sexta-feira, 8 de junho de 2012

Religiosas vicentinas e a 1ª escola feminina de Minas Gerais

     Há tempos que este blog desejava prestar uma homenagem às pioneiras que trouxeram a Congregação das Filhas de São Vicente de Paulo para Mariana e para o Brasil. Estas insignes e desconhecidas heroínas deixaram sua pátria, singraram o Atlântico e, em meio às dificuldades do século XIX, desenvolveram um trabalho educacional que é um sucesso de 162 anos, completados neste ano de 2012.
     Em fevereiro de 1849, doze religiosas oriundas da França chegavam ao Rio de Janeiro, após três meses de travessia do Oceano Atlântico. Depois, desde o Rio de Janeiro, sobre o lombo de animais em trilhas nas montanhas, chegavam a Mariana para fundar a primeira escola feminina do Estado.
     O Museu Casa da Providência criado em 1999, localizado na primeira construção do Colégio, do século XIX, conta muito da história da Instituição e da vida das missionárias pioneiras. Tempos difíceis que elas enfrentaram e cujos esforços resultaram numa sólida Instituição cujo lema “tradição e renovação”, aparentemente formado por palavras antagônicas, garantiu o sucesso do empreendimento e a qualidade do ensino.
     Tudo começou com o convite de Dom Antonio Ferreira Viçoso (1787-1875) (¹), Bispo Arquidiocesano de Mariana, à Congregação com sede em Paris, para desenvolver no Brasil um trabalho educacional. O bispo justificou a iniciativa com a afirmação de que "somente educando a mulher, oferecendo-lhe uma boa condição cultural é que teremos uma sociedade mais civilizada e preparada para dar à pátria cidadãos completos". "Não vos esqueçais de que a mulher, sobretudo a mãe, será sempre a primeira mestra", destacou ainda.
     Conta-se em Mariana que ao chegarem à cidade no dia 3 de abril de 1849 as irmãs vicentinas foram recebidas por Dom Viçoso de joelhos e em lágrimas. Ele teria dito: “A educação dos jovens está salva”.
     O colégio seria exclusivamente feminino, mas um dos principais objetivos era a formação de educadoras que pudessem realizar um efeito multiplicador, o que realmente aconteceu, pois sua fama transpôs as fronteiras de Minas e as famílias abastadas de outros Estados mandavam as filhas para o internato, que chegou a abrigar até 200 estudantes.
     No período de sua adaptação e aprendizado do idioma as religiosas visitavam pobres e doentes. Finalmente, no dia 10 de março de 1850, foi fundado o Colégio Providência, o primeiro do Estado para meninas, com funcionamento em regime de internato. O início modesto da Instituição, numa casa simples no mesmo quarteirão onde ainda hoje está o Colégio Providência, tornou-se o berço das Filhas da Caridade no país.
     No museu temático podemos admirar as montarias originais da primeira viagem das religiosas, livros, baús, tapetes, documentos, paramentos, o diário de bordo da Irmã Dubost, a primeira diretora do Colégio, e até um quarto de dormir, segundo os costumes do século XIX. Há um armário contendo perfumes, essências e outros produtos que as religiosas francesas faziam para obter recursos e manter a escola no início dos trabalhos. A Coroação de Nossa Senhora, a celebração tradicional da Igreja Católica, aconteceu pela primeira vez em Mariana, segundo documento constante do acervo do museu. Tudo enfim retrata a vida das religiosas nos seus primeiros anos em Mariana.
     Em 2012, outra data marca o desenvolvimento do projeto inicial: em 1902, há 110 anos, o Colégio se tornou Escola Normal, equiparado à Escola Normal Modelo, hoje Instituto de Educação de Belo Horizonte.
     Em tese de doutorado na UFMG, a professora do Centro Universitário de Belo Horizonte, Ana Cristina Pereira Lage, revela que a Congregação se implantou no Brasil oito anos antes de fazê-lo em Portugal. “O objetivo inicial de Dom Viçoso, um grande reformador da educação, era ter gente para cuidar das órfãs, pois não havia instituição específica. Sem recursos, as irmãs acreditavam que a futura construção da escola seria auxiliada pela Providência Divina”, explica a professora.
     O governo provincial ajudou com algum dinheiro e o bispo batalhou por novas quantias. O Colégio então abriu as portas para meninas ricas, pois, diz a professora, “Nessa época os anseios da sociedade estavam mudando: para os pais, era importante ter filhas estudando com religiosas francesas, então as mandavam para o colégio”. Na sua pesquisa, Ana Cristina constatou que o segundo colégio feminino em Minas foi o de Macaúbas, em Santa Luzia, na Grande BH. Antes recolhimento, ele teve salas de aula de 1863 a 1926 até se tornar mosteiro. 
Formação para a vida
     Atualmente a gestão da escola, anteriormente restrita às Irmãs, tem a participação de leigos. Nesses 162 anos, o Colégio formou alunos que se tornaram sacerdotes, médicos, engenheiros, professores. Há também a preocupação com a inclusão social: alunos bolsistas, clínica de atendimento psicopedagógico, e outros programas.
 A ex-aluna e atual assessora de administração contábil Kátia Simone dos Santos, que estudou como bolsista de 1979 a 1990, elogia a Instituição que considera sua segunda casa, e define em poucas palavras sua relação com o colégio: “Formação para a vida. Aqui temos a autoestima elevada”.
     A professora emérita de língua portuguesa e lingüística da Universidade Federal de Ouro Preto, Hebe Maria Rola Santos, formou-se normalista em 1949, ano do centenário do colégio. E lembra-se do uniforme: saia de casimira bem abaixo do joelho, blusa de fustão branco, sapatos de verniz preto e meia de três quartos. “Um sol de rachar, a gente de meião e ninguém reclamava”, recorda, bem-humorada. Ela conta que as internas só saíam à rua acompanhadas por uma das freiras ou em grupos. Mas eram admiradas. “As alunas eram o charme de Mariana na época”. A professora avalia que o colégio formava “para o lar”, ensinando, por exemplo, a fazer sabão e creme dental, além das aulas de trabalhos manuais e economia doméstica. Isso, no entanto, não impedia que se tornassem, como ela, professoras universitárias, graças à base sólida do ensino.
     (¹) A cidade de Mariana e o Estado de Minas Gerais orgulham-se, “com fundadas razões”, terem tido o religioso português “como educador e pastor” por mais de 30 anos. “Seus pés missionários palmilharam incansáveis todos os caminhos de Minas, visitaram remotos lugarejos, procuraram, sem discriminação, a todos que dele precisavam, em especial os pobres e os que padeciam da verdadeira sede de Deus”. D. Antonio Viçoso morreu em julho de 1875, aos 88 anos. O seu túmulo encontra-se na cripta da Catedral Basílica de Mariana. Existe um processo para sua beatificação, pois a sua memória permanece “viva”, pelo seu humanismo, a luta contra a escravatura e as preocupações com a educação.
Fontes: "Estado de Minas” de 04/4/2009, caderno Gerais e artigo de Gustavo Werneck de 03/3/2012.

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