Esta obra foi redigida por Santa Gertrudes
e por outra irmã de hábito de Helfta, e contém uma história singular. Matilde,
com cinquenta anos de idade, atravessava uma grave crise espiritual, unida a
sofrimentos físicos. Nesta condição, confiou as duas irmãs de hábito amigas, as
graças especiais com que Deus a tinha guiado desde a infância, mas não sabia
que elas anotavam tudo. Quando o veio a saber, ficou profundamente angustiada e
perturbada. Porém, o Senhor tranquilizou-a, fazendo-lhe compreender que quanto
estava a ser escrito era para a glória de Deus e a vantagem do próximo (cf. ibid., II, 25; V, 20). Assim,
esta obra é a fonte principal da qual haurir as informações sobre a vida e a
espiritualidade da nossa Santa.
Com ela, somos introduzidos na família do
Barão de Hackeborn, uma das mais nobres, ricas e poderosas da Turíngia,
aparentada com o imperador Frederico II, e entramos no mosteiro de Helfta no
período mais glorioso da sua história. O Barão já tinha dado ao mosteiro uma
filha, Gertrudes de Hackeborn (1231/1232 — 1291/1292), dotada de uma
personalidade acentuada, abadessa por quarenta anos, capaz de dar um cunho
peculiar à espiritualidade do mosteiro, levando-o a um florescimento
extraordinário como centro de mística e de cultura, escola de formação
científica e teológica. Gertrudes ofereceu às monjas uma elevada educação
intelectual, que lhes permitia cultivar uma espiritualidade fundada na Sagrada
Escritura, na Liturgia, na Tradição patrística, na Regra e na espiritualidade
cisterciense, com preferência especial por São Bernardo de Claraval e Guilherme
de Saint-Thierry. Foi uma verdadeira mestra, exemplar em tudo, na radicalidade
evangélica e no zelo apostólico. Desde a infância, Matilde acolheu e saboreou o
clima espiritual e cultural criado pela irmã, oferecendo depois a sua
contribuição pessoal.
Matilde nasce em 1241, ou 1242, no castelo
de Helfta; é a terceira filha do Barão. Com sete anos de idade visita com a mãe
a irmã Gertrudes no mosteiro de Rodersdorf. Fica tão fascinada por aquele
ambiente, que deseja ardentemente fazer parte dele. Entra como educanda e, em
1258, torna-se monja no convento que, entretanto, se tinha transferido para
Helfta, na quinta dos Hackeborn. Distingue-se por humildade, fervor, amabilidade,
pureza e inocência de vida, familiaridade e intensidade com que vive a relação
com Deus, a Virgem e os Santos. É dotada de elevadas qualidades naturais e
espirituais, como «a ciência, a
inteligência, o conhecimento das letras humanas, a voz de uma suavidade
maravilhosa: tudo a tornava apta para ser no mosteiro um autêntico tesouro, sob
todos os aspectos» (Ibid., Introdução).
Assim, «o rouxinol de Deus» — como é chamada — ainda muito jovem, torna-se
diretora da escola do mosteiro, diretora do coro, mestra das noviças, serviços
que desempenha com talento e zelo incansável, não só em vantagem das monjas,
mas de quem quer que desejasse haurir da sua sabedoria e bondade.
Iluminada pelo dom divino da contemplação
mística, Matilde compõe numerosas orações. É mestra de doutrina fiel e de
grande humildade, conselheira, consoladora e guia no discernimento: «Ela — lê-se — transmitia a doutrina com tal abundância, que jamais se tinha visto no
mosteiro e, infelizmente, tememos que nunca mais se verá algo de semelhante. As
religiosas reuniam-se ao seu redor para ouvir a palavra de Deus, como se fosse
um pregador. Era o refúgio e a consoladora de todos e, como dom singular de
Deus, tinha a graça de revelar livremente os segredos do coração de cada um.
Muitas pessoas, não só no Mosteiro, mas também estranhos, religiosos e
seculares, vindos de longe, testemunhavam que esta santa virgem os tinha
libertado dos seus sofrimentos e que nunca haviam experimentado tanta
consolação como nela. Além disso, compôs e ensinou tantas orações que, se
fossem reunidas, excederiam o volume de um saltério» (Ibid., VI, 1).
Em 1261 chegou ao convento uma criança de
cinco anos, chamada Gertrudes: é confiada aos cuidados de Matilde, que tem
apenas vinte anos, que a educa e guia na vida espiritual, a ponto de fazer dela
não só a discípula excelente, mas também a sua confidente. Em 1271, ou 1272,
entra no mosteiro também Matilde de Magdeburgo. Assim, o lugar acolhe quatro
grandes mulheres — duas Gertrudes e duas Matildes — glória do monaquismo
germânico. Na longa vida transcorrida no mosteiro, Matilde é afligida por
sofrimentos contínuos e intensos, aos quais se acrescentam as duríssimas
penitências escolhidas para a conversão dos pecadores. Deste modo, participa na
Paixão do Senhor até ao fim da sua vida (cf. ibid.,
VI, 2).
A oração e a contemplação são o húmus vital da sua existência: as
revelações, os seus ensinamentos, o seu serviço ao próximo, o seu caminho na fé
e no amor encontram aqui a sua raiz e o seu contexto. No primeiro livro da obra Liber specialis gratiae ,
as redatoras reúnem as confidências de Matilde, cadenciadas nas festas do
Senhor, dos Santos e, de modo especial, da Bem-Aventurada Virgem. É
impressionante a capacidade que esta Santa tem de viver a Liturgia nos seus
vários componentes, mesmo as mais simples, levando-a na vida monástica
quotidiana. Algumas imagens, expressões e aplicações às vezes estão longe da
nossa sensibilidade, mas, se se consideram a vida monástica e a sua tarefa de
mestra e diretora de coro, compreende-se a sua capacidade singular de educadora
e formadora, que ajuda as irmãs de hábito a viver intensamente, a partir da
Liturgia, cada momento da vida monástica.
Na oração litúrgica, Matilde dá realce
particular às horas canônicas, à celebração da Santa Missa e sobretudo à
Sagrada Comunhão. Aqui é com frequência arrebatada em êxtase, numa profunda
intimidade com o Senhor, no seu Coração ardentíssimo e dulcíssimo, num diálogo
maravilhoso em que pede luzes interiores, enquanto intercede de modo especial
pela sua comunidade e pelas suas irmãs de hábito. No centro estão os mistérios
de Cristo, aos quais a Virgem Maria se refere constantemente para caminhar pela
vida da santidade: «Se tu desejas a
verdadeira santidade, está perto do meu Filho; Ele é a própria santidade, que
santifica todas as coisas» (Ibid., I, 40). Nesta sua intimidade com
Deus estão presentes o mundo inteiro, a Igreja, os benfeitores e os pecadores.
Para ela, Céu e terra unem-se.
As suas visões, os seus ensinamentos e as
vicissitudes da sua existência são descritos com expressões que evocam a
linguagem litúrgica e bíblica. É assim que se entende o seu profundo
conhecimento da Sagrada Escritura, que era o seu pão de cada dia. Recorre a ela
continuamente, quer valorizando os textos bíblicos lidos na liturgia, quer
haurindo símbolos, termos, paisagens, imagens e personagens. A sua predileção é
pelo Evangelho:
«As
palavras do Evangelho eram para ela um alimento maravilhoso e suscitavam no seu
coração sentimentos de tanta docilidade, que muitas vezes, pelo entusiasmo, não
conseguia terminar a sua leitura... O modo como lia aquelas palavras era tão
fervoroso, que em todos suscitava a devoção. Assim também, quando cantava no
coro, vivia totalmente absorvida em Deus, transportada por tanto ardor que às
vezes manifestava os seus sentimentos com gestos... Outras vezes, como que
arrebatada em êxtase, não ouvia quantos a chamavam ou a moviam, e mal conseguia
retomar o sentido das coisas exteriores» (Ibid., VI, 1). Numa das
visões, é o próprio Jesus quem lhe recomenda o Evangelho: abrindo-lhe a chaga
do seu dulcíssimo Coração, diz-lhe: «Considera
como é imenso o meu amor: se quiseres conhecê-lo bem, em nenhum lugar o
encontrarás expresso mais claramente do que no Evangelho. Ninguém jamais ouviu
alguém manifestar sentimentos mais fortes e mais ternos do que estes: Assim como o meu Pai me amou,
também Eu vos amei (Joan.
XV, 9)» (Ibid., I, 22).
A oração pessoal e litúrgica,
especialmente a Liturgia das Horas e a Santa Missa, estão na raiz da
experiência espiritual de Santa Matilde de Hackeborn. Deixando-se guiar pela
Sagrada Escritura e alimentar pelo Pão eucarístico, ela percorreu um caminho de
união íntima com o Senhor, sempre em plena fidelidade à Igreja. Isto é para nós
também um forte convite a intensificar a nossa amizade com o Senhor, sobretudo
através da oração quotidiana e a participação atenta, fiel e concreta na Santa
Missa. A Liturgia é uma grande escola de espiritualidade.
A discípula Gertrudes descreve com
expressões intensas os últimos momentos da vida de Santa Matilde de Hackeborn, duríssimos,
mas iluminados pela presença da Beatíssima Trindade, do Senhor, da Virgem Maria
e de todos os Santos, mas inclusive da irmã de sangue, Gertrudes. Quando chegou
a hora em que o Senhor quis chamá-la para junto de Si, ela pediu-lhe para poder
viver ainda no sofrimento, para a salvação das almas, e Jesus compadeceu-se
deste ulterior sinal de amor.
Matilde tinha 58 anos. Percorreu a última etapa
caracterizada por oito anos de graves doenças. A sua obra e a sua fama de
santidade difundiram-se amplamente. Quando chegou a sua hora, «o Deus de Majestade... única suavidade da
alma que O ama... cantou-lhe: Venite vos, benedicti Patris mei...
Vinde, ó vós que sois os benditos do meu Pai, vinde receber o reino... e
associou-o à sua glória» (Ibid.,
VI, 8).
Santa Matilde de Hackeborn confia-nos ao
Sagrado Coração de Jesus e à Virgem Maria. Convida a louvar o Filho com o
Coração da Mãe e a louvar Maria com o Coração do Filho: «Saúdo-te, ó Virgem veneradíssima, naquele orvalho dulcíssimo que do
Coração da Santíssima Trindade se difundiu em ti; saúdo-te na glória e no
júbilo com que agora te alegras eternamente, Tu que por preferência a todas as
criaturas da terra e do Céu, foste eleita ainda antes da criação do mundo! Amém»
(Ibid., I, 45).
Fonte:
https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2010/documents/hf_ben-xvi_aud_20100929.html
Santa Matilde instrui Santa Gertrudes |
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ResponderExcluirExcelente texto sobre Santa Matilde.Detalhes de sua vida mística, tão importantes quanto sua dedicação aos pobres, doente, prisioneiros, etc. Santa Matilde, rogai por nós!
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