A
Beata Margarida de Saboia (não confundir com a homônima Rainha da Itália, que
viveu uns cinco séculos depois) era aparentada com as principais famílias reais
da Europa. Seu pai era o Conde Amadeu de Saboia-Acaja, e sua mãe era uma das
irmãs de Clemente VII, que durante o Grande Cisma se declarou papa em Avinhão.
Margarida mereceu o apelido de Grande, que adquiriu por ter sido realmente um
exemplo de grandeza evangélica nos diferentes estados em que Deus a colocou:
filha, esposa, soberana e religiosa.
Nasceu em Pinerolo, Turim, entre os anos de 1382 e 1390. Desde a infância foi a
imagem da candura e de uma sabedoria precoce, o que a fazia aborrecer tudo que
o mundo ama. Tendo ficado órfã bem cedo, junto com a irmãzinha Matilde foi
entregue à tutela do tio Luís, que por falta de herdeiros homens, sucedeu o
falecido príncipe Amadeu.
O primeiro passo de Luís de Saboia foi pôr um fim às longas discórdias entre
Piemonte e Monferrato, e ambas as partes viu em Margarida um penhor seguro de
paz duradoura. Há décadas o Piemonte era agitado por guerras que visavam
dominar esta região da Itália. Os Saboia, o Marquês de Saluzzo, os marqueses de
Monferrato e os viscondes de Milão disputavam-na ferrenhamente.
A jovem princesa já sonhava com o claustro, entusiasmada no seu propósito por
São Vicente Ferrer, que era então pregador no Piemonte. Margarida, pelo bem
comum e pela paz entre as duas zonas do Piemonte, sacrificou com generosidade
os seus mais preciosos ideais: em 1403, ela se tornou esposa do Marquês de
Monferrato, Teodoro II Paleólogo, muito mais velho do que ela.
Nenhuma ilusão terrena, porém, seduzia a jovem marquesa, que iniciou a nova
vida de soberana com os pés na terra, mas o coração fixo no céu. Após ter sido
sábia conselheira do esposo e mãe terníssima dos súditos, enviuvou no ano de
1418. Governou então como regente até a maioridade de seu enteado João. Assim
que este pode tomar as rédeas do governo, ela retirou-se para o palácio de
Alba, de sua propriedade, junto com suas mais fiéis donzelas, para dedicar-se
às obras de caridade, recusando a proposta de casamento de Filipe Maria
Visconti.
Tornou-se terciária dominicana e fundou uma congregação inicialmente de
terciárias e depois, em 1441, com a aprovação do Papa Eugênio IV, de monjas.
Nasceu assim o Mosteiro de Santa Maria Madalena, na cidade de Alba.
A nova vida religiosa de Margarida não foi isenta de trabalhos e dificuldades.
Teve um dia a visão de Nosso Senhor Jesus Cristo que lhe trazia três setas,
cada uma com uma palavra escrita: doença, calúnia e perseguição. Realmente, no
período seguinte teve que suportar todos estes três sofrimentos.
Afligida por uma saúde delicada, foi acusada de hipocrisia, depois de tirania
nos confrontos com as Irmãs do mosteiro. Um pretendente rejeitado por ela espalhou
a calúnia que o mosteiro era um centro de propulsão da heresia valdense. O
frade que era seu diretor espiritual foi preso e quando Margarida dirigia-se ao
castelo para pedir sua liberdade, o portão foi-lhe fechado violentamente,
fraturando uma de suas mãos.
Apesar de todas as dificuldades, por vinte e cinco anos ela viveu retirada em
oração, estudos e caridade. A Biblioteca Real de Turim conserva um volume
contendo as cartas de Santa Catarina de Siena copiadas e encadernadas "por
ordem de nossa ilustre senhora, Margarida de Saboia, Marquesa de Monferrato".
Imitando a Santa Doutora da Igreja, que durante o cativeiro de Avinhão se
dedicou de corpo e alma ao retorno do pontífice para Roma, Margarida
empenhou-se intensamente para que seu primo Amadeu VIII, primeiro duque de
Saboia, eleito antipapa com o nome de Felix V, no Concílio de Basiléia,
desistisse de sua posição.
Felix V abdicou e reconheceu como único chefe da Igreja o Papa então
legitimamente reinando em Roma. Voltando a ser Amadeu de Saboia, continuou a
dirigir a Ordem Mauriciana fundada por ele no mosteiro às margens do lago de
Genebra. O Papa o recompensou por ter recomposto a unidade da Igreja nomeando-o
cardeal e legado pontifício. O Cardeal Amadeu morreu em fama de santidade e
ainda hoje repousa na Capela do Sudário, adjacente à Catedral de Turim.
Margarida de Saboia faleceu em Alba, no dia 23 de novembro de 1464, rodeada do
afeto e da veneração de suas filhas espirituais.
Em 1566, o Papa São Pio V, religioso dominicano e prior do convento de Alba,
permitiu um culto a Margarida de Saboia reservado ao Mosteiro de Alba. O Papa
Clemente IX a beatificou solenemente em 9 de outubro de 1669, fixando seu
memorial no dia 27 de novembro, para toda a Ordem de São Domingos. Hoje ela é
celebrada também em algumas dioceses do Piemonte. O Martirológio Romano a
festeja no dia 23 de novembro, aniversário de seu nascimento para o céu. O seu
corpo incorrupto é ainda objeto de veneração na Igreja de Santa Maria Madalena
de Alba.
A Beata Margarida de Saboia, grande e ativa figura feminina no Piemonte de seu
tempo, fautora da paz e da concórdia entre as várias zonas da região, mereceria
plenamente ser honrada como patrona celeste do Piemonte e também com a
canonização, para que fosse universalmente venerada como um virtuoso exemplo de
esposa, mãe, soberana e religiosa.
Em
22 de novembro de 2011 este resumo foi publicado pela primeira vez neste blog.
* * *
Quase cinco
séculos antes das aparições, prenúncio do triunfo de Fátima
Um misterioso acontecimento no mosteiro de
Margarida é digno de nota. A prova documental tornou-se pública somente no ano
2000.
No dia 16 de outubro de 1454, Irmã
Filipina estava em seu leito de morte no Mosteiro de Santa Maria Madalena.
Em torno do leito dessa dominicana com
odor de santidade, acompanhando-a com as orações pelos
moribundos, estava toda a comunidade religiosa, a abadessa e fundadora do
mosteiro, a Beata Margarida de Saboia, e o confessor das religiosas, Pe.
Bellini. Eles lavraram um documento endereçado "àquelas pessoas que nos anos futuros lerão estas folhas" [1]
Em 2000 as próprias dominicanas de Alba publicaram os documentos relativos ao
caso [2].
"Aconteceu
que durante a agonia, ela [Irmã Filipina] recebeu do Céu uma magnifiquíssima
visão ou revelação, durante a qual, diante do Padre Bellini, da Abadessa Fundadora
e de todas as monjas, manifestou em alta voz coisas ocultas. [...] Raptada por
uma alegria celeste, voltando o seu olhar para o alto, saudou nominalmente e
em alta voz os celícolas (habitantes do Céu) que lhe vinham ao encontro, ou
seja: a Santíssima Senhora do Rosário, Santa Catarina de Siena, o Beato
Umberto, o abade Guilherme de Saboia; falava de acontecimentos futuros,
prósperos e funestos para a Casa Sabauda, até um tempo, não precisado, de
terríveis guerras, do exílio de Umberto de Saboia em Portugal, de um certo
monstro do Oriente, tribulação da humanidade, mas que seria morto por Nossa
Senhora do Santo Rosário de Fátima, se todos os homens a tivessem invocado com
grande penitência. Depois do que, expirou nos braços da prima, a nossa santa
Madre Margarida de Saboia".
[1]
Il Cervo della Beata Margherita di Savoia, nº 2, 2000, Ano XLVIII, Alba.
[2]
Os documentos históricos do Convento de Alba são três. Eles fornecem o
fundamento deste artigo. O documento 1 é uma nota manuscrita, acrescentada a um
livro de autoria do Pe. Jacinto Baresio, de 1640. Ocupa quatro páginas não
numeradas. É datada de 7 de outubro de 1640. Nela se encontra o essencial da
revelação. O documento 2 consiste num acréscimo ao caderno, que leva a
inscrição: 1624 - Livro no qual se anotam as Missas, Milagres, ex-votos que
acontecem diariamente à Beata Margarita de Saboia em Alba. É datado de 1655.
Começa a partir da página 52, e é escrito com "uma caligrafia alta e
clara" por uma religiosa que assina Soror C.R.M. (vide abaixo). Descreve a
mesma revelação. O documento 3 consiste em apontamentos da Irmã Lúcia Mantello
em 1855. Esta passou brevemente pelo convento e depois tornou-se religiosa
salesiana. Ela não conheceu os dois documentos anteriores. Todos os três foram
"reencontrados casualmente em 19 de agosto do ano passado [1999]" e
publicados em 2000.
Em 1655, uma religiosa que só anotou suas
iniciais deixou mais um documento escrito, confirmando tudo quanto dizia o
anterior, nos seguintes termos:
"Dizem
as memórias escritas que lá, na Lusitânia, há uma igreja numa cidadinha que se
chama Fátima, edificada por uma antepassada de nossa Santa Fundadora Margarida
de Saboia, Mafalda rainha de Portugal e filha de Amadeu terceiro de Saboia, e
que uma estátua da Virgem Santíssima falará sobre acontecimentos futuros
muito graves, porque Satanás fará uma guerra terrível; porém perderá, porque a
Virgem Santíssima Mãe de Deus e do Santíssimo Rosário de Fátima, 'mais forte
que um exército em ordem de batalha', vencê-lo-á para sempre".
A. D. 1655. São Domingos, te confio
estas folhas.
Soror C. R. M."(17)
Os leitores poderão ver nessas linhas alusões aos trágicos acontecimentos do
século XX e à mensagem transmitida por Nossa Senhora nas aparições aos três
pastorinhos de Fátima, Portugal.
Fonte: Revista Catolicismo, maio de 2004
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