Quem foram os Reis
Magos?
Um antigo documento conservado nos
Arquivos Vaticanos lança uma certa luz, embora indireta e sujeita a caução,
sobre a pessoa dos Reis Magos que foram adorar o Menino Jesus na Gruta de
Belém. A informação foi veiculada por muitos órgãos de imprensa e páginas da
internet.
O documento é conhecido como “A Revelação
dos Magos”. Provavelmente seja algum “apócrifo”, nome dado aos livros não
incluídos pela Igreja Católica na Bíblia. Portanto, não são “canônicos”, apesar
de poderem ser de algum autor sagrado.
“Canônico”
deriva de “Cânon”, que é o catálogo de Livros Sagrados admitidos pela Igreja
Católica e que constituem a Bíblia. Este catálogo está definitivamente
encerrado e não sofrerá mais modificação.
Há uma série de argumentos profundos que
justificam esta sábia decisão da Igreja.
Entretanto, uma extrema ponderação
em apurar a verdade faz com que a Igreja não recuse em bloco esses “apócrifos”
e reconheça que pode haver neles elementos históricos ou outros que ajudem à
Fé.
Por isso mesmo, o Vaticano conserva a
maior coleção mundial desses “apócrifos”, e os põe à disposição dos críticos de
todas as religiões que queiram estudá-los.
A Igreja não tem medo de que possa sair
qualquer coisa que desdoure a integridade e a santidade da Bíblia. Antes bem,
deseja ardentemente encontrar qualquer dado que possa ajudar a melhor
compreendê-la.
O apócrifo “A Revelação dos Magos”
aparenta ser um relato de primeira mão da viagem dos Reis do Oriente para
homenagear o Filho de Deus. Só recentemente foi traduzido do siríaco antigo. O
mérito é do Dr. Brent Landau, professor de Estudos Religiosos da Universidade
de Oklahoma, EUA, que dedicou dois anos para decifrar o frágil manuscrito.
Trata-se de uma cópia feita no século VIII
a partir de algum original perdido que, por sua vez, fora transcrito meio
milênio antes. Portanto, a fonte original desse apócrifo dos Reis Magos remonta
a menos de um século depois do Evangelho de São Mateus.
O documento levanta questões em extremo
interessantes: quem foram ao certo os Reis Magos? Foram três? Quais eram seus
nomes? De onde vieram? Por quê?
Vejamos primeiro o que nos diz a única fonte
digna de fé religiosa, o Evangelho de São Mateus:
“1. Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de
Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do oriente a Jerusalém.
“2. Perguntaram eles: Onde está o rei dos
judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo.
“3. A esta notícia, o rei Herodes ficou
perturbado e toda Jerusalém com ele.
“4.
Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e indagou deles onde
havia de nascer o Cristo.
“5. Disseram-lhe: Em Belém, na Judéia,
porque assim foi escrito pelo profeta:
“6. E tu, Belém, terra de Judá, não és de
modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que
governará Israel, meu povo (Miq 5,2).
“7. Herodes, então, chamou secretamente os
magos e perguntou-lhes sobre a época exata em que o astro lhes tinha aparecido.
“8. E, enviando-os a Belém, disse: Ide e
informai-vos bem a respeito do menino. Quando o tiverdes encontrado,
comunicai-me, para que eu também vá adorá-lo.
“9. Tendo eles ouvido as palavras do rei,
partiram. E eis que e estrela, que tinham visto no oriente, os foi precedendo
até chegar sobre o lugar onde estava o menino e ali parou.
“10. A aparição daquela estrela os encheu
de profunda alegria
“11. Entrando na casa, acharam o menino
com Maria, sua mãe. Prostrando-se diante dele, o adoraram. Depois, abrindo seus
tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra.
“12. Avisados em sonhos de não tornarem a
Herodes, voltaram para sua terra por outro caminho”.(São Mateus, cap. 2, 1ss)
A narração de São Mateus contém tudo o que
é necessário para a Fé. Mas com o beneplácito e a aprovação da Igreja a piedade
popular acrescentou muitos outros pormenores, que foram transmitidos por
tradição oral e que são aceitos sem contestação.
O que diz a Tradição sobre seu número, condição,
proveniência e destino?
É aqui que entra o papel do grande São
Beda, o Venerável (673-735), Doutor da Igreja e monge beneditino nas abadias de
São Pedro e São Paulo em Wearmouth, e na de Jarrow, na Nortumbria, Inglaterra.
São Beda é uma das máximas autoridades dos
primeiros tempos da Idade Média pelo fato de ter recolhido relatos transmitidos
oralmente pelos Apóstolos aos seus sucessores, e destes aos seguintes.
São Beda é também considerado como fonte
de primeira mão da história inglesa, sendo muito respeitado como historiador.
Sua História Eclesiástica do Povo Inglês (Historia
Ecclesiastica Gentis Anglorum) lhe rendeu o título de Pai da História Inglesa.
No tratado “Excerpta et Colletanea”, o
Doutor da Igreja assim recolhe as tradições que chegaram até ele: “Melquior era
velho de setenta anos, de cabelos e barbas brancas, tendo partido de Ur, terra
dos Caldeus. Gaspar era moço, de vinte anos, robusto e partira de uma distante
região montanhosa, perto do Mar Cáspio. E Baltasar era mouro, de barba cerrada
e com quarenta anos, partira do Golfo Pérsico, na Arábia Feliz”.
É, pois, São Beda quem por primeira vez
escreveu o nome dos três. Nomes com significados precisos que nos ajudam a
compreender suas personalidades.
Gaspar significa “aquele que vai
inspecionar”; Melquior quer dizer: “Meu Rei é Luz”, e Baltasar se traduz por
“Deus manifesta o Rei”
Para São Beda – como para os demais
Doutores da Igreja que falaram deles – os três representavam as três raças
humanas existentes, em idades diferentes.
Neste sentido, eles representavam os reis
e os povos de todo o mundo.
Também seus presentes têm um significado
simbólico. Melquior deu ao Menino Jesus ouro, o que na Antiguidade queria dizer
reconhecimento da realeza, pois era presente reservado aos reis. Gaspar
ofereceu-Lhe incenso (ou olíbano), em reconhecimento da divindade. Este
presente era reservado aos sacerdotes. Por fim, Baltasar fez um tributo de
mirra, em reconhecimento da humanidade. Mas como a mirra é símbolo de
sofrimento, veem-se nela preanunciadas as dores da Paixão redentora. A mirra
era presente para um profeta. Era usada para embalsamar corpos e representava
simbolicamente a imortalidade.
Adoração por Andrea Montegna |
Em coerência com essa visão, a exegese
católica interpreta a chegada dos Reis Magos como o cumprimento da profecia de
David:
“Os reis de Társis e das ilhas lhe trarão
presentes, os reis da Arábia e de Sabá oferecer-lhe-ão seus dons. 11. Todos os
reis hão de adorá-lo, hão de servi-lo todas as nações”. (Sl. 71, 10-11) (P.S.: na numeração
das traduções direto do hebraico, é o Sl. 72, 10-11).
Alguns especularam que talvez pelo menos
um deles veio da terra de Shir (não identificada nos mapas modernos), na antiga
China.
Em livro – escrito a título pessoal,
portanto não sendo documento do magistério eclesiástico – Joseph Ratzinger
(S.S. Bento XVI) comenta que “a promessa contida nestes textos [N.R.: Salmo
72,10] estende a proveniência destes homens até ao extremo Ocidente (Tarsis,
Tartessos em Espanha), mas a tradição desenvolveu posteriormente este anúncio
da universalidade aos reinos de que eram soberanos, como reis dos três
continentes então conhecidos: África, Ásia e Europa”, segundo informou “Religión Digital”
de Espanha.
A amplidão do leque de possibilidades
geográficas fica patente neste comentário.
Tarsis ou Tartessos ficaria na Andaluzia,
Espanha, especificamente em “algum lugar compreendido entre Cádiz, Huelva e Sevilha”.
Segundo o “ABC” de
Madri, os sevilhanos acham que se Melquior, Gaspar e Baltasar fossem andaluzes
teriam se manifestado mais alegremente, teriam cantado “sevilhanas” e levado
pandeiros. A reação popular suscita um amável sorriso.
O que foi depois dos Reis Magos?
De acordo com uma tradição acolhida por
São João Crisóstomo, Padre da Igreja, os três Reis Magos foram posteriormente
batizados pelo Apóstolo São Tomé e trabalharam muito pela expansão da Fé (Patrologia
Grega, LVI, 644).
A fama de santidade dos Reis Magos chega
até os nossos dias. Seus restos são venerados na nave central da Catedral de
Colônia, Alemanha, em magnífica urna de ouro e de pedras preciosas que extasia
os visitantes.
As relíquias deles foram descobertas na
Pérsia pela imperatriz Santa Helena e levadas a Constantinopla, capital do
Império Romano de Oriente.
Depois foram transferidas a outra capital
imperial no Ocidente – Milão –, até que foram guardadas definitivamente na
Catedral de Colônia em 1163 (Acta SS., I, 323).
Por que eram "Magos"?
O nome “mago” era sinônimo de “sábio”. O
tratamento dado a eles como grandes eruditos, prudentes e judiciosos, provinha
do fato de os sacerdotes da Caldeia serem muito voltados para a consideração
dos astros com uma sabedoria que surpreende até hoje.
A eles devemos o início da ciência
astronômica. Sem dúvida, seu caráter de “magos”, reconhecido pelo Evangelho de
São Mateus, aponta para a área da civilização caldeia (cujo epicentro foi no
atual Iraque, mas incluiu diversos países vizinhos, entre eles o Irã).
Com a decadência moral, os “magos” caldeus
viraram uma espécie de bruxos, divulgadores de toda espécie de superstições.
Os Três Reis Magos teriam sido os últimos
sacerdotes honrados daquele mundo pagão que aspiravam sinceramente conhecer o
Salvador.
Neste
caso, foram exemplos arquetípicos do pagão de boa-fé que deseja conhecer a
verdadeira religião, e que assim que a encontra adere a ela sem demoras nem
restrições.
Foram "Reis"?
Discute-se também em que sentido podem ser
chamados de “Reis”, pois não se lhes conhece a procedência e menos ainda a
localização do reino.
Porém, na Antiguidade, os patriarcas, ou
chefes de grandes clãs, ou grupos étnico-culturais, governavam com poderes
próprios de um rei, sem terem esse título ou equivalente. E seu reinado se
concentrava sobre sua hoste, por vezes nômade.
São João Damasceno não recusava que eles
fossem descendentes de Set, terceiro filho de Adão. E este pormenor nos leva de
volta ao “apócrifo” do Vaticano.
(continua)
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