quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Santa Benta Hyŏn Kyŏng-nyŏn e seis companheiros, Mártires - 29 de dezembro

Santas Mártires Coreanas

Martirológio Romano: Em Seul, na Coreia, Santa Benta Hyŏn Kyŏng-nyŏn, viúva e catequista, e seis companheiros, mártires, que depois de terem sofrido muitos suplícios pelo nome de Cristo, morreram finalmente decapitados. 

     A ação do Espírito Santo, que sopra onde quer, conta com o apostolado de um generoso grupo de leigos na raiz da Santa Igreja de Deus nas terras coreanas. A primeira semente da fé católica foi levada para sua pátria por um leigo coreano em 1784, no seu retorno de Pequim. Fecundada na metade do século XIX pelo martírio de 103 membros da jovem comunidade, entre eles se destacando Santo André Kim Taegon, o primeiro presbítero coreano e o apóstolo leigo São Paulo Chong Hasang.
     As perseguições que ocorreram em ondas sucessivas de 1839 a 1867, ao contrário de sufocar a fé dos neófitos, suscitaram uma primavera como por ocasião da Igreja nascente. Repetia-se o fato: “o sangue de mártires é semente de cristãos”.
     Dos santos mártires coreanos temos poucas notícias, mas seus nomes são lembrados hoje graças a sua inscrição no calendário dos santos por João Paulo II em 6 de maio de 1984. Um grupo de mártires é recordado nos dias 20 e 21 de setembro; a memória destes mártires se faz no dia em que generosamente deram suas vidas por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.
     Eis os seus nomes:

Bárbara Cho Chung-i, leiga casada
Madalena Han Yong-i, leiga casada
Pedro Ch’oe Ch’ang-hub, leigo casado e catequista
Benta Hyong Kyong-nyon, leiga casada e catequista
Elisabete Chong Chong-hye, leiga
Bárbara Ko Sun-i, leiga casada
Madalena Yi Yong-dok, leiga


+ 29 de dezembro de 1839 em Seul

Fonte: www.santiebeati/it

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Beatas Inês Phila, Lucia Khambang e 4 companheiras Protomartires da Tailândia - 26 dezembro

Mártires de Songkhon

Martirológio Romano: Na vila de Song-Khon, na Tailândia, beatas mártires Inês Phila e Lucia Khambang, virgens da Congregação das Irmãs Amantes da Cruz, e também Ágata Phutta, Cecilia Butsi, Bibiana Khampay e Maria Phon, todas as quais, por não querer negar a fé católica, foram fuziladas no cemitério da vila. († 1940)

     O cristianismo foi introduzido na Tailândia em 1881 e em 1940 os fiéis católicos já eram setecentos. Nos quatro anos seguintes os missionários franceses foram obrigados a abandonar o país que se encontrava na guerra entre a Tailândia e a Indochina francesa. Como é habitual nestas circunstancias, se considerou prioridade a unidade nacional e como perigoso um pluralismo religioso.
     A vila de Songkhon, situada nas margens do grande rio Meking, zona fronteiriça com o Laos, foi cenário, em 1940, do glorioso martírio de sete cristãos nativos: Felipe Siphong Onphitak, Inês Phila, Lucia Khambang, Ágata Phutta, Cecilia Butsi, Bibiana Khamphay e Maria Phon.
     Felipe Siphong Onphitak, pai de família, líder da comunidade cristãs de Songkhon na ausência de sacerdotes, durante o desencadear da perseguição contra os cristãos foi atraído e enganado perto do Rio Tum Nok, e assassinado no dia 16 de dezembro de 1940 por um grupo de gendarmes. Foi o primeiro nativo tailandês a derramar seu sangue testemunhando sua fé em Cristo.
     No dia de hoje vamos nos ocupar particularmente das seis mulheres que também sofreram o martírio dez dias depois. Eis uma breve informação sobre cada uma delas.

Inês Phila, religiosa
Ban Nahi (Tailândia), 1909 - Songkhon (Tailândia) 26 de dezembro de 1940
     Inês Phila (no século Margarida) nasceu em 1909 na aldeia pagã de Ban Nahi, filha de Joaquim Thit Son e Ana Chum. A família emigrou para a vila cristã de Viengkhuk, onde a beata recebeu o batismo em 1924. Sua madrinha foi a tia da famosa Irmã Lucia de Fatima. Em 7 de dezembro de 1924 entrou na Congregação das Irmãs Amantes da Cruz, em Siengvang (Laos). Dois anos depois, em 26 de novembro de 1926 postulou, e em 10 de novembro de 1927, com o nome de Irmã Inês, entrou no noviciado, tendo professado em 16 de novembro de 1928. Em 1932 foi enviada como professora à escola de Songkhon, onde foi assassinada em 26 de dezembro de 1940.

Lucia Khambank, religiosa
Viengkhuk (Tailândia) 22 de janeiro de 1917 - Songkhon (Tailândia) 26 de dezembro de 1940
     Lucia Khambang nasceu na aldeia cristã de Viengkhuk em 22 de janeiro de 1917, filha de Santiago Da e Maria Mag Li. Foi batizada no dia 10 de março seguinte e em 4 de junho de 1925, com a idade de oito anos, recebeu o sacramento da Confirmação e fez sua 1ª. Comunhão. Em 3 de setembro de 1931 entrou na Congregação das Irmãs Amantes da Cruz. Postulante durante três anos, começou seu noviciado em 18 de outubro de 1935, etapa que durou dois anos. Realizou sua profissão em Siengvang (Laos) no dia 15 de outubro de 1937. Em princípios de 1940 foi enviada como professora para Songkhon, onde foi assassinada em 26 de dezembro. Tinha somente 23 anos de idade.

Ágata Phutta, leiga
Bi Ban Keng Pho (Tailândia), 1881 - Songkhon (Tailândia) 26 de dezembro de 1940
     Ágata Phutta nasceu na vila de Bi Ban Keng Pho em 1881; sua família era pagã. Filha única, se converteu ao cristianismo quando tinha 30 anos de idade e foi batizada e confirmada em 3 de março de 1918 em Siengvang. Solteira, decidiu ajudar as obras missionárias colaborando nas cozinhas das missões de Songkhon, Mong Seng, Pkasè, e finalmente voltou para Songkhon, onde vivia quando foi assassinada em 26 de dezembro de 1940. Tinha 59 anos de idade.

Cecília Butsi, jovem leiga
Songkhon (Tailândia), 16 de dezembro de 1924 - Songkhon (Tailândia) 26 de dezembro de 1940
     Cecília Butsi, filha de Amando Sinuen e Ágata Thep, nasceu em 16 de dezembro de 1924 e foi batizada dois dias depois. Colaborava na cozinha da missão, seu temperamento era alegre e corajoso. Um dia antes de seu martírio, durante a reunião diante da igreja da vila, ela se declarou cristã, apesar das ameaças de morte feitas pelos policiais. Por isto foi assassinada quando tinha apenas 16 anos de idade.

Bibiana Khampay, jovem leiga
Songkhon (Tailândia) 4 de novembro de 1925 - Songkhon (Tailândia) 26 de dezembro de 1940
     Bibiana Khamphay nasceu no dia 4 de novembro de 1925 em Songkhon, filha de Benito Lon e Mônica Di. Foi batizada e confirmada menos de dois meses depois, em 28 de dezembro. Adolescente de conduta intocável, boa cristã, assídua nos sacramentos, frequentava a missão de Songkhon, também foi assassinada no dia 26 de dezembro de 1940, menos de dois meses após ter completado 15 anos de idade

Maria Phon, jovem leiga
Songkhon (Tailândia) em 6 de janeiro de 1925 - Songkhon (Tailândia) 26 de dezembro de 1940
     Maria Phon nasceu em Songkhon no dia 6 de janeiro de 1926; seus pais eram João Batista Tàn e Catarina Pha. Foi batizada e confirmada seis dias apenas após seu nascimento. Vivia com uma tia chamada Maria, frequentava a missão local. Particularmente assídua à Eucaristia e aos demais sacramento. Também foi assassinada no dia 26 de dezembro, quando não havia completado ainda 15 anos.

     Contamos a seguir os eventos que culminaram com o martírio dessas mulheres católicas.
     Na noite seguinte ao martírio do catequista Felipe Siphong Onphitak, a notícia correu em Songkhon, causando grande tristeza. Os soldados, com a esperança da apostasia imediata dos fiéis, não avaliam a presença das duas religiosas, Inês Phila e Lucia Khambang, que compreendiam que logo chegaria para elas o momento de dar testemunho de sua fé.
     O chefe dos policiais era um homem de nome Lu, que tentou de todas as maneiras convencer as monjas a abandonar sua religião, mas nada conseguiu.
     Na véspera de Natal convocou toda vila para comparecer diante da igreja para comunicar que tinha ordem de destruir a religião cristã, inclusive se para isto tivesse que matar os fiéis. Nessa mesma noite as religiosas escreveram uma carta a Lu declarando-se dispostas a morrer ante de negar a Cristo.
     Lu voltou pela tarde do dia seguinte ao Natal e lhes perguntou: - Muito bem, renunciam a seu Deus? Sim ou não? Elas responderam: - Não, nunca o faremos!
     Lu convidou-as a ir até o rio, mas as irmãs Lucia e Inês, percebendo sua intenção, preferiram ser fuziladas no cemitério. Ali, de joelhos contra o tronco de uma árvore, foram executadas junto com as jovens Cecília, Bibiana, Maria e Ágata.
     Todas foram enterradas em Songkhon. Em 1959 os restos mortais de Felipe Siphong Onphitak foram reunidos com os das mártires e em torno de suas relíquias foi construído um santuário.
     Estes mártires foram beatificados em 22 de outubro de 1989 por SS João Paulo II.
     O martirológio oficial da Igreja Católica os comemora separadamente: em 16 de dezembro é comemorado o Beato Felipe Siphong Onphitak; enquanto que as Beatas Inês Phila e Lucia Khambang, virgens das Irmãs Amantes da Cruz, e suas companheiras Ágata Phutta, Cecília Butsi, Bibiana Khampay e  Maria Phon são comemoradas no dia de seu martírio, isto é, 26 de dezembro.


Fonte: PrelaturaAyaviri.org 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Santa Ermínia (ou Irmina ou Irma), Abadessa – 24 de dezembro

 
Escultura de Santa Ermínia no Hospital de Tries, mantido pelas beneditinas da Abadia de Ohren
  
     Os nomes Ermínia, Irmina ou Irma (em português, Hermínia) se referem a uma única santa alemã. Diz a tradição que ela era a irmã mais velha de Adélia, a abadessa do mosteiro que fundara em Pfalzel, também canonizada pela Igreja.
     Ermínia também era princesa da Austrásia, filha do rei Dagoberto II, o Bom, o primeiro dessa família a ser declarado santo pela Igreja Católica. Porém, toda essa descendência real nunca ficou muito clara.
     No Martirológio Romano encontramos outras notícias relativas a um antigo documento ‘A carta de Dagoberto’ de 646, na qual se diz que ela era filha de Dagoberto, rei merovíngio, filho de Clotário II. Outro documento diz ser Ermínia irmã de Santa Adélia de Pfalzel, celebrada no mesmo dia, 24 de dezembro. Esta data aparece nos calendários da diocese de Trèves desde o século XI.
     Nos Arquivos de Echternach (Alemanha) tomamos conhecimento que Ermínia foi a grande benfeitora de São Willibrordo, o grande missionário apóstolo dos países do Norte da Europa, ao qual ela fez várias doações: em 697-698, doou-lhe a parte que tocava a ela na herança da cidade de Echternach, com a igreja e o pequeno mosteiro construído por ela. Em 699, doou uma cidade perto de Tolbac e em 704, Stenheim e uma vinha perto de Trèves (Trier, em alemão).
     Aparte tais tradições, muito do florescimento do Cristianismo na Alemanha se deve às duas venerandas abadessas fundadoras. 
     Entre os séculos VII e VIII, a propagação da fé cristã realmente foi resultando das fervorosas iniciativas missionárias e das fundações de mosteiros.
     Ermínia era uma jovem muito bela e caridosa cujo noivo era o Conde Hermano. Ele, entretanto, morreu antes da cerimônia do casamento. O fato foi interpretado por ela como um desígnio de Deus que a desejava na vida religiosa. Então ingressou num mosteiro beneditino.
     Mais tarde, ela mesma fundou um mosteiro perto da cidade de Trèves (Trier), que existe ainda hoje, o Mosteiro de Ohren. Escolheu a regra beneditina e foi eleita a primeira abadessa. 
     Desde então, tornou-se uma grande benfeitora dos missionários que passavam pela região, especialmente do monge Wilibrordo, futuro santo. Ele era inglês e chefiava uma missão evangelizadora na região da Frísia, atual Dinamarca, ao lado de outros monges da mesma origem, atendendo um pedido do papa Sérgio I, que desejava ver a região convertida.
     A tradição nos conta que no final do século VII, quando ele passava pela região, encontrou a cidade de Trèves na mais completa desolação. Uma terrível peste se espalhava velozmente atingindo também o mosteiro de Ermínia. O monge se manteve em fervorosa oração e penitência para que as religiosas e os habitantes da cidade ficassem livres do mortal contágio.
     As preces de Wilibrordo foram ouvidas tão depressa, que Ermínia, comovida com tanta santidade, muito agradecida, doou-lhe o território de Echternach. As construções já ali existentes serviriam como base para mais um glorioso mosteiro beneditino que depois se tornou o ponto de partida das suas viagens de pregações apostólicas que levaram à conversão da Frísia.
     Ermínia continuou a ajudar o santo com suas orações e com recursos materiais. Ela continuou sua existência entregue aos exercícios espirituais e a uma vida feita de abnegação e caridade. Pode-se dizer, também, que sem a sua ajuda a Frísia demoraria muito para converter-se ao seguimento de Cristo.
     A abadessa Ermínia morreu na véspera do Natal de 710.
    A Igreja autorizou seu culto, incluiu-a no livro dos santos e determinou o dia de sua morte, 24 de dezembro, como a data em que sua memória deveria ser celebrada. Posteriormente, neste dia foi incluída também a celebração de Santa Adélia de Pfalzel, sua irmã no sangue e na fé.

Santa Ermínia, intercedei pela conversão e aumento da fé na Europa!
Santa Ermínia, orai pelas vocações religiosas e sacerdotais!



Na imagem, o rei Dagoberto dá a sua filha Irmina o terreno na Moselle
para seu mosteiro em Ohren - Pintura de 1687.

Fontes: www.santiebeati.it;


Etimologia: Ermínia ou Hermínia – tem duas origens: 1º latim Herminius, derivado de Hermes, do grego Hermês: “apoio, arrimo”; 2º Irmin, o deus Irmin, “o grande, o forte, o poderoso”. 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Um Conto de Natal

continuação

     De repente, julgou ouvir ruído no celeiro. Assoprou a vela, muito depressa, e enfiou-se debaixo do cobertor. Depois adormeceu. Enquanto dormia, pareceu-lhe que uma porta se abria devagarinho, e que uma sombra entrava na água-furtada. Arriscou um olhar fora dos cobertores, para ver o que lhe mostraria a luz do luar que inundava o quarto.
     Estaria sonhando? Percebeu que a sombra era um homem, vestido como esses emigrados que ela via passar pelas ruas da aldeia, quando os levavam presos para Saint-Malo, e ouviu uma voz meiga que dizia:
     — Não tenhas medo, minha pequenina, não tenhas medo!

     Solange não tinha medo. Sentiu afastarem-lhe com cuidado os caracóis que lhe cobriam a testa. Um raio de luar atravessava a janela sem cortinas e batia em cheio na cama. O homem que entrara contemplava-a:
     — Como estás bonita, minha Solange! E crescida, e forte!
     Não se cansava de olhar para ela. E de repente tomou-a nos braços, apertou-a desesperadamente ao peito e cobriu-a de beijos. A menina já não sabia se estava acordada ou sonhando, mas pensou de repente que, se o pai fosse vivo e estivesse ali, diria aquelas coisas, e seriam assim os seus afagos, aquele abraço, aqueles beijos... Pareceu-lhe que o homem se ajoelhava à beira da cama, julgou ouvi-lo soluçar, aninhou-se-lhe nos braços e tornou a adormecer, inundada de felicidade.
     De manhãzinha, quando abriu os olhos, custou-lhe ordenar as suas recordações. Mas depressa recuperou a consciência da realidade: não havia dúvida, tinha sido tudo um sonho. O quarto estava vazio, e a porta do celeiro fechada. No andar de baixo, ouvia como de costume o passo pesado da tia Rouault, nas suas voltas da manhã. Solange sentou-se na cama, e de repente soltou um grito de alegria. Sobre os tamanquinhos, acabava de ver, no esplendor de um vestido verde claro, uma grande boneca majestosa e sorridente, uma boneca vestida como uma "lady", com lindos caracóis sedosos a emoldurar as faces de esmalte, um xale de renda cruzado no peito e sapatinhos de marroquim com fivelas de prata reluzentes.
A criança caiu de joelhos em frente da "senhora", e batizou-a logo com o nome de Yvonne. Vestiu-se num abrir e fechar de olhos, e levando a "filha" nos braços, desceu à cozinha. A tia Rouault, ao vê-la aparecer com aquele brinquedo maravilhoso, que excedia tudo quanto a sua imaginação podia conceber, exclamou, estupefata:
     — Santo Nome de Deus! Quem te deu essa boneca, Solange?
     — Foi o Menino Jesus... — respondeu a menina, com toda a simplicidade.
     A bretã ficou de boca aberta. Embora fosse muito crente, aquele milagre, ainda assim, parecia-lhe ultrapassar os limites do poder divino. Mas a evidência era esmagadora. Ela bem sabia que ninguém teria podido comprar em Ploubalay semelhante maravilha, nem mesmo em Matignon, nem sequer em Saint-Malo ou em Rennes. O prodígio encheu-a de respeito. Examinou, sem quase se atrever a tocar-lhe, a "senhora" que Solange lhe estendeu triunfalmente. Depois chamou o marido:
     — Venha ver, Rouault! Venha ver o que o Menino Jesus trouxe para a nossa menina!
     O espanto de Rouault não foi tão grande. Era uma alma simples, e nada percebia de sedas e enfeites. Mas já as vizinhas acodiam, e falavam todas ao mesmo tempo, pondo as mãos em sinal de admiração. Algumas curvavam-se ingenuamente ante o prodígio indiscutível. Outras, mais céticas, ficavam desnorteadas, incapazes de encontrar explicação satisfatória. Solange, essa, importava-se pouco com o pasmo delas. Embalava Yvonne, abraçava-a com cuidado, mal ousando aflorar com os lábios os caracóis loiros, as faces lustrosas da sua "filha". Levou-a à janela e mostrou-lhe a estreita perspectiva da rua direita de Ploubalay. Depois, como a tia Rouault, voltando às coisas práticas, a mandasse ao outro extremo da aldeia, para comprar favas, saiu radiante, levando a boneca ao colo.
     O grande acontecimento já era sabido em metade da aldeia. As mulheres vinham às portas, para ver. Solange passava, orgulhosa e grave, compenetrada da sua importância. Quando passou em frente da igreja, onde o sargento Metzger como de costume estava sentado na sua cadeira, nem pensou em se desviar, como das outras vezes. Que perigo podia ameaçá-la num dia como aquele? A sua felicidade interior era tão perfeita, que não tinha medo de nada nem de ninguém; e quando o militar a chamou, perguntando-lhe o que tinha consigo, parou com desenvoltura e respondeu, aproximando-se dele:
     — É uma boneca.
     — Que linda boneca! Onde é que a arranjaste, menina?
     — Senhor sargento, foi o Menino Jesus que a trouxe para mim.
      O jacobino levantou-se, terrível, e afastou a cadeira com um pontapé.
     — O que é que estás dizendo? — gritou.
     — É uma boneca que o Menino Jesus me trouxe, por ser Natal.
     Metzger estava espantado com tanta audácia:
     — Imaginas que eu engulo essas?!... Mas, ante o ar de candura da menina, calou-se, tirou-lhe a boneca e examinou-a minuciosamente.
     — Uma bela dama, sim, senhora! Uma verdadeira "lady"! E já viste o que está escrito aqui na sola dos sapatos? "Berkint - London". Então é inglês o teu Menino Jesus?
     — Não sei, senhor sargento — respondeu Solange, pegando outra vez na boneca, mas sentindo estragada toda a alegria.
     — Já vamos ver isso — trovejou o sargento.
     E voltando-se para o posto, chamou:
     — La Cocarde!
     Apareceu um cabo.
     — Ontem entrou alguém na aldeia?
     — Não me parece, meu sargento. Os homens estiveram sempre alerta. É verdade que ao anoitecer os cães ladraram de maneira esquisita, mas nós batemos as moitas e não encontramos nada.
     — Está bem. Chama os teus homens.
     Pôs a patrona ao ombro, afivelou o cinturão, pegou a espingarda e, à frente da brigada, dirigiu-se para a casa dos Rouault. Solange, instintivamente angustiada, caminhava ao lado dele, estugando o passo para o acompanhar, apertando ao coração a linda Yvonne.
     Ao chegarem à casa dos Rouault, o sargento dispôs os seus homens: dois de sentinela em frente da porta e outros no pomar atrás da casa, que ficou cercada por todos os lados. Depois, seguido pelos restantes soldados, entrou no jardim da casa levando Solange pela mão. Sentou-se num banco, pôs a pequena entre os joelhos e disse, num tom mais humano, certamente para a conquistar:
     — Vamos, menina. Conta-me tudo.
     Com o coração apertado, um pouco ofegante, Solange começou em voz muito baixa a sua longa narrativa. Contou o "sonho", o homem que julgara ver entrar no quarto, a ilusão de ter sido abraçada e beijada e, de manhã, a surpresa ao dar com a linda boneca. O sargento não perdia palavra. De repente, voltando-se para os soldados que assistiam de pé ao interrogatório, ordenou:
     — Vamos, meia-volta! Ponham-se lá fora de sentinela. Façam fogo sobre o primeiro que tentar fugir daqui.
     Os homens saíram, e ele ficou só com a menina.
     — Com que então, pequena, dizes que o tal homem te beijou, que te chamava "minha pequenina"?... Que se pôs de joelhos ao pé da tua cama e chorou?...
     A criança, a cada pergunta, respondia que sim, com a cabeça, sem querer mentir, mas pressentindo alguma desgraça que a ameaçava. Metzger não se deu pressa em agir. Pousou as rudes mãos nos ombros de Solange e, como se falasse consigo mesmo, disse gravemente:
     — É claro... Também eu tenho uma filha assim, lá para os lados de Gerlsheim, na Alsácia... Também tem oito anos... E também há dois anos bem contados que não a vejo. Para a ver, mesmo estando ela dormindo, às escuras, para a beijar uma vez que fosse, para a sentir respirar no meu ombro, com os cabelinhos loiros tocando-me a cara... Sim, para isso também eu arriscaria a vida sem pensar. Os pais são todos do mesmo jeito, pelo visto...
     Ficou uns instantes embebido em profunda reflexão. Depois, decidindo-se bruscamente, levantou-se, sacudiu a cabeça, e voltando-se para a porta que ficara aberta, gritou:
     — Venham cá, dois de vocês! Vamos passar uma busca na barraca.
     Solange soltou um grito:
     — Senhor Sargento, espere!...
     Ao ouvi-lo falar, a menina compreendera tudo: era o pai que, na calada da noite, afrontando a morte para estar um instante com ela, deixara o exílio, atravessara o mar, desembarcara nos rochedos, rastejara sob a ameaça das espingardas até à aldeia... Era o pai que, pensando no Natal sem brinquedos, que ia passar a sua menina, lhe trouxera a "senhora". Era o pai que estava lá em cima, escondido no celeiro, e que os soldados iam prender e levar acorrentado, entre quatro canos de espingarda...
     Então a pobre pequena, com o coração trespassado, agarrou-se ao sargento e, sacudida dos pés à cabeça por grandes soluços, suplicou:
     — Espere, espere!
     — Que mais temos? — perguntou o alsaciano, retomando a expressão brutal e a voz áspera.
     Solange tivera uma inspiração. Para salvar o pai, daria tudo o que tivesse. Mas só tinha a boneca, e lembrou-se de fazer um grande sacrifício.
     — O senhor sargento tem uma filha, não tem? Da minha idade... E que não o vê há dois anos...
     Metzger respondeu afirmativamente, com a cabeça.
     — Então... talvez... como o senhor não está em casa, o Menino Jesus se tenha esquecido dela... Olhe, tome a minha boneca, e mande-a para lá... Eu a dou à sua filha...
     O soldado curvou-se de repente para a menina e fitou-a, com os grandes olhos lacrimejantes. Respirava com ruído, os lábios tremiam sob o bigode, e o movimento dos músculos nas faces denunciava a comoção reprimida. Os dois homens que ele chamara se aproximaram.
     — Cala-te, menina, e não tenhas medo — disse em voz baixa o sargento.
     Depois, dirigindo-se aos soldados:
     — Vamos subir lá no celeiro e revistar tudo. Armas engatilhadas e olho alerta! Tu, pequena, vais adiante.
     Os três militares e a menina subiram a escada. Chegados à água-furtada, o sargento postou um dos seus homens à entrada do quarto e o outro perto da janela. Depois dirigiu-se para o celeiro e entrou sozinho, fechando a porta atrás de si. O coração de Solange batia como doido. Passados instantes, a porta do celeiro tornou a abrir-se, e Metzger apareceu.
     — Está vazio — disse. — Vamos para baixo. O pássaro bateu asas. Fomos enganados.
     Quando se achou sozinho com Solange, na sala do andar térreo, curvou-se para ela e disse-lhe ao ouvido:
     — Fixa bem o que te vou dizer: o "homem" pode ficar lá em cima esta noite e o dia de amanhã. Dize-lhe que esteja descansado, que ninguém o incomodará. Que saia na outra noite e vá daqui a Lancieux, e depois a Saint-Briac, onde pode embarcar. Essa região não estará vigiada: eu me encarrego de levar os meus homens para outro lado. Entendeste tudo?
     — Sim, senhor sargento.
     — Bom, agora a boneca. Fico com ela, e vou mandá-la para Odília, a minha filha. Fico com ela, porque mais alguém poderia estranhar, como eu estranhei, que o Menino Jesus andasse trazendo brinquedos da Inglaterra às meninas como tu. Esta "filha" ainda te daria algum desgosto. Agora, bico calado! E não te esqueças: por Lancieux e Saint-Briac.
     E saiu, reunindo os seus homens, que levou nessa mesma noite, com os cães policiais, numa expedição de três dias para o lado de Matignon.
     — E aqui têm, meus meninos, a nossa história: de Yvonne, de Odília e minha — concluiu a marquesa de Flavigny. — O único drama da nossa existência. Quinze anos depois, quando me casei, fui com o marquês em passeio à Alsácia. Dirigi-me a Gerlsheim, e perguntei pelo sargento Metzger e pela sua filha Odília. Estes nomes me ficaram bem gravados na memória. Encontrei o velho soldado, na sua plantação de lúpulo. Passara à reserva, depois de ter sido condecorado em Austerlitz pelas mãos do Imperador. Muitas vezes contara a história da pequena Solange à filha, que tinha conservado preciosamente a "senhora". Quando o sargento morreu, anos mais tarde, fui buscar Odília para a minha companhia. Ela me trouxe a Yvonne, e desde então nunca mais nós três nos separamos.



(G. Lenôtre, "Lendas de Natal" - Verbo, Lisboa, 1966)

Um Conto de Natal

A BONECA
G. Lenôtre
    
     Lembro-me ainda muito bem da velha marquesa de Flavigny, que conheci quando pequenino, sempre sorridente e serena, sentada numa antiga poltrona de veludo cor-de-rosa, que fazia realçar os seus cabelos grisalhos e as grandes toucas de renda enfeitadas com laços.

     A seu lado estava quase sempre, numa cadeira baixa, uma mulher da mesma idade, sorridente como ela, serena como ela. Chamavam-na "menina Odília". Não era uma criada. Entre as duas velhinhas parecia existir grande intimidade. Enquanto as duas faziam horrendos saiotes de malha azul, que distribuíam aos pobres às quintas-feiras de manhã, com um pedaço de pão e algumas moedas, trocavam em voz baixa, em tom quase cúmplice, intermináveis confidências.
     Em certos dias de grandes arrumações, quando não tricotavam a malha, as duas amigas iam dar volta aos armários — enormes bisarmas de carvalho polido, com longos puxadores de cobre e fechaduras altas e estreitas, recortadas em arabescos. Abriam caixas, perfumavam a roupa com alfazema, forravam as prateleiras de belas toalhas bordadas, espanavam e limpavam durante todo o dia.
     Nós, as crianças, tínhamos licença de assistir àquele espetáculo salutar, com a condição de não mexer em nada.
     No fundo de um desses misteriosos armários, como num santuário, repousava, de pé na sua caixa de vidro, certo objeto pelo qual as duas senhoras pareciam ter uma espécie de veneração. Era uma grande boneca vestida à moda antiga, com um vestido de seda desbotado; os anos tinham-lhe comido quase todo o cabelo; tinha o nariz partido, o verniz lascado no rosto e nas mãos, e lembro-me de ter visto dela só um sapato, sapatinho velho, de marroquim estalado, com a fivela de prata enegrecida e um salto que fora vermelho. Quando chegavam ao imponente brinquedo, a marquesa e a menina Odília deslocavam-no com mil cuidados, como meninos de coro que pegassem num relicário; falavam dele em voz receosa, em frases curtas:
     — Olha, já lhe caiu mais cabelo... O vestido está mesmo desfiado. Este dedo solta-se, não demora...
     Levantavam com mil precauções a tampa de vidro, renovavam a pimenta que usavam contra traça, alisavam a saia, vincando-a delicadamente com a unha... Depois tornavam a pôr a boneca no seu lugar, de pé na melhor prateleira, como num altar.
     — Está bem segura, menina? — perguntava a marquesa. Era assim que tratava sempre a sua companheira. Esta tratava-a sempre familiarmente por "Madame Solange", sem nunca lhe dar o título, falando com um vago sotaque alsaciano, mas sem rudeza e como esbatido pelo tempo.
     Não sabíamos nada sobre a história das duas senhoras e da boneca. Um dia — era na véspera de Natal de um ano que já vai muito longe — fomos de repente iniciados no mistério.
     Nesse dia, Odília e a marquesa tinham conversado com mais animação que de costume. Ao fim da tarde, ambas tinham ficado caladas e recolhidas. Com as mãos caídas no regaço, olhavam-se enternecidas, e percebia-se que mergulhavam pouco a pouco numa recordação comum. Quando anoiteceu de todo, Odília acendeu as velas, puxou de um molho de chaves e abriu o armário. Tiraram a boneca da caixa. Nas suas sedas desbotadas, sem cabelo, parecia mais velha que as duas senhoras, que a passavam de mão em mão, com gestos cautelosos, quase ternos. A marquesa a pôs no colo, endireitou-lhe ao longo do corpo o braço de gesso, que rangeu levemente, como num gemido. Ficou a olhar para a "senhora", com um sorriso de carinho.
     — Ó menina — disse, como se falasse com a boneca, — e se eu contasse a nossa história a estes pequenos?
     Odília acenou com a cabeça, em sinal de assentimento. A marquesa mandou-nos sentar à sua volta. Tinha a boneca sentada nos joelhos, e parecia conversar com ela.
     Começou por dizer que, muitos anos antes, quando era ainda uma menina da nossa idade, a guerra civil devastava a Bretanha, sua terra natal. Era a época do "grande pavor".
     Logo em princípios do ano de 1792, os pais de Solange tinham emigrado. Com receio dos perigos do exílio, confiaram-na aos cuidados de uma camponesa de Ploubalay, aldeia vizinha do solar, perto da costa de Saint-Malo. Estavam convencidos de que a "boa causa" triunfaria, e de que a sua ausência seria breve.
     Mas, quase logo a seguir, a fronteira fora fechada. Havia leis impiedosas contra os emigrados que tentassem voltar à França. Uma terrível tempestade sangrenta assolava a Bretanha. Solange, enquanto durou o vendaval, permaneceu em casa dos aldeães a quem fora entregue, os Rouault, gente boa mas que vivia receosa, sem notícias dos pais da menina nem possibilidade de comunicar-se com eles, pois a lei castigava com pena de morte a menor tentativa de correspondência com os emigrados.
     Ploubalay é uma aldeia grande, a três léguas de Saint-Malo, distante da costa cerca de meia hora. A costa é eriçada de rochedos avermelhados e protegida por um arquipélago de recifes que o mar fustiga sem cessar, e que tornam perigosa qualquer tentativa de desembarque. Os "azuis" ocupavam a aldeia, donde tinham expulsado os "chouans". O sargento que os comandava era um desses subalternos como havia muitos no exército revolucionário: patriota rude, inflexível e obstinado. Era alsaciano, e chamava-se Metzger. Toda a aldeia o temia.
     A pequena Solange, sobretudo, punha-se a tremer, na soleira da porta dos Rouault, mal avistava esse homem terrível de grandes bigodes, sobrancelhas espessas, olhar oblíquo, voz estrondosa e pronúncia áspera. Era o seu pesadelo. Quando não andava em reconhecimento com a brigada, o sargento Metzger estava sempre à porta do posto instalado na igreja ocupada, a cavalo numa cadeira, fumando obstinadamente o seu cachimbo. Era dali que vigiava, com ar feroz, as três ruas da aldeia.
     Um dia, Solange tinha ido buscar pão para a tia Rouault, e já vinha de volta, com a pesada broa negra enrolada no avental, quando viu, no lugar do costume em frente do portal da igreja, o sargento Metzger, que a seguia de longe com os seus olhos grandes. A pequena hesitou. Vontade de fugir não lhe faltava, mas teve medo. Enchendo-se de coragem, começou a andar muito depressa, como qualquer menina que tivesse ido aos recados com a recomendação de não se demorar. Apertava o passo, rente às casas, sem voltar a cabeça. Mas quando já julgava ter escapado ao perigo, ouviu a voz retumbante do sargento:                                                                     
     — Alto aí, pequena!
     A criança sentiu o coração parar no peito; ficou pregada ao chão, gelada de pavor, quase a desfalecer.
     — Vem cá... Anda, mais perto! — continuou a voz.
     Solange obedeceu, quase sem saber o que fazia. Agora estava a dois passos do sargento, e ainda não se atrevera a levantar os olhos. O homem deixou-a assim estar, sem dizer palavra. Por fim, num tom que fez estremecer a criança como o súbito estourar de um trovão, perguntou:
     — És uma miúda aristocrata, hein?
     A pequena ficou de boca aberta, sem voz, encomendando-se a Deus. Não tinha compreendido lá muito bem, mas uma coisa sabia: essa palavra "aristocrata" designava pessoas que eram condenadas à morte.
     — Que idade tens? — perguntou o homem.
     Numa pobre vozinha enrouquecida, balbuciante de terror, respondeu:
     — Oito anos...
     Ia acrescentar cortesmente "senhor"... Mas engoliu a palavra em tempo, por instinto, certa de que, se a pronunciasse, o soldado a mataria logo ali. Contudo, naquele momento ele não parecia muito disposto a isso. Murmurou:
     — Oito anos... Oito anos! Exatamente...
     E logo a seguir acrescentou:
     — Estás crescidinha e forte para a idade.
     Disse isto num tom tão diferente, que a menina, surpreendida, levantou os olhos para ele. Era medonho, com o bicórnio de bicos para os lados, donde pendia uma borla de crina vermelha, a face tisnada, o cachimbo enegrecido, as mangas agaloadas, os talabartes brancos cruzados no peito, o grande sabre, as polainas enlameadas. E, pior que tudo, os olhos, os olhos profundos e penetrantes, que pareciam devorá-la.
     — Vamos, põe-te a andar — ordenou.
     A menina deu meia-volta e continuou a correr para casa, ainda trêmula e fria de emoção.
     A partir desse dia, começou a sentir-se espiada pelo sargento. Quando ele passava pela porta dos Rouault, à frente dos soldados, deitava um olhar para dentro da casa. Se a encontrava nas ruas, parava e ficava a segui-la com os olhos. E naquela voz áspera, com a pronúncia diabólica que a fazia arrepiar, chamava-a, entre grandes risadas:
     — Ah! Ah! Ah! Pequena...
     Por sua vontade, Solange agora nunca saía de casa. Mas a tia Rouault, calculando que a garota não tornaria a ver os pais, e não sendo pessoa para dar hospedagem de graça, utilizava-a para fazer os recados. Assim obrigada a encarar todos os dias aquela sua sombra negra, Solange acabara por sentir-se condenada à morte. O malvado, pelo visto, só esperava ocasião para dar cabo dela. E convenceu-se disso certo dia em que, quando lavava hortaliças no chafariz da praça, o sargento a interpelou bruscamente:
     — Como te chamas, menina?
     Pensando que chegara a sua hora, respondeu, resignada:
     — Solange.
     O sargento exclamou:
     — Solange! — ele pronunciava Zôlange. — Que nome patusco!
     Apalpou-lhe os braços e levantou-a do chão, como se quisesse avaliar-lhe o peso.
     — Oito anos! — exclamou. — Oito anos! O que isto cresce!...
     A pequena julgou-se nas mãos de uma fera, que apreciasse a presa já segura. Com aquela perspectiva, a vida para ela tornou-se lúgubre.
     Dezembro chegara, com as noites sinistras, os dias sem sol. Não se passava um dia sem que os "azuis" deitassem a mão a um emigrado. Os exilados passavam tal miséria em Jersey ou Londres, ansiavam tão ardentemente por voltar à França, que muitos deles não resistiam a desembarcar. Os "azuis", emboscados em terra, davam-lhes caça nos rochedos do litoral ou na charneca. Para apanhar as suas presas, tinham treinado enormes cães, que farejavam o rastro dos infelizes e iam descobri-los nos fossos por onde se arrastavam durante a noite, ou nos juncais onde passavam o dia alapardados. Depois, a gente de Ploubalay via-os atravessar a aldeia acorrentados, com as roupas em farrapos, entre soldados que os levavam a Saint-Malo ou a Rennes, onde eram fuzilados após julgamento sumário. A lei era impiedosa e irrevogável: emigrado que apanhassem era homem morto.
     Quando chegou a véspera de Natal desse ano de 1793, ninguém deu mostras de pensar na doce festa de outrora. A igreja estava fechada, os sinos mudos. A noite caiu, muito enevoada. Ao longo do dia se tinham ouvido ladrar os cães, do lado da planície Bodard: os "azuis" deviam ter feito boa caçada...

     No sobrado da casa dos Rouault, a pequena Solange dormia numa água-furtada contígua a um celeiro cheio de escuridão e de terror, que a fazia arrepiar quando à noite, muito quieta na enxerga, pensava em todos os misteriosos perigos que podiam estar do outro lado da porta fechada.

     Nessa noite Solange estava muito triste: enquanto se despia a tiritar, lembrava-se de outras vésperas de Natal, essas bem alegres, quando ainda estava com os pais, e sentia o coraçãozinho cheio de afeto e ternura. Como o despertar era radioso, nesses Natais passados! Que êxtases, diante da chaminé cheia de brinquedos, de gulodices, de embrulhos com laçarotes de fita! Enquanto pensava em tudo isso, segurava nas mãozinhas cansadas os tamancos grosseiros que dessa vez não iria pôr na chaminé, sabendo de antemão que haviam de ficar vazios, como no ano passado... Talvez o Menino Jesus tivesse medo, e era por isso que já não vinha à França...

continua...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Santa Fausta – 19 de dezembro

     O Cardeal Barônio, compilador do Martirológio Romano, relacionou o nome de Fausta baseando-se numa Passio de Santa Anastácia para fazer essa inclusão, e o inseriu no dia 19 de dezembro com uma qualificação arbitrária de “mártir”.
     A  Passio de Santa Anastácia contém a notícia mais antiga sobre a santa deste dia. No capítulo IV a santa, escrevendo a São Crisógono, dá alguns dados particulares sobre sua família. Menciona ter nascido de um pai pagão e de Fausta, mulher muito piedosa que a educou desde a infância nos preceitos do Evangelho. “Embora meu pai fosse um idólatra, minha mãe Fausta viveu sempre fiel e casta. Ela me fez cristã desde o berço”.
     É tudo o que sabemos desta santa. Seu nome não é encontrado em nenhum martirológio antigo, nem medieval, mencionando-a como mãe de Santa Anastácia.

*
 
Santa Anastácia, gravura medieval
   
     Santa Anastácia morreu em Sirmio. A seu respeito pouco se sabe ao certo, exceto que foi martirizada durante as perseguições de Diocleciano. A maior parte das histórias sobre ela foram escritas vários séculos depois e dizem ser ela uma romana ou uma nativa de Sirmio, e ainda uma romana patrícia. A legenda diz ser ela filha de Pretexto e aluna de São Crisógono. A tradição católica afirma que Santa Fausta de Sirmio foi sua mãe.
     Sua festa é celebrada no dia 25 de dezembro.

Etimologia: Fausta (o), do latim Faustus: “faustoso, feliz, venturoso, ditoso”.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Nossa Senhora do Ó ou Expectação do Parto da Beatíssima Virgem Maria - 18 de dezembro


     Nossa Senhora do Ó é uma devoção mariana surgida em Toledo, na Espanha, instituída no século VI pelo décimo Concílio de Toledo, ilustre na História da Igreja pela dolorosa, humilde, edificante e pública confissão de Potâmio, Bispo bracarense, pela leitura do testamento de São Martinho de Dume e pela presença simultânea de três santos de origem espanhola: Santo Eugênio III Bispo de Toledo, São Frutuoso de Braga e o então abade Santo Ildefonso.
     Santo Eugênio foi sucedido no cargo por seu sobrinho, Santo Ildefonso, que determinou que essa festa se celebrasse no dia 18 de dezembro com o título de Expectação do Parto da Beatíssima Virgem Maria.
     Os dois nomes têm o mesmo significado e objetivo: os anelos santos da Mãe de Deus por ver o seu Filho nascido. Anelos de milhares e milhares de gerações que suspiraram pela vinda do Salvador do mundo, desde Adão e Eva, e que se recolhem e concentram no Coração de Maria, como no mais puro e limpo dos espelhos.
     A Expectação (expectativa) do parto não é simplesmente a ansiedade, natural na mãe jovem que espera o seu primogênito, é o desejo inspirado e sobrenatural da "bendita entre as mulheres", que foi escolhida para Mãe Virgem do Redentor dos homens, para co-redentora da humanidade. Ao esperar o seu Filho, Nossa Senhora ultrapassa os ímpetos afetivos de uma mãe comum e eleva-se ao plano universal da Economia Divina da Salvação do mundo.
     As antífonas maiores que põe a Igreja nos lábios dos seus sacerdotes desde o dia 18 de dezembro até a Véspera do Natal e começam sempre pela interjeição exclamativa Ó ("Ó Sabedoria... vinde ensinar-nos o caminho da salvação"; "Ó rebento da Raiz de Jessé... vinde libertar-nos, não tardeis mais"; "Ó Emanuel..., vinde salvar-nos, Senhor nosso Deus"), como expoente altíssimo do fervor e ardentes desejos da Igreja, que suspira pela vinda de Jesus, inspiraram ao povo espanhol a formosa invocação de "Nossa Senhora do Ó".

Em Portugal
     Em Portugal, o culto à Expectação do Parto, ou a Nossa Senhora do Ó, teria se iniciado em Torres Novas (Santa Maria, Frei Agostinho de - Santuário Mariano), onde uma antiga imagem da Senhora era venerada na Capela-mor da Igreja Matriz de Santa Maria do Castelo. Esta imagem era conhecida à época de D. Afonso Henriques por Nossa Senhora de Almonda (devido ao Rio Almonda, que banha aquela povoação), à época de D. Sancho I por Nossa Senhora da Alcáçova (c. 1187) ou, a partir de 1212, quando se lhe edificou (ou reedificou) a igreja, por Nossa Senhora do Ó. Esta imagem é descrita pelo mesmo autor como:
     É esta santa imagem de pedra mas de singular perfeição. Tem de comprimento seis palmos. No avultado do ventre sagrado se reconhecem as esperanças do parto. Está com a mão esquerda sobre o peito e a direita tem-na estendida. Está cingida com uma correia preta lavrada na mesma pedra e na forma de que usam os filhos de meu padre Santo Agostinho.
     Nossa Senhora do Ó é a padroeira de dezoito freguesias portuguesas, situadas na sua maioria nas dioceses mais setentrionais do país

No Brasil
     No Brasil, o culto iniciou-se à época do início da colonização, com o Capitão donatário Duarte Coelho, na Capitania de Pernambuco. Tendo fundado a vila de Olinda, nessa povoação erigiu-se uma Igreja sob a invocação de São João Batista, administrada por militares, onde era venerada uma imagem de Nossa Senhora da Expectação ou do Ó. De acordo com Frei Vicente Mariano, também se tratava de uma imagem pequena com cerca de dois palmos de altura, entalhada em madeira e estofada, de autoria e origem desconhecida. A tradição reputa esta imagem como milagrosa, tendo vertido lágrimas em 28 de julho de 1719.
     A partir dessa primitiva imagem em Olinda, a devoção se espalhou em terras brasileiras graças a cópias na Ilha de Itamaracá, em Goiana, em Ipojuca e em São Paulo, nesta última em casa da família de Amador Bueno e na do bandeirante Manuel Preto que fundou a igreja e o bairro bem conhecidos até hoje. Os bandeirantes, por sua vez levaram a devoção para Minas Gerais, onde, em Sabará, se erige a magnífica Capela de Nossa Senhora do Ó, em estilo indo-europeu, atualmente tombada pelo Iphan. É venerada também em Icó onde fazem uma grande festa anual
                                                                                                      
Na. Sra. do Ó, Sabará, MG
Iconografia
     A imagem de Nossa Senhora do Ó sempre apresenta a mão esquerda espalmada sobre o ventre. A mão direita pode também aparecer em simetria à outra ou levantada. Encontram-se imagens com esta mão segurando um livro aberto ou também uma fonte, ambos significando a fonte da vida. Em Portugal essas imagens costumavam ser de pedra e, no Brasil, de madeira ou argila.
     No século XIX, muitas imagens foram trocadas pela da Nossa Senhora do Bom Parto, com o ventre disfarçado pela roupa. Somente no fim do século XX se voltou a falar e pesquisar o assunto, tendo-se encontrado imagens antigas enterradas sob o altar das igrejas.

* * *

     As Antífonas do Ó foram compostas entre o século VII e o século VIII, sendo um compêndio de cristologia da antiga Igreja, um resumo expressivo do desejo de salvação, tanto de Israel no Antigo Testamento, como da Igreja no Novo Testamento. São orações curtas, dirigidas a Cristo, que resumem o espírito do Advento e do Natal. Expressam a admiração da Igreja diante do mistério de Deus feito Homem, buscando a compreensão cada vez mais profunda de seu mistério e a súplica final urgente: «Vem, não tardes mais!». Todas as sete antífonas são súplicas a Cristo, em cada dia, invocado com um título diferente, um título messiânico tomado do Antigo Testamento (Antífonas do Ó: O antigo e o novo na oração litúrgica do advento. - São Paulo: Paulinas, 1997).
   De acordo com D. Guéranger (Abade de Solesmes, França, +1875), ‘as Antífonas do Ó contêm todo o núcleo do período litúrgico’. São consideradas, ainda, ‘as pérolas que exprimem o tesouro escondido no campo deste Tempo, configurando a coroa do Rei dos reis!’.

Texto das Antífonas do Ó



18 de dezembro
O Sapientia

"Ó Sabedoria, que saístes da boca do Altíssimo
e atingis até os confins de todo universo 
e com força e suavidade governais o mundo inteiro:
ó, vinde ensinar-nos o caminho da prudência!"


19 de dezembro
 O Adonai

"Ó Adonai, guia da casa de Israel,
que aparecestes a Moises na sarça ardente
 e lhe destes a Vossa lei no Sinai:
vinde salvar-nos com o braço poderoso!”


20 de dezembro
O Radix Jesse

“Ó Raiz de Jessé, ó estandarte
levantado em sinal para as nações!
Ante Vós se calarão os reis da terra,
e as nações implorarão misericórdia;
Vinde salvar-nos! Libertai-nos sem demora!”


21 de dezembro
O Clavis David

Ó Chave de Davi, cetro da casa de Israel
que abris e ninguém fecha;
fechais e ninguém abre:
vinde logo e libertai o homem prisioneiro,
que nas trevas e na sombra da morte está sentado!”


22 de dezembro
O Oriens

“Ó Sol nascente justiceiro,
resplendor da Luz eterna!
Vinde e iluminai os que jazem nas trevas,
e que estão sentados à sombra da morte e do pecado”.


23 de dezembro
O Rex gentium

“Ó Rei das nações, desejado dos povos!
Ó pedra angular que opostos unis!
Ó vinde e salvai o homem tão frágil
que um dia criastes do barro da terra!”


24 de dezembro
O Emmanuel

“Ó Emanuel, Deus conosco, nosso Rei e Legislador,
esperança das nações e dos povos Salvador!
Vinde enfim para salvar-nos, ó Senhor e nosso Deus!”



Igreja de Na. Sra. do Ó, São Paulo, SP