Provavelmente
a mais antiga vida de Santa Brígida (Brighid ou Brigit em irlandês antigo) é a
que Santo Ultan, bispo-abade de Ardbraccan, escreveu para seu discípulo São
Brogan Cloen de Rostruirc, falecido no ano de 650. Ela é escrita em versos. (1)
São Donato, que viveu no século IX na Irlanda, refere-se também a outra
biografia escrita por Santo Aileran (século VII). No século VIII, um monge de
Kildare, Cogitosus, reescreveu a vida de Santa Brígida em um bom latim. Este
trabalho é conhecido como a "Segunda Vida", e é um excelente exemplo
da literatura irlandesa daquele século. Talvez a mais interessante informação
do trabalho de Cogitosus seja a descrição da Catedral de Kildare em seu tempo.
A futura santa nasceu pelo ano 451 na
cidade de Gaughart, condado de Louth, que corresponde hoje à Irlanda. Seu pai, Dubtbach,
grande senhor, comprara uma escrava de muito boa aparência, de nome Brocca, da
qual se enamorou, cometendo com ela adultério. Sua esposa conseguiu que ele a
afastasse, apesar de alguns servos de Deus predizerem que a escrava daria à luz
uma menina que seria grande aos olhos de Deus. Como o pai de Brígida era pagão,
deu à filha o nome da deusa pagã do fogo, uma das mais poderosas do seu culto. Alguns
dos biógrafos da santa afirmam que tanto ela quanto a mãe foram convertidas por
São Patrício, o Apóstolo da Irlanda. Brígida tinha ouvido ainda criança as
pregações de São Patrício e nunca as esqueceu.
Quando Brígida entrou na adolescência,
como era muito formosa, o pai trouxe-a para casa, a fim de casá-la com um dos
muitos pretendentes. A filha, no entanto, queria consagrar-se inteiramente a
Deus. Segundo seus biógrafos, dando-se ela conta de que era sua beleza que
atraía os pretendentes, pediu a Deus que a tornasse feia, de modo a afastá-los.
Uma súbita moléstia na face provocou-lhe então a cegueira de um olho,
deixando-a tão disforme que ninguém mais quis saber dela. O pai consentiu então
que ela entrasse num convento.
Naquele tempo não havia ainda mosteiros na
Irlanda, e as virgens consagradas viviam em suas próprias casas. Brígida
recebeu o véu de consagração das mãos de São Maccaille, e fez sua profissão
religiosa com São Mel de Ardagh, discípulo de São Patrício, que lhe conferiu
poderes de abadessa para reunir virgens sob sua direção como no continente. Por
volta de 468 ela se estabeleceu por algum tempo nas faldas do Monte Croghan com
sete outras virgens, mas mudou-se para Druin Criadh, nas planícies de Magh
Life, onde, sob um enorme carvalho, fez erigir o seu famoso Convento de Cill-Dhara,
isto é, 'a igreja do carvalho'.
O convento de Santa Brígida em Cill-Dhara tornou-se centro de religiosidade e
aprendizado, e desenvolveu-se na importante cidade e diocese de Kildare. Ela
fundou dois conventos - um para homens e outro para mulheres -, e designou São
Conleth como diretor espiritual deles. Por indicação de Brígida, São Conleth
foi eleito para a Sé episcopal de Kildare. Segundo seus biógrafos, Santa
Brígida escolheu São Conleth “para governar o convento de Kildare junto com
ela” [...] “Desse modo, por séculos, Kildare foi regido por uma dupla linha de
abades-bispos e abadessas. A Abadessa de Kildare era considerada Superiora
Geral de todos os conventos da Irlanda”. (2) Como resultado, durante séculos
Kildare foi dirigida por uma dupla linhagem de bispos abades e de abadessas, e
a abadessa de Kildare era tida como a superiora geral dos conventos da Irlanda.
Santa Brígida fundou também uma escola de artes presidida por São Conleth, em
que se executavam trabalhos em metal e iluminuras. Kildare foi o berço do
"Livro dos Evangelhos", ou o "Livro de Kildare", que foi
comentado por Giraldus Cambrensis. Infelizmente esta preciosidade desapareceu
durante a Pseudo-Reforma Protestante.
De acordo com os eclesiásticos do século XII, nada era comparável ao
"Livro de Kildare", cujas páginas repletas de iluminuras
maravilhosas, cheias de harmonia e de cores, deixavam a impressão de que "todo
o trabalho era de qualidades mais angélicas do que humanas". Gerald
Barry dizia ter a impressão de que o livro fora escrito noite após noite:
enquanto Santa Brígida rezava, "um anjo fornecia os desenhos, copiados
pelo copista". (2)
Mesmo admitindo que os numerosos biógrafos de Santa Brígida exageravam nos
detalhes, o que é certo é que ela ocupa um lugar de destaque entre as mais
famosas mulheres irlandesas do século V, e é a Patrona da Irlanda. Santa Brígida
morreu deixando uma diocese e uma escola que se tornaram famosas em toda a
Europa. Em sua honra São Ultan escreveu um hino que começa assim:
Na nossa ilha de Hibernia, Cristo
tornou-se conhecido através dos grandes milagres que Ele realizou por meio da
feliz virgem de vida celestial, famosa por seus méritos no mundo inteiro.
Santa Brígida foi assistida por São Ninnidh em sua morte, que ocorreu em 1° de
fevereiro de 525, em Kildare. Ela foi enterrada à direita do altar principal da
Catedral de Kildare. Durante anos seu túmulo foi objeto da veneração dos
peregrinos, especialmente no dia de sua festa, 1° de fevereiro.
Por volta do ano 878, as relíquias de Santa Brígida foram levadas para
Downpatrick, onde foram enterradas junto às de São Patrício e São Columbano. As
relíquias dos três santos foram descobertas em 1185, e em 9 de junho do ano
seguinte foram transladadas solenemente para a Catedral de Downpatrick, na
presença do Cardeal Vivian, de quinze bispos, de numerosos abades e
eclesiásticos.
Aconteceu então que, depois da apostasia
da Inglaterra, por ordem de Henrique VIII, a igreja que conservava os restos
mortais da santa foi destruída, e suas cinzas lançadas ao vento. Da profanação salvou-se,
entretanto o crânio de Santa Brígida, que se encontrava em Neustadt, na
Áustria. Conservado na capela do palácio imperial austríaco até 1587, Rodolfo
II presenteou-o ao embaixador da Espanha, João de Borgia. Este o doou à igreja
de São João Batista, dos jesuítas, em Lisboa, onde é atualmente venerado. (3)
Vários breviários anteriores à Pseudo-Reforma comemoravam Santa Brígida e o seu
nome foi incluído na ladainha do Missal de Stowe.
Após 1500 anos, a memória de Santa Brígida continua tão venerada na Irlanda
quanto antes, e Brígida é o nome muito usado pelas mulheres católicas
irlandesas. Além disso, pelo país todo centenas de locais têm o nome em sua
honra: Kilbride, Brideswel, Tubbersbride, Templebride, etc.
A relíquia de Santa Brígida está preservada em Portugal desde 1587, e há uma
outra relíquia sua na Igreja de São Martinho, em Colônia, Alemanha. O antigo
poço de Santa Brígida, próximo da igreja em ruínas, é um local dos mais
venerados da Irlanda e ainda hoje atrai peregrinos.
A amizade de Santa Brígida com São Patrício é atestada pelo seguinte parágrafo
do "Livro de Armagh", um precioso manuscrito do século VIII, cuja
autenticidade é fora de questão:
"Entre São Patrício e
Santa Brígida, as colunas da Irlanda, havia tão grande amizade baseada na
caridade, que eles tinham um só coração e uma só cogitação. Por meio dele e
dela Cristo realizou muitos milagres".
Em Armagh havia um "Templum Brigidis", pequena igreja abacial
conhecida como "Regles Brigid", que continha algumas relíquias da
Santa, e que foi destruída em 1179, por William Fitz Aldelm. Os manuscritos
originais da 'Vida de Brígida' de Cogitosus, ou a "Segunda Vida", se
encontra hoje com os frades dominicanos de Eichstätt, na Bavária.
Santa
Brígida é chamada pelos irlandeses a “Rainha do Sul”, ou “Maria de Gael”, nome
cujo significado desconhecemos. (4) Algumas vezes ela é também chamada de
“Santa Brígida da Escócia”, como o fez, no século XVI, Pedro de Ribadeneira,
discípulo de Santo Inácio de Loyola. Isso se explica, segundo os “Pequenos
Bolandistas”, pelo fato de que os Escotos, que deram nome à parte setentrional
da Grã-Bretanha, habitavam no século V a região que veio a ser a Irlanda, que
era chamada indiferentemente de Escócia ou Hibérnia. (5)
Ainda criança Brígida mostrava grande amor
os pobres, e certa vez foi dar água a um menino que queria leite e a água se
transformou em leite.
Em outra ocasião, um barril de leite
enviado por ela a um vilarejo próximo não esvaziava e somente após todas as
crianças se fartarem com o leite, dele passou a jorrar cerveja, e somente após
todos se fartarem ele esvaziou-se.
Várias outras histórias a relacionam com a
transformação de água em leite e água em cerveja. A tradição diz que as vacas
de Brígida davam leite três vezes ao dia para prover leite para os pobres.
Sua túnica teria sido dada a Gunhilda,
irmã do Rei Harold II e estaria no Santuário de São Donatian em Gruges,
Bélgica. Uma relíquia do seu sapato está no museu de Dublin.
Na arte litúrgica da Igreja ela é
usualmente mostrada: 1) com uma vaca ao seu lado; 2) segurando uma cruz; 3)
expulsando o demônio. Às vezes ela é
mostrada com uma chama como véu, ou perto de um celeiro, ou perto de um curral,
ou restaurando a mão de um homem (um dos seus vários milagres foi recolocar no
lugar a mão cortada de um homem). A legenda conta que ela fez a cruz e
colocou-a no chão ao lado de um homem a morrer a fim de convertê-lo.
É interessante notar que essa legenda não
aparece em nenhuma das fontes mais antigas, mas até hoje sua origem continua
perdida na tradição oral. A cruz continua sendo costume em muitas casas na
Irlanda, em honra à Santa.
Notas:
1. Cfr. W.H.
Grattan-Flood, The Catholic Encyclopedia, CD Roon edition,Saint Ultan of
Ardbraccan.
2. W.H.
Grattan-Flood, St. Brigid of Ireland, The Catholic Encyclopedia, CD Roo
edition.
3. Cfr. Mgr. Paul Guérin, Sainte Brigitte, surnommée La thaumaturge, Les
Petits Bollandistes, Vies des Saints, ‘Bloud ET Barral, Libraires-Éditeurs,
Paris, 1882, tomo 2., p.186.
4. Cfr. W.H.
Grattan-Flood, St. Brigid of Ireland, op. cit.
5. Mgr. Paul Guérin,
op. cit. p. 185, nota 1.
Fontes:
Postado neste blog em 1º de fevereiro de 2012
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