Nascida
em 1808, em São João del Rei (MG), ainda menina mudou-se com sua mãe para
Baependi. Ali, numa modestíssima casa que ainda se conserva, no cimo de um
morro onde se ergue hoje a igreja de Nossa Senhora da Conceição, por ela
construída, viveu virtuosamente e morreu em odor de santidade no dia 14 de
junho de 1895.
Sua certidão de Batismo fala-nos
claramente de sua origem: “Aos vinte e seis de abril de mil oitocentos e dez,
na Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial desta Matriz de
São João del Rei, de licença, o Reverendo Joaquim José Alves batizou e pôs os
santos óleos a FRANCISCA, filha natural de Isabel Maria. Foram padrinhos,
Ângelo Alves e Francisco Maria Rodrigues. O coadjutor Manuel Antônio de
Castro”.
Com efeito, por uma pintura, na qual ela é
retratada e que se conserva na capelinha de sua casa, percebem-se claramente os
traços de mestiça, tão frequentes em nosso Brasil real. Como afirmou o Conde
Affonso Celso, os negros que vieram para o Brasil mostraram-se dignos de
consideração por seus sentimentos afetivos, por sua resignação, coragem e
laboriosidade. São dignos, pois, de nossa gratidão.
Segundo sua biógrafa, Nhá Chica era
portadora de nobre missão: “Para todos tinha uma palavra de conforto e a
promessa de uma oração”. Sua companhia diuturna era uma pequena imagem de Nossa
Senhora da Conceição, em tosco oratório, ainda hoje venerada na igreja,
conhecida na cidade como igreja da Nhá Chica. Diante da bela imagem esculpida
por hábeis mãos de artista em cuja alma vicejava a fé, pude rezar a oração
predileta de Nhá Chica, aliás, umas das mais belas preces compostas nos dois
mil anos de cristianismo: a Salve Rainha.
Um fato narrado por Helena Ferreira Pena
descreve o perfil espiritual dessa alma de eleição. Certo dia, Nhá Chica
recebeu manifestação da Mãe de Deus mediante a qual pedia que Lhe fizesse uma
capela. Como isso requeria muito dinheiro, saiu Nhá Chica pelas vizinhanças em
busca de auxílio, que não lhe faltou.
Providenciou logo os adobes (tijolo cru).
Quando havia certa quantidade pronta desse material de construção, recebeu Nhá
Chica ordem de Nossa Senhora para dar início à edificação. Contratou então um
oficial de pedreiro que pôs mãos à obra. Encontrando-se os serviços já em certo
estágio, o oficial notou que iria faltar material e disse-lhe: - “Nhá Chica, os
adobes não vão chegar!” Respondeu ela: “Nossa Senhora é quem sabe”. O pedreiro
continuou o serviço e, ao terminar, não faltou e nem sobrou um só pedaço de
adobe.
Fatos como esse deram-se ao longo de toda
construção até o seu término. Mas Nossa Senhora queria mais alguma coisa.
Manifestou a sua serva seu desejo: “Queria um órgão para a igreja”. Nhá Chica,
porém, na sua incultura, não sabia o que era aquilo. Foi consultar o vigário
local, Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira, sobre o que era o órgão que Nossa
Senhora desejava para a capela.
Segundo vai narrando sua biógrafa, Mons.
Marcos lhe disse: “Órgão é um instrumento até muito bonito que toca nas igrejas,
mas para isso precisa muito dinheiro!”... - “Mas Nossa Senhora queria. Na Rua
São José, casa 73, no Rio de Janeiro, chegou um assim”, disse ela.
Mal Nhá Chica manifestara o desejo de
Nossa Senhora, as esmolas começaram a afluir abundantes às suas mãos. Foi
encarregado da compra o Sr. Francisco Raposa, competente maestro, que partiu
para o Rio de Janeiro. O órgão foi despachado até Barra do Piraí (RJ) por via
férrea. De lá até Baependi foi levado em carro de boi.
Marcada sua inauguração numa quinta-feira
às 15 h, ela fez tocar o sino, convidando o povo. Começam a chegar os devotos e
a capela ficou lotada. O maestro subiu ao coro e, deslizando suas mãos sobre o
teclado, qual não foi a sua surpresa: não se ouviu uma nota sequer! O que teria
acontecido?
“Com certeza estragou-se com a viagem em
carro de bois, diziam uns”. – “Qual! Com certeza venderam coisa velha estragada”,
diziam outros.
Nhá Chica chorava... De repente, acalma-se
e diz: “Esperem um pouco”. E foi prostrar-se aos pés da Virgem, sua Sinhá.
O povo esperava ansioso. Ela voltou serena
e sentenciou: - “Podeis voltar para suas casas, porque o órgão não tocará hoje,
mas amanhã às 15 h (sexta-feira)”, dia da devoção de Nhá Chica. - “Nossa
Senhora quer que entoem a ladainha”.
E assim se fez. No dia seguinte, novamente
o sino soava conclamando os fiéis, que, desta vez, foram em número maior,
movidos pela curiosidade. E às 3 horas da tarde em ponto, o maestro fez ecoar
pela primeira vez por toda a igreja, ao som do órgão, a linda melodia da
ladainha de Nossa Senhora! As lágrimas desciam dos olhos de Nhá Chica, mas
desta vez lágrimas de alegria e felicidade.
A Beata morreu no dia 14 de junho de 1895,
com 87 anos de idade, mas foi sepultada somente no dia 18, no interior da
Capela por ela construída. As pessoas que ali estiveram sentiram exalar-se de
seu corpo um misterioso perfume de rosas durante os quatro dias de seu velório.
Tal perfume foi novamente sentido no dia 18 de junho de 1998, 103 anos depois,
por Autoridades Eclesiásticas e por membros do Tribunal Eclesiástico pela Causa
de Beatificação de Nhá Chica e, também, pelos pedreiros, por ocasião da
exumação do seu corpo. Os seus restos mortais se encontram hoje no mesmo lugar,
no interior do Santuário Nossa Senhora da Conceição em Baependi, protegidos por
uma urna de acrílico colocada no interior de uma outra de granito, onde são
venerados pelos fiéis.
Nhá Chica foi beatificada no dia 4 de maio
de 2013 em Baependi MG durante a celebração presidida por Sua Eminência o
Cardeal Angelo Amato, Prefeito da Congregação das Causas dos Santos.
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Fontes
de referência:
Por que me ufano do meu país,
Affonso Celso, Coleção Páginas Amarelas, Editora Expressão e Cultura, 1997.
Biografia de Francisca Paula de
Jesus, “Nhá Chica”, Helena Ferreira Pena, Editora O Lutador, Juiz de Fora, 14a.
edição.
Francisca de Paula Jesus Isabel,
Nhá Chica, Mons. José do Patrocínio Lefort – Editora O Lutador, Juiz de Fora,
4a. edição.
Fonte: Paulo Henrique Chaves,
Catolicismo de janeiro de 1999 (excertos)
Adendo
O dom profético de Nhá Chica.
Certa vez, a Beata Nhá Chica recebeu em
sua pequenina casa o nobre conselheiro do Império, João Pedreira do Couto
Ferraz. Era o ano de 1873. Ele, casado com Elisa Amália de Bulhões Pedreira,
fazia-se acompanhar, entre outras pessoas, de sua filha primogênita que na
ocasião contava 15 anos de idade e alimentava o desejo de consagrar-se ao
Senhor. Era a jovem Zélia, nascida a 5 de abril de 1857.
A família encontrava-se no vizinho povoado
de Caxambu para desfrutar das suas ricas águas minerais. A boa fama de sábia
conselheira da beata Nhá Chica, que naquele tempo já trespassara os limites da
pequena vila Baependi, atraia muitos à sua procura. Aquela ditosa família
acorreu ao encontro da piedosa serva de Deus para recomendar às suas orações a
jovem menina desejosa de Deus.
Nhá Chica recebeu-os em sua modesta casa e
logo depois de “um dedo de prosa” já conhecia as aflições daquela família.
Recolheu-se então ao seu quartinho e à intimidade da oração à sua “Sinhá”, modo
carinhoso como se referia à pequenina imagem da Senhora da Conceição que
herdara de sua mãe. Os hóspedes esperavam na sala. Pouco tempo depois, voltou a
velha senhora e, sem transparecer sombra alguma de dúvida, pronunciou o oráculo
profético:
- “Ela vai se casar! Terá muitos filhos e no
fim da sua vida será toda de Nosso Senhor”.
Regressaram a Caxambu, mas não se
esqueceram das palavras proféticas de Nhá Chica.
O ingresso na vida religiosa feminina não
era algo fácil, pois naquela altura não eram muitas as casas religiosas
femininas no Brasil e o noviciado era normalmente feito na Europa. Por esses ou
outros motivos, o certo é que Zélia não ingressou então na vida religiosa e cerca
de três anos depois, em 27 de julho de 1876, casou-se com o Dr. Jerônimo de
Castro Abreu Magalhães, engenheiro civil e homem de particular espírito
religioso.
Desse feliz matrimônio nasceram treze
filhos, dos quais quatro faleceram em tenra idade. Os demais, três homens e
seis mulheres abraçaram a vida religiosa em diferentes Ordens e Congregações:
um lazarista, um jesuíta e um franciscano; quatro doroteias e duas irmãs do Bom
Pastor.
Sabe-se que também o casal sempre desejou
consagrar-se ao Senhor, mas Jerônimo não pode, morreu em 1909, deixando viúva
sua amada esposa que, quatro anos mais tarde em 1913, depois de cuidar do seu
pai até a morte, entrou com uma permissão especial, para o Convento das Servas
do Santíssimo Sacramento, estabelecido em 1912 no Largo do Machado, no Rio de
Janeiro. Contudo, uma de suas filhas gravemente enferma e seu jovem filho,
Fernando, jesuíta, não tendo ainda os votos perpétuos, fizeram com que Zélia
esperasse ainda mais um pouco para concretizar sua plena consagração a Cristo.
Somente em 1918, após vender todos os seus
bens e doá-los aos pobres e à Igreja, cumprindo assim a ordem do Evangelho (Mt
19,21) de vender tudo e dar aos pobres para depois seguir a Jesus Cristo mais
de perto, Zélia pode concretizar a sua consagração há tantos anos predita
profeticamente por Nhá Chica: “… no fim da sua vida, ela será toda de Nosso
Senhor”.
Por sua inegável dedicação à caridade,
Zélia e Jerônimo podem se tornar o primeiro casal brasileiro a ser beatificado.
No dia 20 de janeiro de 2014, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani
João Tempesta inaugurou oficialmente o processo de beatificação do casal
Jerônimo e Zélia que poderá ser o primeiro casal brasileiro a receber o título
de beatos da Igreja.
As relíquias de ambos foram transladadas
para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Gávea, onde estão expostas para
veneração pública.
Este
blog publicou um resumo sobre a Beata em 13 de junho de 2016.
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