No ano de 1655, uma jovem índia foi
capturada durante uma invasão dos Iroqueses. Seu nome era Kahenta. Nascera
Algonquin e fora convertida pelos padres jesuítas. Levada para o território dos
Mohawks, ela se casou com um chefe Mohawk pagão, que a salvara das torturas e
morte, destino de muitos cativos. A aldeia dos Mohawks ficava em Ossernenon, ao
longo da margem sul do Rio Mohawk, próximo da atual Auriesville, Estado de Nova
York.
No mês de abril de 1656, nasceu a pequena Tekakwitha, “a que põe as coisas em
ordem”, e tempos depois seu irmãozinho. Embora sua mãe fosse cristã, seu pai
não permitia que ela batizasse seus filhos. Tekakwitha tinha mais ou menos
quatro anos quando uma epidemia de varíola exterminou muitos habitantes da
aldeia, entre eles seus pais e irmão. A pequena sobreviveu, mas a doença deixou
marcas em seu rosto, sua visão foi afetada e sua saúde se ressentiria para
sempre. Tendo ficado órfã, seu tio, o novo chefe da aldeia, a adotou.
Após a epidemia, a aldeia foi abandonada e os sobreviventes construíram um novo
povoado chamado Caughnawaga, há umas cinco milhas de distância.
Embora Tekakwitha não fosse batizada, ela
era católica no fundo da alma. Ela sentia muita solidão, em parte devido à sua
pouca visão e à sua aparência, mas também porque percebia o que tinha de errado
na vida dos Mohawks. Eles mostravam-se ferozes na guerra e frequentemente
cruéis na vitória. Praticavam o canibalismo e os costumes primitivos eram
agravados pela prática de cultos demoníacos. Ela fugia das danças e orgias
pagãs. As torturas brutais de prisioneiros era algo em que toda a aldeia
participava com entusiasmo, mas Tekakwitha não podia ver os sofrimentos
impingidos às vítimas e permanecia sozinha em sua tenda.
Ela era uma criança doce e tímida, levava
a vida normal de uma menina nativa e foi criada de acordo com os costumes dos Mohawks.
Aqueles que a tinha conhecido quando criança disseram que “ela era habilidosa,
especialmente ao fazer objetos como os outros nativos”. Ela trabalhava peles de
porco-espinho e de alce, e fazia cintos de madeira e contas. Suas ocupações
cotidianas eram descascar o milho, fazer o pão nativo, procurar água, carregar
madeira e servir a comida.
Aldeia Mohawks nos anos 1600 |
Os Iroqueses foram vencidos pelos
Franceses quando ela tinha em torno de dez anos. Um tratado de paz foi
assinado, que permitia aos padres jesuítas a ida às aldeias Mohawks. Segundo a
lei da hospitalidade em vigor entre os índios, os viajantes deviam ser bem
recebidos, apesar das hostilidades entre Franceses e Iroqueses.
Ao chegar aos 17 anos de idade, segundo as
tradições dos iroqueses, ela deveria se casar com algum guerreiro da tribo.
Competia aos parentes a escolha do noivo, problema, aliás, fácil de resolver em
se tratando da família de um cacique. Seus tios, frustrados por suas contínuas
recusas ao casamento, decidem enganá-la. Uma noite, eles pedem que ela vista
suas melhores roupas, pois receberiam convidados. Eles chegaram: era um jovem e
sua família. Os tios fazem-no sentar-se ao lado de Tekakwitha e ordenam que ela
sirva sopa ao rapaz. Logo ela percebeu a trama: se ela oferecesse a ele a
tigela, isto significaria que ela aceitava o casamento. Ela atirou a sopa no
fogo e correu para fora da tenda em lágrimas, escondendo-se na plantação de
milho até que os convidados tivessem partido.
No ano de 1670, a Missão de São Pedro foi
estabelecida na aldeia Caughnawaga e uma capela foi construída em uma das
tendas. Em 1674, o Padre James de Lamberville, jesuíta missionário, chegou a
Caughnawaga para cuidar da Missão de São Pedro.
Um dia, o Pe. de Lamberville, sabendo embora da hostilidade de seu tio, seguiu
um forte impulso e foi visitá-la quando Tekakwitha estava confinada à maloca
depois de ferir a perna. Ela nunca havia encontrado esse padre antes, mas
quando ele perguntou se havia algo que ele pudesse fazer por ela, ela disse a
ele que queria se tornar católica. Há muito ela se sentia atraída pela fé católica,
talvez em parte por causa da influência de sua mãe, mas também por observar o
comportamento de outros cristãos na aldeia. Ela estava muito preocupada que seu
tio desaprovasse, mas quando o Pe. De Lamberville convidou-a a ir rezar na
capela, foi o encorajamento de que ela precisava.
Vendo
a sinceridade da jovem, ele concordou em instruí-la. Depois de muita
resistência, seu tio finalmente cedeu e deu seu consentimento para que ela se
tornasse cristã, contanto que ela não tentasse deixar a aldeia indígena. No dia
5 de abril de 1676, domingo de Páscoa, com a idade de vinte anos, Tekakwitha
foi batizada na pequena capela da Missão, recebendo o nome de Catarina (de Sta.
Catarina de Siena). Foi uma cerimônia singela, como singela era a alma da
recém-batizada. Contudo, o missionário jesuíta francês, emocionou-se: - "Foi o momento mais feliz de meu ministério",
recordaria ele anos mais tarde.
A família de Catarina não aceitou sua escolha e passou a tratá-la como uma
escrava. Como ela não trabalhava aos domingos e dias santos, não recebia comida
naqueles dias. Ela se tornou objeto de
crueldades por parte de seu povo. Quando ela ia para a capela ou para a fonte,
as crianças atiravam lama e pedras nela.
Apesar das hostilidades, ela humildemente
continuou a servir suas tias e era fiel em acompanhar as orações e a missa. Mas
quando seu cunhado retornou à vila no outono de 1677 para pedir que ela se
juntasse a ele e à sua irmã da missão católica de Sault Saint-Louis (perto de
Montreal) - uma jornada de “mais de 200 milhas através de bosques, rios e
pântanos” - ela teve que tomar uma decisão. O Pe. De Lamberville a encorajou a
aceitar o convite e Catarina conseguiu escapar da aldeia sem ser notada. Quando
seu tio descobriu que ela havia fugido, carregou sua arma e saiu em
perseguição. Felizmente, ela e seus companheiros conseguiram evitá-lo. Finalmente
eles chegaram sãos e salvos na aldeia da Missão de São Francisco Xavier, em Sault
St. Louis; Catarina corre para a capela para render graças a Deus.
A vida em Sault (ou Kahnawake) continuou
como em Caughnawaga, mas a vida espiritual dela girava em torno da Igreja. Catarina
assistia a missa da madrugada todos os domingos e depois novamente às 8:00 da
manhã. Entre as missas, ela permanecia na capela para rezar o seu rosário, que
ela levava consigo para todo o lado. “Ela se confessava todos os sábados e se
preparava batendo grandes galhos nos ombros como penitência, enquanto chorava
por seus pecados. Nos dias de semana, ela assistia às orações matutinas e
vespertinas e, depois de trabalhar com os outros durante o dia, ela voltava
imediatamente à capela para continuar sua vigília de oração, às vezes
permanecendo por várias horas diante do Santíssimo Sacramento. Apesar de dois
meses apenas terem passado desde que ela chegara a Kahnawake, decidiram que
estaria pronta para receber sua 1ª. Comunhão no dia de Natal, 1677”.
Foi
o dia mais feliz de sua vida. Ela tem então um lema: “Quem pode dizer-me o que
mais agrada a Deus, para que eu o faça?” Embora não soubesse nem ler nem
escrever, ela se dedica a ajudar os outros. Tem uma vida plena de oração,
penitência, devotada a ensinar os mais jovens, a cuidar dos doentes e dos mais
idosos.
Era grande sua devoção a Mãe de Deus. Aprendeu rapidamente a Ladainha Lauretana
de cor. Seu Rosário estava sempre à mão e Nossa Senhora era o seu modelo. Sempre
discreta, recolhia-se por longos períodos na floresta, onde, junto a uma cruz
que ela havia traçado na casca de uma árvore, ficava em oração, sem,
entretanto, descuidar-se das funções religiosas, do serviço da comunidade e da
família que a hospedava.
Durante uma visita a Ville-Marie (hoje
Montreal), Catarina encontrou pela primeira vez mulheres que eram celibatárias:
as Irmãs Hospitaleiras de São José que eram enfermeiras no hospital. Aquela
vocação foi uma revelação para ela, e ela e suas companheiras retornaram a
Kahnawake, determinadas a fundar sua própria comunidade religiosa. Catarina revelou
ao Padre Fremin sua ideia, mas ele descartou-a, sabendo que seria impossível
naquele momento.
A 25 de março de 1679, Catarina tornou-se Esposa de Cristo: após a Sagrada
Comunhão ela fez voto de perpétua virgindade. Na mesma ocasião ela se ofereceu
a Maria Ssma. como filha. A vida religiosa a atraia, mas os missionários
negaram-lhe permissão, pois além de ela só ter três anos de conversão,
consideravam sua delicada saúde.
Catarina e Maria Teresa (Tegaiaguenta)
tornaram-se grandes amigas e nesse ano de 1679 obtêm permissão para começar um
pequeno convento na Missão; ela havia expressado o desejo de fundar um convento
só para moças indígenas,
Como resultado de tribulações e
austeridades, algum tempo depois de ter feito os votos ela caiu doente. Em
breve está tão fraca, que não pode visitar a capela ou deixar o leito. Durante
meses ela suportou grandes dores e febre contínua, mas nunca perdeu sua fé em
Nosso Senhor Jesus Cristo e em Sua Mãe Ssma. Durante a Quaresma de 1680, alguém
lhe perguntou o que ofereceria a Jesus. "Eu entreguei minha alma a Jesus no Santíssimo Sacramento, e meu corpo a
Jesus na Cruz", confidenciou ela com candura.
Antigo retrato de Catarina pintado
pelo Pe. Chauchetière entre 1682-1693
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Após distribuir suas poucas posses aos
pobres, ela se preparou para receber os últimos sacramentos. A aldeia inteira
chorava essa inevitável perda.
Na Quinta-feira da Semana Santa, dia 17 de abril de 1680, por volta das quinze
horas, ela expirou pronunciando com grande dificuldade e dor: “Jesus, Maria, eu
Vos amo!”
O Pe. Pierre Cholenec, um dos presentes no instante de sua morte, conta que, “no momento de sua morte, a face de Catarina,
tão desfigurada em vida, quinze minutos após seu falecimento subitamente mudou
e em instantes tornou-se tão bela, que assim que eu vi isto (eu estava rezando
ao seu lado) eu dei um grito, fiquei tão aturdido, e mandei chamar o padre que
estava atendendo as cerimônias da Quinta-feira Santa. Ao tomar conhecimento
deste prodígio, ele acorreu com algumas pessoas que estavam com ele. Nós
pudemos contemplar aquela maravilha até o momento de seu funeral. Eu admito
francamente que meu primeiro pensamento, na ocasião, fora que Catarina podia
ter entrado no Céu naquele instante e que ela tinha recebido – como por
antecipação – em seu corpo virginal uma pequena indicação da glória que sua
alma já teria possuído no Paraíso”.
Contrariando os costumes indígenas, ela
foi enterrada em um caixão e seus preciosos restos mortais puderam ser
facilmente preservados.
A devoção por Catarina começou imediatamente. Antes de sua morte ela prometera,
tal qual Santa Teresa de Lisieux, que se lembraria dos seus amigos da Terra e
que os ajudaria do Céu. Ela logo cumpriu sua promessa: curas aconteciam quando
ela era invocada ou quando se usava sua relíquia.
Catarina foi beatificada por João Paulo II em junho de 1980, foi a primeira
americana nativa declarada bem-aventurada. Em 21 de outubro de 2012 foi
canonizada pelo Papa Bento XVI.
Santuários dedicados a Santa Catarina Tekakwitha foram erigidos em São
Francisco Xavier, Caughnawaga, em Auriesville e em muitos outros lugares.
Milhares de fiéis peregrinam a esses locais até nossos dias.
Cinquenta anos após a morte de Catarina, o
primeiro convento de freiras nativas foi estabelecido no México e elas rezavam
diariamente pela canonização de Catarina Tekakwitha, o que finalmente
aconteceu.
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