Da. Silvania Gellibert de Negrete, nobre dama de Guayaquil, se despertou ao ouvir o ruído de fortes pancadas. O que estaria acontecendo na casa a estas horas da madrugada? Pressurosa e assustada dirigiu-se ao sótão, de onde parecia provir os sons. Encostou o ouvido à parede para escutar melhor. Ouviu, então, os estalos de violentas chicotadas e, ao mesmo tempo, fervorosas orações pedindo a Deus perdão pelos pecados dos homens. Atônita e com muita curiosidade, Da. Silvania procurou aguçar a vista e, por uma fenda da parede de madeira, viu sua jovem hóspede ajoelhada diante de um crucifixo, coroada de espinhos, com as costas ensangüentadas, castigando cruelmente seu corpo com um látego de pontas de aço. Quem seria essa mulher que se inflige semelhante castigo? Seu nome é Narcisa de Jesus Martillo Morán. Trata-se de uma alma chamada por Deus para reparar, por meio de extraordinárias penitências, os pecados cometidos em sua época. Nasce uma vítima expiatória Transcorria a primeira metade do século XIX. As guerras e as convulsões sociais eclodiam em quantidade na América do Sul. Quando Narcisa nasceu, no dia 29 de outubro de 1832, em Nobol, diocese de Guayaquil, havia pouco tempo que o Equador tinha se transformado em república. Seus pais, Pedro Martillo e Josefina Morán, eram agricultores. Ela foi a sexta de nove filhos. Faltam dados sobre o início de sua vida, tendo-se apenas a data de sua Crisma, recebida aos sete anos, no dia 16 de setembro de 1839. Muito pequena perdeu a sua mãe. Ela teve de se encarregar da educação dos seus irmãos mais novos. Dessa época da sua vida é lembrada a sua especial caridade, a sua alegria, o seu grande amor pela oração e a grande importância que atribuía à direção e aconselhamento espiritual. Na adolescência dedicava-se aos trabalhos domésticos, e aos 15 anos aprendeu o ofício de costureira, que exercia em sua casa e nas casas das famílias vizinhas. Desde muito jovem gostava de cantar e tocar viola, mas não participava das festas em família: limitava-se a ajudar na preparação e depois se isolava para dedicar-se às orações solitárias. Em 1851, aos 18 anos, seu pai faleceu e ela transferiu-se para Guayaquil, onde moravam seus parentes. Ali trabalhou como costureira, para não ser um peso para os seus hospedeiros, e começou a trabalhar com Luís Tola, que depois se tornará bispo de Portoviejo. Parte do que ganhava como costureira doava aos pobres e doentes. Manteve sempre um caráter alegre, divertido e amável e não deixava transparecer as privações pelas quais passava e a que se submetia livremente. Dedicou muito tempo ao apostolado, especialmente dirigido às crianças, a quem ensinava o catecismo. Trabalhou também com jovens abandonadas e refugiadas na Casa de Acolhimento, visitava doentes e moribundos.
|
Sta. Narcisa no esquife |
Suas moradas preferidas eram as águas furtadas e os esconderijos, para praticar o recolhimento e dedicar-se às penitências. Queria seguir o exemplo da Santa, também equatoriana, Marianita de Jesus (1618-1645), oferecendo sacrifícios pela expiação de sua cidade. Chegou a mandar fazer uma cruz salpicada de pregos, sobre a qual deitava todas as noites por quatro horas, antes de se acomodar sobre o chão para um breve repouso. Nunca professou votos religiosos solenes, mas tornou-se leiga dominicana, ingressando na Ordem Terceira Dominicana (ramo leigo da Ordem dos Pregadores). Depois de sua morte soube-se que fez votos particulares de virgindade perpétua, pobreza, obediência, clausura, vida eremítica, jejum a pão e água, comunhão cotidiana, confissão, mortificação e oração. Em 1865 seu diretor, gravemente enfermo, pediu que ela o acompanhasse a Cuenca, onde se restabeleceria em uma casa de religiosas. Narcisa permaneceu por dois anos em Cuenca, até a morte de seu diretor. Retornando a Guayaquil, encontrou uma amiga, Mercedes Molina, venerada como beata, empenhada na direção de um orfanato. Não hesitou em ajudá-la na formação das crianças e na confecção de indumentárias. As duas amigas assistiam a Missa cotidiana e moravam no orfanato. Segundo testemunhas da época, "Narcisa era muito bela, alta e bem proporcionada; sua cabeleira loura, abundante e anelada, chamava a atenção das pessoas; era muito estimada na cidade. Como caráter, era muito amável e em certos momentos dava demonstração de sua alegria cantando, enquanto sua amiga tocava a viola. Era muito caridosa". Em 1868, o frade franciscano Pedro Gual, que se tornara seu diretor espiritual, convidou Narcisa a transferir-se para Lima, onde ela ficaria hospedada no convento dominicano de Patrocínio. O capelão daquele mosteiro tornou-se seu confessor até a sua morte. Apesar de sua compleição robusta, no último período de sua vida era evidente a crescente debilidade resultante de suas penitências. Poucas horas antes de seu falecimento, na noite do dia 8 de dezembro de 1869, ao despedir-se das Irmãs, como que zombando, disse que partiria para uma longa viagem. Um pouco antes da meia-noite, a Madre que devia fazer o turno de vigília percebeu que a cela de Narcisa estava misteriosamente iluminada, e dela provinha um perfume fortíssimo. A religiosa foi verificar o que ocorria e "ao abrir a porta do quarto de Narcisa, viu a mesma claridade que se notava do lado de fora e sentiu que ali a fragrância era maior; ela tinha falecido, abrasada pela febre de seu corpo e, sobretudo, pelo ardor do amor divino". Tinha apenas 37 anos. Faleceu no dia da inauguração do Concílio Vaticano I, oferecendo seus últimos sofrimentos por este importante evento.
|
Santuário em Nobol, Equador |
Foi beatificada por João Paulo II em 25 de outubro de 1992. A sua canonização ocorreu em 12 de outubro de 2008, sendo a quarta pessoa oriunda da América Latina a ser canonizada por Bento XVI e a terceira santa equatoriana. Bento XVI referiu-se a Narcisa com as seguintes palavras: "Santa Narcisa de Jesus nos mostra um caminho de perfeição cristã. Oferece-nos um testemunho atraente e um exemplo acabado de uma vida totalmente dedicada a Deus e aos irmãos". Seus santos despojos se encontram no Santuário que ostenta seu nome, na sua cidade natal, Nobol, no Equador. Por ter-se santificado tanto no campo como na cidade, em sua pátria como fora dela, muitos migrantes têm especial devoção por ela. Festa da Imaculada Conceição A festa da Imaculada Conceição, comemorada em 8 de dezembro, foi definida como uma festa universal em 1476 pelo Papa Sisto IV. A Imaculada Conceição foi solenemente definida como dogma pelo Papa Pio IX em sua bula Ineffabilis Deus em 8 de dezembro de 1854. A Igreja Católica considera que o dogma é apoiado pela Bíblia (por exemplo, Maria sendo cumprimentada pelo Anjo Gabriel como "cheia de graça"), bem como pelos escritos dos Padres da Igreja, como Santo Irineu de Lyon e Santo Ambrósio de Milão. Uma vez que Jesus tornou-se encarnado no ventre da Virgem Maria, era necessário que ela estivesse completamente livre de pecado para poder gerar seu Filho. Em sua Constituição Apostólica Ineffabilis Deus, que definiu oficialmente a Imaculada Conceição como dogma, o Papa Pio IX recorreu principalmente para a afirmação do Gênesis 3:15, onde Deus disse: "Eu porei inimizades entre ti e a mulher, entre tua descendência e a dela", assim, segundo esta profecia, seria necessário uma mulher sem pecado para dar à luz o Cristo, que reconciliaria o homem com Deus. O verso "Tu és toda formosa, minha amada, não há mancha em ti" (na Vulgata: "Tota pulchra es, amica mea, et macula non est in te"), no Cântico dos Cânticos (4,7) é usado para defender a Imaculada Conceição, outros versos incluem: "Também farão uma arca de madeira incorruptível; o seu comprimento será de dois côvados e meio, e a sua largura de um côvado e meio, e de um côvado e meio a sua altura." (Êxodo 25:10-11) "Pode o puro [Jesus] vir dum ser impuro? Jamais!" (Jó 14:4)
|
Em Lourdes Na. Sra. confirma o dogma |
"Assim, fiz uma arca de madeira incorruptível, e alisei duas tábuas de pedra, como as primeiras; e subi ao monte com as duas tábuas na minha mão." (Deuteronômio 10:3) Outras traduções para a palavra incorruptível ("Setim" em hebraico) incluem "acácia", "indestrutível" e "duro" para descrever a madeira utilizada. Moisés usou essa madeira porque era considerada muito durável e "incorruptível". Maria é considerada a Arca da Nova da Aliança (Apocalipse 11:19) e, portanto, a Nova Arca seria igualmente "incorruptível" ou "imaculada". Na definição oficial do dogma da Imaculada Conceição de Maria assim o Papa se expressou: Em honra da santa e indivisa Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a nossa, declaramos, pronunciamos e definimos a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus e, portanto, deve ser sólida e constantemente crida por todos os fiéis. |
Como tudo que Deus faz é maravilhoso! Obrigada pelo texto.
ResponderExcluir