No
primeiro domingo de junho, diversos lugares do mundo celebram a Festa Mundial
ao Milagroso Menino Jesus de Praga, uma das mais amadas devoções a Jesus que
existem na Igreja. Neste ano, a festa coincide no Brasil com a solenidade da
Ascensão do Senhor. Entretanto, há países que celebram essa devoção no dia 25
de janeiro.
A tocante imagem feita em cera representa
o Menino Jesus vestido de Rei, com manto e coroa e sustentando com a mão
esquerda um globo que simboliza o universo, enquanto a mão direita abençoa toda
a criação de Deus.
A devoção ao “Pequeno Rei”
Embora muitos tenham ouvido falar do
Menino Jesus de Praga, poucos conhecem dados concretos a respeito dessa devoção
à divina infância do Salvador do mundo (1).
Desde tempos imemoriais, os justos do
Antigo Testamento ansiavam pela vinda do Prometido das Nações, que viria
endireitar os caminhos tortuosos, aplainar os montes, encher os vales. Numa
palavra, abrir o Céu para a humanidade pecadora. O Profeta por excelência
desses futuros acontecimentos, Isaías, sete séculos antes da vinda do Divino
Redentor, anunciou que Ele nasceria de uma Virgem.
Nos primeiros séculos da era cristã,
muitos foram os santos que abordaram o tema do Deus Menino e seu nascimento,
especialmente o Papa São Leão Magno (2).
Coube à Idade Média a glória de
corporificar e expandir essa devoção. Vários santos foram então chamados pela
graça divina a manifestar especial enlevo pela divina infância de Nosso Senhor
Jesus Cristo, ao qual se chega por meio de Nossa Senhora. São Francisco de
Assis, ao meditar enternecido a respeito do grande Deus que se tornou frágil
Menino numa manjedoura, montou o primeiro presépio para representar esse divino
mistério. Santo Antônio de Pádua (ou de Lisboa), seguindo o exemplo de seu mestre
e fundador, encantava-se com o Deus-Menino, e mereceu recebê-Lo várias vezes
milagrosamente em seus braços. E é desse modo que o grande santo franciscano é
comumente representado. Outros santos tiveram a mesma graça.
Entretanto, foi na Espanha da
Contra-Reforma, durante o chamado “século de ouro”, que o divino Menino Jesus
passou a ser venerado em imagens em que aparece de pé, manifestando um ou outro
de seus atributos.
A grande Santa Teresa de Ávila introduziu
essa devoção em seus conventos, e a partir deles espraiou-se por toda a Espanha
e depois pelo mundo. Seu discípulo e co-fundador do ramo carmelita masculino
reformado, o sublime São João da Cruz, entusiasmava-se tanto com esse mistério
de um Deus feito homem, que, durante o período de Natal, levava a imagem do
Menino Jesus em procissão, e bailava com ela ao colo. Compôs também tocantes
poesias sobre a Natividade.
Assim, surgiram nos conventos carmelitas
várias invocações do Menino Jesus, como El Peregrinito, El Lloroncito, El
Fundador, El Tornerito e El Salvador.
Menino Jesus de Cebu |
Mas tal devoção não se limitava aos
claustros. Já Fernão de Magalhães, quando descobriu as Filipinas, levava
consigo uma dessas imagens de Jesus Menino, e lá a deixou, sendo ela venerada
até hoje na ilha de Cebu.
Carmelita Venerável: confidente do Divino Infante
Coube a uma filha de Santa Teresa ser a
confidente do Menino Jesus e a propagadora da sua devoção. Trata-se da
Venerável Margarida do Santíssimo Sacramento (1619-1648), carmelita do convento
de Beaune, na França. Esta freira, falecida aos 29 anos, entrou para o convento
aos 11 anos como pensionista. Tinha grande familiaridade com os Anjos e Santos
e o privilégio de participar de todos os grandes mistérios da Vida do Salvador,
como seu Nascimento, Transfiguração e Paixão. Entretanto, recebeu a missão
especial de venerar e propagar especialmente a devoção à divina infância de
Cristo.
“Eu te escolhi para honrar e tornar
visível em ti minha infância e minha inocência, quando eu jazia no presépio”,
disse-lhe o Menino-Deus, quando ela rezava diante de uma imagem sua existente
no convento, conhecida como O Rei da Glória. A Irmã Margarida do Santíssimo
Sacramento recebia muitas graças extraordinárias, mediante as quais o Menino
Jesus fazia-lhe compreender de um modo mais profundo esse mistério (3).
O Menino Jesus lhe disse numa de suas
aparições: “Recorre ao meu coração e cada vez que quiseres obter uma graça, não
deixes de pedi-la pelo Méritos da minha Santa Infância, porque não a recusarei.
Tudo o que Me pedires pela minha Santa Infância será concedido”.
Ela fundou a Família do Menino Jesus,
convidando todos os que dela quisessem participar a celebrarem com fervor os
dias 25 de cada mês, em lembrança da Santa Natividade, e a rezarem a Coroinha
do Menino Jesus (três Padre-Nossos e 12 Ave-Marias) em honra dos 12 primeiros
anos de sua vida.
Dois séculos mais tarde, outra carmelita,
Santa Teresinha do Menino Jesus (+ 1897), honrou de modo especial o
Deus-Menino, não só ao escolhê-Lo para seu nome em religião, mas iniciando a
via da “Infância Espiritual”. Foi numa noite de Natal, a de 1886, que ela
recebeu a maior graça de sua vida, segundo disse, isto é, a de sair da imaturidade
da infância para entrar na grande via dos santos.
Ela se abandonava ao Deus-Menino com toda
docilidade, como uma bola nas mãos de uma criança. Quando recebeu o encargo de
adornar uma imagenzinha do Menino Jesus que havia no claustro, ela o fazia com
grande devoção. Além disso, mantinha prolongados colóquios com o Deus-Menino
diante da imagem do Menino Jesus de Praga que se encontrava no coro do
noviciado.
Maravilha de Praga: o Pequeno Rei
Praga, capital da atual República Checa, é
considerada, a justo título, uma das mais belas capitais da Europa. O visitante
não se cansa de a percorrer, sempre descobrindo coisas novas e maravilhas não
suspeitadas. Sua topografia concorre muito para sua beleza, e o rio Moldava,
que a corta, tornou-se quase legendário. Entre os inúmeros prédios dignos de
menção nessa cidade privilegiada, figura a igreja de Nossa Senhora das
Vitórias, primeiro santuário barroco local, erigido de 1613 a 1644. Pertencente
aos carmelitas descalços, nela está a grande maravilha de Praga: a encantadora
imagem do Pequeno Rei, como é conhecido o Menino Jesus de Praga.
No ano de 1628, Frei João Luís da
Assunção, então Prior dos carmelitas descalços da cidade, comunicou a seus
religiosos que havia sentido uma moção interior no sentido de que venerassem de
um modo especial o Deus-Menino, para que Ele protegesse a comunidade, e a fim
de que os noviços aprendessem com Ele a ser pequeninos para entrarem no reino
dos Céus.
Quase simultaneamente a Providência
inspirou a Princesa Polyxena de Lobkowicz — que então enviuvara e ia se retirar
para seu castelo de Roudinice nad Labem — a doar ao convento carmelita uma
imagem de cera do Menino Jesus, que possuía. Ele era representado de pé,
portando trajes reais, com o globo na mão esquerda e a direita em atitude de
abençoar. Tal imagem era querida recordação de família, pois sua mãe, Da. Maria
Manrique de Lara, a recebera como presente de núpcias quando se casou com
Vratislav de Pernstein, e a dera à filha também como presente de bodas.
A Princesa Polyxena disse ao prior, ao
entregar-lhe a imagem: “Eu vos ofereço, querido padre, o que mais quero no
mundo. Honrai este Menino Jesus e assegurai-vos de que, enquanto O venerardes,
nada vos faltará”.
Frei João Luís agradeceu o presente, que
vinha tão milagrosamente ao encontro do seu desejo, e ordenou que a imagem
fosse colocada no altar do oratório do noviciado. Ali os carmelitas se
reuniriam todos os dias para louvar o Divino Infante e recomendar-Lhe suas
necessidades.
Do ataque sacrílego de protestantes à perseguição
comunista
No decorrer dos séculos a devoção ao
“Pequeno Rei” sofreu duros embates: em novembro de 1631, sob o comando do
príncipe eleitor da Saxônia, Praga foi assediada. Os soldados protestantes
invadiram igrejas e conventos, profanando e destruindo os objetos do culto
católico. Puseram na prisão os dois frades carmelitas e começaram a depredar o
convento. Vendo no oratório dos noviços a imagem do Menino Jesus, começaram a
rir e a zombar dela. Um dos soldados, desejoso de mostrar-se diante dos outros,
com a espada decepou as mãozinhas da imagem sob os aplausos dos companheiros.
Depois, empurrou-a para o meio dos escombros a que ficara reduzido o altar. Ali
o Menino Jesus ficou esquecido.
Com a volta à normalidade, chegou a Praga
em 1651 o Superior Geral dos Carmelitas, Frei Francisco do Santíssimo
Sacramento, que aprovou a devoção do Divino Infante, recomendando aos frades
que a difundissem pelos outros conventos austríacos e entre os fiéis. Deixou escrita
uma carta, reconhecendo a legitimidade do culto à sagrada imagenzinha, que foi
afixada na porta da capela do Menino Jesus.
Em 1744, mais uma vez as tropas dos
protestantes, agora prussianos, cercavam Praga. As autoridades da cidade
acorreram ao convento dos carmelitas, pedindo ao prior que o Pequeno Rei fosse
levado em procissão solene pela cidade, a fim de a livrar da destruição dos
hereges. E realmente chegou-se a uma capitulação honrosa, sem batalhas; poucos
meses depois os prussianos deixaram Praga, e todos seus comovidos habitantes
acorreram à igreja de Nossa Senhora da Vitória para agradecer ao Menino Jesus
mais essa graça.
Entretanto, outro perigo maior ameaçava a
devoção ao Divino Infante. Em 1784, o ímpio Imperador José II suprimiu o
convento dos carmelitas e confiou a igreja de Nossa Senhora da Vitória à Ordem
de Malta. E assim, sem a assistência contínua dos carmelitas, o culto ao Menino
Jesus decaiu.
De Praga, o culto ao Menino Jesus já se
havia estendido por toda a Europa, e daí para a América Latina (inclusive
Brasil), Índia e Estados Unidos. Neste país, isso se deu graças à devoção de
Santa Francisca Xavier Cabrini, que ordenou a entronização, em cada uma das
casas do instituto por ela fundado, de uma imagem do Pequeno Rei.
No dia 7 de
setembro de 1924, Sua Santidade o Papa Pio XI enviou especialmente o Cardeal
Merry del Val para coroar solenemente a sagrada imagem. Assim, a devoção ao
Menino Jesus de Praga recebia a aprovação oficial da Igreja.
Imagem preservada durante tiranias nazista e comunista
Já no século XX, durante a II Guerra
Mundial, houve a ocupação de Praga pelos nazistas, e depois o flagelo comunista
abateu-se sobre o país durante quase 50 anos. Mas nem um nem outro inimigo da
fé católica atentou contra a milagrosa imagem, que continuou em seu trono na
igreja de Nossa Senhora da Vitória.
Finalmente, em 1989, com a queda do Muro
de Berlim, e depois, com a Revolução do Veludo, cessou a ditadura comunista na
Checoslováquia, que se transformou na República Checa, independente e soberana.
Foi restabelecida a liberdade civil e religiosa, e o novo Arcebispo de Praga,
que fora também vítima da repressão comunista, quis que reflorescesse a devoção
ao Menino Jesus. A convite dele, dois frades carmelitas, justamente de
Arenzano, foram para Praga reabrir o convento e estimular a devoção ao Divino
Menino Jesus.
Notas:
1.Este
artigo foi baseado na excelente obra El Pequeño Rey, de Sorella Giovanna
della Croce, C.S.C, tradução do italiano para o castelhano pelo Pe. Juan
Montero Aparício, AGAM, Madonna dell’Olmo, Cuneo, Italia.
2.Vide,
por exemplo, suas Homilias sobre el año litúrgico, BAC, Madrid, 1969, pp.
99 ss.
3.Cfr. Les Petits
Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris,
1882, tomo 15, p. 379.
Fonte (excertos):
https://lepanto.com.br/catolicismo/devocoes-catolicas/o-menino-jesus-de-praga/
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