O nome de Madre Francisca de Jesus,
fundadora da Companhia da Virgem, falecida a 28 de maio de 1932, portanto
há 80 anos, é geralmente desconhecido entre nós. ...
Madre Francisca de Jesus chamou-se, no século,
Francisca Carvalho do Rio Negro e era a nona filha dos barões do Rio Negro.
Nasceu em Petrópolis a 27 de março de 1877, e passou sua primeira infância no
Brasil. Ainda extremamente jovem, passou-se com sua família para a Europa, onde
foram residir em Paris. Poucas vezes mais haveria de ver sua terra natal;
porém, a obra que iria fundar em regiões distantes, pelos desígnios secretos da
Providência, transportar-se-ia para o Brasil, vindo a realizar aqui, neste país
tão necessitado de padres, o seu alto objetivo: a oração pelo Papa e pelas
vocações sacerdotais.
Tudo isso, entretanto, não se passou sem
grandes, sem enormes dificuldades. A futura fundadora estava longe de imaginar
aquilo que o Céu esperava dela, mesmo porque o Céu não se deu pressa em lhe
revelar seus desígnios, deixando-a perplexa por muito tempo.
Ainda em plena adolescência, por um
impulso cuja espontaneidade só pode ser atribuída a uma inspiração
sobrenatural, Francisca, diante de uma pequena imagem de Nossa Senhora de
Lourdes, que sempre a acompanhava, ligou-se a Deus por um voto de virgindade
perpétua. Saberia ela as lutas que a defesa deste voto lhe iria custar? (...) Durante
14 anos teve que se debater, resistindo à sua família, que por força queria
casá-la. Mais do que isso, incompreendida por seu confessor, que declarava seu
voto nulo. E considere-se que se tratava de um sacerdote virtuoso, de tanto
merecimento, que acabou por ser elevado à dignidade episcopal. (...)
* O
desafio de Deus
Após anos, Francisca conseguiu convencer a
todos desta verdade: Deus não a queria para o casamento. Quanto trabalho! Os
pretendentes não lhe faltavam. Ela era de uma beleza pura, tranquila e firme.
Em sua fisionomia tudo era calmo e preciso: a testa alta, o nariz longo,
retilíneo e afilado, a boca rasgada num talho convicto e harmonioso, tudo
enquadrado no oval elegante de seu rosto, e iluminado por dois olhos profundos,
expressivos e resolutos. A sua beleza era grande e digna. (...)
Francisca vencera a primeira batalha. Agora, no meio dia dos trinta
anos, sua natureza afirmava-se na madureza da idade, ao mesmo passo que a sua
vida espiritual era um campo fértil e trabalhado. E ei-la livre, inteiramente
desobrigada por sua família e por seu diretor, pronta para atender ao primeiro apelo
dAquele a quem ela se consagrara de corpo e alma!
Então... então este apelo se fez esperar
por mais três anos. Francisca se viu na condição de uma pessoa que após ter
sacrificado tudo por um ideal, parece perdê-lo quando pensa alcançá-lo. Seu diretor
obrigou-a a fazer várias experiências, mas todas resultaram infrutíferas, sem
que se descobrisse o gênero de vida que Deus queria dela. “Eu queria fazer a
vontade divina, custasse o que custasse, era impossível descobri-la!” - havia
de escrever mais tarde, nas notas sobre este período de sua vida. (...)
* A
fundação
Em pleno mar (era outubro; ela voltava,
com sua mãe, de uma viagem ao Brasil, que, nunca mais tornaria a ver. Ela não
era mais do que um ponto perdido na imensidade do Oceano, mas um ponto que era
toda a predileção da Providência), em pleno mar, Francisca foi convidada por
Deus para uma oração mais profunda; e, no meio do maior recolhimento, a bruma
começou a desfazer-se, e ela começou, pouco a pouco, a ver claro em sua
Vocação. Luzes extraordinárias começaram a instruí-la sobre o Sacerdócio, a
Hierarquia Eclesiástica, o valor do Santo Sacrifício da Missa. E ela
compreendeu que deveria ir a Roma, falar com o Santo Padre sobre a fundação de
uma ordem religiosa que fosse destinada à oração e à imolação pelas intenções
do Papa, pela Hierarquia e pelas vocações sacerdotais. Durante o resto da
viagem este ideal se foi precisando, completando, esclarecendo, por obra
dAquele mesmo que o havia inspirado. (...)
Enfim, em 13 de dezembro de 1910, foi recebida por S. S. Pio X. O grande pontífice, que ilustrou a Igreja pela
santidade de sua vida, não tardou em perceber a origem sobrenatural dos ideais
de Francisca. Concedeu-lhe várias entrevistas, e acabou por induzi-la a fazer
um ensaio de fundação, à qual deu, desde logo, ao Cardeal Pompilli como
protetor. Datam deste tempo suas primeiras companheiras, duas jovens que também
se deixaram seduzir pelo elevado objetivo da imolação pelos interesses da
Igreja. Para este pequeno grupo, o Santo Padre, em 26 de maio de 1912, concedeu
o favor da Consagração das Virgens, o que se realizou pouco mais tarde, em 6 de
fevereiro do mesmo ano. E este gérmen minúsculo da Companhia da Virgem
fechou-se num apartamento do Corso d’Itália.
Naquele momento as forças da civilização
moderna ajustavam os lances gigantescos que deveriam determinar o futuro do
mundo, um futuro naturalista e pagão; os preliminares da Grande Guerra já
estavam concluídos. E, no meio desta imensa trama, Nosso Senhor estabelecia a
conspiração mística de três pobres e frágeis mulheres, escondidas e humildes. O
tempo, entretanto, há de mostrar quem era mais forte.
Com o desenvolvimento da fundação, tiveram
de mudar-se para lugares mais espaçosos. Primeiro, a Villa Patrizi, perto da
Porta Pia. Depois, a cômoda residência, cercada de jardins, da Via Tuscolana n°
367, esta já de propriedade da Congregação, onde a sua fundadora teve o cuidado
de mandar construir uma pequena igreja, dedicada à Imaculada Conceição. Enfim,
em 12 de junho de 1921, S. Em. o Cardeal Pompilli consagrou esse templo, e a
casa recebeu o nome de ‘Priorado da Virgem’. (...)
*
O maravilhoso
Então, Madre Francisca de Jesus atingiu
aquela plenitude de vida cristã que é uma oposição ao terra a terra quotidiano,
à mediocridade cíclica da rotina, que é uma libertação da vulgaridade do mundo
exatamente porque as próprias coisas vulgares, que estão necessariamente
ligadas ao viver terreno, adquirem um sentido novo e invulgar. É uma vida em
segunda potência, em que as misérias, as tristezas e as alegrias são elevadas a
um plano superior e transfiguradas, porque tudo é projetado para um ideal
único, ao qual tudo se refere, tudo se sacrifica e tudo se compromete. (...)
Agora, depois da fundação, isto tudo
atingiu a plena maturidade. Toda a sua vida tornou-se extraordinária, ainda
mesmo quando resolvia as questiúnculas engendradas pelos equívocos, pelos
mal-entendidos, pelas contradições, com que todas as fundações têm de se
defrontar. Ao mesmo passo, voltaram-lhe, com redobrada violência, as penas
interiores. E, como se tudo não bastasse, sua saúde comprometeu-se
irremediavelmente, pois veio a contrair a terrível moléstia de Basedow, que é
um envenenamento progressivo do organismo até a morte, envenenamento que vai
ampliando a repercussão dos sofrimentos, de forma a transformar uma simples
contrariedade num sofrimento quase intolerável. Por causa desta doença teve de
sofrer uma séria operação em 1922. Logo no ano seguinte os médicos desesperaram
de salvá-la; ela deveria ser operada novamente, desta vez de um abscesso no
interior do crânio. Curou-se, entretanto, depois de uma novena a Pio X. Ainda
outra vez foi curada milagrosamente de um flegmão, por intercessão de Santa
Teresinha do Menino Jesus, que lhe apareceu.
Esta avalanche de contrariedades não impediu
a fundadora de organizar cuidadosamente a vida interna de seu convento de
contemplativas. Mas ela estava arrasada. Certa vez, em 28 de outubro de 1922,
pensou sucumbir aos sofrimentos internos e externos que a submergiam. Num
último alento, ainda encontrou forças para fazer este supremo oferecimento:
“Entretanto, eu quero sofrer conVosco, meu Senhor Jesus”. Neste momento, ela
viu ao seu Senhor Jesus, a Cruz às costas, seguido por uma turba ululante que
lhe disse: “Quem sofreu tanto como Eu? Siga-me, preciso de ti. Recusarás vir?”
Não, não havia de ser a Madre Francisca de
Jesus quem recusaria segui-Lo. Imediatamente Lhe pede perdão, e suplica-Lhe
queira infundir um verdadeiro amor. Como lembrança desta graça extraordinária,
a Santa Face de Jesus imprimiu-se na parede da cela, como outrora no lenço da
Verônica. Até hoje lá se pode ver, protegida por um vidro.
Ainda mais tarde, numa outra contingência
em que a Fundação atravessava períodos difíceis, Madre Francisca, novamente
assoberbada por abatimentos mortais, ouviu ao falecido Papa Pio X, que numa voz
interior lhe disse: “À tua obra, que também é minha, nenhum mal será feito”.
Em fins de 1928, diversas postulantes, em
que ela depositava as maiores esperanças, abandonaram o Priorado. ... Uma voz
interior se fez ouvir para a consolar: “Serás sacudida, tu e a tua barca, mas
nem tu, nem a tua barca naufragarão”.
* “Tu me
tens amado”
Assim, a última fase de sua vida foi
recoberta daquela poeira dourada, que se encontra nos “Fioretti” e na “Legende
Dorée”. Os seus menores gestos tinham uma repercussão sobrenatural. Entretanto,
acima de tudo isso, pairava habitualmente uma obscuridade compacta, de tal
forma que Madre Francisca julgava haver perdido a fé. ...
Datam desta época os mais belos e
inspirados escritos de Madre Francisca, pois que as suas trevas eram iluminadas
momentaneamente por luzes vivíssimas, que a mergulhavam num mar de felicidade.
Estes escritos são um alimento espiritual de primeira ordem, e aproximam,
singularmente, sua autora dos grandes contemplativos que a Igreja produziu.
Assim discorreu pelos últimos anos de sua
vida, até que entregou, santamente, a alma ao Criador, em 28 de maio de 1932.
Dois anos antes ela escrevera a suas filhas: “É preciso amar Nosso Senhor
generosamente, até a destruição de si mesmo, o que é absolutamente necessário,
se se quer amá-Lo verdadeiramente”. Pois bem, Madre Francisca fora destruída de
tal forma que nela já não havia senão o que o próprio Jesus Cristo edificara;
em verdade, ela nascera novamente, havendo morrido tudo quanto nela era do
pecado.
Depois de sua morte, grandes prodígios em
curas e conversões se realizaram, mediante sua intercessão. Mas maior prodígio
foi certamente o fato da Companhia da Virgem vir a perder a casa da Via
Tuscolana, 367. ... E com isso, a
Companhia mudou-se para o Brasil [1],
para Petrópolis, vindo rezar pelas vocações neste país de clero escasso, berço
de sua fundadora. (...)
[1] A
imagem da Sagrada Face, desenhada por Madre Francisca, foi transferida para o
Brasil, onde se encontra no Priorado da Virgem, em Petrópolis, para onde se
transportaram as Religiosas da Congregação fundada pela insigne santa
brasileira.
Plinio
Corrêa de Oliveira, Legionário N° 381, 31/12/1939 (excertos)
Nenhum comentário:
Postar um comentário