Pastorinha
chamada por Deus para realizar um feito sem igual no Novo Testamento, ela
restaurou a França, país então sem esperança, arruinado pelo caos
político-religioso e ocupado em larga medida pelos ingleses. Reinstalou no
trono o rei legitimo e levou à vitória seus desanimados exércitos.
Considerada como profetisa do Novo
Testamento, a santa gravou o nome de Jesus na bandeira com que conduzia as
tropas ao combate. Dois séculos e meio depois, o Sagrado Coração viria pedir a Luís
XIV, rei da França, mediante aparição à vidente Santa Margarida Maria Alacoque,
que gravasse sua imagem nas bandeiras reais.
Aprisionada por ocasião de uma escaramuça,
Santa Joana d’Arc foi julgada por um tribunal iníquo que a condenou a ser
queimada como bruxa na cidade de Rouen, em 1431. Hoje, porém, a história da
santa, canonizada em 1920, faz vibrar o mundo.
Quem foi Joana d’Arc e como eram as vozes
do Céu que ouvia? Como fez o que parecia impossível?
As vozes no campo de batalha
As vozes sobrenaturais que ela ouvia todos
os dias desde o início de sua missão foram um dos pretextos para tentar fazê-la
cair em erro ou contradição.
Segundo Dunois, no encontro com o rei, Joana
disse: “Concluída minha oração a Deus, ouço uma voz que me diz: ‘Filha de Deus,
vai, vai, vai, eu te ajudarei, vai.’ E quando ouço esta voz, sinto uma grande
alegria’.
Quando a santa entrou na Guerra dos Cem
Anos, o pretendente inglês e seu aliado, o Duque de Borgonha, dominavam grande
parte da França. Carlos VII, o legítimo pretendente à coroa francesa, era
apelidado de “reizinho de Bourges”, de tal maneira seu território estava
reduzido. Seu exército estava dizimado, desmoralizado, malvestido e mal
alimentado. A batalha decisiva travava-se em volta de Orleans, sobre o rio
Loire. A cidade era fiel a Carlos VII, mas os ingleses construíram bastiões e
linhas que impediam levar alimentos e munições aos defensores. Orleans ia cair
pela fome.
Santa Joana fez uma gloriosa entrada em
Orleans com o exército francês no dia 29 de abril de 1429. Dunois ficou pasmo
vendo depois a Donzela esmigalhar o cerco inglês com soldados desmoralizados. Em
4 de maio de 1429, a santa impulsionou a conquista do bastião de Saint-Loup,
vitória que reanimou os abatidos franceses.
Na festa da Ascensão, narra Dunois: “[A
Donzela] dirigiu aos ingleses uma carta impositiva, […] dizendo-lhes que
levantassem o cerco e voltassem para a Inglaterra, porque do contrário ela
lançaria um grande assalto e os forçaria a irem embora”. ... “Eis o que vos
escrevo pela terceira e última vez, eu não vos escreverei mais”.
“JESUS
MARIA, Joana a Donzela’.
“Após escrever, Joana pegou uma flecha,
amarrou nela a carta com um fio e ordenou a um arqueiro lançá-la aos ingleses,
gritando: ‘Lede, são notícias’”. Os ingleses a receberam, leram-na e
vociferaram as piores injúrias contra a virgem.
Santa Joana d’Arc enfrenta um tribunal ilegítimo
Numa escaramuça junto às muralhas de
Compiègne, Santa Joana d’Arc foi aprisionada e vendida aos ingleses que haviam
invadido a França. Estes queriam condená-la como bruxa para tentar vencer a
fabulosa reação que ela inspirou. Porém, como simples militares, eles não
tinham meios para realizar isso. Necessitavam recorrer a maus religiosos do
país ocupado. Promoveram então a instalação de um tribunal composto por mais de
50 eclesiásticos e legistas dirigidos pelo bispo de Beauvais, D. Pierre
Cauchon.
Este tribunal, que a condenou em 1431, era
destituído de qualquer competência jurídica, civil-criminal ou canônica. As
palavras da santa e de seus injustos interrogadores foram registradas com
minúcia pelos escreventes do tribunal. Anos depois, num processo concluído em
1455 e validamente conduzido, as legítimas autoridades civis e eclesiásticas
declararam nulo o processo contra a santa, cuja memória reabilitaram. Por fim,
um processo de beatificação realizado no século XX constatou a heroicidade de
suas virtudes, e Bento XV a canonizou em 1920.
O Bispo Cauchon, chefe do tribunal
O advogado Nicolas de Bouppeville,
contemporâneo de Santa Joana d’Arc, depôs da seguinte forma sobre o presidente
do tribunal: “Eu jamais acreditei que o bispo de Beauvais estivesse engajado no
processo pelo bem da Fé ou por zelo da Justiça. Ele obedecia simplesmente ao
ódio que lhe inspira o devotamento de Joana ao rei da França; longe de
capitular diante do medo aos ingleses, ele não fez senão executar sua própria
vontade. Eu o vi relatar ao regente [o duque de Bedford] e a Warwick suas
negociações para comprar Joana; ele não continha seu contentamento e falava com
animação”.
O escrevente Guillaume Manchon registrou:
“Numa sessão, Frei Isambard dirigiu-se a Joana, tentando orientá-la e
informá-la sobre o alcance da submissão à Igreja. ‘Calai-vos, em nome do
diabo’, interrompeu o bispo aos berros”.
A Donzela na fogueira
Na segunda-feira, 28 de maio, a santa foi
imediatamente conduzida ao tribunal, que formalizou sua condenação final. Dois
dias depois, por volta das 9 da manhã, ela foi levada ao local da execução: a
Praça do Velho Mercado.
Após ouvir pacientemente a condenação, a
virgem elevou orações e lamentações tão piedosas que até juízes, bispos e
muitos presentes custavam a conter as lágrimas. Ela encomendou sua alma a Deus,
a Nossa Senhora e a todos os santos, pediu perdão pelos juízes e pelos
ingleses, pelo rei da França e por todos os príncipes do reino.
Frei Jean Toutmouillé atestou que, voltando-se
em direção de D. Cauchon, a santa lhe disse: “Bispo, eu morro por vossa causa”.
Ao que, insensível, o prelado revidou: “Joana, tenha paciência, você morre
porque não cumpriu o compromisso e você reincidiu em seu primeiro malefício”.
– “Eu apelo contra ti na presença de
Deus”, foram as últimas palavras desse diálogo.
A pedido da santa, frei Isambard de la
Pierre, O.P. segurava uma cruz, pois ela queria ver o símbolo de Jesus até o
último instante de sua vida. “No meio das chamas, contou o frade, ela não
parava de invocar em altas vozes o nome de Jesus, implorando a misericórdia e o
auxílio dos santos do Paraíso. Ela afirmava que não era nem herética, nem
cismática como dizia o acórdão. Com o fogo ardendo, ela inclinou a cabeça e,
antes de render o espírito, pronunciou ainda com força o nome de Jesus. O
público chorava”.
“No mesmo dia – acrescentou Frei Isambard
– o carrasco veio até o convento para procurar a frei Martin Ladvenu e a mim.
Ele estava tocado e muito emocionado, com espantoso arrependimento e angustiada
contrição. Tomado pelo desespero, ele temia nunca obter o perdão e a
indulgência de Deus pelo fato de ter feito isso a uma santa mulher. ‘Eu temo
muito estar condenado – dizia para nós – porque eu queimei uma santa’.
“Esse mesmo carrasco dizia e afirmava que
não obstante o óleo, o enxofre e o carvão que ele aplicou sobre as entranhas e
o coração de Joana, não conseguiu que fossem consumidos e reduzidos a cinzas.
Ele estava muito perplexo, como se fosse um evidente milagre”, depôs ainda frei
Isambard.
A virgem guerreira no dia-a-dia
“Joana era pura – conta o duque de Alençon
– e odiava muito essas mulheres que acompanham os exércitos. Certo dia, em
Saint-Denis, voltando da sagração do rei, eu a vi de espada na mão perseguindo
uma jovem prostituta, e até quebrou a espada nessa perseguição.
“Ela fazia questão de vigiar para que as
mulheres dissolutas não fizessem parte de seu séquito, pois dizia que Deus
permitiria que fôssemos derrotados por causa de seus pecados.
“Ela também se irritava enormemente quando
ouvia os soldados blasfemar e os repreendia com veemência. Ela me repreendia
especialmente quando eu blasfemava. Quando eu a via, eu parava de blasfemar”,
acrescentou o duque.
“Ao anoitecer, Joana – narra Dunois –
costumava retirar-se a uma igreja. Mandava tocar os sinos aproximadamente
durante meia hora e reunia os religiosos mendicantes que acompanhavam o
exército do rei. Então, dedicava-se à oração e fazia cantar pelos frades uma
antífona em louvor da Bem-aventurada Virgem, Mãe de Deus”.
“Joana era muito devota de Deus e da
bem-aventurada Virgem Maria. Ela se confessava quase todos os dias. […] Sua
grande alegria consistia em comungar com os filhos dos mendigos. Quando se
confessava, chorava”, confirmaram diversas testemunhas.
O retorno de Santa Joana d’Arc
Segundo uma piedosa tradição, seu coração
ainda palpitava entre as brasas quando foi jogado no rio Sena para fazê-lo
desaparecer. Mas, do fundo das águas, ele continua ainda palpitando e
preparando o encerramento da missão da santa profetisa de Domrémy.
Com efeito, Santa Joana d’Arc julgava que
sua epopeia não fora senão o sinal de uma grande missão que ela realizaria. “O
sinal que Deus me deu é levantar o sítio dessa cidade e fazer sagrar o rei em
Reims” – atestou ter ouvido dela Frei Pierre Seguin O.P. Numa carta aos
ingleses, conclamando-os a saírem da França, a heroína escreveu: “Se vós
ouvirdes [a Donzela], ainda podereis vir em companhia dela, lá onde os
franceses farão a mais bela ação jamais feita pela Cristandade”.
O enigma aumenta ao se considerar uma
confidência da santa durante a épica campanha da Ile-de-France: “Quando eu
estava sobre os fossos de Melun, me foi dito por minhas vozes que eu seria
aprisionada antes da São João”. E após comungar na igreja de Saint-Jacques, ela
disse a umas crianças: “Meus filhinhos, eu fui vendida e traída. Logo serei
entregue à morte. Rogai a Deus por mim, pois eu não mais poderei servir ao rei
e ao reino de França”.
Em seu livro La Mission Posthume de
Sainte Jeanne d’Arc2, Mons. Henri Delassus apresentou uma douta e esclarecedora
explicação. Ele demonstrou que D. Cauchon e os juízes seus cúmplices difundiam
os erros e as más tendências revolucionárias enquistados na Universidade de
Sorbonne, como aliás se pode ler na sua condenação. Esses erros igualitários e
tendências desordenadas eram insuflados por uma verdadeira conspiração
anticristã e se desenvolveram através da Revolução protestante, da Revolução
Francesa e da Revolução comunista até desembocarem em nossos dias na tentativa
de dissolução anárquica da família e da sociedade civil.
O que sucede na cabeça dos franceses e dos
homens hoje – indagou com pasmo “The New York Times” – para que uma santa
medieval, virgem e profetisa, saída de um conto de fadas, impressione o mundo
moderno, laicista e igualitário, do século XXI? Não adianta fugir da realidade
– continua o quotidiano de Nova York: faça-se uma simples busca dos livros
sobre ela na maior livraria virtual do mundo e encontrar-se-ão mais de seis mil
títulos!
Na perspectiva de Mons. Delassus, a
resposta a “The New York Times” não é difícil: cresce cada vez mais a percepção
de que, herdeira dos erros condenados pela santa, a sociedade atual ruma para a
morte; ou – hipótese previsível – caminha para uma restauração em favor da qual
a Donzela está trabalhando eficazmente do Céu e cujos sintomas promissores já
parecem ser visíveis.
Fonte
(excertos): Equipe Lepanto - 30 de junho de 2014
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