terça-feira, 16 de julho de 2019

Beata Teresa de Sto. Agostinho e companheiras, mártires da Revolução Francesa – 17 de julho

     


     O Carmelo de Compiègne, França, contava com 15 religiosas coristas, uma noviça, três conversas ou irmãs de véu branco e duas torneiras seculares, que viviam entregues ao espírito de oração, de silêncio e de renúncia, quando rebentou a Revolução Francesa.
     Em 13 de fevereiro de 1790 um decreto suprime as ordens religiosas; as carmelitas deviam deixar o mosteiro, mas todas afirmam “querer viver e morrer naquela casa santa”. A 4 de agosto de 1790, os membros do diretório do distrito procederam ao inventário dos bens da comunidade. As religiosas foram “convidadas” a despir o hábito e a abandonar o mosteiro.  Cinco dias mais tarde, a conselho da Câmara, todas assinaram o juramento de Liberdade-Igualdade.  Desde então, vivem dispersas.
     Todavia, mesmo dispersas, a regularidade da vida de cada grupo não passou despercebida aos jacobinos de Compiègne. Decidiram estes fazer uma inspeção, durante a qual se apoderaram de vários elementos que lhes pareceram gravemente comprometedores: cartas de padres em que se tratava de novenas, escapulários e direção espiritual, um retrato de Luís XVI e imagens do Sagrado Coração. O grupo revolucionário mandou deter as religiosas e mantê-las incomunicáveis.
     A 22 de junho de 1794, foram encerradas no Mosteiro da Visitação, transformado em cárcere.  Lá, as reclusas retrataram o juramento feito de Liberdade-Igualdade, “preferindo mil vezes morrer a manterem-se culpadas de tal juramento”. E julgaram-se felizes por terem retomado em comum os exercícios da Regra. 
     A 12 de julho, chegava a Compiègne a ordem da Comissão de Salvação Pública para serem levadas a Paris. Sem lhes ser permitido acabar a sua frugal refeição, meteram-nas todas em duas carroças. O cortejo chegou à Paris no dia seguinte, pelas três horas da tarde, à Conciergerie, a prisão anexa ao palácio da justiça.
     Na Conciergerie, como em Compiègne, prosseguiram as 16 carmelitas em observar a regra; no dia 16 de julho celebraram a festa de Nossa Senhora do Carmo com entusiasmo. À tarde foram avisadas que iriam comparecer, no dia seguinte, diante do tribunal revolucionário. Depois de breve interrogatório e sem ouvir testemunhas, o tribunal condenou à morte as 16 carmelitas. 
     Uma hora depois, subiram elas para as carroças que as levaram à Praça do Trono Derrubado (Praça da Nação). Indiferentes e serenas, cantaram o Miserere e depois a Salve Rainha. Chegadas à base do cadafalso entoam o Te Deum, o canto de ação de graças, a que juntam o Veni Creator. Depois, renovam as promessas do batismo e os votos de religião.
     Assim pereceram na tarde de 17 de julho de 1794. O sacrifício, das que se tinham generosamente oferecido em holocausto “pela paz da Igreja e da França”, não foi em vão.  De fato, “somente dez dias após o suplício delas, cessava a tormenta que, ao longo de dois anos, tinha espalhado pelo solo da França o sangue dos filhos da França” (Decreto de declaração do martírio, 24 de junho de 1905).
     São Pio X, a 27 de maio de 1906, declarou-as beatas.

Virgens e mártires
     Segue uma breve resenha das cinco carmelitas que não morreram mártires.
     Duas das monjas morreram antes de 1794: Irmã Elisabeth de Jesus Maria (Boitel), que padecia de graves enfermidades, morreu no Carmelo em fevereiro de 1791; tinha 55 anos. Em 31 de outubro de 1792, um mês e meio depois da expulsão do mosteiro, Irmã São Pedro de Jesus (d'Angest) faleceu, aos 50 anos de idade, numa casa de Compiègne.
     As outras três encontravam-se fora da cidade no momento da prisão (junho de 1794): Irmã Santo Estanislau da Providência (Legros) e Irmã Teresa de Jesus (Jourdain) haviam ido a Rosières, na Picardia, à casa do irmão de Irmã Santo Estanislau, que estava sofrendo pela morte de sua esposa. Irmã Maria da Encarnação havia viajado a Paris para resolver alguns assuntos de família. Sua estada na capital teve que prolongar-se porque a Administração exigia-lhe uma série de documentos que não era fácil conseguir. Correspondia-se regularmente com a priora.
     Francisca Genoveva Philippe nasceu em Paris, em 16 de novembro de 1761, era filha legítima do príncipe de Conti e recebeu uma brilhante educação. Mas em 1787, aos vinte e seis anos, depois de ser curada por intercessão da Beata Maria da Encarnação, entrou no Carmelo, tomando o nome de sua benfeitora. Graças a ela conhecemos bem a personalidade das dezesseis carmelitas mártires, com quem viveu durante oito anos. Com efeito, em 1823 retirou-se ao Carmelo de Sens, onde escreveu uma resenha biográfica de suas companheiras a pedido de Dom Villecourt, futuro Cardeal, superior do Carmelo e vigário-geral de Sens. Estes preciosos documentos foram publicados em 1836 com o título L'histoire des Religieuses Carmelites de Compiègne.
     Irmã Maria da Encarnação acabava de morrer em 10 de janeiro desse mesmo ano. Ao falar de cada uma das mártires, colocaremos entre aspas a opinião de Irmã Maria da Encarnação e as informações que nos oferece sobre a prisão e condenação das religiosas.

Retrato das mártires carmelitas
Madre Teresa de Santo Agostinho - Era então a priora da comunidade.
     Maria Madalena Claudine Lidoine nasceu em Paris aos 22 de setembro de 1722 e foi batizada na igreja de São Sulpício no dia seguinte ao seu nascimento. Recebeu no seio de sua família uma esmerada educação.
     "Desde sua infância unia uma grande piedade a uma aguda inteligência, e desde muito jovem sentiu-se chamada ao estado religioso. Entrou em nossa casa das carmelitas de Compiègne em agosto de 1773, à idade de 21 anos. Tomou o nome da ilustre priora de nossa casa de Saint-Denis, sua augusta protetora, a Madre Teresa de Santo Agostinho". Trata-se de Madame Luísa de França, filha de Luís XV. Foi ela quem pediu à Delfina Maria Antonieta que pagasse o dote para que a jovem entrasse no Carmelo, pois seus pais não podiam fazê-lo.
     Vários extratos de sua correspondência e algumas cartas de seu diretor espiritual (desconhecido) nos permitem apreciar suas grandes qualidades humanas e sobrenaturais. Nelas podemos descobrir uma alma mística em pleno período de purificação, uma grande calidez afetiva, um alto sentido comum e um abandono confiante nas mãos de Deus.
     Onze anos depois de sua profissão foi eleita priora, em 1789 tinha trinta e sete anos e estava preparada para os grandes tormentos que a esperavam.

Irmã São Luís - Era a subpriora.
     Maria Ana Francisca Brideau nasceu e foi batizada em 7 de dezembro de 1751, em Beltfort, e fez seus estudos no convento da Visitação de Compiègne, onde seu padrinho estava como "encarregado do quartel militar do rei". Isto pode explicar sua entrada no Carmelo de Compiègne aos 19 anos.
     "O grande atrativo que sentia nossa querida irmã pela recitação do Ofício Divino, seu interesse por conhecer bem as rubricas, sua pontualidade em assistir os atos da comunidade fizeram com que fosse eleita subpriora, ofício no qual se entendia perfeitamente com a Madre Priora. Era por natureza doce, modesta e silenciosa". Tinha 38 anos em 1789.

Irmã de Jesus Crucificado
     Era a mais antiga de todas nessa comunidade em que "exerceu durante muitos anos o ofício de sacristã". Maria Ana Piedcourt nascera em Paris, em 9 de dezembro de 1715 e entrou no convento aos 19 anos.

Irmã Carlota da Ressurreição
     Ana Maria Madalena Francisca Teresa Thouret nasceu em 16 de setembro de 1715, em Mouy, diocese de Beauvais. "Tinha um temperamento vivo e alegre" e verdadeira paixão pela dança. Aos 21 anos entrou no Carmelo, onde se desdobrou como enfermeira até o ponto de contrair uma deformação da coluna vertebral que a fez sofrer muito. Foi também subpriora, ecônoma, primeira torneira e sacristã.

Irmã Eufrásia da Imaculada Conceição
     Maria Cláudia Cipriana Brard nasceu a 12 de maio de 1736, em Bourth, no Eure, e entrou no Carmelo aos 20 anos. Cheia de vida, de grande imaginação, entusiasmada, um tanto original, "era, no entanto, de temperamento sério, e pela gravidade de seu aspecto ninguém poderia crer que fosse a alma de nossas recreações, pela graça e amenidade de seu falar". A rainha Maria Leczinska chamava-a sua "afabilíssima monja filósofa".
     Em fins de abril ou princípios de maio de 1794 escreveu a Irmã Maria da Encarnação, que se encontrava em Paris: "Querida irmãzinha, une-te a mim para cantar as misericórdias do Senhor e dar graças a sua infinita bondade por ter feito que caíssem dos meus olhos as enormes escamas que os cobriam e que me impediam ver o horroroso precipício aonde ia conduzir-me esse miserável e infernal espírito de orgulho e de inveja que sempre houve em mim". E humilhou-se com toda a sinceridade de seu coração. Em 1789, tinha 53 anos.

Madre Henriqueta de Jesus
     Maria Francisca de Croissy, sobrinha de segundo grau de Colbert, nasceu em Paris aos 18 de junho de 1745 e entrou no Carmelo aos 17 anos, depois de ter tentado fazê-lo aos 16. Recebeu o véu das mãos da rainha Maria Leczinska, que gostava de assistir a essas cerimônias.
     Maria Henriqueta de Jesus "se fez apreciar mais pela índole de seu coração, sua terna piedade, seu zelo e o harmonioso conjunto de todas as virtudes religiosas que por seus dotes naturais e os conhecimentos que havia adquirido. Por isso a comunidade julgou-a digna de presidi-la, embora não tivesse ainda 34 anos". Foi reeleita priora até 1786. Então Madre Teresa de Santo Agostinho confiou-lhe o cargo de mestra de noviças. Tinha 44 anos em 1789.

Irmã Teresa do Coração de Maria
     Maria Ana Hanisset nasceu em Reims, em 1742, e entrou no Carmelo em 1763. "Dotada de uma grande sabedoria, prudência e discernimento", era a primeira torneira interna. Tinha 47 anos em 1789.

Irmã Teresa de Santo Inácio
     Maria Gabriela Trézel nasceu em Compiègne em 4 de abril de 1743 e foi indiscutivelmente uma mística. Chamavam-na "o tesouro escondido" devido à profundidade de sua vida contemplativa feita de solidão e de silêncio. Às que estranhavam vê-la no coro sem livros, respondia: "Deus descobre em mim uma ignorância tão profunda, que pensa que ninguém senão Ele seria capaz de instruir-me, e por isso quer ter o incômodo de fazê-lo Ele mesmo".
     "Nossa querida irmã - conclui Irmã Maria da Encarnação - foi no mundo (entre 1792 e 1794) o que havia sido no claustro, mantendo em meio às tormentas e tempestades um talante sempre sereno, tranquilo e agradável, que não era outra coisa que a prova de sua contínua união com quem era o único objeto de seus pensamentos, de seus desejos e de todos os seus afetos". Tinha 46 anos em 1789.

Irmã Júlia Luísa de Jesus
     Rosa Crétien de Neuville nasceu em 30 de dezembro de 1741, em Euvreux, no Eure, e aos 18 anos casou-­se com um primo carnal, do qual ficou viúva depois de cinco ou seis anos de casamento. Durante longos meses viveu encerrada em sua dor, sem querer ver ninguém; mas acabou por vencer esse "estado de melancolia" graças a seu tio, o sacerdote De Vaux, a quem confessou suas resistências à graça. Encontrou-se com Madame Luísa de França, que em 1776 orientou-a para o Carmelo de Compiègne.
     Teve um noviciado difícil, mas "a partir do dia em que pronunciou os votos apareceram em sua frente a alegria e a serenidade, e substituíram seu aspecto grave ... ". Tinha 47 anos em 1789.

Irmã Maria Henriqueta da Providência
     Nascida em Cajarc, no Lot, aos 16 de junho de 1760, Maria Antonieta Pelras pertencia a uma família de doze filhos. Um de seus irmãos se tomou sacerdote e três irmãs entraram na Congregação das Damas da Caridade de Nevers, onde também ela ingressou quando tinha uns 15 ou 16 anos. Mas sua formosura nada comum fazia-a correr não poucos perigos, razão por que renunciou por completo ao mundo e aos 25 anos pediu ser admitida no Carmelo de Compiègne. Nele desempenhou o ofício de enfermeira. Tinha 29 anos em 1789.

A noviça: Irmã Constância
     Maria Genoveva Meunier nasceu em Saint-Denis, na região do Sena, em 28 de maio de 1765, e em 1788 entrou no Carmelo de Compiègne. Tinha que fazer a profissão em fins de 1789, quando um decreto da Assembleia Constituinte proibiu a partir de então, os votos religiosos (outubro de 1789).
     Esta dura prova redobrou-se pelas dificuldades criadas por sua família, que ao ter notícia do decreto quis fazê-la voltar à casa paterna. Após uma tentativa inútil de um de seus irmãos, interveio a Justiça.
     Irmã Constância respondeu aos oficiais: "Senhores, estou aqui com total consentimento de meus pais. Se querem fazer-me sair só porque seu carinho os alarma por causa dos perigos que eu possa correr permanecendo aqui, agradeço-lhes, mas só a morte poderá separar-me da companhia de minhas Madres e Irmãs".
     A Madre Priora escrevia em 14 de agosto de 1790 a uma antiga postulante: "Irmã Constância continua aqui como noviça; não lhe faltaram provações por parte de sua família: atualmente já não querem que lhes escreva nem querem ouvir falar dela; o Senhor o permite para assegurar-Se de sua fidelidade; quanto ao mais, sente-se muito feliz de que agora a deixem tranquila aqui: espera que Deus acabará tocando-lhes o coração e que um dia vejam sem desgosto sua perseverança". Em 1789, Irmã Constância tinha 24 anos.

As Irmãs conversas (externas)
     As três Irmãs conversas eram:
Irmã Maria do Espírito (Angélica Roussel) tinha 47 anos em 1789. Procedia de Fresnes, e entrou no Carmelo aos 31 anos. "O Senhor Deus quis provar a paciência dessa querida Irmã com um estado de contínuos sofrimentos, que ela suportou de maneira sumamente edificante para a comunidade, e de uma forma tanto mais meritória quanto era uma mulher naturalmente enérgica e muito ativa".

Irmã Santa Marta (Maria Dufour) também tinha 31 anos quando saiu de sua cidade natal de Bannes, em Sarthe, para entrar no Carmelo. Tudo o que sabemos dela cabe em duas linhas: "Nunca deixou de ser a alegria e o consolo de suas superioras e um motivo de edificação para as Irmãs". Tinha 48 anos em 1789.

Irmã São Francisco Xavier (Isabel Júlia Vérolot), natural de Lignères, em Aube, tinha 25 anos em 1789 e estava há dois anos no Carmelo. Aberta, cheia de entusiasmo e de bondade. "Nossa Madre acreditou ser seu dever, antes que nossa Irmã fizesse seu compromisso, pôr-lhe ante os olhos a perspectiva das adversidades que ameaçavam as Ordens religiosas (isso era em janeiro de 1789): 'Não, querida Madre - respondeu ela com sua habitual ingenuidade e seu falar camponês - pode ficar totalmente tranquila, pois se tiver a alegria de consagrar-me a Deus, não desejo outra coisa. Assim, querida Madre, não se preocupe comigo, que Deus se encarregará disso'."

As torneiras
     Duas irmãs nascidas em Compiégne: a mais velha, Ana Catarina Soiron (47 anos em 1789), e a mais nova, Teresa Soiron (41 anos em 1789) eram encarregadas do serviço externo como torneiras desde 1772.
     Convém destacar que as irmãs Soiron não eram carmelitas. Eram seculares - não usavam hábito - a serviço da comunidade e solidárias com esta até o martírio, ao qual não quiseram de modo algum subtrair-se. Em razão dessa fidelidade, a Igreja as reconheceu e beatificou junto às carmelitas e como carmelitas.

(Fonte: HUGELÉ, Philippe. El Carmelo de Compiègne en 1789. In: HUGELÉ, Philippe et al. No las dejaron ser libres. Burgos: Monte Carmelo, 1998. Tradução/adaptação: Fr. José Gregório OCD)
Da Revista Mensageiro de Santa Teresinha – Ano 87 – Julho. Agosto. Setembro de 2011

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