Na época, os que governavam Roma não
faziam muita distinção ente judeus e cristãos. Eram chamados simplesmente de ‘pagãos’,
porque nem uns nem outros adoravam os ídolos dos romanos.
Vespasiano e Tito tinham guerreado e
destruído Jerusalém e seu Templo. Os judeus e os cristãos, que para eles era a
mesma coisa, deviam pagar impostos. Diante da arrecadação, Domiciano se dá
conta do grande número de ‘pagãos’ que há no Império e vê que estão presentes
em todos os segmentos e que uma depuração étnica se impõe. Flávio Clemente,
entre muitos, é denunciado, diz Suetônio: “com
acusações muito débeis”, e é martirizado junto com sua esposa, ou quem sabe
esta foi mandada para o exílio na ilha de Pandataria, como era costume entre os
romanos para as pessoas da nobreza.
O bispo cristão Santo Eusébio de Cesareia (ca.265–339)
na sua História Eclesiástica escreve:
"Nessa altura o ensinamento da nossa
fé brilhou a tal ponto, que mesmo aqueles escritores que estavam fora da nossa
tradição não hesitaram em citar nas suas histórias a perseguição e os martírios
que nessa cidade tiveram lugar. Incluso indicaram o tempo com precisão ao
contar que no décimo quinto ano de Domiciano, juntamente com muitíssimos
outros, Flávia Domitila, filha de uma irmã de Flávio Clemente, então um dos
cônsules de Roma, foi, por dar testemunho a Cristo, condenada ao exílio na ilha
de Ponza”.
Em outra obra sua, a Crônica, que sobrevive numa tradução feita por São Jerônimo (c.
340–420), Santo Eusébio indica o nome de um escritor que dá informações
semelhantes às dadas na História
Eclesiástica: em relação ao ano 16 de Domiciano (96 d.C.), na Olimpíada
218, diz que "Bruttius escreve que
sob Domiciano muitos cristãos foram martirizados, incluindo Flávia Domitila,
sobrinha, por parte de sua irmã, do cônsul Flávio Clemente, que foi exilada
para a ilha de Ponza por haver-se declarado cristã".
Jorge Sincelo, que morreu depois de 810,
repetiu o texto da Crônica de
Santo Eusébio, mas acrescentou que Flávio Clemente morreu por Cristo e assim
foi o primeiro a dizer que este cônsul do século I era cristão. Ao citar a
Eusébio, Sincelo diz que Domitila era ἐξαδελφή de Flávio Clemente, palavra que
pode significar também "prima" e não unicamente, como São Jerônimo a
interpretou, "sobrinha".
Em 404, São Jerônimo, ao escrever sobre a
morte de Santa Paula, diz que na sua viagem de Roma para a Terra
Santa esta piedosa viúva fez uma parada na ilha de Ponza, "que ficou famosa pelo exílio de Flávia
Domitila, a mulher mais famosa do seu tempo", e que visitou "as células onde ela passou um longo
martírio".
César Barônio (1538–1609) foi o
primeiro a dizer que existiam duas distintas Flávias Domitilas: na
antiguidade nenhum autor falou assim e Suetônio achava que os seus leitores
entenderiam de quem falava ao dizer que Estevão, o assassino de Domiciano, era
mordomo "de Domitila".
Outros julgam mais provável que houve
apenas uma Flávia Domitila banida por Domiciano, e que há erros no texto de
Dião Cassio, ou no de Eusébio ou ambos. De acordo com eles, é possível,
por exemplo, que houve uma confusão entre as ilhas geograficamente próximas de
Ponza e Pandateria.
A Legenda
De acordo com certos historiadores, os
mártires Nereu e Aquileu, elogiados numa inscrição do Papa São Dâmaso
I (366–384) como soldados convertidos, morreram na perseguição de
Diocleciano dirigida inicialmente contra os cristãos do exército (295-298)
e, em seguida, contra a Igreja cristã como tal (a partir do ano 303).
A legenda torna-os, de soldados do século
terceiro, para eunucos do primeiro século à serviço de Flávia Domitila, que a
persuadem a renunciar ao casamento para o qual ela está embelezando-se e a
abraçar uma vida de virgindade. O noivo faz que ela seja exilada para a ilha de
Ponza e que os eunucos sejam martirizados. Mais tarde, depois de fazê-la levar
para Terracina, ele pretende usar-lhe violência, mas morre milagrosamente. Por
instigação do irmão dele, Flávia Domitila é martirizada.
De grande importância é a inscrição
mutilada encontrada no século XVIII no cemitério na Via Ardeatina. A inscrição,
agora mantida na parede da Basílica de SS. Nereu e Aquileu naquele cemitério, esclarece
que Tazia Baucilla, nutriz dos sete filhos de Flávio Clemente e Flávia
Domitila, obteve desta o terreno para um túmulo. No documento afirma-se ainda
que Flávia Domitila era "neptis", isto é, sobrinha de Vespasiano, o
pai de Domiciano, confirmando, assim, a afirmação de Dião Cassio segundo a qual
a mulher de Flávio Clemente 'era consanguínea” de Domiciano.
Para
amenizar as "confusões" em que os historiadores teriam incorrido ao
indicar os locais de confinamento das duas Domitilas, Umberto Fasola aponta que
as ilhas de Ponza e Pandateria eram muito tristemente notórias para serem
confundidas uma com a outra. Em Ponza, na verdade, foram confinadas as filhas
de Calígula e um filho de Germânico, e foram confinados em Pandateria Júlia,
filha de Augusto, Agripina, esposa de Germânico, e Otávia, esposa de Nero.
A
veneração por Flávia Domitila em Ponza é antiga. Mas o nome de Domitila não
aparece nem na Depositio Martyrum,
nem no Martirológio Geronimiano. A sua celebração em 12 maio não é anterior ao
século IX, e foi introduzida nos livros litúrgicos sob a influência do
Martirológio de Floro, que a incluiu na sua lista provavelmente por engano,
trocando o Flávio lembrado no Geronimiano na data de 7 de maio.
As
informações sobre Flávia Domitila que aparecem na “passio” legendária (séc. V-VI)
não têm credibilidade: entre outras coisas, esta “passio” fala de dois
"eunucos", Nereu e Aquileu, que converteram Domitila à fé cristã, quando
na realidade ficamos sabendo por um poema dedicado aos dois mártires que eles
antes da conversão eram militares a serviço do perseguidor. E, como dito
anteriormente, viveram no século III.
A
existência, no entanto, das duas Domitilas e a sua condenação ao exílio por
terem abraçado o Cristianismo são fatos incontestáveis, como claramente
demonstrado pelos documentos. O corpo de uma Flávia Domitila é venerado na
igreja dos SS. Nereu e Aquileu.
A edição do Martirológio Romano diz, na
data de 7 de maio: "Em Roma,
comemoração de Santa Domitila, mártir, que, sendo filha da irmã do cônsul
Flávio Clemente, durante a perseguição do imperador Domiciano foi acusada de
negar os deuses pagãos e, por motivo do seu testemunho a Cristo, foi banida com
outros para a ilha de Ponza, na qual experimentou um prolongado martírio”.
Em 1969 o nome de Domitila foi removido do
Calendário Romano Geral.
Fontes:
www.santiebeati.it; Wikipédia
Etimologia: Flávia, de origem latina, Flavius = “louro, áureo, de cabelos louros,
ou dourados”. Domitila, do latim Domitilla, feminino e diminutivo de Domício, do latim Domitius = “o senhor, o da casa, dono”.
Nota: A figura acima é foto de uma estátua em mármore de uma dama romana ignota do primeiro século. Consideramos que representa melhor as Flávias do texto do que possíveis concepções artistas posteriores. No nosso entender, esta dama bem poderia ser a nossa mártir.
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