Eufrásia
nasceu no ano de 380, em Constantinopla, na Ásia Menor. Antígono, seu pai, era
um nobre de grande dignidade e qualidade na corte de Teodósio, o jovem, quase
ligado por sangue a esse imperador, e honrado por ele com vários cargos
importantes no Estado. Ele era casado com Eufrásia, uma mulher não menos
ilustre por seu nascimento do que pela virtude, com quem ele tinha apenas uma
filha e herdeira, chamada também Eufrásia, a santa de quem tratamos.
Depois de seu nascimento, seus piedosos
pais, com mútuo consentimento, comprometeram-se com o voto de continência
perpétua, para que pudessem aspirar mais perfeitamente às alegrias invisíveis
da vida futura; e desde esse tempo viveram juntos como irmão e irmã, nos
exercícios de devoção, esmolas e penitência.
Antígono morreu dentro de um ano, e a
santa viúva, para evitar o assédio de pretendentes a casamento e a distração de
amigos, pouco tempo depois mudou-se com sua filha pequena para o Egito, onde
ela possuía uma muito grande propriedade.
Nesse país fixou sua residência perto de
um mosteiro de cento e trinta monjas que nunca usavam outro alimento além de
ervas, que comiam apenas depois do pôr-do-sol e algumas só uma vez em dois ou
três dias; elas vestiam e dormiam em sacos, faziam trabalhos manuais e rezavam
quase sem interrupção. Quando doentes, suportavam suas dores com paciência, considerando-as
uma misericórdia divina e, agradecendo a Deus por isto, nem buscavam alívio de
médicos, exceto em casos de necessidade absoluta, e então só eram permitidos
remédios comuns, como os monges da Trapa fazem nos dias atuais. A atenção
excessiva à saúde alimenta o amor-próprio e a falta de mortificação (1) e
muitas vezes destrói aquela saúde que ansiosamente se tentou preservar.
Com o exemplo dessas virgens santas, a
devota mãe era afervorada nos exercícios da religião e da caridade, a que se
dedicava totalmente. Frequentemente visitava estas servas de Deus, e rogava que
aceitassem uma ajuda anual, com a única obrigação de sempre rezarem pela alma
de seu falecido marido. Mas a abadessa recusou a oferta, dizendo: "Renunciamos
a todas as conveniências do mundo para comprar o céu. Nós somos pobres e tais
desejamos permanecer". Ela só aceitou um pequeno donativo para suprir o óleo da
lâmpada da igreja e para o incenso a ser queimado no altar.
Aos sete anos de idade, Eufrásia fez um
pedido à sua mãe: que lhe fosse permitido servir a Deus neste mosteiro. A
piedosa mãe, ao ouvir isto chorou de alegria, e não muito tempo depois
apresentou-a à abadessa que, tomando uma imagem de Cristo, entregou-a em suas
mãos. A tenra virgem beijou-a, dizendo: "Por voto me consagro a Cristo".
Então a mãe a conduziu diante de uma imagem de nosso Redentor, e levantando as
mãos ao céu, disse: "Senhor Jesus Cristo, receba esta criança sob Vossa
proteção especial. Somente Vós ela ama e busca; a Vós ela se recomenda". (2) Então,
voltando-se para sua querida filha, disse: "Que Deus, que lançou os
alicerces dos montes, te fortaleça sempre no Seu santo temor". E
deixando-a nas mãos da abadessa, saiu do mosteiro chorando.
Algum tempo depois, ela adoeceu e, sendo
avisada de sua morte, deu as últimas instruções a sua filha com estas palavras:
"Temei a Deus, honrai vossas irmãs e servi-as com humildade. Nunca penses
no que fostes, nem digas a ti mesmo que es de extração real. Seja humilde e
pobre na terra, para que sejas rica no céu". A boa mãe logo depois dormiu
em paz.
Após a notícia de sua morte, o Imperador
Teodósio (3) mandou chamar a nobre virgem para a corte, e a prometeu em casamento
a um jovem senador. Mas a virgem escreveu-lhe de próprio punho a seguinte
resposta:
"Imperador invencível, tendo-me
consagrado a Cristo em castidade perpétua, não posso faltar ao meu compromisso e
me casar com um homem mortal, que em breve será alimento de vermes. Pelo amor aos
meus pais, peço o favor de distribuir suas propriedades entre os pobres, os
órfãos e a Igreja. Ponha em liberdade todos os meus escravos, e dispense os
meus vassalos e servos, dando-lhes o que é devido. Ordene aos ecônomos de meu
pai para perdoarem os meus agricultores de tudo o que eles devem desde a sua
morte, para que eu possa servir a Deus sem impedimentos, e possa estar diante dEle
sem a solicitude dos assuntos temporais. Reze por mim, vós e vossa imperatriz,
para que eu possa ser digna de servir a Cristo".
Os mensageiros retornaram ao imperador
levando esta carta; este derramou muitas lágrimas ao lê-la. Os senadores que a
ouviram também em lágrimas disseram à sua majestade: "Ela é a digna filha
de Antígono e Eufrásia, do vosso sangue real, e a santa fonte de um acúmulo de virtudes".
O imperador executou tudo, conforme desejado por ela, um pouco antes de sua
morte, ocorrida em 395.
Santa
Eufrásia era para suas piedosas irmãs um modelo perfeito de humildade, mansidão
e caridade. Se ela se via agredida por qualquer tentação, imediatamente a revelava
à abadessa para afastar o demônio com aquela humilhação e buscar um remédio. Em
tais ocasiões, a discreta superiora lhe dava um trabalho penitencial humilde e
doloroso, como carregar grandes pedras de um lugar para outro. Certa vez, sob
um obstinado assalto de tentação, continuou por trinta dias a fazer este
trabalho com uma simplicidade maravilhosa, até que o demônio, derrotado por sua
humilde obediência e castigo de seu corpo, deixou-a em paz. Sua refeição eram ervas
que ela comia após o pôr-do-sol, inicialmente todos os dias, mas depois apenas
uma vez em dois ou três, ou às vezes sete dias. Mas sua abstinência tinha como
mérito principal sua humildade, sem a qual teria sido um jejum de demônios. Eufrásia
limpava as celas das outras freiras, carregava água para a cozinha e, por
obediência, empregava-se alegremente nos trabalhos mais inferiores, tornando o
trabalho doloroso uma parte de sua penitência.
Para mencionar um exemplo de sua extraordinária
mansidão e humildade é relatado que um dia uma empregada na cozinha perguntou a
ela por que jejuava semanas inteiras, sendo que nenhuma outra tentava fazer
isto além da abadessa? Sua resposta foi que a abadessa lhe tinha ordenado essa
penitência. A outra a chamou de hipócrita. Diante disto Eufrásia caiu a seus
pés, implorando-lhe que a perdoasse e orasse por ela. Neste ato é difícil dizer
se devemos admirar mais a paciência com que ela recebeu a injusta repreensão,
ou a humildade com que ela sinceramente condenou a si mesma, como se por sua
hipocrisia e imperfeições ela tivesse sido um escândalo para os outros.
Ela foi favorecida com milagres antes e
depois de sua morte.
No dia 12 de março do ano 410 a superiora
do convento teve uma visão profética na qual recebeu um aviso de que Eufrásia
morreria e seria proclamada santa. Santa Eufrásia, ainda jovem, nada sentia.
Porém, acreditou na mensagem e pediu para receber os Sacramentos. Então, no dia
seguinte, 13 de março de 410, como tinha sido previsto, ela teve uma febre
muito forte e veio a falecer. Venerada como santa pelo grande exemplo de vida,
de fraternidade, de amor e caridade, Santa Eufrásia foi sepultada no mesmo
convento onde passou a vida e ao qual tanto amor devotava.
Seu nome está registrado neste dia, 13 de
março, no Martirológio Romano.
Veja
sua vida autêntica em Rosweide, p. 351, D'Andilly, e mais correto na Acta
Sanctorum pelos Bollandistas.
Nota
(1) É severamente condenado por São Bernardo, Ep. 345. ol. 321. p. 316, e Serm.
50. in Cant. St. Ambrose. Serm. 22. in Ps. 118 e pelo Abade Rance, reformador da
Trapa.
Nota
(2) Esta passagem é citada por São João Damasceno, Or. 3. de Imagin.
Nota
(3) - Teodósio nasceu no ano de 347, em
Cauca, atual Coca (Segóvia, Espanha) com o nome de Flávio Teodósio, filho de
Termância e de Flávio Honório Teodósio, o velho, lugar-tenente hispano e
um dos generais mais prestigiados de Valentiniano I, dito duque eficacíssimo
(dux efficacisimus - chefe, ou general, altamente eficaz) por isso.
Em 380, Teodósio, "Augusto do Oriente", após a paz
com os godos, entrou triunfante em Constantinopla, que será sua capital e lugar
de residência habitual até 388, quando se dirige a Mediolano. Aparece a crônica
de São Jerônimo.
Pelo Édito de Tessalônica, de Teodósio I,
se confirma o Cristianismo como religião de Estado no Império Romano.
Teodósio batiza-se como cristão devido a uma grave doença, contraída em
Tessalônica, escolhida por ele como capital temporária, sendo assim o primeiro
imperador romano que exerceu o poder estando batizado, apesar dos seus
predecessores, desde Constantino, à exceção de Juliano, se declarassem cristãos
e tentassem se comportar como tais. Foi talvez por isso que foi o primeiro
imperador que recusou o título de pontífice máximo (pontifex maximus), que
podemos traduzir por "Supremo Guardião" dos velhos cultos romanos.
Como reconhecesse que os bárbaros,
especialmente os teutônicos e germânicos, podiam ajudar o exército, bastante
minado pelas lutas internas, Teodósio os admitiu como soldados e oficiais, de
modo que em suas dioceses (subdivisões civis) tanto romanos como
teutônicos se encontravam entre seus generais. Com Graciano edita um decreto
que manda que todos os súditos professem a fé dos bispos de Roma e Alexandria.
Os templos dos arianos e heréticos não podiam ser chamados de igrejas.
Teodósio morreu em Milão, depois de
combater um edema vascular, a 17 de janeiro de 395. Suas últimas palavras foram
as do salmo 116 (5): Diligo Dominum quia audivit vocem obsecrationis meae -
"Amo o Senhor porque ouviu a voz de minha súplica".
Deixou aos cuidados de Santo Ambrósio seus
dois filhos, Arcádio, enfermiço de 17 anos e Honório de 10. Santo Ambrósio organizou
e logrou que seu corpo repousasse numa propriedade em Milão. Ambrósio
pronunciou um panegírico intitulado De Obitu Theodosii ante Estilicão e
Honório, no qual detalha a supressão da heresia e do paganismo por
Teodósio. Os seus restos mortais foram trasladados definitivamente para
Constantinopla a 8 de novembro de 395.
Estilicão, o general de origem
vândala casado com sua sobrinha Serena, foi o encarregado de cuidar de
Honório, augusto do Ocidente, enquanto Rufino cuidava de Arcádio, augusto do
Oriente. Mas o império estava agonizando e praticamente morria com seu último
grande imperador.
The
Lives of the Saints, Vol. III: March, by
Rev. Alban Butler (New York: D.&J. Sadlier Publishers, 1866), pp. 585-586.
Etimologia:
Eufrásia deriva do grego Eyphrasia e significa “Alegria”.
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