Origem da
comemoração em honra de todos os santos
Na perseguição de Diocleciano o número de
mártires foi tão grande, que não se podia instituir para cada um deles uma
festa particular. Mas, como a Igreja queria que todo mártir fosse venerado,
apontou um dia comum para todos. O primeiro traço disso encontramos no ano 359,
em Edessa, que celebrava no dia 13 de maio a “memória dos mártires de todo
o mundo”. Vemos também uma menção dessa comemoração num sermão de Santo
Efrém (373) e numa homilia de São João Crisóstomo (407). Em 411, o calendário
siríaco já assinalava também uma “Comemoração dos Confessores”, no
sexto dia da Semana da Páscoa.
No Ocidente, embora os Sacramentários dos
séculos V e VI tragam muitas missas em honra dos santos mártires, não havia dia
fixo para sua celebração. Foi no dia 13 de maio de 610, no século seguinte, que
o Papa Bonifácio IV, ao fazer exorcizar, purificar e benzer o antigo Panteão
romano — que fora dedicado “a todos os deuses do Império” — dedicou-o
a Nossa Senhora e a todos os mártires, pelo que passou a chamar-se Sancta Maria
ad Martyres; e depois, Nossa Senhora da Rotonda, por causa de
sua forma circular. Para lá mandou levar muitos ossos de mártires que havia nos
vários cemitérios e catacumbas de Roma. A partir de então, todos os anos, no
dia dessa dedicação, havia uma celebração em honra de todos os mártires que ali
se veneravam.
Por volta do ano 731, o Papa Gregório III
consagrou, na igreja de São Pedro, uma capela em honra de todos os santos, e
desde então celebrava-se na Cidade Eterna uma comemoração em seu louvor. O Papa
Gregório IV, em 837, estendeu essa festa à França; e a partir de então, a toda
a Igreja. Em 1480, o Papa Sixto IV concedeu uma oitava à festa, o que a tornou
ainda mais célebre em todo o mundo, chegando a ser uma das principais da
Cristandade.
A Igreja Militante
homenageando a Triunfante
Por que uma festa para todos os santos? A
Santa Igreja quis, por essa festa, honrar também os santos que não têm uma
comemoração particular durante o ano, seja porque são pouco conhecidos ou
porque se faz menção de seus nomes apenas no dia de seu triunfo para o Céu. Seu
número, incontável, impede que tenham um culto distinto e
separado. “Certamente não era justo deixar sem honra esses admiráveis
heróis do cristianismo que serviram fielmente a Deus durante sua vida mortal e
empregam continuamente suas preces no Céu para nos obter perdão de nossos
pecados, e graças poderosas para chegarmos à felicidade de que já gozam”. (1)
Era, pois, necessária uma festa que fosse
uma homenagem de toda a Igreja Militante a toda a Igreja Triunfante. Pelo que
já dizia São Beda, o Venerável, no século VIII: “Hoje, diletíssimos,
celebramos na alegria e em uma só festa a solenidade de Todos os Santos, cuja
sociedade faz que o Céu estremeça de gozo, cujo patrocínio alegra a Terra,
cujos triunfos são a coroa da Igreja”. (2)
Outra razão, proveniente do Ordo
Romano, é a de dar oportunidade a todos os fiéis, eclesiásticos ou leigos, de
reparar por um novo fervor as negligências com que celebraram as festas
particulares desses santos. Poder-se-ia ainda acrescentar que, louvando todos
os santos numa só comemoração, visamos atrair para nós a proteção e a
intercessão de todos eles e conseguir assim favores especiais que, pelos nossos
muitos pecados, não alcançamos.
Pode-se acrescentar também que a Igreja
Militante quer, por uma festa reunindo todos os Santos, interessá-los em sua
defesa e proteção, e como que incentivá-los a juntar sua intercessão para
obter-lhe favores extraordinários. Era o que dizia na Coleta da missa
desse dia: “Onipotente e sempre eterno Deus, que nos concedeste venerar os
méritos de todos teus Santos em uma mesma festividade: nós te suplicamos que,
multiplicados os intercessores, nos concedas a ansiada abundância de tua
propiciação”. (3)
Por fim, na instituição desta festa
dedicada a todos os Santos num só dia, a Igreja propôs aos fiéis que desejassem
a felicidade inestimável e a glória a que foram elevados, as riquezas e as
delícias de que gozam na mansão dos bem-aventurados, como descreve admiravelmente
São João no Apocalipse: “Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia
do céu de junto de Deus, adornada como uma esposa ataviada para o seu esposo.
Ouvi uma grande voz, vinda do trono, que dizia: Eis o tabernáculo de Deus com
os homens; habitará com eles, eles serão o seu povo e o mesmo Deus-com-eles
será o seu Deus; enxugar-lhes-á todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá
mais morte, nem luto, nem clamor, nem mais dor, porque tudo isto
passou” (Ap 21, 2-4).
E “a cidade [Jerusalém
celeste] não tem necessidade de sol, nem de lua, que a iluminem, porque a
claridade de Deus a ilumina, e a sua lâmpada é o Cordeiro. As nações caminharão
à sua luz e os reis da Terra lhe trarão sua glória e a sua honra. As suas
portas não se fecharão no fim de cada dia, porque ali não haverá noite.
Levar-lhe-ão a glória e a honra das nações. Não entrará nela coisa alguma
contaminada, nem quem cometa abominação ou mentira, mas somente aqueles que
estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” (Ap 21, 23-27).
Os santos e as
bem-aventuranças
Os santos de Deus são aqueles heróis de
Jesus Cristo que, alcançando uma vitória sobre o demônio, o mundo e a carne, e
praticando as virtudes em grau heróico, alcançaram a eterna bem-aventurança.
Por isso o Evangelho da missa própria é o das bem-aventuranças, como para
mostrar-nos qual é o caminho que devemos seguir para fazer-lhes companhia na
eterna glória:
Bem-aventurados os
pobres de espírito, porque deles é o reino do Céu;
Bem-aventurados os
mansos, porque eles possuirão a Terra;
Bem-aventurados os
que choram, porque serão consolados;
Bem-aventurados os
que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados;
Bem-aventurados os
que usam de misericórdia, porque alcançarão misericórdia;
Bem-aventurados os
puros de coração, porque verão a Deus;
Bem-aventurados os
que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino do Céu.
O que fazer para participar dessa
felicíssima glória na Jerusalém Celeste? Temos os Mandamentos, a doutrina da
Igreja e os exemplos dos santos. Uns, como Santa Maria Goretti, alcançaram a
coroa eterna pelo seu amor e defesa da virgindade; e outros, como Santa Maria
Madalena, pelo seu profundo arrependimento e penitência. Um grande número, como
Santa Inês, alcançou a palma do martírio pelo seu abrasado amor de Deus;
outros, como Santa Catarina de Siena, confessando o seu santo Nome diante dos
homens. Nenhuma pessoa humana chegou à eterna felicidade senão pela via da
Cruz, e praticando as virtudes do Divino Mestre, da humildade, da paciência, da
combatividade, mansidão, castidade, abrasado amor de Deus e do próximo e ódio
ao mal e ao pecado.
Todos eles brilham no Céu, de uma luz
participada da luz do próprio Deus. Mas no Céu os santos de Deus, apesar da
uniformidade do amor que os abrasa, resplandecem com diferentes luzes, de
acordo com a virtude com que mais brilharam na Terra.
Assim as viu o Apóstolo Virgem também em
seu profético livro do Apocalipse: As almas virgens “cantavam como que um
cântico novo ... e ninguém podia cantar esse cântico senão [...] aqueles que
não foram contaminados com mulheres, porque são virgens. Estes seguem o
Cordeiro para onde quer que ele vá” (Ap. 14, 3-4).
Por outro lado, os mártires “que
estão revestidos de vestes brancas [...] são aqueles que vieram da grande
tribulação, e lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do
Cordeiro” (Ap. 7, 13-14).
Já “aqueles que tiverem sido doutos
resplandecerão como a luz do firmamento; e os que tiverem ensinado a muitos o
caminho da justiça luzirão como as estrelas por toda a eternidade”, diz o
profeta (Dan 12, 3), o que se aplica aos antigos Padres da Igreja e aos
Doutores, e também a todos os que ensinam aos outros a verdadeira doutrina
católica.
Concluindo: “O
cântico novo das virgens, a branca estola dos mártires e o esplendor de
firmamento dos doutores são, na límpida sinalização dos textos sagrados, os
dados característicos que dignificam, de maneira singular, as três formas de
eleitos e os individuam vivamente aos olhos admirados dos outros”. (4)
____________
Notas:
1.
Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris,
1882, tomo XIII, p. 94.
2.
Apud Frei Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax,
Madrid, 1945, tomo IV, p. 247.
3.
Dom Próspero Guéranger, El Año Liturgico, Editorial Aldecoa, Burgos, 1956,
tomo V, p. 711.
4.
Pe. Guglielmo Luigi Rossi, Paradiso, apud Gustavo Antônio Solimeo e Luiz
Sérgio Solimeo, O Céu, Esperança de nossas Almas, Artpress, SP, 2004,
p. 116.
Outras
obras consultadas:
-
Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid,
1945, tomo IV, La fiesta de Todos los Santos.
-
Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987,
tomo III, Todos os Santos.
-
Pe. Pedro de Ribadaneira, La Fiesta de Todos los Santos, Flos Sanctorum,
apud Dr. Eduardo M. Vilarrasa, La Leyenda de Oro, tomo IV, L.
González y Compañia, Barcelona, 1897.
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