Filha de Julien des
Vallées e de Jacqueline Germain, camponeses pobres ou membros de uma pequena
nobreza empobrecida, Maria des Vallées nasceu em St-Sauveur-Lendelin,
perto de Coutances, no dia 25 de setembro de 1590; perdeu seu pai aos doze anos.
Sua mãe casou-se então com Gilles Capolain, que maltratava a pequena Maria.
No dia 2 de maio de 1609, durante a festa de Saint-Marcouf, na vila de La Pierre,
Maria, que tinha então 19 anos, encontra um pretendente que ela rechaça. Acometida
de dores e convulsões, acusam o rapaz, que deixou a região na manhã seguinte,
de tê-la enfeitiçado. Após três anos de sofrimentos, ela é apresentada ao bispo
de Coutances, Mons. Nicolas de Briroy, que a exorciza e manda fazer uma
pesquisa sobre a sua vida e a de sua família. Mas Maria não é
libertada e continua a responder às perguntas em latim e em grego embora ela
seja quase analfabeta.
Dom do sofrimento
Suspeita de ser uma feiticeira, Maria foi
encaminhada, em 1614, ao parlamento da Normandia, que considerou as suspeitas
infundadas. Ela se transfere então para Coutances. Foi avaliado que ela estava
possuída pelo demônio; ela é exorcizada por várias vezes, mas sempre sem
resultado. Maria padece atrozes sofrimentos, mas acaba por aceitá-los. Ela se
decide a se dar a Deus para “sofrer as penas do inferno” e oferece seus
padecimentos “para a salvação da humanidade e a destruição do pecado”.
Em 1641, Mons. Leonor Goyon de Matignon, Bispo
de Coutances, pede ao Padre João Eudes para estudar o caso. O oratoriano passa
a admirar a sua dirigida, considera que suas visões são sobrenaturais e, em
1655, ele reúne tudo o que sabe sobre ela em um caderno, que ele intitula A Vida admirável de Maria des Vallées e
coisas prodigiosas que se passam com ela. Ela se torna sua inspiração, sua
conselheira e o ajuda a fundar seminários e a difundir uma espiritualidade
baseada na linguagem do “Coração” (obs.: São João Eudes difundiu a devoção ao
Sagrado Coração na época em que viveu).
Morte e posteridade
Maria faleceu no dia 25 de fevereiro de 1656 em Coutances. Imediatamente seu corpo
é disputado. Ela foi inicialmente sepultada na capela São José da Igreja de São
Nicolau, depois na capela do seminário dos Eudistas no dia 4 de novembro de
1656. Como o local foi transformado em liceu, no dia 5 de agosto de 1919 seus
restos mortais foram transladados para perto do altar da capela de Puits, na
catedral de Nossa Senhora de Coutances. Uma das três igrejas da cidade de
Colombes, aberta ao culto em 1933, é dedicada a Maria des Vallées.
Críticas
De 1656 à 1675, numerosos processos encabeçados pelo
Padre Bazire com a ajuda dos jansenistas se sucedem, nos quais consideram Maria
uma visionária da qual não se deveria guardar lembrança.
Em 1674, um cônego de Rouen publica a este respeito um panfleto anônimo
intitulado Cartas a um doutor da Sorbonne.
No ambiente das Letras era então de bom tom fazer troça do Padre Eudes e de sua
“beata”. Entretanto, no século XX o Abade Henrique Bremond tem um capítulo em
sua História Literária do sentimento religioso (t. III): “O Padre Eudes e Maria
des Vallées”. Ele se mostra sensível aos “dons poéticos da vidente e agastado
com os detratores e os admiradores da ‘santa de Coutances”. Ele os acusa de
serem partidários “do tudo ou do nada” e considera que a doença não impede que
o paciente se santifique.
Jesus e Maria des Vallées
Maria des Vallées rezava muito o Santo
Rosário, e fez muitas peregrinações ao Monte Saint Michel. Ela rezava muito na
catedral de Coutances. Maria se queixava a Jesus no auge dos seus sofrimentos.
– Rejubilai, disse Jesus, porque vossa recompensa é grande nos céus. – Qual é a
recompensa? – É a salvação das almas pelas quais nós sofremos e para as quais
ganharemos o Céu.
Antes de cada provação Maria via Nossa
Senhora em lágrimas que lhe anunciava novas dores. Pois o coração de Maria des
Vallées fazia um só com o coração da Mãe de Jesus e de Jesus, que lhe disse no
dia 8 de fevereiro de 1652: “Eis vosso coração. É o da Mãe, mas é também o
vosso, porque, enfim, Eu, minha Mãe e vós não temos senão um só coração”.
Maria des Vallées, chamada de Irmã Maria se
bem que ela não fosse religiosa, foi estigmatizada e os sinais das chagas
dolorosas foram visíveis, segundo São João Eudes, “durante dezenove anos e
cinco meses”. Após a morte de Maria, os lençóis com seu sangue foram
distribuídos como relíquias por São João Eudes.
Jesus havia dito a ela um dia: - “Vós sois
minha Cruz viva. Eu me revesti de vossas carnes, é por isto que vossos
sofrimentos são de um valor quase infinito”. Como São Paulo, Maria sofria nela,
no corpo que Jesus se apropriara, o que faltara à Paixão de Nosso Senhor, pelo seu
Corpo que é a Igreja.
São João Eudes relata uma visão que ele
assistiu em 1649. Nosso Senhor pergunta a Maria: – Quem sois? - Eu não sou
nada, responde Maria. – Diga, diga, insiste Jesus. – Eu sou a mais miserável das
criaturas. – Não, não é isto, retoma Nosso Senhor. Então Maria declara: – O
Verbo se revestiu de minha carne e é Ele que sofre em mim.
Em um último período de sofrimentos Maria
vê tudo o que uma alma que rejeita o bem e Deus sofre por sua própria vontade.
Profecias
A vida de Maria des Vallées revela a existência de seitas e
da prática da feitiçaria. Jesus lhe disse: “Estes últimos tempos são minha obra
e minha paixão. O fim será cheio de consolação, glorioso, digno de admiração,
mas também mais desastroso, mais violento e mais assustador que se possa crer.
Ele ceifará a terra com três filhas: a fé, a esperança e a Igreja militante”.
Nosso Senhor lhe disse: “Vais dizer uma coisa três vezes triste”... “São
estas palavras: ‘Spiritus Domini replevit orbem terrarum’”. “Entende-se isto
pelo tempo em que o Espírito Santo espalhará o fogo do Amor divino por toda a
terra, e que Ele fará o seu dilúvio. Pois há três dilúvios, todos os três
tristes, e que são enviados para destruir o Pecado. O primeiro dilúvio é o do
Pai eterno, que foi o dilúvio de água; o segundo é o do Filho, que foi o
dilúvio de sangue; o terceiro é o do Espírito Santo, que será um dilúvio de
fogo”. (*)
“Mas ele será triste também como os
outros, pois ele encontrará muita resistência e grande quantidade de madeira
verde que será difícil de queimar. Dois já aconteceram, mas resta o terceiro; e
como os dois primeiros foram preditos por muito tempo antes que chegassem,
assim o último somente Deus conhece a data”.
“Nosso Senhor diz que virá um tempo em que
Ele fará chover um dilúvio de graças sobre toda a terra (...). Ele dará belos
vasos de ouro para a Igreja, que é o símbolo de bons pastores com que ela será
ornada e enriquecida. Para a conversão geral, todos os amigos de Deus por sua
vez virão a terra para fazer o cerco às almas”.
“Haverá grandes mártires embora os
carrascos não os toquem, pois eles serão mártires do Amor divino. O Amor divino
é que os martirizará. Eles serão consumidos na fornalha do Amor e serão em tal
quantidade, maior do que os primeiros mártires que sofreram o martírio pela
esperança das coroas e da glória, e estes não olharão a recompensa, mas somente
a glória de Deus. E a Santa Virgem sustentará as forças destes fieis em seus
combates terríveis”.
“Não sofra por causa disto, lhe dizia
Nosso Senhor, mas sabei que quando minha Misericórdia vier no tempo da Grande
Tribulação, ela lançará todos os filhos pelas janelas e ela os esmagará. Quer
dizer que ela matará todos os pecados que são os filhos dos pecadores. E será
minha Misericórdia Divina que fará este massacre e que executará os castigos
que acontecerão então. Mas não a conhecerão por tal. Acreditarão que será a
Justiça, porque ela se revestirá das vestes da Justiça”.
Maria via as misérias do povo sob a forma
de cordas que atraiam a cólera de Deus sobre a terra, a fim de punir os crimes,
destruir o pecado e estabelecer o reino da Graça.
Um dia Nosso Senhor lhe disse: “Minha
esposa ficou leprosa. Que ela vá portanto se lavar sete vezes no Jordão; tomai
esta camisa que minha Mãe lhe dá, e a use”. Maria viu um dia o pecado sob a
figura de uma serpente cujo corpo fazia uma tríplice volta (o pecado dos
padres, o dos chefes de Estado, e o do povo) e que mordia sua cauda, quer
dizer, que se autodestruía.
Um dia em que chamava Jesus de “Rei do céu
e da terra”, Ele a interrompeu bruscamente: “Não, não da terra, é o pecado que
aí reina. Mas Eu o expulsarei e o castigarei logo, esse monstro, e Eu reinarei
em todo o universo”.
Maria mesma anunciou: “Tempo virá, após
uma crise universal que deve chegar, quando não haverá senão a justiça sobre a
terra e o pecado será banido”. Como Deus lhe havia falado sobre uma conversão
universal, ela se ofereceu como vítima expiatória para que ela pudesse se
realizar, “e Deus, escreveu São João Eudes, ouviu suas preces”.
“Eu vi, ela conta, a Força vir sobre um
cavalo branco, que simboliza a alegria. Ela trazia na garupa a Verdade. Ela lhe
deu um papel grande sobre o qual havia inscrições e lhe disse: ‘Eis o Jubileu
que te prometi’. E Nosso Senhor me disse ainda que a expiação geral não
acontecerá antes de um grande e terrível sinal que chegará, mas Ele não me
explicou qual será o sinal”.
Fonte : Daniel
Doré, Marie des Vallées. La «sainte de Coutances». Actes du colloque tenu au
centre diocésain des Unelles à Coutances le samedi 1° juin 2013, réunis par
le P. Daniel Doré, cjm, Vie Eudiste, hors série, 2013, 84 p., 13 €.
(*) São Luís Maria
Grignion de Montfort teve conhecimento das visões e revelações proféticas de
Maria des Vallées, e esta figura dos três dilúvios é inserida em sua famosa Oração Abrasada.
Uma santa religiosa do Carmelo de
Pontoise, Maria do Santo Sacramento, falecida em 30 de junho de 1642, confirmou
que em 1634 tinha tido a revelação de que uma pobre filha do povo que vivia no
abandono e escondida, tratada como insana, detinha a torrente da cólera divina
que de outra forma teria se abatido sobre a França por causa de seus pecados. Deus
permitiu que o segredo desta mulher somente fosse conhecido por sete pessoas,
entre elas duas grandes figuras da espiritualidade francesa do século XVII: São
João Eudes e o Barão de Renty. Eudes e Renty foram apóstolos da Normandia como
Montfort o foi da Vandeia.
Maria des Vallées ainda não foi canonizada
pela Igreja, mas a canonização de São João Eudes constitui uma confirmação não
só da sua santidade, mas também da veracidade das suas revelações, sempre
reforçada pelo santo da Normandia. A Providência determinou que
as revelações de Maria des Vallées fossem do conhecimento de poucos eleitos,
enquanto que as de Santa Margarida Maria foram difundidas ao mundo todo, mas
ambas confluem para uma grande única devoção, o Sagrado Coração de Jesus, e o
nome de São João Eudes e de Maria des Vallées se uniram inseparavelmente aos de
Santa Margarida Maria e de São Cláudio de la Colombière.
Providência de Deus eu encontrar e conhecer um pouco da história de Maria des Vallées...Ela foi beatificada?
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