O mosteiro das carmelitas de Compiègne,
França, vivia entregue ao espírito de oração, de silêncio e de renúncia, quando
rebentou a Revolução Francesa. A 4 de
agosto de 1790, os membros do diretório do distrito procederam ao inventário
dos bens da comunidade. As religiosas
foram convidadas a despir o hábito e a abandonar o mosteiro. Cinco dias mais tarde, a conselho da câmara,
assinaram todas o juramento de Liberdade-Igualdade. Desde então, viveram dispersas.
Um século
antes, uma irmã chamada Batista vira em sonho todas as religiosas do seu
convento na glória, revestidas do manto branco e tendo uma palma na mão... Reservava-lhes o céu a honra do martírio? Durante o ano de 1792, fizeram um ato de
consagração pelo qual se ofereceu a comunidade “em holocausto para apaziguar a
ira de Deus e para que a divina paz, que o Seu querido Filho tinha vindo trazer
ao mundo, fosse transmitida à Igreja e ao Estado”. E cada dia era renovada a consagração,
mantendo uma chama que não devia extinguir-se em cada uma, senão sob o cutelo
da guilhotina.
Todavia,
mesmo dispersas, a regularidade da vida de cada grupo não passou despercebida
aos jacobinos de Compiègne. Decidiram
estes uma inspeção, durante a qual se apoderaram de vários elementos que lhes
pareceram gravemente comprometedores: cartas de padres em que se tratava de
novenas, escapulários e direção espiritual, um retrato de Luís XVI e imagens do
Sagrado Coração. O grupo revolucionário, “considerando que as anteriormente
religiosas, com desprezo das leis, viviam em comunidade”; que as
correspondências provavam “que elas tramavam em segredo pelo restabelecimento
da monarquia e pela aniquilação da república”, mandou deter as religiosas e
mantê-las incomunicáveis.
A 22 de
junho de 1794, foram encerradas no mosteiro da Visitação, transformado em
cárcere. Lá, as reclusas retrataram o
juramento feito de Liberdade-Igualdade, “preferindo mil vezes morrer a
manterem-se culpadas de tal juramento”.
E julgaram-se
felizes por terem retomado em comum os exercícios da Regra. Mas esta consolação depressa lhes seria
tirada. A 12 de julho, chegava a
Compiègne a ordem da Comissão de salvação pública, para serem levadas a
Paris. Sem lhes ser permitido acabar a
sua frugal refeição, nem mudar os vestuários molhados por causa duma barrela
que faziam, meteram-nas todas em duas carroças, ficando elas com as mãos presas
atrás das costas. O cortejo chegou à
Paris no dia seguinte, pelas três horas da tarde, à Conciergerie, a prisão
anexa ao palácio da justiça.
Uma
religiosa octogenária e doente, com os membros entorpecidos por demorada
imobilidade, não sabia como descer da carroça. Impacientes, os carreteiros
pegaram nela e atiraram-na ao chão com brutalidade. Ergueu-se toda ensangüentada, mas
contentou-se com dizer aos que a tinham tratado assim: “Acreditai que não vos
quero mal por isto. Ao contrário, quero-vos muito bem porque não me matastes,
pois, se eu tivesse morrido, teria perdido a felicidade e a glória do martírio”.
Na
Conciergerie, como em Compiègne, prosseguiram as 16 carmelitas em observar a
regra; testemunha digna de fé asseverou que “eram ouvidas todas as noites, às 2
da manhã, rezar o ofício”. A 16 de
julho, celebraram a festa de Nossa Senhora do Carmo com tal entusiasmo que,
segundo afirmou um preso, “a véspera da morte parecia para elas um dia de
grande festa”.
À tarde
foram avisadas que iriam comparecer, no dia seguinte, diante do tribunal
revolucionário. Realmente, este conselho
ouviu nesse dia o acusador público lançar contra as rés um requisitório dos
mais violentos: “Embora separadas pelos domicílios, formavam conciliábulos de
contra-revolução entre elas e outras, que a si reuniam. Viviam sob a obediência
duma superiora e, quanto aos seus princípios e votos, bastava ler as cartas e
os escritos delas”.
Depois de
breve interrogatório e sem ouvir testemunhas, o tribunal condenou à morte as 16
carmelitas. E como, sem se perturbar,
uma religiosa perguntasse ao presidente o que se devia entender pela palavra
“fanático”, que figurava no texto do julgamento, recebeu esta confissão, que
devia enchê-las de alegria inexprimível: “Entendo por essa palavra o vosso
apego a essas crenças pueris, às vossas loucas práticas de religião”. Era isto que lhes merecia a palma do
martírio!
Uma hora
depois, subiram elas para as carroças que as levaram à Praça do Trono Derrubado
(Praça da Nação). Enquanto, à passagem
delas, uma multidão contraditória exprimia sentimentos diversos – desde gritos
e injúrias até à admiração – elas, indiferentes e serenas, cantaram o Miserere e depois a Salve Rainha. Chegadas à
base do cadafalso, entoam o Te Deum,
o canto de ação de graças, a que juntam o Veni
Creator. Depois, renovam as
promessas do batismo e os votos de religião.
Mas eis
que uma jovem noviça se ajoelha diante da prioresa. Com tanta simplicidade como
fazia dentro das paredes do convento, pede-lhe a bênção e a licença de morrer.
Em seguida, cantando o salmo Laudate
Dominum omnes gentes, sobe os degraus do cadafalso. Sucessivamente, as
outras religiosas observam o mesmo cerimonial e vêm receber a bênção da Madre
Teresa de Santo Agostinho. Esta, em último lugar, depois de ver todas as suas
filhas dar a Deus a maior prova de amor, confia a sua cabeça aos algozes.
Assim
pereceram, na tarde de 17 de julho de
1794. O sacrifício, das que se tinham generosamente oferecido em holocausto
“pela paz da Igreja e da França”, não foi em vão. De fato, “somente dez dias após o suplício
delas, cessava a tormenta que, ao longo de dois anos, tinha espalhado pelo solo
da França o sangue dos filhos da França” (Decreto de declaração do martírio, 24
de junho de 1905). São Pio X, a 10 de dezembro de 1905, declarou “beatas”
aquelas que “desde que foram expulsas, continuaram a viver como religiosas e a
honrar, com muitas devoções, o Sagrado Coração”.
* * *
Os nomes das Beatas são os seguintes:
- Anne-Marie
Madeleine Thouret (Irmã Carlota da Ressurreição) + em Mouy, 16/9/1715,
professou 19/8/1740, sub-priora em 1764 e 1778. Sacristã da capela do Convento.
- Anne Petras
(Irmã Maria Enriqueta da Providência) + em Carjarc, 17/6/1760, professou em
22/10/1786
-
Marie-Geneviève Meunier (Irmã Constance) + em Saint Denis, 28/5/1765, noviça,
tomou o hábito em 16/12/1788 (ela sobe os degraus do cadafalso cantando o Salmo
Laudate Dominum omnes gentes)
-
Rose-Chrétien de la Neuville (Irmã Julia Luisa de Jesús) + Evreux, 1741,
casou-se jovem, enviuvou, entrou para o Carmelo e professou em 1777
- Marie
Claude Cyprienne Brard ou Catherine Charlotte Brard (Irmã Euphrasia da
Imaculada Conceição) + 1736 em Bourth, professou em 1757
-
Madeleine-Claudine Ledoine (Madre Teresa de Santo Agostinho), priora, + em
Paris, 22/9/1752, professou em 16 ou 17/5/1775
- Marie-Anne
(ou Antoinette) Brideau (Madre São Luís), sub-priora, + em Belfort, 7/12/1752,
professou em 3/9/1771
- Marie-Anne
Piedcourt (Irmã de Jesus Crucificado), religiosa do coro, + 1715, professou
1737; ao subir no cadafalso ela disse: "Eu perdôo vocês do mesmo modo
como desejo que Deus me perdoe".
- Marie-Antoniette
ou Anne Hanisset (Irmã Teresa do Sagrado Coração de Maria) + em Rheims, 1740 ou
1742, professou em 1764
-
Marie-Françoise Gabrielle de Croissy (Madre Henriette de Jesus), + em Paris,
18/6/1745, professou 22/2/1764, priora de 1779 a 1785
- Marie-Gabrielle
Trézel (Irmã Teresa de Sto. Inácio), religiosa do coro, + em Compiègne,
4/4/1743, professou 12/12/1771
Havia ainda três irmãs leigas:
- Angélique
Roussel (Irmã Maria do Espírito Santo) + em Fresnes, 4/8/1742, professou em
14/5/1769
- Julie ou
Juliette Vérolot (Irmã São Francisco Xavier) + em Laignes ou Lignières,
11/1/1764, professou 12/1/1789
- Marie
Dufour (Irmã Santa Marta) + em Beaume, 1 ou 2/10/1742, entrou na comunidade em
1771
E duas serventes que não eram Carmelitas, mas
ocupavam-se dos trabalhos na comunidade:
- Catherine Soiron, + 2/2/1742 em Compiègne
- Teresa
Soiron, + 23/1/1748 em Compiègne
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