quarta-feira, 7 de março de 2018

Santas Perpétua e Felicidade, mártires – 7 de março

    
     O texto da Passio desta Santa é escrito no latim do século III, que dará origem ao latim cristão e a seu primeiro cultor, Tertuliano, que poderia ser o redator final da Passio de Perpétua e seus companheiros mártires. Aceita ou não esta hipótese, o certo é que o martírio de Perpétua aparece nos grandes escritos cristãos provenientes daquela província africana: o próprio Tertuliano (De anima 55, 4), natural de Cartago e contemporâneo dos quatro mártires (240 d. C.), Santo Agostinho, natural de Tagaste e Bispo de Hipona (430 d.C.), que escreveu diversos sermões sobre seu martírio (Sermões 280; 281-282). O martírio de Perpétua e companheiros também está testemunhado por uma inscrição em mármore descoberta em uma basílica cristã nos arredores de Cartago, no bairro de Mçidfa, que provavelmente se identifica com a Basílica Maiorum, onde a memória dos mártires era venerada.
     O texto da Passio de Perpétua oferece um elemento singular: a integração, pelo redator final, dos relatos autobiográficos de Perpetua e Sáturo, escritos de sua própria mão, relativos aos acontecimentos e visões que precederam seu martírio (respectivamente, §§ iii-x y xi-xiii).
     Assim, não se pode negar a autenticidade dos fatos narrados na Passio dos mártires de Cartago, encabeçados e liderados por Vibia Perpétua, mulher bela e culta, de família rica e conhecida em Cartago, mãe de uma criança de peito. No outro extremo da classe social, encontramos Felicidade e Revocato, que são irmãos e escravos.
     A Passio relata a prisão dos futuros mártires em Thuburbo Minus, uma cidade a 50 km ao sul de Cartago. A prisão era uma consequência do edito do imperador Septimio Severo, também originário da África, que proibia as conversões ao Cristianismo e ao Judaísmo. O fato de um catequista (Sáturo) e quatro catecúmenos serem detidos longe de Cartago, sua provável cidade natal (pelo menos a de Perpétua), revela que eles estavam tentando se esquivar da proibição, instruindo-se fora da capital da província da África.
     Quatro dos detidos, Perpétua, Felicidade, Revocato e Saturnino, todos eles catecúmenos, recebem o Batismo no quartel de Thuburbo Minus – não se trata de um cárcere – conjuntamente com Segundo, outro catecúmeno que morrerá no cárcere decapitado (sendo cidadão romano, o dispensaram do tormento das feras). Eles tinham sido conduzidos àquele quartel pelos oficiais e guardas do Estado romano, que os tinham detido.
     Os futuros mártires se preparam espiritualmente para eventuais “sofrimentos da carne”. Perpétua deve resistir às exortações de seu pai, que quer fazê-la desistir de seu compromisso.
     Depois, nos §§ iii-vi da Passio há o relato da transferência dos prisioneiros para Cartago, onde são colocados no cárcere proconsular da cidade, inóspita e insalubre, situada provavelmente na colina de Byrsa.
     Perpétua assim a descreve em seu diário: "Nos lançaram no cárcere e eu fiquei consternada, porque nunca havia estado em um lugar tão escuro. O calor era insuportável e estávamos em muitas pessoas em um subterrâneo muito estreito. Me parecia morrer de calor e de asfixia, e sofria por não poder ter junto de mim meu filhinho, que era tão pequeno e que necessitava muito de mim. O que mais eu pedia a Deus era que nos concedesse uma coragem muito grande para sermos capazes de sofrer e lutar por nossa Santa Religião".
     Dois diáconos conseguiram que os prisioneiros fossem tirados temporariamente das masmorras e pudessem receber a visita de seus familiares. Perpétua pode amamentar seu filho, até que o pai dela, contrário à sua conversão, não mais lhe levasse a criança. Ela diz em seu diário: "Desde que tive meu pequenino junto de mim aquilo não me parecia um cárcere, mas um palácio, e eu me sentia cheia de alegria. E o menino também recuperou a sua alegria e o seu vigor". As tias e a avó se encarregaram depois da criança e de sua educação.
     Ali também Perpétua teve a visão da escada de bronze, em que lhe foi dito que teriam que subir por uma escada cheia de sofrimentos, mas que no final de dolorosa escalada o Paraíso Eterno os estaria esperando. Ela narrou a visão que tivera a seus companheiros, e todos se entusiasmaram e fizeram o propósito de permanecerem firmes na Fé até o fim.
     “Poucos dias depois”, os futuros mártires foram conduzidos ao foro da cidade, onde foram interrogados diante da multidão pelo procurador Hilariano, que atua como governador exercendo o “direito de espada”, ditando as penas capitais. Diante da negativa de oferecerem sacrifícios “pela saúde dos imperadores”, os condenou a morrer atirados “às feras”. Perpétua, diante da pergunta de Hilariano: “Sois cristã?”, responde: “Sim, eu sou!”.
     Finalmente os prisioneiros, já condenados à morte, são transladados para outro lugar, a prisão militar, situada no interior do castrum, ou instalação castrense, onde ficavam aquarteladas as tropas romanas a serviço do governador.
     Perpétua tivera uma visão de Dinócrates, seu irmão mais novo, que falecera criança ainda, era pagão e sofria no outro mundo. Na prisão militar tem nova visão de Dinócrates, vendo que este finalmente foi libertado de “seu tormento” graças às orações de sua irmã, que está a caminho do martírio e que por esta razão tem um poder de intercessão junto de Deus.
     Os condenados são amarrados ao cepo, pelo menos na primeira noite, à espera de sua execução, que terá lugar entre uns jogos castrenses convocados “por motivo do aniversário do césar Geta”, filho mais novo do imperador Septimio Severo, no dia 7 de março de 203, os quais seriam provavelmente celebrados no anfiteatro da cidade.
     Os prisioneiros contam agora com a boa vontade do suboficial Pudente (que Sáturo, o catequista, vinha tentando converter à Fé cristã), encarregado das visitas, que facilita a ida de muitas pessoas para vê-los, entre elas o pai de Perpétua.
     Então chegou seu pai (o único da família que não era cristão) e de joelhos lhe rogava e suplicava que não persistisse em se chamar cristã, que aceitasse a religião do imperador, que o fizesse por amor a seu pai e a seu filhinho. Ela se comoveu intensamente, porém terminou dizendo-lhe: - "Pai, como se chama essa vasilha que há aí em frente?" "Uma bandeja", respondeu-lhe o pai. - "Pois bem, essa vasilha deve ser chamada de bandeja, e não de xícara, ou de colher, porque é uma bandeja. E eu, que sou cristã, não posso ser chamada nem de pagã, nem de nenhuma outra religião, porque sou cristã e quero ser para sempre". E acrescenta o diário escrito por Perpétua: "Meu pai era o único de minha família que não se alegrava porque nós íamos ser mártires por Cristo".
     Um dia antes da execução, Perpétua tem uma terceira visão: o egípcio derrotado, símbolo do demônio vencido pela perseverança dos mártires sustentados por Nosso Senhor Jesus Cristo. Sáturo também tem uma visão, neste caso a do Paraiso, um jardim cheio de flores com uma casa de luz onde se encontra o trono de Deus, que acolhe os mártires.
     A Providência divina se encarrega de que Segundo tenha uma morte “doce” no cárcere: o decapitam e não passa pelo tormento das feras. Por sua vez, Felicidade recebe uma graça ao contrário: dá à luz uma menina e assim pode ser colocada na lista dos que morreriam (segundo o direito romano, uma grávida não podia ser executada, já que se condenava um inocente a morrer, o nascituro).
     Todos estão prontos para a grande prova. Era permitido aos condenados à morte fazer uma ceia de despedida. Os condenados convertem a “ceia livre” da vigília da execução em uma ágape, uma cerimônia Eucarística: todos recebem a Comunhão, se despedem e se preparam para a morte.
     No dia da execução, antes de levá-los à arena para seu segundo batismo – o de sangue –, os soldados queriam que os homens entrassem vestidos de sacerdotes de Saturno e as mulheres vestidas de sacerdotisas de Ceres, deuses dos pagãos. Perpétua, porém se opôs corajosamente e ninguém quis colocar roupas de religiões falsas, usam túnicas simples.
     Já na arena, quando passam diante de Hilariano, que preside os jogos fazendo as vezes de procônsul, com gestos lembram-lhe o juízo de Deus que cairá sobre ele. A resposta é imediata: os cinco mártires devem ser fustigados ao passar entre duas filas de uns gladiadores presentes ao espetáculo. Estes eram reciarios, gladiadores de nível mais baixo que vão apetrechados de tridentes e redes, encarregados de combater contra as feras.
     Revocato e Saturnino são atacados por diversas feras (um leopardo, um javali e um urso, o animal mais temido), e Sáturo fica ileso por duas vezes. Ele, que havia conseguido converter o suboficial Pudente, lhe dissera: "Para que vejas que Cristo sim é Deus, te anuncio que me lançarão a um urso feroz, e essa fera não me fará nenhum mal". E assim aconteceu: amarraram-no e aproximaram-no da jaula de um urso muito agressivo. O feroz animal não lhe quis fazer nenhum mal, mas, pelo contrário, deu uma tremenda mordida no domador que tratava de fazê-lo se lançar contra o santo diácono. Soltaram então um leopardo, que destroçou Sáturo.
     Quanto a Perpétua e Felicidade, senhora e serva, queriam que elas saíssem nuas e envoltas nas redes dos reciarios, mas o público não aceita e elas saem para a arena vestidas com uma simples túnica. As duas mulheres são atacadas por uma vaca selvagem que as fere gravemente. Perpétua viu sua amiga ser atingida pelo animal e ainda conseguiu amparar sua irmã de fé em seus braços e recompor sua roupa estraçalhada, numa demonstração de respeito, dignidade e amor.
     Os pagãos que assistiam ao “espetáculo” se emocionaram por um curto espaço de tempo, o público se dá por satisfeito com este tormento e ambas são conduzidas à porta Sanavivaria, a dos salvos.  Porém, logo começaram a gritar pedindo a morte de Perpétua. Elas retornam e devem ser decapitadas. O verdugo que devia matar Perpétua estava muito nervoso e errou o golpe de espada. Ela deu um grito de dor, estendeu a cabeça sobre o cepo e indicou com a mão o local preciso onde o verdugo devia dar-lhe o golpe. Esta mulher valorosa demonstrou com este gesto que morria mártir por sua própria vontade e com toda generosidade.
     
Local do martírio
O martírio destas Santas ocorreu no dia 7 de março do ano 203. Pelo fato de terem sido martirizadas, ou seja, morreram por causa da fé em Jesus Cristo, as duas foram canonizadas e se tornaram exemplo de fé e coragem, fazendo aumentar bastante o número dos cristãos.
     Estas duas mulheres, uma rica e instruída e a outra humilde e simples serva, jovens esposas e mães, que na flor da vida preferiram renunciar às alegrias de um lar, para permanecerem fiéis à religião de Jesus Cristo, o que nos ensinam? Sacrificaram o que poderia restar-lhes de vida nesta terra e estão a mais de 17 séculos gozando eternamente no Paraíso.

Fontes: Pasión de las Santas Perpetua y Felicidad, traducción del latín de alejandra de Riquer - barcelona 2015 acantilado;

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