A vida desta santa pouco conhecida é de uma
extraordinária e trágica beleza. Alma de escol, foi escolhida pelo Salvador do
gênero humano para auxiliá-lo a carregar sua cruz como vítima reparadora pelos
pecados do mundo. Em sua sede de expiar pelos pecadores ficou leprosa, e
padeceu os sofrimentos do Purgatório e do Inferno.
Nascida
em Schaerbeek, perto de Bruxelas, no início do século XIII, c. 1225, Alice ou
Adelaide, foi uma predestinada desde pequena. Segundo sua Vida, escrita
pouco depois de sua morte, e da qual tiramos os dados que seguem, quando
pequena ela era “amável e graciosa aos olhos de todos”. E desde cedo escolheu a
Mãe de Deus como modelo.
Aos 7
anos entrou como interna no mosteiro cisterciense “Câmara de Santa Maria”,
conhecido apenas, em linguagem familiar, como “A Câmara” – ou, em francês, “La
Cambre” –, que ficava a alguns quilômetros de Schaerbeek, hoje bairro de
Bruxelas.
De uma
natureza sensível e bem-dotada em todos os domínios, por sua inteligência viva
e memória indefectível, Alice, “graças à luz da verdadeira sabedoria recebida
do alto”, logo eclipsou as outras meninas que, como ela, eram internas no
mosteiro, e mesmo às irmãs mais velhas, pois a luz sobrenatural que deveria
banhar a vida e a missão da Santa começava já a fazer seus dons naturais
despertarem e desenvolverem ao máximo.
Diz a Vida
que aos poucos Alice começaria a englobar progressivamente o fardo da humana
fragilidade pecadora, chegando a um conhecimento experimental de Deus, e a um
crescimento na vida espiritual, no qual começava a respirar o aroma que emana
dos frutos da Terra prometida. Enquanto isso, esforçava-se por experimentar,
através do amor, o que ela concebera antes pela inteligência, no profundo
conhecimento de si mesma. Para ela, o temor de Deus era a fonte da qual fluía o
amor, e que era por causa desse amor que ela mortificava seus sentidos e
castigava sua carne.
Foi aí
que Alice, ainda muito jovem e logo após a profissão religiosa, contraiu uma
das doenças mais terríveis de todos os tempos: a lepra. Na Idade Média, na
qual vivia, essa doença, por ser muito contagiosa e para a qual não havia cura,
condenava os por ela atacados a uma verdadeira morte civil. Se Santa Alice
estivesse fora do mosteiro, teria sido segregada e evitada por todos, até por
seus parentes, e mandada para um leprosário. Contudo, como ela se encontrava
numa casa religiosa, isso não ocorreu. Ela foi apenas isolada do resto da
comunidade, numa cela remota no jardim do mosteiro, para dela não mais sair, e
que era destituída do mínimo conforto.
Entretanto,
nesse cubículo a Santa se sentia livre para entregar-se inteiramente a Deus. Ao
nele entrar, Nosso Senhor lhe apareceu e, estendendo-lhe os braços, disse: “Sê
bem-vinda, minha querida filha. É bom que venhas, tu que eu desejo há tanto
tempo, nessa tenda que me convém”.
Apesar
de muito pequeno, no apartamentinho em que foi confinada Alice tinha um
minúsculo oratório, no qual se celebrava o Santo Sacrifício para sua devoção.
Ora, um dia uma mulher que estava próximo do quartinho para assistir à Missa do
lado de fora, o viu completamente envolto em chamas, e a esposa de Cristo
cercada por elas. Viu também a glória de Deus que permanecia no aposento, uma
glória da qual o brilho ultrapassava incomparavelmente o esplendor de qualquer
pedra preciosa.
A porta de Schaerbeek |
Até
então a esfera da atividade de Alice se restringira à sua comunidade. Daí em
diante ela se estenderia e englobaria outras pessoas. Em primeiro lugar, às que
sofriam no Purgatório, e das quais ela participava das dores penitenciais. Mas
logo em seguida, sua compaixão ia se estender e envolver o gênero humano em seu
conjunto, tanto os vivos quanto os mortos.
Além
desses sofrimentos de caráter sobrenatural, como vítima expiatória ela devia
conviver com a lepra, cujas terríveis dores eram consoladas por companhias
celestes, e aliviadas por sua profunda devoção ao Sagrado Coração de Jesus,
que ela amou ternamente, muito antes que essa devoção fosse aprovada e adotada
pela Igreja.
Foi no
dia 11 de junho de 1248 ou 1249, que ela recebeu os Últimos Sacramentos. Mas
deveria viver ainda um ano, o mais fecundo de sua vida. Perdeu então a visão do
olho direito, e ofereceu esse sofrimento em proveito de Guilherme II, conde da
Holanda, rei da Alemanha (1228-1256), para que fosse iluminado em suas
empresas. Este monarca precisava muito de suas orações, pois faleceria
precocemente em combate aos 28 anos.
Pouco
depois Alice perdeu o uso do olho esquerdo, e ofereceu essa perda em favor do
rei São Luís de França que estava em Damieta durante a Sétima Cruzada, “a fim
de que o olhar de luz de Deus o ilumine”. A perda da luz física, para
Alice, significava a comunicação com a luz espiritual.
Do dia
30 de março até o último dia de sua vida, ela foi atrozmente torturada três ou
quatro vezes por dia, tendo que suportar os tormentos terríveis e horrivelmente
dolorosos, tanto do inferno, quanto do purgatório. Entretanto, mesmo nesses momentos, ela
permanecia sempre, de modo misterioso, nos braços de Jesus.
Santa
Alice morreu no dia 11 de junho de 1250, mas só foi canonizada no dia 24 de
abril de 1907, pelo imortal São Pio X. Ela é comemorada liturgicamente em 15 de
junho (na arquidiocese de Mechelen-Bruxelas) e em 11 de junho de acordo com o
Martirológio Romano. Várias instituições em Bruxelas estão sob o patrocínio de
Santa Alice, em particular a Igreja de Santa Alice em Schaerbeek. Ela é
padroeira dos doentes de pele.
Extraído do livro:
Um santo para cada dia, de Mario Sgarbossa e Luigi
Giovannini.
Etimologia:
O
nome “Alice”, segundo alguns linguistas, é de origem grega e significa
“marinha”; assim são chamados também certos peixinhos. Na mitologia pagã
chamou-se Alice uma das ninfas. Mas na hagiografia cristã, Alice é conhecida
com o nome germânico de Adelaide. Uma primeira Adelaide, ou Alice, é festejada
a 5 de fevereiro, abadessa de Willich, na Alemanha. Outra, é festejada a 24 de
agosto, irmã de santo Edmundo de Cantuária, e governou, no século XIII, o
mosteiro de Catesby, na Inglaterra.
A vida
de Santa Alice (Adelaide ou Alix), escrita por um monge cisterciense anônimo,
pode ser encontrada no Acta Sanctorum, mês de junho, 11 de Junho, t.
II, p. 476, Bruxelas, 1698.
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