Rainha, mãe de
imperador, de reis e de santo, ilustrou o trono com suas singulares virtudes
Nosso Divino Redentor afirmou que é muito
difícil um rico entrar no reino dos Céus (Mt 19, 23). Mas não disse que é
impossível. A dificuldade está em que, na prosperidade e na abundância,
encontra-se mais dificuldade para desprender-se das coisas da Terra a fim de
pensar nas do Céu. Entretanto, um rico pode e deve santificar-se, utilizando adequadamente
os bens que a Providência põe em suas mãos.
Nas vidas dos santos encontramos muitos
exemplos disso. Com efeito, entre os santos canonizados figuram imperadores,
reis, príncipes e muitos leigos de projeção, que utilizaram suas riquezas para
cumprir os preceitos evangélicos. Um exemplo é Santa Matilde, rainha da
Alemanha, notável por seu amor a Deus, que a levava a amar também os pobres e
os necessitados. Sua festa se comemora no dia 14.
Educação esmerada e matrimônio modelar
Santa Matilde nasceu em Engern, na
Westphalia, por volta do ano 895. Era filha do conde Dietrich, da Saxônia, e da
condessa Reinhilde, da Dinamarca.
Ainda pequena, foi entregue para ser
educada por uma das avós, que tinha o mesmo nome e que depois de enviuvar-se
entrara para o mosteiro de Erfurt, do qual se tornara abadessa.
Destinada ao trono ducal, Matilde casou-se
em 909 com Henrique, o Passarinheiro, filho do Duque da Saxônia. O casal teve
cinco filhos: Oton I, que foi Imperador da Alemanha; Henrique, duque da
Baviera; Bruno, o Grande, arcebispo de Colônia e duque da Lorena, também santo;
Gerberga, que desposou o duque Giselberto da Lorena e, morto este, Luís IV, da
França; e Edwiges, que se casou com Hugo, o Grande, conde de Paris, e foi mãe
de Hugo Capeto, rei francês fundador da dinastia dos Capetos.
Os biógrafos de Santa Matilde ressaltam a
harmonia perfeita e a identidade de cogitações existentes entre ela e seu
esposo: “Os dois foram afortunados e mereceram os louvores dos povos. Em ambos
reinava o mesmo amor a Cristo, uma mesma união para o bem, uma vontade igual
para a virtude, a mesma compaixão para com os súditos, e o mesmo afeto
entranhável para com os desgraçados”. (1)
Ambos se dedicavam a toda sorte de obras
de misericórdia, à construção de hospitais e mosteiros, e à propagação do
Evangelho pelos reinos vizinhos ainda pagãos. Zelavam para que as leis antigas
que julgavam boas fossem observadas no ducado e depois no reino, e procuravam
fazer outras novas que favorecessem seus súditos.
Em 912, sendo Henrique, o Passarinheiro, o
mais velho dos filhos vivos, sucedeu ao pai Oton I como Duque da Saxônia, com o
nome de Henrique I; e, em 918, a Conrado I como rei da Alemanha. Alguns
hagiógrafos dão a Conrado o título de Imperador; portanto, Henrique também o
seria. Por isso atribuem a Santa Matilde, sua esposa, o título de Imperatriz.
Entretanto, isso historicamente não é correto.
Como rainha, Santa Matilde fez-se a mãe de
todos, especialmente dos pobres e desfavorecidos. Interessava-se muito pelos
prisioneiros, e àqueles que o eram por dívidas, pagava seus débitos, obtendo
assim sua liberdade. Todos os pobres, peregrinos e necessitados de toda ordem
encontravam nela sua protetora. A rainha santa exercia com mais largueza sua
caridade aos sábados, por ser o dia dedicado à Mãe de Deus.
Viúva segundo São Paulo e desapego de uma santa
Após frutuoso reinado de mais de 17 anos,
Henrique I faleceu no ano de 936. No leito de morte, diante de toda a corte
reunida, o piedoso monarca fez o elogio da rainha, como testemunha que fora de
sua eminente virtude.
Santa Matilde mandou celebrar inúmeras
missas pela alma de seu defunto esposo, não só por ocasião de sua morte, mas
enquanto viveu.
Entregou-se então inteiramente aos exercícios
de piedade que São Paulo recomenda a uma verdadeira viúva. “Ela era muito
sóbria em suas refeições, pacífica e tranquila na conversação, pronta somente a
fazer o bem a todo mundo, e a cumprir tudo o que era de seu dever; não
empreendia nada senão depois de procurar conselho e ter consultado a Deus na
oração”. (2)
Santa Matilde tinha preferência pelo
segundo filho, Henrique, que apesar de não ser o primogênito, ela queria que
sucedesse ao pai no trono. Alegava que Oton, o mais velho, havia nascido antes
de o marido ser rei. E que, portanto, Henrique, tendo nascido filho de rei,
deveria ser o escolhido. Como o monarca era eleito, ela convenceu alguns nobres
a votarem em Henrique. Apesar disso, o eleito foi Oton. Ela então obteve deste
o Ducado da Baviera para Henrique.
Santa Matilde era conhecida principalmente
pelas suas muitas esmolas para os necessitados, conventos e igrejas. Ora, Oton
e Henrique — este se mostrando assim ingrato para com sua mãe — consideravam
exorbitante a sua prodigalidade, alegando que ela estava empobrecendo a coroa.
Para satisfazê-los, a santa renunciou em favor deles a todas suas propriedades,
mesmo as que herdara do marido, e retirou-se para uma casa campestre em Engern.
Ingratidão, castigo de Deus e reparação
Eclodiram
então distúrbios e calamidades no reino. E não só o povinho miúdo, mas também a
nobreza, começou a clamar que os mesmos se deviam à injustiça feita à rainha. E
aconteceu um fato bem característico da Idade Média: “Com efeito, os males
aumentaram a um tal ponto, que os grandes e os ministros de Estado foram
forçados a solicitar à rainha Edite, esposa de Oton, que pedisse o retorno da
rainha-mãe [...] Esse príncipe abriu os olhos, reconheceu suas faltas e,
imediatamente, nomeou senhores da mais alta estirpe para irem apresentar a essa
ilustre princesa a dor na qual ele estava mergulhado por causa da conduta que
havia tido a seu respeito, e o desejo ardente que tinha de revê-la na
corte”.(3)
Houve a partir de então a mais perfeita
harmonia entre a mãe santa e os dois filhos ingratos. O bom povinho de Deus
comentou depois que a eleição de Oton como Imperador deveu-se em grande parte a
essa justiça rendida à sua mãe.
Pois “o Império teve em seu berço o hálito
santo desta mulher forte. Matilde formou o coração de Oton, o homem da
Providência, e pôs nele as sementes de fé, de fortaleza, de piedade e de amor à
Igreja de Cristo. [...] Oton foi digno filho de tal mãe. Fez justiça aos seus
vassalos, venceu seus inimigos, amparou a Igreja, protegeu os sábios, e
sujeitou novos povos à civilização do Evangelho. (4)
“Grande prudência unida à humildade”
Com seu filho Oton, Santa Matilde fundou
um mosteiro que se tornou célebre, no qual três mil monges cantavam
ininterruptamente os louvores divinos. Fundou também um mosteiro feminino de
cônegas nobres em Quedlimburg, com o objetivo de que estas oferecessem dia e
noite suas preces e penitências a Deus para agradecer as bênçãos que Ele
derramava sobre o Império, e atrair novas bênçãos sobre a família real.
Muito tempo depois, no século XVI, sua
abadessa tinha precedência sobre as princesas do Império. Mas... tristeza deste
Vale de Lágrimas: em 1539 esse mosteiro, que tanto brilho tivera na “doce
primavera da fé”, aderiu à pseudo-reforma de Lutero sob a influência da
condessa Ana de Stolberg. (5)
Diz de Santa Matilde um historiador alemão
quase seu contemporâneo: “De tal sorte sua grande prudência unia a humildade ao
decoro régio, que quem mais a admirava humilde, devota e recolhida — sempre em
oração, assistida por pobres, peregrinos e enfermos —, mais a venerava como
grande princesa, rainha excelsa e imperatriz soberana” (Witchindo, História
saxônica, livro III). (6)
Morte da “mais virtuosa princesa de seu século”
Sentindo que seus dias chegavam ao fim, a
rainha-mãe pediu licença ao filho Imperador para retirar-se a Nordhausen, o
predileto dos mosteiros que havia fundado, a fim de preparar-se para o encontro
com Deus. Vivendo santamente e cumprindo de modo exímio todas as normas da
casa, precisou, no entanto, deixar seu retiro para atender a problemas urgentes
no mosteiro dos Santos Gervásio e Dionísio, em Quedlimburg, onde sua neta era
abadessa.
Estando lá, contraiu uma febre lenta e
incômoda, que se agravava gradualmente e que a atormentou durante vários meses,
ameaçando sua vida. Matilde pediu então os últimos Sacramentos. Estes lhe foram
ministrados por seu neto Guilherme, que era arcebispo de Mainz. Contam seus
primeiros biógrafos que ela quis então dar-lhe um testemunho de seu agradecimento
e estima pelo grande favor que lhe tinha feito. Porém, como não tinha mais nada
para dar, uma vez que já havia se despojado de tudo, pediu então que dessem a
ele os panos mortuários que lhe estavam destinados, dizendo que o neto
precisaria dos mesmos antes dela. E, com efeito, saindo do mosteiro, o
arcebispo sentiu-se mal, falecendo no caminho de sua diocese.
Santa Matilde faleceu no dia 14 de março
do ano de 968, sobre uma mortalha posta na terra. De tal maneira fora unida ao
seu marido, falecido 32 anos antes, que quis ser enterrada ao lado dele. Pela
sua fama de santidade, começou a ser venerada logo depois da morte.
"Foi assim que terminou sua vida
aquela que era a mãe dos pobres, a protetora dos povos, a advogada dos
prisioneiros e dos cativos, a alegria do Império, a fundadora de tantas
igrejas, hospitais e mosteiros, em uma palavra, a mais completa, a mais cristã
e a mais virtuosa princesa de seu século”. (7)
A vida de Santa Matilde foi escrita alguns
anos depois de sua morte, por ordem do Imperador Santo Henrique, seu neto. (8)
_______________
Notas:
1.
Fr. Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Santa Matilde, Año Cristiano, Ediciones Fax,
Madri, 1945, tomo I, p. 502.
2.
Mgr Paul Guérin, Sainte Mathilde, Impératrice, in Vies des Saints, Bloud et
Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo III, p. 417.
3.
Id. Ib. p. 418.
4.
Fr. Justo Pérez de Urbel, O.S.B., op. cit. p. 503.
5.
Cfr. Mgr Paul Guérin, op. cit., p. 421, nota 1.
Pe.
Pedro de Ribadeneira, Santa Matildis ó Matilde, Emperatriz, Reina e Matrona,
Flos Sanctorum, apud. Dr. Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L.
González y Compañia – Editores, Barcelona, 1896, p. 594.
7. Paul Guérin,
op. cit. p. 421.
Outras obras consultadas:
Michael T. Ott, St. Matilda, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition. Pe. José Leite, Santa Matilde,
Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1993, tomo I. Edelvives,Santa
Matilde, Emperatriz de Alemania, in El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives,
S.A., Saragoça, 1947, tomo II.
Fonte: www.catolicismo.com.br – Autor: Plinio Maria Solimeo
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