Esta
grande dama romana fazia parte, como Marcela, Melânia e outras, do círculo
aristocrático de Roma a quem São Jerônimo dirigia e dava aulas sobre a Sagrada
Escritura no século IV.
Os poucos dados sobre Santa Léia estão
contidos numa carta escrita por São Jerônimo a Santa Marcela quando soube da
sua morte, em 384.
Léia era uma rica romana que ao ficar viúva ainda jovem recusou um novo
casamento, como era o costume da época, para se juntar à Marcela e outras
mulheres, em um mosteiro criado na própria residência desta, em Aventino, Roma.
Léia havia recusado ninguém menos que Vécio Agorio Pretestato, cônsul romano,
que lhe proporcionaria uma vida ainda mais luxuosa pelo prestígio e privilégios
que envolviam aquele cargo. Teria uma vila inteira como moradia e incontáveis
criados para atendê-la. Entretanto, Léia preferiu viver numa cela pequena, fria
e escura, com simplicidade e dedicada à oração, à caridade e à penitência.
Curiosamente, Léia morreu em Roma no mesmo ano em que faleceu Vécio, o cônsul
rejeitado por ela.
A presença pagã ainda era forte no Império
quando Léia nasceu. Havia decorrido pouco mais de uma década do Edito de Milão
(ano 313), pelo qual Constantino tirou a Igreja das catacumbas, permitindo sua
expansão. Este imperador ao falecer em 337, dividiu o Império Romano entre seus
três filhos, Constantino II, Constante e Constâncio. Com a morte dos dois
primeiros, Constâncio ficou o único imperador. Ganho pela heresia ariana, ele
faleceu em 361 de rápida doença, sendo batizado em seu leito de morte por um
bispo herege. Assim sendo, Santa Léia viveu parte de sua vida durante o reinado
deste Imperador favorecedor da heresia.
Por outro lado, a Cidade Eterna, no tempo
de Santa Léia, já não era mais a orgulhosa cidade que causava inveja a todos os
povos. Com a divisão do Império e a importância que adquiriu Bizâncio ao se
tornar Constantinopla, Roma perdeu muito de sua grandeza. Mesmo os Imperadores
posteriores a Constantino pouco nela ficaram, transferiram-se para outras
cidades do Império, como Milão e Ravena.
Pelo que a orgulhosa Roma passou a ser
cobiçada como possível presa pelos vários povos bárbaros. Assim, em 408, por
duas vezes, Alarico, rei dos visigodos, a sitiou. Mas o Senado, pressionado por
uma minoria de pagãos, tratou com o invasor, depôs o imperador Honório, e pôs
Atalus no trono. Mas isso foi só uma medida temporária, pois, dois anos depois,
o mesmo Alarico retornou invadindo e saqueando a cidade a ferro e fogo.
Nada sabemos da vida de Santa Léia antes
de ela juntar-se a Santa Marcela em seu convento do Aventino. Desprezando
proposta de casamento muito vantajosa, consagrou-se inteiramente a Deus. A isso
ajudou-a muito ter encontrado, no seio da sociedade corrompida de Roma, uma
outra sociedade de igual nobreza, formada por viúvas e virgens pertencentes às
primeiras famílias da Cidade Eterna, que levavam vida de piedade e boas obras
sob a direção de Santa Marcela. Era o Cristianismo que, pela graça de Deus, vicejava
nas mais altas classes sociais do Império.
Como surgiu esse convento do nobre bairro
do Aventino, na Cidade Eterna? Ocorrera que, no ano de 382, o Imperador
Teodósio – com razão chamado “o Magno” – e o papa São Damaso resolveram
convocar um sínodo em Roma para combater as heresias que pululavam
principalmente no Oriente. Adoecendo Santo Ambrósio, que deveria ser o
secretário do Sínodo, São Damaso nomeou São Jerônimo para substituí-lo. Este
Santo desincumbiu-se tão bem do cargo, que o Papa o nomeou depois seu
secretário particular.
Um grupo de matronas e virgens romanas da
mais alta aristocracia pôs-se então sob sua direção espiritual. Elas tinham
sido reunidas e dirigidas, por sua vez, por Santa Marcela, e entre elas
destacam-se Santa Paula e suas filhas Paulina, Santa Estóquia, Blesila e
Rufina; Albina, Asela, Leia e outras. Para elas transformou o palácio de Santa
Marcela, no Aventino, em convento.
Acontece que, até essa época, nenhuma
grande dama da Cidade Eterna tinha feito profissão de vida monástica. Era mesmo
ignominioso e degradante aos olhos das classes mais elevadas só o pensar em tal
ideia. A primeira a fazê-lo, Santa Marcela, teve que desafiar todo o ambiente
mundano que a cercava, sendo assim a primeira grande dama romana a professar
abertamente a vida de devoção. Entretanto, bela, rica, de alta linhagem, muito
culta, perfeitamente ao nível de tudo o que Roma encerrava de mais refinado e
erudito, ninguém se atrevia a desconsiderá-la. O mesmo ocorreu com as outras
que lhe seguiram.
Com isso tiveram origem as “reuniões do
Aventino”, onde São Jerônimo fazia conferências sobre teologia e estudos
bíblicos para essas novas monjas. Eram muito atentas as aristocráticas alunas
ao ensinamento de São Jerônimo, de modo que ele exclama: “O que eu via nelas de espírito, de penetração, ao mesmo tempo que de
encantadora pureza e virtude, não saberei dizer”.
A notícia que temos de Santa Léia é dada
pelo seu diretor espiritual, São Jerônimo em carta que escreveu de Belém, na
Palestina, onde vivia após sofrer perseguições em Roma, a Santa Marcela, em
Roma, depois da morte da primeira. Diz ele:
Quem renderá a bem-aventurada Léia os louvores que merece? Renunciou a pintar
o rosto e a adornar a cabeça com pérolas brilhantes. Trocando ricos atavios por
vestido de saco, deixou de dar ordens aos outros para obedecer a todos; viveu
num canto com alguns móveis; passava as noites em oração; ensinava as
companheiras mais com o exemplo do que com admoestações ou discursos; esperou a
chegada ao Céu para ser recompensada pelas virtudes que praticou na terra.
Acontece que Santa Léia faleceu ao mesmo
tempo que Vécio, cônsul romano muito popular, que levava vida bastante
irregular. Por isso, como veremos, São Jerônimo, sem nenhuma cerimônia, o lança
no inferno. Continua o Santo:
É lá [no céu] que ela gozará, daqui em
diante, da felicidade perfeita. Do seio de Abraão, onde está com Lázaro, olha
para o nosso cônsul, outrora coberto de púrpura e agora revestido de
ignomínias, pedindo em vão uma gota de água para matar a sede. Embora ele
tivesse subido ao Capitólio entre os aplausos da população e a sua morte
enlutasse toda a cidade, é em vão que sua mulher proclama imprudentemente que
ele foi para o Céu e lá ocupa um grande palácio. A realidade é que foi
precipitado nas trevas exteriores, ao passo que Léia, que queria passar na terra por insensata, foi recebida na casa do Pai
ao festim do Cordeiro.
São Jerônimo termina com um conselho
espiritual às suas discípulas:
Por isso vos peço, com lágrimas nos olhos,
que não procureis os favores do mundo e que renuncieis a tudo o que é da carne.
Em vão se procuraria seguir ao mesmo tempo o mundo e Jesus. Vivamos na renúncia
de nós mesmos, porque o nosso corpo em breve se converterá em pó e o resto não
durará também muito.
Etimologia:
Léia é um bonito nome de origem
hebraica, que quer dizer “abrigo”, “resguardo”. Este nome pode aparecer como
uma variante feminina de leo, “leoa”
no latim, ou ainda com os significados de “fatigada”, “ativa”, “trabalhadeira”
ou “bonita”. É uma variação do nome Leah,
de origem hebraica, e significa "mulher delicada". Na Bíblia, Leah ou
Lea foi a primeira esposa de Jacó e mãe de seus seis filhos e uma filha, Diná.
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