Mas ela não viu a conclusão de seu trabalho: ela morreu no mesmo ano em que o processo começou. Em 1981, o processo foi concluído pela Congregação, e em 5 de junho de 1986 ela foi declarada Venerável.
     Em 3 de setembro de 1988 Laura foi beatificada pelo Papa João Paulo II. Sua festa é celebrada em 22 de janeiro. Ela é padroeira das vítimas de abuso.

Etimologia: Laura = Aquela que triunfa, é de origem latina.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Laura_Vicuña
https://www.acidigital.com/
https://www.corazones.org/liturgia/santos/laura_vicuna.htm

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Beata Eufemia Domitila, Princesa, dominicana- 17 de janeiro

   
      Em 1299, no castelo de Racibórz (uma cidade na Silésia), nasceu Eufêmia, a segunda filha do duque Przemislau de Ratibor e de sua esposa Ana, filha de Konrad II Czerski. A menina adotou o sobrenome da avó paterna, com o diminutivo Ofka. Seu pai fez um voto a Deus e à Virgem Maria de que fundaria um convento dominicano onde uma de suas filhas se tornaria freira. A promessa tornou-se realidade poucos anos depois, em 1306, com a construção do Convento de Santp Espírito.
    Ofka passou a infância na corte, recebendo uma educação profundamente religiosa. Ela estudou no convento de Santa Catarina, passando muitas horas do dia em oração: gostava de meditar em particular na Paixão do Senhor, mesmo com vigílias noturnas. Ela tinha grande devoção ao Santíssimo Sacramento e se preparava cuidadosamente para assistir à missa. Ela acrescentou atos penitenciais às suas orações: jejum e cilício. 
    O seu primeiro biógrafo narra um acontecimento milagroso que confirmou sua vocação: uma noite ela viu a igreja dominicana em Racibórz iluminada por três raios e num fulgor a pomba do Espírito Santo. Assim, o voto de seu pai se tornou realidade, embora o casamento com o Duque de Brunswick estivesse sendo arranjado em 1311. 
     Aos 14 anos, Ofka vestiu o hábito religioso, com uma cerimônia solene, tornando-se Irmã Domitila Eufemia. Ela viveria o resto da vida em reclusão.
     Ela ocupou o cargo de prioresa várias vezes, pelo menos nos anos de 1341, 1344 e 1349-1359. Existem trinta e um documentos legais assinados por ela, sabemos também que ela se dedicou à construção da igreja, até 1334, e à expansão do mosteiro graças às generosas doações que conseguiu administrar. 
     Nicolau II de Przemyśl foi tão benevolente com o mosteiro que confiou suas três filhas às freiras para educação: Agnieszka e Elżbieta, mais tarde se tornaram freiras, enquanto uma irmã entrou depois de ficar viúva. Irmã Eufemia Domitila conseguiu obter do Papa Clemente VI a aprovação do mosteiro, de estrita observância, com uma bula papal datada de 6 de junho de 1343.
      A espiritualidade de Irmã Eufêmia era cristocêntrica, mas ela também tinha uma forte devoção mariana, tanto que era sempre retratada com o Rosário na mão. Ela levou suas monjas a viver uma consagração autenticamente contemplativa, no espírito da Ordem dos Pregadores. Ela também cuidou da educação das meninas do mosteiro como internas. 
     Para os pobres e necessitados que batiam à porta do convento, nunca faltou ajuda, mesmo em tempos de dificuldades econômicas devido a guerras ou desastres naturais. Ao longo dos anos, a Irmã Eufemia Domitila intensificou suas práticas ascéticas, e sua vida de abnegação era bem conhecida além dos muros do convento.
      Após cerca de um ano de doença, ela morreu em 17 de janeiro de 1359 e foi enterrada na cripta sob a capela de São Domingos, no mausoléu dos Duques de Racibórz. Sua memória permaneceu viva, alguns retratos foram espalhados. Um número cada vez maior de pessoas, rezando a ela, obtinham graças e milagres. 
     O processo de beatificação foi iniciado em 1606 e uma biografia foi publicada. Em 1659, no 300º aniversário de sua morte, a cripta foi reformada e seus restos mortais foram examinados. Em 1737, a capela e o túmulo de Eufêmia foram reconstruídos em estilo barroco tardio. 
     Nos anos de 1734-1735 o processo de beatificação foi retomado, interrompido pelas guerras e em 1810 pela supressão do mosteiro. Em 1821, as relíquias foram transferidas para a Capela Polonesa da igreja paroquial. Em 1936, o sarcófago foi restaurado, mas infelizmente em 1945, quando o Exército Vermelho conquistou Racibórz, ele foi incendiado. Irmã Eufemia Domitila é venerada como beata pelo povo, uma Confraria local a considera sua fundadora.
*
 
Racibórz

   O Ducado de Racibórz foi formado em 1172 como território de Mieszko, tendo como principais cidades Racibórz, Koźle e Cieszyn.
     Após várias anexações, em 1327 o filho do Duque Przemysław, Duque Leszek, prestou homenagem a D. João da Boêmia, após o que seu ducado se torna um feudo da Boemia.
     Após Leszek morrer sem herdeiros, em 1336, o Rei João concedeu o ducado para o Duque Nicolas II de Opava, formando o Estado Ducado de Opava e Racibórz. O ducado iria sofrer várias alterações territoriais até em 1521 foi novamente fundido com Opole sob o governo do Duque Jan II, o Bom.
      Após a morte do Duque Jan em 1532, o Ducado de Opole e Racibórz voltou a pertencer aos Habsburgo, reis da Boêmia desde 1526. O feudo foi dado em penhor ao Margrave George de Brandenburg Ansbach da Casa de Hohenzollern, mais tarde brevemente para a polonesa Casa de Vasa e, finalmente, foi anexado e incorporado ao Reino da Prússia pelo Tratado de Breslau em 1742.
     O título de "Duque de Ratibor" foi adquirido pelo Landgrave Victor Amadeus de Hesse Rotenburg em 1821. Em 1840 o rei Frederico Guilherme IV da Prússia concedeu-o para o sobrinho do landgrave, Príncipe Victor de Hohenlohe Schillingsfürst, que por sua vez renunciou em favor de seu irmão mais novo Chlodwig.
     Atualmente Racibórz é uma cidade da Polônia, do Condado de Raciborski. Estende-se por uma área de 74,96 km2, com 60.218 habitantes, segundo o censo de 2006.

Racibórz, Igreja do Espírito Santo



terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Beata Alfonsa Clerici, Religiosa do Preciosíssimo Sangue – 14 de janeiro


Religiosa das Irmãs do Preciosíssimo Sangue de Monza, Congregação fundada pela Venerável Maria Matilde Bucchi

     Alfonsa Clerici nasceu em 14 de fevereiro de 1860 perto de Milão, a mais velha de dez filhos de Ângelo e Maria Romano Clerici, quatro dos quais morreram na infância. Alfonsa foi batizada em 15 de fevereiro na igreja de San Vitor Mártir.
     Dois de seus irmãos, Ildefonso e Próspero, juntaram-se aos barnabitas, enquanto sua irmã, Boaventura, ingressou nas Irmãs do Preciosíssimo Sangue em Monza. 
     Em 6 de outubro de 1868, aos oito anos de idade, Alfonsa recebeu a Confirmação na igreja de Santo Estêvão e sua Primeira Comunhão foi celebrada em algum momento entre 1870 e 1872.
     Em 1875, Alfonsa matriculou-se no Colégio do Preciosíssimo Sangue em Monza. Ela se formou em 1879 e passou a lecionar na escola comunitária de Lainate por quatro anos. Alfonsa sentiu um forte desejo de entrar na vida religiosa, mas decidiu adiar os planos, pois ainda tinha que sustentar seus pais e irmãos. Ela prosseguiu seu chamado não muito tempo depois e se juntou às irmãs em Monza em 15 de agosto de 1883, Festa da Assunção.
     O apostolado das Irmãs do Precioso Sangue é a educação das jovens. Alfonsa recebeu o hábito e iniciou seu noviciado em agosto de 1884, fazendo seus primeiros votos em 7 de setembro de 1886; algumas semanas antes disso, sua irmã fez seus votos perpétuos na congregação.
     Alfonsa serviu como professora no colégio das irmãs de Monza de 1887 a 1889 e foi nomeada vice-diretora em 18 de outubro de 1898. No mês seguinte, ela foi nomeada diretora. Ela também atuou como secretária e conselheira geral do Instituto. 
     Em 1911, o bispo Teodoro Valfré di Bonzo pediu a Alfonsa que assumisse a administração da Ritiro della Provvidenza ("Casa da Providência"), estabelecida em Vercelli em 1840 para a educação de meninas e filhas de famílias pobres. Ela mudou-se para Vercelli em 20 de novembro de 1911 e permaneceria lá pelos próximos dezenove anos. 
     A Beata sofreu uma hemorragia cerebral na noite de 12 para 13 de janeiro de 1930 enquanto orava e caiu de bruços no chão. Ela morreu às 13h30 de 14 de janeiro de 1930, um mês antes de seu septuagésimo aniversário. Ela foi enterrada em Vercelli após um funeral em 16 de janeiro, mas foi enterrada novamente em Monza em 8 de maio de 1965. 
Beatificação
     O processo de beatificação começou na Arquidiocese de Vercelli em 13 de janeiro de 1966 e viu o acúmulo de documentação para apoiar a reputação de santidade de Alfonsa Clerici. A fase inicial foi concluída em 30 de junho de 1969. Em 4 de janeiro de 1974, ela recebeu o título Serva de Deus. A Congregação para as Causas dos Santos aceitou os materiais preliminares em 18 de novembro de 1988.
     Alfonsa Clerici foi intitulada venerável em 22 de junho de 2004, quando o Papa João Paulo II reconheceu uma vida de virtude heroicas. Um milagre foi investigado em um processo diocesano que começou em 16 de fevereiro de 2004 e terminou em 24 de junho de 2004. A Congregação validou-o em 5 de novembro de 2004 e passou-o a uma junta médica que aprovou a cura em 27 de novembro de 2008. O milagre em questão envolveu a cura da condição cardíaca quase fatal de Nedo Frosini depois que sua esposa Carla Demi Frosini recorreu à intercessão da falecida religiosa. Os teólogos consultores também aprovaram a cura em 22 de abril de 2009, enquanto a própria Congregação seguiu o exemplo em 13 de abril de 2010. Com o reconhecimento do milagre em 1º de julho de 2010, o Papa Bento XVI aprovou a beatificação. D. Ângelo Amato, Pró-Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, presidiu a beatificação em nome do papa em 23 de outubro de 2010. 


Ir. Alfonsa Clerici (Pensamentos)
     "Santíssima Virgem Maria, inspira, para minha Congregação, vocações de jovens boas e corajosas, que possam dar glória ao Precioso Sangue do teu Jesus, pela prática generosa dos santos Votos e pelo cumprimento das santas Regras".
     "Senhor, dá-me o amor no sofrimento, dá-me o amor na penitência e no sacrifício, dá-me o amor para renunciar a mim mesma. Concede-me que ame Tua cruz, concede-me que ame teu Preciosíssimo Sangue".
     "Verbo da Eucaristia, eu creio em Ti e Te adoro com todas as forças do meu coração. Permanecestes conosco para seres nosso Pai, nosso irmão, nosso Amigo. Teu Coração, transbordante de amor pela humanidade, está sempre pronto a acolher e a fazer o bem a todos, amigos ou inimigos".

Alfonsa Clerici – Wikipédia, a enciclopédia livre
https://anastpaul.com/

domingo, 12 de janeiro de 2025

Santa Margarida Bourgeoys, Fundadora - 12 de janeiro


     A cidade de Montreal (Canadá) deve sua origem a um grupo de fiéis, homens e mulheres da França do século dezessete, cujo sonho era levar aos povos do Novo Mundo o que consideravam como seu bem mais precioso: sua fé. Foi com a esperança de realizar este objetivo que estabeleceram uma colônia na ilha de Montreal. Em maio de 1642 a Vila Maria era fundada na ilha de Montreal. Margarida Bourgeoys chegou à nascente Vila Maria em 1653. A fundação vivia então o temor de todos os perigos aos quais estava exposta.
     A chegada de Margarida, onze anos depois da fundação, realizava uma parte do plano inicial, que previa a educação das crianças da colônia. Ela acompanhava o “recrutamento dos cem homens”, com o qual se contava salvar Vila Maria, que em 1653 enfrentava uma tremenda alternativa: abandonar o novo posto ou aumentar seus habitantes.
     Com aqueles homens e aquelas mulheres, compartilhava tanto os perigos e as privações, como os esforços e as esperanças que marcavam o ritmo da vida da colônia nascente. Como eles, era vulnerável às ameaças que a rodeavam: ataques dos inimigos ou enfermidades, bem como as incompreensões das autoridades da Igreja e do Estado, algumas vezes hostis ou incompetentes.
     Como muitos dos que participaram da direção dos trabalhos de fundação de Montreal, Margarida Bourgeoys vinha de uma região da França onde desde a Idade Média as mulheres colaboravam ativamente na sociedade. Ela estava convencida da importância do papel das mulheres na colônia: nas mãos das educadoras, nas mãos das futuras esposas e mães repousava o futuro do Canadá. Como consequência, considerava sua educação como uma prioridade.
     A educação que Margarida e suas companheiras davam às crianças, meninos e meninas no começo, bem como às mulheres da Nova França, era antes de tudo a educação da fé. A fé que Margarida expressava tanto na sua vida como em suas palavras, era a alma de todo seu ensinamento, era uma fé baseada no mandamento do Novo Testamento: Amarás ao Senhor teu Deus de todo coração, de toda tua alma e ao próximo como a ti mesmo.
     Além dos valores religiosos, Margarida preparava as crianças, em sua maioria filhos dos colonos que edificavam Montreal, para o desafio de ganhar a vida para si e para suas famílias e construir um país novo.
A Fundadora
     Margarida nasceu no dia 7 de abril de 1620, em Troyes, antiga capital da Champagne, sexta de doze filhos de comerciantes de cera. Na cidade natal freqüentou a escola elementar. Nas suas “Memórias” a Santa revela a sua vocação precoce. “Desde minha primeira juventude o Senhor me deu uma particular inclinação para reunir as jovens da minha idade”. Com elas não só jogava, como costurava e rezava.
     Aos dezenove anos, com a morte da mãe, Margarida assume a direção da casa. Participando de uma procissão no primeiro domingo de outubro de 1640, Margarida passou diante do portal da abadia e ergueu o olhar na direção de uma imagem de Nossa Senhora. Por um instante o rosto da Virgem lhe pareceu vivo e sorridente, e ela sentiu-se livre dos sentimentos de vaidade que a vinham acometendo. Ela considerou sempre tal episódio como “a sua conversão”.
     Bourgeoys conta em suas memórias: “Voltamos em frente ao portal [da abadia] de Notre Dame onde há uma imagem de pedra [da Virgem] em cima da porta e olhando para ela achei muito bonita e ao mesmo tempo fiquei “tão tocada e tão mudada que não me conhecia mais”.
     Comovida pelo olhar da imagem de Maria, ela experimentou o chamado de Deus, como se de repente tivesse surgido a convicção de que não poderia viver de outra forma senão consagrando-se a Deus. Naquele dia, tudo em sua vida começaria a se encaminhar para se tornar religiosa e servir aos mais necessitados.
     Para corresponder à graça recebida, Margarida entrou na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora, fundada por São Pedro Fourier e ali fez os votos.
     Seu diretor espiritual, Monsenhor Jendret, lhe propôs a fundação de uma congregação de religiosas que embora vivendo em comunidade trabalhassem no mundo a favor dos pobres, dos doentes e dos ignorantes. Como tal empreendimento não fosse momentaneamente levado adiante, Margarida retoma sua vida de oração e de assistência aos pobres e doentes.
     Em 1650, no dia da Assunção, prostrada em adoração ao Santíssimo Sacramento, viu, ao lado da Hóstia, o Menino Jesus que lhe sorria sem nada dizer.
     Um dia recebe a visita do governador do Canadá, Paul Chomedey de Maisonneuve, considerado pelos contemporâneos “um verdadeiro cavaleiro, forte e corajoso como um leão e piedoso como um monge”, francês de origem, que propõe a Margarida transferir-se para Montreal para abrir uma escola elementar.
     Na noite anterior, São Francisco aparecera à Santa em sonho acompanhado daquele senhor. Ela não hesitou em colocar-se à sua disposição, no caso de seus superiores consentirem. Os parentes procuraram retê-la, mas, no início de 1653, embarcou para o Novo Mundo, sem dinheiro nem vestiário, não sem antes renunciar legalmente à sua parte na herança. A viagem durou três meses e foi trágica: a peste se espalhou a bordo e Margarida se tornou enfermeira, médica e sacerdote.
     Em Vila Maria, na ilha de Montreal, ao lado do forte onde Margarida se alojou, surgira um pequeno hospital fundado pela Serva de Deus Jeanne Mance em 1645. As duas heroínas da caridade logo se tornaram amigas e colaboradoras. A principal ocupação da Santa era dar aulas aos filhos dos colonos, mas também seria enfermeira no hospital e auxiliadora dos soldados mais pobres.
Serva de Deus
Jeanne Mince
     Escoltada por trinta homens, fez reconstruir a grande cruz que Maisonneuve havia erigido sobre a montanha vizinha, em cumprimento a um voto, e que os iroqueses tinham abatido. Libertou o governador de grave tentação, exortando-o a cumprir o voto de castidade. Enfim, idealizou a construção da primeira igreja de pedra dedicada a Nossa Senhora.
     Em 1658, após quatro anos de intensa atividade, Margarida conseguiu abrir a primeira escola. Como os trabalhos se multiplicassem, a Santa pensou em procurar na França jovens desejosas de servir a Deus no próximo. O seu plano para o futuro constava de um pequeno instituto para as crianças indígenas, uma associação para as jovens e um círculo para os jovens esposos, com a finalidade de preparar boas mães de família. Encontrou quatro jovens na França dispostas a segui-la, e a amiga Jeanne Mance ajudou-a a encontrar reforços para suas obras.
     As obras de Madre Bourgeoys foram se consolidando, o que lhe pareceu uma confirmação da Providência para que ela realizasse a fundação da Congregação de Nossa Senhora de Montreal. A doação de terras efetuadas em 1662 pelo governador é uma nova forma de apoio à obra.
     As irmãs criaram e administraram uma fazenda onde produziram alimentos suficientes para ajudar a enfrentar a fome que atingiu o povo de Ville-Marie. E não só isso, as freiras transformaram o local num centro de instrução para agricultores onde os camponeses aprenderam sobre a criação de animais e o cultivo de especiarias.
A Santa e Maisonneuve
diante da Cruz
     Para obter autorização real e encontrar novas vocações, a Fundadora viajou novamente para a França em 1670. Ajudada pela “Companhia de Montreal”, consegue ser recebida por Luiz XIV, que lhe concedeu tudo que desejava. A única preocupação da Madre era então dar uma formação religiosa ao seu Instituto, como ela anotou em suas “Memórias”: “Nos é sempre lembrado que um certo espírito de humildade, de simplicidade, de docilidade, de obediência, de pobreza, de desprendimento de todas as coisas e de abandono à Divina Providência deve ser o verdadeiro espírito da Congregação”.
     O primeiro Bispo de Quebec, Monsenhor de Laval, erigiu a Congregação em 1676. Madre Margarida fundava uma das primeiras comunidades religiosas de mulheres não enclausuradas da Igreja, as quais deviam prover as suas próprias necessidades, e que sobrevivem até hoje. Sua característica é resultado da experiência adquirida por Margarida ao longo do que se tem chamado “o período heroico da história de Montreal”. Sua fonte de inspiração foi a Santíssima Virgem, que ela considerava como a primeira e a mais fervorosa dos discípulos do Senhor, ensinando e fazendo o bem na Igreja primitiva.
     Se fossemos perguntar a Madre Margarida qual foi o melhor momento de sua vida, acreditamos que ela teria escolhido o período compreendido entre 1653, com a saída de Paul de Chomedey de Maisonneuve e a chegada do batalhão de Carignan. Foram anos de luta, de perigo, de privação e de prova; foram também anos de esperança, de amizade e de sonhos compartilhados. Naqueles anos, Margarida conhecia cada colono e cada mulher de Montreal, muitos dos quais intimamente: ela era parte de suas vidas como eles eram da sua.
     Durante sua vida, a Congregação contou não somente com mulheres francesas, mas também com norte-americanas de ascendência francesa, ameríndia e até inglesa. Sua ação educadora se estendeu até Quebec e aos pequenos povoados ao redor de São Lourenço.
     Como tantas outras fundadoras de congregações religiosas, Margarida é conhecida por sua obra, para cuja realização sofreu a dupla prova de ter posta em dúvida sua capacidade de realização, e de sentir-se terrivelmente indigna aos olhos de Deus. Porém, sua coragem e seu ardente desejo de ajudar as crianças e a todos, levou-a sempre para frente. Ela dizia: “Quero a todo custo não apenas amar ao meu próximo, mas fazer-me amada por eles”.
     Em 1698, após quarenta anos, o Senhor concedeu-lhe a alegria de ver sua Congregação ser aprovada como ela a havia concebido: além dos três votos, as religiosas fazem o de instruírem e educarem a juventude feminina. Com isso, ela pôde finalmente pronunciar seus votos perpétuos aos 78 anos. 
     Em 19 de setembro de 1693, aos 72 anos, Madre Margarida havia renunciado ao cargo de superiora, quando suas forças começavam a declinar. Eis as palavras que dirigiu à comunidade na ocasião:
     “Agora não se trata mais de falar de mim senão como uma miserável, que por não ter sido fiel ao empreendimento que me foi confiado tão amorosamente, merece grandíssimos castigos, que aumentaram ainda por causa da pena que meu relaxamento vos fez sofrer. Peço-vos perdão e o auxílio de vossas orações. Coloquem aqui o remédio enquanto for possível. É preciso mudar prontamente de superiora, e a que for eleita faça observar exatamente a Regra, até nas maiores minúcias, porque sem isto, que coisa se fará nesta comunidade diferente do que fazem as pessoas do mundo que vivem cristãmente? Mantende-vos no espírito que deveis ter, que é de pobreza, de mortificação, de obediência e de abandono nas mãos de Deus”.
     Nos últimos anos de vida, Madre Margarida viveu serena e em perfeita conformidade com a vontade de Deus. O resto de seus dias passou rezando e escrevendo suas memórias.
     Confinada na enfermaria, a Fundadora se preparou para a morte cosendo, rezando e exortando as Irmãs à fidelidade ao dever, à caridade e à observância da Regra. O fim chegou de forma inesperada. No último dia do ano 1699, a fundadora ofereceu sua vida para salvar a da mestra de noviças, que estava gravemente enferma. A mestra de noviças recobrou a saúde e a Madre Bourgeoys morreu no dia 12 de janeiro de 1700.
     Pio XII a beatificou em 12 de novembro de 1950, e foi canonizada por João Paulo II em 31 de outubro de 1982

Fontes: Museu “Margarida Bourgeoys”; www.santiebeati.it

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Beata Ana dos Anjos Monteagudo, Dominicana - 10 de janeiro

     
     Ana Monteagudo Ponce de León nasceu em Arequipa no dia 26 de julho de 1602, filha do espanhol Sebastián Monteagudo de la Jara e da arequipenha Francisca Ponce de León.
     Conforme os costumes da época, com três anos seus pais a enviaram ao Mosteiro de Santa Catarina para ali ser educada. Voltou ao lar por decisão de seus pais quando tinha 14 anos. Nem os atrativos do mundo nem as perspectivas de um vantajoso casamento a atraiam.
     Conta-se que um dia teve uma visão de Santa Catarina de Sena na qual a santa lhe mostrava o hábito das freiras dominicanas de clausura. Para Ana, aquela visão era confirmação suficiente de seu chamado e se tornaria um poderoso argumento para voltar ao mosteiro.
     Seus pais tentaram dissuadi-la. Ofereceram-lhe joias, vestidos e confortos, mas a beata manteve-se firme. Com o tempo, seu pai seria o primeiro a aceitar sua decisão, enquanto sua mãe, com o coração partido, deu seu consentimento, mas pediu que ela não voltasse mais para casa. O dote para entrar no mosteiro foi pago pelo seu irmão Francisco, que teria sido padre.
     Em 1618 iniciou o noviciado e acrescentou o apelativo "dos Anjos" ao seu nome. A aspereza da vida conventual não a intimidava. Vivia com entusiasmo o ideal de São Domingo de Guzmán e de Santa Catarina de Siena.
     No mosteiro, até 1632, exerceu os cargos de Sacristã; depois, até 1645, o de Mestra de Noviças; finalmente, o de Priora até 1647.
     Conta-se que a Irmã Ana sempre se sentiu incapaz para o cargo mais elevado do mosteiro, mas que repetia continuamente que fazia o possível para servir a Deus no lugar que lhe fora confiado.
     Algumas dessas histórias evocam as tentativas de rebelião de suas irmãs e mais de uma conspiração para envenená-la. A causa: o descontentamento com as medidas de austeridade que a irmã Ana tinha imposto e a sua ordem expressa de que as freiras vestissem apenas o hábito, sem qualquer adorno adicional – um regresso ao espírito essencial da Ordem.
     Na época o mosteiro era habitado por cerca de 300 religiosas, nem todas desejosas de perfeição. Sua obra reformadora sofreu oposições, mas ela permaneceu sempre fiel à observância conventual, mantendo maturidade e equilíbrio. 
     Assim, Irmã Ana acabou por liderar uma reforma radical do mosteiro centrada exclusivamente no desejo de santidade: “Ela sabia acolher todos os que dela dependiam, orientando-os pelos caminhos do perdão e da vida da graça”.
     Exemplar na oração e na caridade, atendeu com abnegação e heroicidade as vítimas de uma peste que assolou Arequipa. “Ela fez sua presença escondida ser notada além dos muros do seu convento, com a fama da sua santidade. Ajudava os bispos e os padres com as suas orações e conselhos; acompanhava com a sua oração os caminhantes e peregrinos que a procuravam”,
     Dentro e fora do mosteiro praticava as virtudes, mantinha a serenidade e a paciência nos sofrimentos, prodigalizando nos conselhos e no espírito apostólico, com grande misericórdia inclusive com relação às almas do Purgatório.
     Um aspecto muito bonito da vida da beata era a estreita relação que mantinha com as almas do Purgatório, a quem chamava de “suas amigas” e pelas quais rezava incessantemente. “Desta forma, iluminando a piedade ancestral pelos defuntos com a doutrina da Igreja, seguindo o exemplo de São Nicolau de Tolentino, de quem era devota, estendeu a sua caridade aos defuntos com suas orações e sufrágios.
Procissão com a imagem da beata
     Irmã Ana também é conhecida pelo seu dom de profecia. Previu várias vezes sobre as doenças de seus parentes: para alguns ela previu a cura e, em outros casos, a morte inevitável.
     Depois de dez anos de enfermidade, que a tornaram paralítica e cega, faleceu no dia 10 de janeiro de 1686, aos 84 anos de idade. Já em vida gozava de fama de santidade.
     Em 2 de fevereiro de 1985 foi beatificada em Arequipa por João Paulo II, durante sua viagem ao Peru.
     A Beata Ana dos Anjos passou quase setenta anos no mosteiro dominicano em Arequipa, Peru. Inteiramente dedicada ao serviço divino, ela era como um anjo do bom conselho para seu povo. Seus restos mortais repousam em Arequipa, no mosteiro de Santa Catarina de Sena.
Mosteiro de Sta Catarina de Siena, Arequipa, Peru


Martirológio romano: Em Arequipa, no Peru, a Beata Ana dos Anjos Monteagudo, virgem da Ordem dos Pregadores, que com o dom do conselho e com a profecia trabalhou generosamente pelo bem de toda a cidade.

Fontes: http://www.santiebeati.it/detaglio/90750  
Santo do dia: Hoje é celebrada a beata Ana dos Anjos, amiga das almas do purgatório