Há mais de 200 anos, no dia 11 de dezembro
de 1792, um ano depois da morte de Mozart, um menino pobre nasceu na mesma
cidade do célebre compositor, em Salzburgo, Áustria. Era o terceiro filho de
Ana Schoiber, uma costureira que remendava e fabricava meias. O pai dele
chamava-se Joseph Mohr, um soldado que legou o nome ao filho antes de desertar
e desaparecer, deixando a família na miséria. As autoridades de Salzburgo
acharam que 3 filhos naturais era demais. Ana Schoiber foi condenada a pagar
uma multa de 9 florins.
Naquele momento surgiu a salvação na
pessoa de Joseph Wohlmuth, um homem que afirmou querer pagar a multa de Ana
Schoiber se pudesse ser o padrinho do pequeno Joseph. Visto que Wohlmuth era o
carrasco oficial de Salzburgo, ele não podia entrar na igreja para o batismo da
criança, e mandou sua cozinheira substitui-lo na cerimônia. Foi assim que
começou a vida difícil do menino Joseph Mohr: sem pai, vivendo na miséria com a
mãe e dois irmãos, tendo um padrinho que era o carrasco da cidade.
A pequena família morava perto do Monte
dos Capuchinhos, num apartamento invadido pela umidade: tal situação foi a
origem da tuberculose de Joseph. Em condições tão precárias como essas, na
Salzburgo do início do século 18, era impossível prever um futuro para um
menino que nem sequer tinha a oportunidade de aprender um oficio. Muitas vezes,
sentado na escada da casa, Joseph pensava cantando em voz alta. Um dirigente do
coro da Catedral de Salzburgo descobriu essa voz e convenceu a mãe que deixasse
o filho cantar na igreja. Abriram-se assim para Joseph as portas de uma vida
melhor.
Uma certa amargura surgiu depois daquela
felicidade: nos registros da escola Joseph Mohr teve de ser declarado órfão, medida
tomada para proteger o menino, visto que na época filhos de mães solteiras não
eram admitidos em nenhum lugar. Apesar de tudo, aos 7 anos de idade, Joseph foi
para a escola primária e alguns anos mais tarde terminou o curso secundário. Já
tocava violino e cantava no coro da Igreja de São Pedro de Salzburgo.
Em 1810 encontramos Joseph Mohr estudando
filosofia e preparando-se para o sacerdócio. Um ano mais tarde entrou no
seminário. No dia 15 de julho de 1815 foi ordenado numa cerimônia solene na
Catedral de Salzburgo. É incrível o caminho percorrido por esse menino pobre de
Salzburgo. A partir de um berço cercado por tantas privações tornou-se um
sacerdote da Igreja.
Pouco tempo depois da sua ordenação o novo
sacerdote teve que se apresentar como vicário em Mariapfarr, um povoado longe
de Salzburgo. Foi em Mariapfarr que seu pai tinha nascido. Joseph tinha o
pressentimento que ali ele iria encontrar alguns parentes, e, que teria de
abandonar o anonimato de seu estado civil de órfão. Esse povoado se encontra a
mais de 1000 metros de altitude e só era acessível no verão, em razão da neve
invernal. O pároco de Mariapfarr contou ao novo vigário que muitas casas da
região haviam sido construídas com pedras de lugares sagrados dos romanos e dos
celtas e que ainda existiam muitas tradições em matéria de medicina e nos
costumes dos habitantes em geral.
Joseph Mohr visitou essas construções
perdidas nas montanhas. Os passeios nos bosques, o ar puro e a vida sadia
fizeram desaparecer quase que completamente os seus problemas pulmonares. Em
Mariapfarr, Joseph Mohr encontrou o seu avô. Era um homem sábio, conhecedor de
todas as tradições e da vida dos camponeses da região. Ninguém perguntou nada a
Joseph sobre sua origem: todo mundo aceitou-o como padre e como neto do velho
Mohr. Na sua paróquia, Joseph viveu um Natal extraordinário. Quando estudante
assistira a festas solenes e frias que não haviam tocado o seu coração. Em
Mariapfarr Joseph viu que com canções populares podem existir festas alegres e
profundas que despertam calor humano e sentimentos de caridade nos corações.
É possível que naquela atmosfera, tão
diferente da Catedral de Salzburgo, tenha surgido a primeira semente da poesia da
canção “Noite Feliz”. Quando todos os fiéis saíram da igreja, os coroinhas
acenderam as velas das lanternas para iluminar o caminho das casas. “Noite silenciosa, noite santa. Todos dormem.
Só o santíssimo casal vela com carinho. Gracioso menino de cabelo anelado: durma
na paz celeste”. Assim começa a primeira estrofe da poesia que escreveu
Joseph Mohr. Recentemente, encontramos em Salzburgo um fac-símile do ano de
1816 da canção “Noite Feliz” para duas vozes e violão, com letra de Joseph
Mohr, música de Franz Xaver Gruber. 1816 foi o ano da morte do avô de Joseph em
Mariapfarr. O texto foi escrito quando a guerra havia terminado na Áustria.
A tuberculose reincidiu. Depois de um
período de convalescença em Salzburgo, Joseph viu que não podia viver na
montanha. Como vigário encontrou outra paróquia a 20 km ao norte de Salzburgo,
no povoado de Oberndorf, à margem do rio Salzach. Foi ali que ele conheceu o
maestro Franz Xaver Gruber, organista, músico.
Os dois amigos começaram a tocar juntos na
igreja e em casa. Joseph Mohr ficou muito feliz em reencontrar o rio e os
bosques de sua juventude. Foi bem aceito pelos fiéis, porque um padre que podia
ficar em posição reta e de pé numa embarcação era uma pessoa merecedora de
respeito. Mas o padre do povoado ficou com ciúmes da ascendência espiritual do
jovem vigário entre os fiéis. Ele descobriu que Joseph era filho natural e começou
a amargar a sua vida.
Estamos perto do Natal de 1818. O maestro
e amigo Franz Xaver Gruber tentou uma reconciliação organizando uma vigília de
Natal. O Pe. Joseph visitou seu amigo, que morava num apartamentinho acima da escolinha
da vizinha aldeia de Arnsdorf. Mostrou-lhe o poema que havia escrito em
Mariapfarr e os dois amigos trabalharam na composição. Assim, em 25 de dezembro
de 1818, nasceu a canção de Natal que hoje em dia é interpretada no mundo
inteiro, em todas as línguas “Noite Feliz”.
Quando aqueles dois homens acompanhados
pelo coro cantavam por vez primeira em pé diante do altarzinho da capela de São
Nicolau, o “Stille Nacht! Heiligen Nacht!”, não faziam ideia da
repercussão que o fato teria no mundo.
Franz Xaver Gruber e Pe. Joseph Mohr |
Karl
Mauracher, mestre construtor e reparador de órgãos viajou várias vezes a
Oberndorf para consertar o órgão. Numa das viagens obteve a partitura e a levou
para sua terra. Foi assim, também despretensiosamente, que começou a difusão.
De início, nem tinha nome e era chamada
de “canção folclórica tirolesa”. Duas famílias que viajavam cantando
canções populares do vale do Ziller incorporaram a peça a seu repertório e a
entoaram em dezembro de 1832 em Leipzig num concerto de música folclórica. A
partir de então a difusão progrediu como mancha de azeite.
Por fim, a família Rainer cantou
o Stille Nacht na presença do imperador da Áustria Francisco I e do
czar da Rússia Alexandre I. A canção natalina passou a ser a preferida do rei
Frederico Guilherme IV da Prússia.
O Pe. Joseph morreu pobremente na cidadezinha
de Wagrain, nos Alpes, como pároco. Ele doou todos os seus bens para a educação
das crianças.
O inspetor escolar de São Johann, num
relatório ao bispo, descreve o Pe. Joseph como um amigo dos fiéis, sempre perto
dos pobres e um pai protetor. Seu nome foi esquecido por todos até ser
recuperado posteriormente.
A família de Franz Xaver Gruber conservou
alguns dos humildes móveis do músico e o violão daquela noite abençoada, hoje
peça histórica. O túmulo de Franz é decorado com uma árvore de Natal todos os
meses de dezembro.
A imagem dos dois coautores está nos
vitralzinhos da capelinha de São Nicolau.
Assim é a riqueza insondável da Igreja:
faz nascer no coração dos humildes e despretensiosos frutos de graça, perfeição
e beleza que os gênios naturalmente mais dotados do mundo jamais conseguem
superar.
Fontes:
Autor: Peter Schuler; Tradução: Magda Bonetti; Versão brasileira: Torquato
Leitãohttp://queridosfilhos.org.br/Natal_noite_feliz_historia.html;
catedraismedievais.blogspot.com/
A capela do "Stille Nach" em Oberndorf |
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