quarta-feira, 28 de março de 2018

Nossa Senhora das Dores – Semana Santa


Celebramos sua compaixão, piedade; suas sete dores cujo ponto mais alto se deu no momento da Crucificação de Jesus

“Quero ficar junto à cruz, velar contigo a Jesus e o teu pranto enxugar!”

   
Eis como a Bem-aventurada Virgem revelou a Santa Brígida o estado lastimoso do seu Filho moribundo, conforme ela o presenciou:
     “Estava meu Amado Jesus na cruz, todo aflito e agonizante; os olhos estavam encovados e meio fechados e amortecidos; os lábios pendentes e a boca aberta; as faces descarnadas, pegadas aos dentes e alongadas; afilado o nariz, triste o rosto; a cabeça pendia-lhe sobre o peito; os cabelos estavam negros de sangue, o ventre unido aos rins; os braços e as pernas inteiriçadas e todo o resto do corpo coalhado de chagas e de sangue”.
     Ó pobre de meu Jesus! Ó martírio cruel para o coração de uma mãe!
O que mais afligia Nossa Senhora
     Quem se achasse então sobre o Calvário, diz São João Crisóstomo, teria visto dois altares, nos quais se consumavam dois grandes sacrifícios: um no corpo de Jesus, outro no coração de Maria.
     Mas melhor me parece, com São Boaventura, considerar ali um só altar, isto é, só a cruz do Filho, no qual, juntamente com a vítima do Cordeiro divino, é sacrificada também a Mãe. Por isso o Santo pergunta-lhe assim: O Domina, ubi stas? – “Ó Maria, onde estais?” Junto à cruz? Ah! Mais exatamente direi que estais na mesma cruz, a sacrificar-vos, crucificada juntamente com Jesus.
     O que mais afligia a nossa Mãe dolorosa era o ver que ela mesma, com a sua presença, aumentava as aflições do Filho, porquanto, como diz o mesmo Santo Doutor, a mesma pena que enchia o Coração de Maria, transbordava para amargurar o Coração de Jesus; e Jesus padecia mais pela compaixão da Mãe, do que pelas suas próprias dores.
     Acresce que, lembrando-se Maria da profecia de Simeão, já desde então previu que os padecimentos de Jesus Cristo seriam, pela culpa dos homens, inúteis para grande parte deles, e ainda mais, causa de maior condenação: Ecce positus est hic in ruinam et resurrectionem multorum (1) – “Eis que este é posto para ruína e ressurreição de muitos”.
     Roguemos à nossa divina Mãe, pelos merecimentos desta sua dor, que nos obtenha verdadeira dor dos nossos pecados e verdadeira emenda de vida, zelo fervoroso pela salvação das almas e uma terna compaixão dos sofrimentos de Jesus Cristo e pelas suas próprias dores.
     Por isso digamos com São Boaventura:
     “Ó Maria, se no passado vos ofendi, vingai-vos agora ferindo-me o coração; se vos servi fielmente, também outra recompensa não vos peço senão que me firais. Demais indecoroso seria para mim ficar ileso, ao passo que Vos vejo repletos de dores, a vós e a meu Senhor Jesus Cristo”. Poenas mecum divide – “Reparti comigo as penas”. (*I 244.)

As Promessas aos devotos de Nossa Senhora das Dores
     Santa Brígida diz-nos, nas suas revelações aprovadas pela Igreja Católica, que Nossa Senhora lhe prometeu conceder sete graças a quem rezar cada dia sete Ave-Marias em honra de suas principais “Sete dores” e Lágrimas, meditando sobre as mesmas.
     Eis as promessas:                                                                    


1ª – Porei a paz em suas famílias.
2ª – Serão iluminados sobre os Divinos Mistérios.
3ª – Consolá-los-ei em suas penas e acompanhá-los-ei nos seus trabalhos.
4ª – Conceder-lhes-ei tudo o que me pedirem, contanto que não se oponha à vontade de meu adorável Divino Filho e à santificação de suas almas.
5ª – Defendê-los-ei nos combates espirituais contra o inimigo infernal e protegê-los-ei em todos os instantes da vida.
6ª – Assistir-lhes-ei visivelmente no momento da morte e verão o rosto de Sua Mãe Santíssima.
7ª – Obtive de Meu Filho que os que propagarem esta devoção (às minhas Lágrimas e Dores) sejam transladados desta vida terrena à felicidade eterna, diretamente, pois ser-lhe-ão apagados todos os seus pecados e o Meu filho e Eu seremos a sua eterna consolação e alegria.
     Santo Afonso Ligório nos diz que Nosso Senhor Jesus Cristo prometeu aos devotos de Nossa Senhora das Dores as seguintes graças:
     1ª – Que aquele devoto que invocar a divina Mãe pelos merecimentos de suas dores merecerá fazer, antes de sua morte, verdadeira penitência de todos os seus pecados. 
     2ª – Nosso Senhor Jesus Cristo imprimirá nos seus corações a memória de Sua Paixão dando-lhes depois um competente prêmio no Céu.
     3ª – Jesus Cristo guardá-los-á em todas as tribulações em que se acharem, especialmente na hora da morte.

Coroa das 7 Dores de Nossa Senhora
(Segundo o livro “As mais belas orações de Santo Afonso”)

No início:
– Vinde, ó Deus, em meu auxílio;
– Senhor, apressai-Vos em me socorrer!
– Glória.

Anunciam-se as Dores como se fazem com os Mistérios no Rosário. Assim:

– 1ª Dor: A Profecia de Simeão à Nossa Senhora, anunciando-Lhe a espada de dor que um dia Lhe traspassaria a Alma, na Paixão de Seu diletíssimo Filho; foi então marcada pela dor da profecia de Simeão, mas sabendo que o Menino seria a Salvação de muitos.

– 2ª Dor: A Fuga e Exílio para o Egito - A Sagrada Família é obrigada a fugir para o Egito para salvar a vida do Menino. Após o nascimento de Jesus o Rei Herodes quis matá-lo e um anjo do Senhor apareceu a São José e disse: “Levanta-te, toma o menino e sua Mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise”. Obediente, “José levantou-se durante a noite, tomou o Menino e sua Mãe e partiu para o Egito”. (Mt 2, 13-14). Peçamos a São José a pronta obediência à Vontade de Deus.

– 3ª Dor: A Perda do Menino Jesus no Templo. A aflição de Nossa Senhora ao ver que seu Filho desaparecera: o Menino Jesus ficou em Jerusalém sem que seus pais o percebessem. Três dias depois o acharam no templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os. (Lc 2, 43-50) Unidos à dor que Maria sentiu nesta ocasião, peçamos forças e graças para suportarmos com paciência todas as dores de nossas vidas, e para nos mantermos afastados do pecado.

– 4ª Dor: O Encontro com Jesus carregando a Cruz. Nossa Senhora se vê frente ao seu Filho todo desfigurado pela cruel flagelação e coroado de espinhos, carregando o madeiro da Cruz, que se tornaria a fonte da redenção. Um dos momentos mais pungentes da Paixão é este. As lágrimas que Maria derramou na ocasião, a troca de olhar com o Filho, a constatação das crueldades que Ele estava sofrendo, tudo causava imensa dor no Seu Coração de Mãe. Unamo-nos à dor de Maria SSma. e peçamos uma dor sincera de nossos pecados que foram a causa de tanta dor.

– 5ª Dor: Nossa Senhora assiste a Crucificação, Agonia e Morte de Seu adorado Jesus. “Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua Mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cleófas, e Maria Madalena”. (Jo 19, 25) Aos pés da Cruz, Nossa Senhora se mantém em pé, firme, pois sabe que seu Divino Filho fazia aquilo por amor à humanidade. Seu sacrifício unido ao de seu Divino Filho chega ao auge e nos recorda que não podemos esmorecer diante das batalhas que temos que enfrentar contra o mundo, o demônio e a carne.

– 6ª Dor: Nossa Senhora vê o Coração de Jesus ser traspassado pela lança, e depois recebe em Seus Braços o Corpo de Seu Divino Filho, morto pelos nossos pecados. Um soldado romano transpassa Nosso Senhor com uma lança, esta mesma lança transpassa o coração de Nossa Senhora. Nossa Senhora da Piedade, é assim que o povo católico invoca Maria nesse momento da Paixão. Depois “tomaram o corpo de Jesus e envolveram-no em panos com os aromas, como os judeus costumam sepultar.” (Jo 19, 40) “Reparti comigo as vossas penas”, ó Mãe Imaculada!

– 7ª Dor: O Sepultamento de Jesus. O corpo de Nosso Senhor é tirado da Cruz e depositado no sepulcro, Nossa Senhora a tudo acompanha de perto e firme, guardando tudo em seu coração. O sepultamento de Seu Divino Filho foi a última dor que Maria sentiu durante a Paixão. “No lugar em que ele foi crucificado havia um jardim, e no jardim um sepulcro novo, em que ninguém ainda fora depositado. Foi ali que depositaram Jesus”. (Jo 19, 41-42) Correu-se a laje. Parece tudo acabado. É o momento em que tudo começa. A Páscoa se aproxima.

     – Após o anúncio de cada dor, segue-se um Pai-nosso e 7 Ave-Marias (sem o Glória no final)
     – Para ganharem-se as Indulgências requer-se que se contemple interiormente, enquanto se rezam as preces vocais, cada dor anunciada, como se faz no Rosário com os Mistérios.
     – No fim da Coroa reza-se 3 Ave-Marias em honra das Lágrimas de Nossa Senhora.

PS: Existe um terço próprio para essa devoção com 7 dezenas, contendo 7 bolinhas em cada dezena e uma bolinha (maior) no intervalo delas.



Notas:

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1. Luc. 2, 34.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 74-76.)

segunda-feira, 26 de março de 2018

Santa Lucia Filippini, Fundadora – 26 de março

    
     Lúcia nasceu no dia 13 de janeiro de 1672, em Corneto Tarquínia, proximidades de Roma, numa família honrada e abastada. Quando ainda tinha um ano de idade, perdeu a mãe, que faleceu com apenas 27 anos de idade, e alguns anos mais tarde, o pai. Passou a viver com os tios e foi entregue, para ser formada e educada, às Irmãs beneditinas e junto delas a menina descobriu o dom que tinha para ensinar.
     Seu amor a Jesus na Eucaristia era tão grande que não passava dia sem que O fosse visitar no tabernáculo.
Muito dedicada aos estudos da Sagrada Escritura, e com a alma cheia de caridade, tomou para si, ainda no início da adolescência a função de ensinar o catecismo às crianças. Tantos eram os pequenos que a procuravam e tão cativante era sua forma de transmitir as verdades de nossa Fé, que logo o padre do local a nomeou oficialmente a catequista paroquial.
     Quando Lucia tinha 16 anos, passou pela sua cidade o Cardeal Marcantonio Barbarigo. O Cardeal benevolentemente concedeu-lhe uma audiência: ficou surpreendido com a simplicidade, com o candor, com a sensatez de Lúcia e dela ouviu os votos e as aspirações. Pouco tempo depois, com o consentimento dos tios, chamou-a a Montefiascone, destinando-a ao Mosteiro de Santa Clara, onde com o estudo e a oração ela se preparava para a missão que Deus lhe reservara.
     Lúcia contava apenas com vinte anos; está no pleno vigor de suas forças e já preparada para um novo gênero de apostolado, planejado pelo zeloso Purpurado. Foi colocada na liderança de uma missão que o cardeal julgava essencial para corrigir os costumes cristãos de sua diocese: fundar escolas católicas em diversas cidades. Lúcia, em sua humildade, a princípio relutou, achando que a função estava acima de suas possibilidades. Mas o cardeal insistiu e ela iniciou seu trabalho que duraria quarenta anos.
     Iluminar as inteligências e elevar os corações era o seu ideal nobre. Com a ajuda do Cardeal Barbarigo, tendo como respaldo a regra da Beata Rosa Venerini e com a colaboração de uma grande dama, ela realizou seu plano apostólico, dando origem ao ministério educacional benéfico e nunca suficientemente louvado.
     A missão exigiu imensos esforços, tantos foram os sacrifícios a que teve de se submeter, mas nada a afastou da tarefa recebida. Nas próximas quatro décadas preparou professoras, catequistas, fundou escolas e organizou-as em muitas cidades e dioceses. Quando o Cardeal Barbarigo faleceu, as dificuldades aumentaram. Lúcia uniu-se então a outras professoras e catequistas, juntando todas numa congregação: fundou em 1692 o Instituto das Professoras Pias.
     A fama do seu trabalho chegou ao Vaticano e em 1707, o Papa Clemente XI pediu para que Lúcia criasse uma de suas escolas em Roma.
      O nome e a santidade da jovem apóstola se expandem por todo o Lácio. O Papa Clemente XI a chama a Roma: Lúcia, acompanhada de algumas Irmãs, parte de Montefiascone para a Cidade Eterna, colocando-se à inteira disposição de Sua Santidade. Também em Roma o Instituto das Mestras Pias se afirma e adquire maior prestígio. E até hoje continua a dar copiosos frutos. 
Amor à pobreza
     Muito embora estivesse sobrecarregada de obrigações, achava sempre tempo para atender a obras de misericórdia. Seguia exatamente aquilo que o Papa Clemente XI lhe havia dito na primeira audiência: “Onde há um pobre a socorrer, ali está Jesus”.
Prodígios
     Um dia, surpreendida por um pavoroso tufão, invoca a ajuda divina e logo após o tempo serena. Outra vez, com o sinal da cruz cura uma mulher a que se devia amputar um braço.
     Ela vivia só e inteiramente para Deus, alegre por poder cumprir Sua santíssima Vontade. Todos os dias recebia Jesus na Eucaristia, porque, sem Jesus, aquele dia era considerado perdido para ela.
     Lúcia Filippini faleceu aos sessenta anos, no dia 25 de março de 1732, de câncer, mas docemente e feliz pela sua vida entregue à Deus e às crianças, sementes das novas famílias que são a seiva da sociedade. Seu corpo descansa na catedral de Montefiascone, onde começaram as escolas católicas do Instituto das Professoras Pias Filippinas, como são chamadas atualmente.
     A festa litúrgica à Santa Lúcia Filippini foi marcada para o dia 26 de março pelo Papa Pio XI, na solenidade de sua canonização, em 22 de junho de 1930. Pio XI exaltou a nobre figura de Santa Lúcia Filippini, e à Itália e ao mundo proclamou sua santidade, associando-a ao apostolado de Rosa de Viterbo e Catarina de Sena.
     O Instituto das Mestras Pias Filippini tem por objetivo a educação, a instrução moral e civil da juventude. Hoje, as escolas das professoras pias filippinas, além de atuarem em toda a Itália, estão espalhadas por todo território norte-americano, num trabalho muito frutífero junto à comunidade católica.

Frases
     “O amor é uma força que atrai e conquista os corações: a caridade é o efeito do amor que leva à conquista das almas”.
     “Deus nos chamou para servi-Lo nos pobres, nos sofredores, nos necessitados, a trabalhar para o advento do Reino de Cristo no mundo; continuemos. Enquanto vivemos, devemos combater, vigiar, sobretudo orar para que no mundo não nos prenda com suas seduções. Em nome do Senhor, sempre para a frente”.
     “Jesus morreu por nós, mas nós ainda não morremos por Ele”.
     Desejaria ardentemente multiplicar-me para gritar por todos os lados e para dizer a todas as pessoas: Amai, amai muito o Senhor!”
     “No mundo há necessidade de compreensão e caridade”.
     “Exorto-vos, caras filhas, a conduzir uma vida digna da Vocação, para a qual fostes chamadas; com total humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos reciprocamente e na caridade, solícitas em conservar a unidade de espírito. Aonde fordes, levai o sorriso de Maria”.
Tarquinia, Itália
Fontes:
Pia Sociedade Filhas de São Paulo Paulinas http://www.paulinas.org.br; www.santiebeati.it/ Antonio Galuzzi
Valentino Turetta. A mestra Santa. Santa Lúcia Filippini. Imprimatur em 11 de novembro de 1965.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Santa Léia, Viúva – 22 de março

    
     Esta grande dama romana fazia parte, como Marcela, Melânia e outras, do círculo aristocrático de Roma a quem São Jerônimo dirigia e dava aulas sobre a Sagrada Escritura no século IV.
     Os poucos dados sobre Santa Léia estão contidos numa carta escrita por São Jerônimo a Santa Marcela quando soube da sua morte, em 384.
     Léia era uma rica romana que ao ficar viúva ainda jovem recusou um novo casamento, como era o costume da época, para se juntar à Marcela e outras mulheres, em um mosteiro criado na própria residência desta, em Aventino, Roma.
     Léia havia recusado ninguém menos que Vécio Agorio Pretestato, cônsul romano, que lhe proporcionaria uma vida ainda mais luxuosa pelo prestígio e privilégios que envolviam aquele cargo. Teria uma vila inteira como moradia e incontáveis criados para atendê-la. Entretanto, Léia preferiu viver numa cela pequena, fria e escura, com simplicidade e dedicada à oração, à caridade e à penitência. Curiosamente, Léia morreu em Roma no mesmo ano em que faleceu Vécio, o cônsul rejeitado por ela.
     A presença pagã ainda era forte no Império quando Léia nasceu. Havia decorrido pouco mais de uma década do Edito de Milão (ano 313), pelo qual Constantino tirou a Igreja das catacumbas, permitindo sua expansão. Este imperador ao falecer em 337, dividiu o Império Romano entre seus três filhos, Constantino II, Constante e Constâncio. Com a morte dos dois primeiros, Constâncio ficou o único imperador. Ganho pela heresia ariana, ele faleceu em 361 de rápida doença, sendo batizado em seu leito de morte por um bispo herege. Assim sendo, Santa Léia viveu parte de sua vida durante o reinado deste Imperador favorecedor da heresia.
     Por outro lado, a Cidade Eterna, no tempo de Santa Léia, já não era mais a orgulhosa cidade que causava inveja a todos os povos. Com a divisão do Império e a importância que adquiriu Bizâncio ao se tornar Constantinopla, Roma perdeu muito de sua grandeza. Mesmo os Imperadores posteriores a Constantino pouco nela ficaram, transferiram-se para outras cidades do Império, como Milão e Ravena.
     Pelo que a orgulhosa Roma passou a ser cobiçada como possível presa pelos vários povos bárbaros. Assim, em 408, por duas vezes, Alarico, rei dos visigodos, a sitiou. Mas o Senado, pressionado por uma minoria de pagãos, tratou com o invasor, depôs o imperador Honório, e pôs Atalus no trono. Mas isso foi só uma medida temporária, pois, dois anos depois, o mesmo Alarico retornou invadindo e saqueando a cidade a ferro e fogo.
     Nada sabemos da vida de Santa Léia antes de ela juntar-se a Santa Marcela em seu convento do Aventino. Desprezando proposta de casamento muito vantajosa, consagrou-se inteiramente a Deus. A isso ajudou-a muito ter encontrado, no seio da sociedade corrompida de Roma, uma outra sociedade de igual nobreza, formada por viúvas e virgens pertencentes às primeiras famílias da Cidade Eterna, que levavam vida de piedade e boas obras sob a direção de Santa Marcela. Era o Cristianismo que, pela graça de Deus, vicejava nas mais altas classes sociais do Império.
     Como surgiu esse convento do nobre bairro do Aventino, na Cidade Eterna? Ocorrera que, no ano de 382, o Imperador Teodósio – com razão chamado “o Magno” – e o papa São Damaso resolveram convocar um sínodo em Roma para combater as heresias que pululavam principalmente no Oriente. Adoecendo Santo Ambrósio, que deveria ser o secretário do Sínodo, São Damaso nomeou São Jerônimo para substituí-lo. Este Santo desincumbiu-se tão bem do cargo, que o Papa o nomeou depois seu secretário particular.
     Um grupo de matronas e virgens romanas da mais alta aristocracia pôs-se então sob sua direção espiritual. Elas tinham sido reunidas e dirigidas, por sua vez, por Santa Marcela, e entre elas destacam-se Santa Paula e suas filhas Paulina, Santa Estóquia, Blesila e Rufina; Albina, Asela, Leia e outras. Para elas transformou o palácio de Santa Marcela, no Aventino, em convento.
     Acontece que, até essa época, nenhuma grande dama da Cidade Eterna tinha feito profissão de vida monástica. Era mesmo ignominioso e degradante aos olhos das classes mais elevadas só o pensar em tal ideia. A primeira a fazê-lo, Santa Marcela, teve que desafiar todo o ambiente mundano que a cercava, sendo assim a primeira grande dama romana a professar abertamente a vida de devoção. Entretanto, bela, rica, de alta linhagem, muito culta, perfeitamente ao nível de tudo o que Roma encerrava de mais refinado e erudito, ninguém se atrevia a desconsiderá-la. O mesmo ocorreu com as outras que lhe seguiram.
     Com isso tiveram origem as “reuniões do Aventino”, onde São Jerônimo fazia conferências sobre teologia e estudos bíblicos para essas novas monjas. Eram muito atentas as aristocráticas alunas ao ensinamento de São Jerônimo, de modo que ele exclama: “O que eu via nelas de espírito, de penetração, ao mesmo tempo que de encantadora pureza e virtude, não saberei dizer”.
     A notícia que temos de Santa Léia é dada pelo seu diretor espiritual, São Jerônimo em carta que escreveu de Belém, na Palestina, onde vivia após sofrer perseguições em Roma, a Santa Marcela, em Roma, depois da morte da primeira. Diz ele:
     Quem renderá a bem-aventurada Léia os louvores que merece? Renunciou a pintar o rosto e a adornar a cabeça com pérolas brilhantes. Trocando ricos atavios por vestido de saco, deixou de dar ordens aos outros para obedecer a todos; viveu num canto com alguns móveis; passava as noites em oração; ensinava as companheiras mais com o exemplo do que com admoestações ou discursos; esperou a chegada ao Céu para ser recompensada pelas virtudes que praticou na terra.
     Acontece que Santa Léia faleceu ao mesmo tempo que Vécio, cônsul romano muito popular, que levava vida bastante irregular. Por isso, como veremos, São Jerônimo, sem nenhuma cerimônia, o lança no inferno. Continua o Santo:
     É lá [no céu] que ela gozará, daqui em diante, da felicidade perfeita. Do seio de Abraão, onde está com Lázaro, olha para o nosso cônsul, outrora coberto de púrpura e agora revestido de ignomínias, pedindo em vão uma gota de água para matar a sede. Embora ele tivesse subido ao Capitólio entre os aplausos da população e a sua morte enlutasse toda a cidade, é em vão que sua mulher proclama imprudentemente que ele foi para o Céu e lá ocupa um grande palácio. A realidade é que foi precipitado nas trevas exteriores, ao passo que Léia, que queria passar na terra por insensata, foi recebida na casa do Pai ao festim do Cordeiro.
     São Jerônimo termina com um conselho espiritual às suas discípulas:
     Por isso vos peço, com lágrimas nos olhos, que não procureis os favores do mundo e que renuncieis a tudo o que é da carne. Em vão se procuraria seguir ao mesmo tempo o mundo e Jesus. Vivamos na renúncia de nós mesmos, porque o nosso corpo em breve se converterá em pó e o resto não durará também muito.
Medalha de Santa Léia

Etimologia: Léia é um bonito nome de origem hebraica, que quer dizer “abrigo”, “resguardo”. Este nome pode aparecer como uma variante feminina de leo, “leoa” no latim, ou ainda com os significados de “fatigada”, “ativa”, “trabalhadeira” ou “bonita”. É uma variação do nome Leah, de origem hebraica, e significa "mulher delicada". Na Bíblia, Leah ou Lea foi a primeira esposa de Jacó e mãe de seus seis filhos e uma filha, Diná.

terça-feira, 20 de março de 2018

Santa Eithne, virgem irlandesa – 20 de março

São Patrício e seus pequenos discípulos

     Eithne e sua irmã Fidelma são duas santas irlandeses de Leinster, relativamente obscuras, que devem ter florescido no século V/VI. Elas são comemoradas juntas nos martirológios irlandeses.
     John Colgan, estudioso do século XVII, acreditava que uma vida escrita sobre elas tenha sido testemunhada por Cathal Óg Mac Maghnusa (d. 1498), que ele considerou o autor de adições ao Félire Óengusso. Embora nada do tipo tenha saído à luz, elas aparecem nas Vidas de dois santos mais conhecidos do século VI e VII, Áedan e Moling, ambos bispos de Ferns.
     Desde as suas primeiras aparições nos dois primeiros martirológios irlandeses, o Martirológio de Tallaght e o de Félire Óengusso (início do século VIII), as irmãs são chamadas de filhas de Baite ou Baithe. Elas aparecem sob essa descrição no Félire Óengusso, enquanto um comentarista tardio do texto, muitas vezes identificado como Cathal Óg Mac Maghnusa, as nomeia Eithne e Fidelma.
     Como Colgan já observou, as genealogias dos santos da Irlanda descrevem-nas como filhas de Cairbre, rei de Leinster, filho de Cormac, filho de Ailill, filho de Dunlong (etc.). A vida de São Áedan de Ferns, por outro lado, as torna filhas do filho de Cairbre e sucessor Áed. Com base no relato da morte de Cairbre em 546 nos Anais dos Quatro Mestres, Colgan conclui que sua descendência vai até meados do século 6 ou mais tarde.
     Colgan propõe que o nome Baite deve referir-se ao seu avô Cairbre, filho de Cormac, ou representar o nome irlandês baide denotando afeição divina ou caridade, em vez de qualquer nome ou epíteto pessoal. Esta designação ele explica como se referindo ao ato milagroso de piedade pelo qual elas eram lembradas principalmente, a saber, a sua devoção à Cristo como uma criancinha. O comentário nos Félire afirma que elas tinham visões nas quais elas "costumavam cultuar Cristo [...] e Cristo costumava vir na forma de um bebê", de modo que ele era amorosamente embalado e as osculava.
      A igreja ou o eremitério das duas irmãs é identificado pelo comentarista do Félire como Tech ingen mbóiti (House of the Baite's daughters - Casa das Irmãs Caridosas – em tradução aproximada) perto de Swords, ou seja, na baronia de Nethercross (Co. Dublin), que o martirológio de Cashel localiza em Fingal, na planície de Brega. De acordo com as genealogias, Eithne e Fidelma eram veneradas em Killnais, o antigo nome de uma região na mesma localidade.
     Em uma das legendas contidas nos Atos de São Moling, Bispo de Ferns, é dito que Eithne e sua irmã foram visitadas por este venerável santo.
     Santa Eithne teria sido enterrada na Catedral da São Patrício em Armagh.

Outra versão
     A história de Santa Eithne provavelmente seja pura legenda (o que é desmentido por inúmeros textos antigos). Nascida como princesa, Eithne conheceu São Patrício e seus discípulos em sua missão para converter a Irlanda (o que é bastante plausível, visto a atuação daquele grande apóstolo da Irlanda). Ela e sua irmã pediram a São Patrício para batizá-las. Ele concordou, e elas pediram para ver o rosto de Deus. São Patrício explicou que não era tão fácil. Mas depois de receber a Primeira Comunhão, as meninas morreram. As irmãs foram enterradas no local onde elas caíram e os discípulos de São Patrício construíram uma igreja em seu último lugar de repouso.

Etimologia: Eithne, irlandês = Amande, francês (Amêndoa). O nome Eithne não é facilmente pronunciável, há quatro variantes: ETnah, ENyah, ENah e ETHnah. A forma anglicizada de Eithne é Edna. Edna, por sua vez, em hebreu significa prazer. Este nome aparece na Bíblia, no livro apócrifo de Tobias.

sábado, 17 de março de 2018

São José: Santas suas devotas – 19 de março


    


    
     A grande Madalena dos últimos tempos, Santa Margarida de Cortona, atribuía a sua conversão maravilhosa à proteção de S. José. Cada dia lhe prestava uma homenagem. Jesus lhe disse numa aparição: “Filha, se desejas fazer-me algo agradável, rogo-te não deixeis passar um dia sem render algum tributo de louvor e de bênção ao meu Pai adotivo São José, porque me é caríssimo”. Abrasada em zelo, a santa nunca deixou de invocar ao santo Patriarca até a morte.

     Santa Joana de Chantal, a mais fiel discípula e herdeira das virtudes do Santo Doutor, São Francisco de Sales, herdou-lhe também a devoção ao santo Patriarca. Trazia sempre consigo uma pequena imagem do santo. Aconselhava às Superioras da Visitação que todas as suas filhas trouxessem consigo uma estampa de Jesus, Maria e José.


     Testemunho de Santa Teresa de Ávila (†1582), doutora da Igreja, devotíssima de São José. No “Livro da Vida”, sua autobiografia, ela escreveu:
     Assim, tomei por advogado e senhor o glorioso São José, encomendando-me muito a ele. Vi com clareza que esse pai e senhor meu me salvou, fazendo mais do que eu podia pedir, tanto dessa necessidade como de outras maiores, referentes à honra e à perda da alma. Não me lembro até hoje de ter-lhe suplicado algo que ele não tenha feito. Espantam-me muito os muitos favores que Deus me concedeu através desse bem-aventurado Santo, e os perigos, tanto do corpo como da alma, de que me livrou. Se a outros santos o Senhor parece ter concedido a graça de socorrer numa dada necessidade, a esse Santo glorioso, a minha experiência mostra que Deus permite socorrer em todas, querendo dar a entender, que São José, por ter-Lhe sido submisso na terra, na qualidade de pai adotivo, tem no céu todos os seus pedidos atendidos.
     Por experiência, o mesmo viram outras pessoas a quem eu aconselhava encomendar-se a ele. A todos quisera persuadir que fossem devotos desse glorioso santo, pela experiência que tenho de quantos bens alcança de Deus... De alguns anos para cá, no dia de sua festa, sempre lhe peço algum favor especial. Nunca deixei de ser atendida”.   
  No Livro da Vida, sua autobiografia, encontram-se diversas passagens em que a santa fala de seu amor por São José e das muitas ocasiões em que a ele recorreu, jamais deixando de ser atendida. Num episódio relatado no capítulo trinta e três, escreve: “Numa ocasião, estando numa necessidade que não sabia resolver, nem tendo com que pagar os operários, apareceu-me São José, meu verdadeiro pai e senhor, e deu-me a entender que recursos não me faltariam e que eu devia contratá-los. Eu o fiz, sem dispor de um centavo, e o Senhor, por caminhos que espantavam aos que o viam, me forneceu os recursos” (p. 227).

[Teresa de Jesus. Obras Completas. Texto estabelecido por Fr. Tomas Alvarez, O.C.D. Direção Pe. Gabriel C. Galache, SJ. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e outros. – São Paulo: Edições Carmelitanas: Edições Loyola, 1995, Livro da Vida, p. 49.]

São José, Santa Teresinha e Santa Zélia Guerin
     A devoção ao Santo Esposo de Maria Santíssima era tradicional na família de Santa Teresa do Menino Jesus. Na “História de uma alma”, Santa Teresinha escreveu: “Desde a mais tenra idade que em minha alma se confundiam o amor de São José com o da Santíssima Virgem”.
     Em suas poesias, ao falar da Santa Família de Nazaré, recorda a humildade, o amor e dedicação de São José! Santa Zélia Guerin, a piedosa mãe, devotíssima do Santo Patriarca, a Ele confiava todos os negócios e sofrimentos.
     Deu aos filhos, os dois meninos que teve, o nome de São José: José Luís e José João Batista. Ambos morreram em tenra idade. A esperança de um filho missionário se desvaneceu. Todavia continuaram os esposos a rezar, e Nosso Senhor lhes deu mais que um simples missionário: a Padroeira de todos os missionários!
     Aos 2 de Janeiro de 1873 nasceu em Alençon, Teresinha. Pouco depois do batismo, a menina definha e parece seguir o caminho dos irmãozinhos já partidos para o céu. O médico aconselha a procurar uma boa e sadia ama de leite, como última tentativa. Esta, ao chegar, encontra a criança em estado lastimável e abana a cabeça: Pobrezinha! É tarde demais! Já não há mais recurso...
     A pequena, lívida, com sinais de agonia. Zélia subiu ao segundo andar e retirou-se ao quarto. Não lhe sobravam forças para assistir a agonia de mais uma filha, e em tão pouco tempo! Todavia, ao contemplar a imagem de São José, seu protetor de todas as horas, caiu de joelhos e exclamou, cheia de confiança: “Meu querido São José, eu não me dou por vencida! Sois o padroeiro das causas desesperadas, valei-me!
     Desce. Alegria, inesperada: a criança toma o peito da ama. A felicidade foi momentânea, entretanto. São José queria experimentar a confiança da sua devota. Teresinha, após este sinal de vida, cai desfalecida novamente. Nem um sopro de vida. Zélia, banhada em lágrimas, suspirou resignada: “Seja feita a vossa vontade, meu Deus! Meu São José, eu vos agradeço a morte suave que permitistes ao meu anjinho!
     De súbito, com geral estupefação, Teresinha abre os olhos, reanima-se e sorri para a mãe. A agonizante de poucos minutos estava salva! São José fez o milagre. Naquele mesmo dia a pequenina se amamentava e a levaram à casa da ama a poucos quilômetros de Alençon.
     São José salvara a vida da maior santa dos últimos tempos, no expressivo e profético dizer de São Pio X.

Fonte: “Glória e poder de São José” – Mons. Ascânio Brandão – Editora Ave Maria Ltda.


quinta-feira, 15 de março de 2018

Santa Luísa de Marillac, Cofundadora – 15 de março

     
     Perfeita discípula de São Vicente de Paulo. A Providência Divina uniu as almas desses dois grandes Santos – embora fossem eles muito diversos quanto à classe social a que pertenciam e ao temperamento — para a fundação de admiráveis obras: a Congregação das Irmãs da Caridade e as Confrarias da Caridade.
     Santa Luísa de Marillac foi dirigida espiritual e grande cooperadora de São Vicente. Desempenhou, em relação a ele, papel análogo ao de Santa Joana de Chantal junto a São Francisco de Sales. Neste mês comemoramos a festa litúrgica dessa grande santa.
Decadência religiosa e miséria material
     No século XVII já ia adiantada a decadência da Idade Média – época que tão admiráveis frutos produziu outrora para a Cristandade. As guerras de religião na França haviam tornado o país continuamente devastado, o campo sem cultivo, as fortunas arruinadas, um sem-número de famintos e miseráveis refugiavam-se em Paris, aumentando de modo assustador a população da capital.
     “Os mendigos formavam exércitos que se apresentavam em grupos compactos, arma ao braço e blasfêmia nos lábios, diante das igrejas, exigindo imperiosamente a esmola” (1).
     O que podia fazer o Poder Público ante tão grande mal? Muito pouca e durável coisa.
     Foi quando a Providência suscitou esse homem de estatura verdadeiramente profética, São Vicente de Paulo, que — secundado por almas exponenciais e de grande santidade, como Santa Luísa de Marillac — com suas obras de assistência e misericórdia começou a modificar o lúgubre panorama.
O encontro de dois santos
     A infância e a adolescência de Luísa de Marillac foram uma sucessão de sofrimentos morais e espirituais. Órfã de pai e mãe, foi educada pelo tio, Chanceler do Reino de França. Homem de grande piedade, fê-la progredir nas letras, artes e virtude. Entretanto, de consciência sumamente delicada, Luísa sofria da terrível doença espiritual dos escrúpulos.
     Aos 22 anos, sentiu o apelo para a vida religiosa, mas cedeu ao desejo do tio e ao conselho do confessor, casando-se com Antonio Le Gras, oficial a serviço da Rainha. Antonio, porém, trazia consigo os sintomas da doença que o levaria ao túmulo 12 anos depois.
     Viúva aos 34 anos, rica e piedosa, Luísa dedicou-se inteiramente aos pobres. Faltava-lhe porém um diretor que a livrasse dos malditos escrúpulos, permitindo-lhe enfim voar para os altos horizontes a que se sentia chamada. São Francisco de Sales tentou essa tarefa, mas os escrúpulos prosseguiram.
     Dois anos após a morte do Prelado, Santa Luísa conheceu São Vicente de Paulo. No primeiro encontro, a impressão mútua dos dois santos foi negativa. A bela e elevada educação aristocrática de Luísa de Marillac levava-a a ver no Pe. Vicente um camponês um tanto rústico e tristonho. O sacerdote, por sua vez, não se interessou por aquela grande dama. Ocupado, como vivia, com os pobres, não tinha em vista dirigir espiritualmente pessoas da alta sociedade. Essa primeira impressão mútua, contrastante, desvaneceu-se aos poucos quando um foi descobrindo na alma do outro os enormes tesouros que a graça ali depositara.
     Formou-se então aquela sociedade espiritual, que frutificaria depois em tantos benefícios para a Igreja e a sociedade. E, onde São Francisco de Sales nada conseguira, São Vicente de Paulo triunfou, curando a jovem viúva de seus escrúpulos e tornando-a sua maior colaboradora nas obras de misericórdia que empreendia, conduzindo-a ademais aos páramos da santidade.
     Santa Luísa, por sua vez, colocou-se inteiramente em suas mãos, fundando com ele as Confrarias da Caridade, a Congregação das Irmãs da Caridade (de São Vicente de Paulo), tornando-se sua grande auxiliar até falecer em 15 de março de 1660, seis meses antes de seu diretor.
A pressa da dirigida, a lentidão do diretor
     São Vicente de Paulo, visitando as Confrarias da Caridade do interior, ia recrutando as jovens mais virtuosas e aptas para as destinar às Confrarias de Paris. Recebiam elas algumas rápidas lições sobre curativos, modo de tratar os enfermos, e faziam os exercícios espirituais sob a direção de Santa Luísa, antes de iniciar seu trabalho na capital. A santa ia depois visitar e incentivar a cada uma delas em seu trabalho caritativo nas diversas paróquias.
     Crescendo o número de jovens, São Vicente pensou em prepará-las para uma espécie de noviciado na senhorial casa de Luísa de Marillac. Esta via assim concretizar-se um sonho que tivera muitos anos antes, quando Deus lhe mostrara muitas jovens que, dirigidas por ela, entregavam-se ao atendimento dos pobres. Por isso, queria apressar as coisas, formando logo uma sociedade religiosa.
     Como diz um dos biógrafos de São Vicente de Paulo, “as pressas de Santa Luísa não entravam na psicologia do Santo. Entre ambos entabulou-se por essa época a batalha epistolar da lentidão contra a pressa”. São Vicente tentava refreá-la, mas sem esfriar o bom impulso que a propulsionava para a frente: “Deixe Deus obrar, e fie-se nEle… e verá cumprir-se os desejos de seu coração” (2).
O anjo da dirigida apressa o do diretor
     Pressionado por Santa Luísa, São Vicente escreveu-lhe dizendo que, com frequência, o “bom anjo” dela havia falado com o seu, sugerindo-lhe a obra a ser fundada. Por isso, falariam sobre ela o mais rápido possível.
     A pressa de Santa Luísa acelerou os planos de São Vicente. E, finalmente, encontraram uma fórmula: suas filhas não seriam religiosas. Ao compor, com Santa Luísa, as regras das Filhas da Caridade, São Vicente tirou delas todas as palavras que pudessem dar ideia de vida religiosa. Não teriam clausura, convento, nem aparência religiosa. Vestir-se-iam como as camponesas que aguardavam a fundação do Instituto e serviam nas Caridades.
     Assim, no dia 29 de novembro de 1633,  fundou-se o Instituto das Filhas da Caridade, cujo espírito deveria ser de “simplicidade, caridade, humildade, mortificação, amor ao trabalho… obediência, pobreza e castidade” (3).
     Como os votos são algo da essência da vida religiosa – embora não bastem os votos para caracterizá-la — São Vicente não tinha a intenção que suas filhas os fizessem. Convenceu-se, porém, ao ler, em 1640, uma fórmula dos votos pronunciados por uma Ordem hospitalária italiana concebidos nestes termos: “Faço voto e prometo a Deus guardar toda minha vida a pobreza, a castidade e a obediência, e servir a nossos senhores, os pobres”. Levou-os adiante, mas aos poucos. Só dois anos depois permitiu a Santa Luísa de Marillac e a outras quatro Irmãs, que os pronunciassem. Depois foi sendo permitido às que tivessem mais de cinco anos na companhia, que também os fizessem.
Prudente sagacidade feminina vence a humildade do Santo 
    Houve uma santa polêmica entre os dois fundadores sobre a quem deveriam ficar sujeitas as Irmãs. O Santo queria pô-las não sob sua direção, mas submetê-las aos Prelados locais. Santa Luísa discordava e com razão. E seus argumentos tinham peso: alegava os inconvenientes que adviriam à instituição se os Bispos onde se estabelecessem pusessem obstáculos, e a perda da unidade de espírito que isso acarretaria.
     Desta vez, Luísa de Marillac, com astúcia cheia de bom espírito, fez intervir no assunto a rainha, Ana d’Áustria, obtendo que ela escrevesse a Roma para pedir ao Papa que nomeasse São Vicente de Paulo e seus sucessores como superiores do Instituto. Assim, desta vez, a prudente sagacidade de Santa Luísa levou a melhor sobre a humildade de São Vicente de Paulo…
Afastada a tentação de vanglória
     A fama dessa grande dama, apóstola da caridade, difundiu-se por vilas e cidades, tornando-se sua entrada e saída em muitas delas um verdadeiro triunfo. Em Beauvais, por exemplo, não podia ter sido maior: “Mesmo os homens, desejosos de escutá-la, entravam furtivamente na casa onde falava às senhoras, esgueiravam-se até perto da sala da conferência, colavam os ouvidos nas paredes de tabique, e se retiravam maravilhados de tanta prudência e sabedoria. O povo de Beauvais despediu-se dela perseguindo-a com vivas e aplausos até os arredores da cidade. A multidão, rodeando sua carruagem, estorvava sua marcha”.
     Um milagre veio confirmar na fé essa gente simples daquela época em que grandeza de alma e virtude ainda encantavam. Com a multidão rodeando a carruagem, de repente uma menina caiu sob suas rodas em movimento. A um grito de terror dos presentes, Santa Luísa ergueu os olhos ao céu numa prece. Passada a carruagem, a meninazinha levantou-se por si própria, sem um arranhão.
     Esses triunfos, se de um lado alegravam o vigilante São Vicente, de outro deixavam-no preocupado em manter a humildade de sua dirigida, pois não há maior veneno para as obras de Deus do que a vanglória. A isso, só a alma solidamente firmada na virtude pode resistir. Nessas ocasiões, ele aconselhava Luísa de Marillac: “Una vosso espírito às burlas, desprezos e maus tratos sofridos pelo Filho de Deus… Na verdade, senhora, uma alma verdadeiramente humilde se humilha tanto nas honras quanto nos desprezos, e obra como a abelha, que fabrica seu mel tanto do orvalho que cai sobre o absinto quanto do que cai sobre a rosa” (4).
Palavras do mestre recolhidas pela discípula
     Semanalmente o Fundador reunia as Filhas da Caridade em familiares reuniões nas quais ele lhes fazia perguntas sobre as virtudes cristãs, os votos e as Santas Regras. Ele comentava as respostas confirmando, esclarecendo ou corrigindo algum ponto.  Sua palavra “cálida, viva, simples, familiar, convincente, penetrante, instrutiva e prática” se dirigia “à razão, ao coração e à vontade daquelas 12, 50,80 e até 100 irmãs que acudiam todas as semanas, das paróquias de Paris e subúrbios, para receber as lições do santo Fundador” (5).
     Santa Luísa de Marillac, percebendo o tesouro que aquelas explicitações encerravam, começou, com a ajuda de outras irmãs, a anotá-las com a maior fidelidade. Tais notas foram se difundindo entre as Filhas da Caridade por toda a França, sendo as primeiras coleções impressas em 1825. Graças, portanto, ao tirocínio de Santa Luísa de Marillac, possuímos essas regras de sabedoria e bom senso emanadas de um santo, com toda a vivacidade e até o pitoresco com que as pronunciou São Vicente de Paulo.
Notas:

1 –  San Vicente de Paúl – Biografia y Selección de Escritos, Pes. José Herrera, C.M. e Veremundo Pardeo, C.M., B.A.C., Madrid, 1955, pp. 307 a 310.
2 – Op. cit., pp. 265, 266.  3 – Op. cit., p. 267.  4 – Op. cit., p. 248  5 – Op. cit., p. 6.
Outras obras consultadas:
– John J. Delaney, Dictionary of Saints, Doubleday, New York, 1980.
– Pe. José Leite, S. J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 3a. edição corrigida e aumentada, 1993, tomo I.
– Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives S.A., Zaragoza, 1947, vol. II, Marzo – Abril.
Oferecido pela Revista Catolicismo
http://www.lepanto.com.br/catolicismo/vida-de-santos/santa-luisa-de-marillac/

Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes. (Mateus 25, 40)

Não basta ir e dar, mas é necessário um coração purificado de todo interesse, sem jamais deixar de trabalhar na mortificação geral de todos os sentidos e paixões. Para isso temos de ter, continuamente, diante dos olhos, o nosso modelo que é a vida exemplar de Jesus Cristo, a cuja imitação somos chamadas não somente como cristãs, mas também por termos sido escolhidas por Deus para servi-lo na pessoa dos seus pobres.  (Santa Luísa de Marillac, C. 257)