Na
Turim do século XIX, abalada pelos ares belicosos da unificação italiana, o
Senhor acendeu um dos grandes luminares da Igreja contemporânea: São João
Bosco. Ele pode ser entendido como a estrela central de uma constelação de
santos. Em sua órbita também se inscreve a Beata Joanna Francisca da Visitação,
que nos oferece um suave lampejo de luz e espalha um calor suave, como brasas
vivas e silenciosas. Ela sentia como ele o encanto produzido pela figura de São
Francisco de Sales, modelo de bondade e mansidão. Se Dom Bosco fundou a
Sociedade Salesiana, a nossa Beata pôde dar vida ao projeto original de São
Francisco de Sales de fundar uma congregação de religiosas dedicadas a visitar
e cuidar dos doentes pobres. Morreu com 44 anos de idade, um dia
depois de São João Bosco, em 1º de fevereiro de 1888.
*
* *
"Pertencemos
a Jesus; servimos Jesus que é a verdade encarnada e eterna, que não engana,
porque as suas promessas são infalíveis e não deixará sem recompensa nem sequer
um copo de água oferecido por amor".
Essas palavras nortearam a vida de Ana
Michelotti que ficou conhecida com o nome de Irmã Joana Francisca da Visitação,
fundadora das Pequenas Servas do Sagrado Coração de Jesus para os doentes
pobres.
"Rezei
muito por mim e porque esta é a vontade de Deus: vive em mim um ardente desejo
de consagrar tudo a Jesus, na assistência aos doentes pobres".
Este
pensamento, presente entre os poucos escritos que por humildade Ana Michelotti
nos transmitiu diretamente, indica uma missão nascida entre mil problemas, que
graças a uma vontade extraordinária ainda está florescendo e fecunda dentro da
Igreja.
Ana
nasceu na Alta Saboia (então território do Reino da Sardenha) em Annecy, em 29
de agosto de 1843. Seu pai, um nativo de Almese (Turim), morreu jovem, deixando
a família na miséria completa. A mãe, piedosíssima, transmitiu aos seus filhos
uma grande fé: no dia da 1ª Comunhão da pequena Ana, ela a levou para visitar
um pobre homem doente em sua casa. Naquele dia nasceu sua vocação.
A
família foi para Almese pela primeira vez quando a menina tinha quatorze anos
de idade, foi hóspede de seu tio Pe. Michelotti. Estabelecida em Lyon, alguns
anos depois Ana entrou no Instituto das Irmãs de São Carlos, primeiro como
estudante, depois como noviça. Mas educar não era sua missão.
Alguns anos depois, sua mãe e seu irmão Antônio,
noviço dos Irmãos das Escolas Cristãs, morreram: ela estava sozinha no mundo.
Para sobreviver, trabalhou como instrutora para as filhas de um arquiteto, mas
já era a dama dos "doentes pobres", porque assim que podia,
procurava-os e colocava-se a seu serviço.
Em
Annecy ela conheceu uma certa Irmã Catarina, ex-noviça do Instituto de São
José, que tinha os mesmos sentimentos: juntas elas começaram, em Lyon, um
trabalho particular de assistência aos pobres em suas casas. Com a permissão do
arcebispo, usavam o hábito religioso e faziam profissão de votos temporários.
Mas a congregação nascente teve uma vida breve por causa da guerra entre a
França e a Prússia, e em 1870 a Beata, vestida de freira, retornou a Annecy e
depois a Almese; essas viagens muitas vezes faziam-na passar por Turim.
Depois da tempestade, a Irmã Catarina convidou-a
para voltar a Lyon, forçando-a a recomeçar como postulante. Ana aceitou
humildemente, mas depois saiu do Instituto por motivos de saúde. Naqueles dias,
rezando aos pés dos túmulos de São Francisco de Sales e Santa Joana Francisca
de Chantal, sentiu que seu trabalho nasceria para além dos Alpes.
Ela retornou a Almese no lombo de uma mula
e depois seguiu para Turim (setembro de 1871). Hospedada durante um ano em
Moncalieri, junto às Srtas. Lupis, ela ia todos os dias a pé até a cidade, em
busca de pessoas doentes em dificuldade para atendê-las. Ela então alugou um
quarto; para seu sustento fazia luvas, e algumas jovens começaram a ajudá-la em
seu apostolado.
Seus biógrafos fazem especial menção a
duas pessoas de vida muito santa que lhe deram ajuda: o Pe. Felix Carpignano,
do Oratório de São Felipe Neri, e Maria Clotilde de Saboia (cuja causa de beatificação
foi introduzida em 10 de julho de 1942). Surpreendente também é que o Cardeal
Gastaldi, Arcebispo de Turim, que se mostrou tão duro e incompreensivo com Dom
Bosco, tenha apoiado uma pobre mulherzinha que começava a caminhar de modo
insignificante...
No
início de 1874, o Arcebispo Gastaldi concedeu-lhes que usassem o hábito
religioso, cerimônia realizada na Igreja de Santa Maria di Piazza: assim nasceu
o Instituto das Pequenas Servas do Sagrado Coração de Jesus que além dos três
votos ordinária daria atendimento domiciliar e de graça para pacientes pobres. A
fundadora tomou o nome de Madre Joana Francisca em homenagem aos fundadores da
Ordem de Visitação.
O
início foi difícil, caracterizado pela extrema pobreza, algumas das religiosas
morreram e outras deixaram o Instituto. O clérigo superior e o médico da
comunidade aconselharam-na a fechar o Instituto, mas Pe. Félix Carpignano, de
venerada memória, encorajava a Madre. No apartamento que alugara na Piazza
Corpus Domini, mais de uma vez a Madre foi ouvida exclamando entre lágrimas:
"Estou disposta, ó meu amado Senhor,
a retomar teu trabalho cinquenta vezes, se necessário, mas me ajude!"
Deus ouviu essa súplica. Em 1879, Antônia Sismonda, ciente das más condições em
que viviam as religiosas, hospedou-as em uma casa na colina de Turim.
Poucos anos depois eram 20 religiosas. Em
1880 puderam abrir a segunda casa em Milão e em 1882 outra nova em Valsalice,
perto de Turim, que se converteu em casa-mãe. Logo outras fundações se
seguiram. A sombra benéfica de Dom Bosco a acompanhava nos momentos mais difíceis.
Madre Joana Francisca era a Regra viva. Era
uma mulher de intensa oração, mortificava seu corpo dormindo em terra ou em uma
pilha de palha, misturando cinzas com a sopa. Na Congregação ela queria freiras
generosas, ela dizia: "Se vocês
falharem, descem um degrau; se vocês se humilharem, sobem três". Ao
repreender as religiosas, às vezes era um pouco dura, mas elas a amavam, porque
diante das dificuldades ela instilava confiança. Lia e meditava com elas as
Sagradas Escrituras, recomendando-lhes que fossem "prudentes, zelosas e cheias de caridade", procurando Jesus
Cristo nos pobres. Elas deviam auxiliá-los material e espiritualmente,
favorecendo, se possível, sua aproximação dos Sacramentos. Antes de tomar uma
decisão importante, pedia conselho aos seus confessores, entre os quais São João
Bosco.
A
Beata não se eximia das tarefas de coleta de donativos, nem mesmo de participar
de atividades públicas, nas quais às vezes era insultada. Ela tinha desejado
instituir um grupo de religiosas adoradoras, mas como o superior não permitiu
isto, ela dispôs que cada freira fizesse uma diária e profunda adoração ao
Santíssimo Sacramento. Quando pedia uma graça particular, ela rezava com os
braços em cruz, de joelhos, estendendo as mãos em direção ao tabernáculo. Ela
trouxera da França uma estatuazinha da Virgem que foi benzida por Mons.
Gastaldi. De vez em quando, segurando-a nos braços, em procissão com as religiosas
pelo jardim, rezava cantando as ladainhas. Ela exortava-as a rezar o Rosário e
a ter devoção à Virgem. Transmitiu uma profunda devoção à Paixão do Senhor: na
Sexta-feira Santa almoçava de pé ou ajoelhada; beijava os pés das freiras,
antes de se sentar para comer apenas uma crosta de pão.
Nos últimos anos de vida, a asma brônquica
frequentemente forçava a Madre a ficar na cama. Acreditando-se inadequada para
governar o Instituto, que estava em constante desenvolvimento, especialmente na
Lombardia, mas basicamente porque seus métodos irritavam um grupo de freiras
idosas, em 26 de dezembro de 1887 foi exonerada do cargo de Superiora Geral.
Aceitou a humilhação e submeteu-se a nova superiora, que ela própria sugerira.
Daquele
dia em diante a dor aumentou, mas sorrindo dizia: "Para Jesus, todo sacrifício é pouca coisa"; "Eu estou prestes a morrer, mas vocês não tenham
medo. Vou continuar ajudando e orientando as Pequenas Servas do Sagrado Coração
de Jesus para doentes pobres".
Ana
Michelotti morreu em 1º de fevereiro de 1888, um dia depois de Dom Bosco.
Poucas horas antes de sua morte ela permitiu, cedendo às insistências das religiosas,
ser fotografada (foto acima). Quem por toda vida, esquecendo-se de si mesma, serviu os mais
indefesos, foi enterrada num pobre caixão, levando nos quadris o cíngulo franciscano,
na terra molhada pela chuva de um pequeno cemitério. "O grão de
trigo" morreu, mas uma luz de amor continuaria brilhando em suas filhas,
hoje também ativas em terras missionárias.
A
Beata foi enterrada com a máxima simplicidade num cemitério pobre e teria ido
para o ossuário comum, se os seus restos não tivessem sido recolhidos dez anos
depois. Desde 1923, eles estão descansando na capela da casa mãe de Valsalice.
Ela foi proclamada Beata pelo Papa Paulo VI em Roma no dia 1º de novembro do
Ano Santo de 1975.
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