O
Carmelo de Compiègne, França, contava com 15 religiosas coristas, uma noviça,
três conversas ou irmãs de véu branco e duas torneiras seculares, que viviam
entregues ao espírito de oração, de silêncio e de renúncia, quando rebentou a
Revolução Francesa.
Em 13 de fevereiro de 1790 um decreto suprime as ordens religiosas; as
carmelitas deviam deixar o mosteiro, mas todas afirmam “querer viver e
morrer naquela casa santa”. A 4 de agosto de 1790, os membros do diretório
do distrito procederam ao inventário dos bens da comunidade. As religiosas
foram “convidadas” a despir o hábito e a abandonar o mosteiro. Cinco dias
mais tarde, a conselho da Câmara, todas assinaram o juramento de
Liberdade-Igualdade. Desde então, vivem dispersas.
Todavia, mesmo dispersas, a regularidade
da vida de cada grupo não passou despercebida aos jacobinos de Compiègne. Decidiram
estes fazer uma inspeção, durante a qual se apoderaram de vários elementos que
lhes pareceram gravemente comprometedores: cartas de padres em que se tratava
de novenas, escapulários e direção espiritual, um retrato de Luís XVI e imagens
do Sagrado Coração. O grupo revolucionário mandou deter as religiosas e
mantê-las incomunicáveis.
A 22 de junho de 1794, foram encerradas no Mosteiro da Visitação, transformado
em cárcere. Lá, as reclusas retrataram o juramento feito de
Liberdade-Igualdade, “preferindo mil vezes morrer a manterem-se culpadas de
tal juramento”. E julgaram-se felizes por terem retomado em comum os
exercícios da Regra.
A 12 de julho, chegava a Compiègne a ordem
da Comissão de Salvação Pública para serem levadas a Paris. Sem lhes ser
permitido acabar a sua frugal refeição, meteram-nas todas em duas carroças. O
cortejo chegou à Paris no dia seguinte, pelas três horas da tarde, à
Conciergerie, a prisão anexa ao palácio da justiça.
Na Conciergerie, como em Compiègne,
prosseguiram as 16 carmelitas em observar a regra; no dia 16 de julho
celebraram a festa de Nossa Senhora do Carmo com entusiasmo. À tarde foram
avisadas que iriam comparecer, no dia seguinte, diante do tribunal
revolucionário. Depois de breve interrogatório e sem ouvir testemunhas, o
tribunal condenou à morte as 16 carmelitas.
Uma hora depois, subiram elas para as
carroças que as levaram à Praça do Trono Derrubado (Praça da Nação). Indiferentes
e serenas, cantaram o Miserere e depois a Salve Rainha. Chegadas
à base do cadafalso entoam o Te Deum, o canto de ação de graças, a que
juntam o Veni Creator. Depois, renovam as promessas do batismo e os
votos de religião.
Assim pereceram na tarde de 17 de julho de
1794. O sacrifício, das que se tinham generosamente oferecido em holocausto “pela
paz da Igreja e da França”, não foi em vão. De fato, “somente dez
dias após o suplício delas, cessava a tormenta que, ao longo de dois anos,
tinha espalhado pelo solo da França o sangue dos filhos da França” (Decreto
de declaração do martírio, 24 de junho de 1905).
São Pio X, a 27 de maio de 1906, declarou-as beatas.
Virgens e mártires
Segue uma breve resenha das cinco
carmelitas que não morreram mártires.
Duas das monjas morreram antes de 1794:
Irmã Elisabeth de Jesus Maria (Boitel), que padecia de graves enfermidades,
morreu no Carmelo em fevereiro de 1791; tinha 55 anos. Em 31 de outubro de
1792, um mês e meio depois da expulsão do mosteiro, Irmã São Pedro de Jesus
(d'Angest) faleceu, aos 50 anos de idade, numa casa de Compiègne.
As outras três encontravam-se fora da
cidade no momento da prisão (junho de 1794): Irmã Santo Estanislau da
Providência (Legros) e Irmã Teresa de Jesus (Jourdain) haviam ido a Rosières,
na Picardia, à casa do irmão de Irmã Santo Estanislau, que estava sofrendo pela
morte de sua esposa. Irmã Maria da Encarnação havia viajado a Paris para
resolver alguns assuntos de família. Sua estada na capital teve que
prolongar-se porque a Administração exigia-lhe uma série de documentos que não
era fácil conseguir. Correspondia-se regularmente com a priora.
Francisca Genoveva Philippe nasceu em
Paris, em 16 de novembro de 1761, era filha legítima do príncipe de Conti e
recebeu uma brilhante educação. Mas em 1787, aos vinte e seis anos, depois de
ser curada por intercessão da Beata Maria da Encarnação, entrou no Carmelo,
tomando o nome de sua benfeitora. Graças a ela conhecemos bem a personalidade
das dezesseis carmelitas mártires, com quem viveu durante oito anos. Com
efeito, em 1823 retirou-se ao Carmelo de Sens, onde escreveu uma resenha
biográfica de suas companheiras a pedido de Dom Villecourt, futuro Cardeal,
superior do Carmelo e vigário-geral de Sens. Estes preciosos documentos foram
publicados em 1836 com o título L'histoire des Religieuses Carmelites de
Compiègne.
Irmã Maria da Encarnação acabava de morrer
em 10 de janeiro desse mesmo ano. Ao falar de cada uma das mártires,
colocaremos entre aspas a opinião de Irmã Maria da Encarnação e as informações
que nos oferece sobre a prisão e condenação das religiosas.
Retrato das mártires carmelitas
Madre
Teresa de Santo Agostinho - Era então a priora da comunidade.
Maria Madalena Claudine Lidoine nasceu em
Paris aos 22 de setembro de 1722 e foi batizada na igreja de São Sulpício no
dia seguinte ao seu nascimento. Recebeu no seio de sua família uma esmerada
educação.
"Desde sua infância unia uma grande
piedade a uma aguda inteligência, e desde muito jovem sentiu-se chamada ao
estado religioso. Entrou em nossa casa das carmelitas de Compiègne em agosto de
1773, à idade de 21 anos. Tomou o nome da ilustre priora de nossa casa de
Saint-Denis, sua augusta protetora, a Madre Teresa de Santo Agostinho". Trata-se
de Madame Luísa de França, filha de Luís XV. Foi ela quem pediu à Delfina Maria
Antonieta que pagasse o dote para que a jovem entrasse no Carmelo, pois seus
pais não podiam fazê-lo.
Vários extratos de sua correspondência e
algumas cartas de seu diretor espiritual (desconhecido) nos permitem apreciar
suas grandes qualidades humanas e sobrenaturais. Nelas podemos descobrir uma
alma mística em pleno período de purificação, uma grande calidez afetiva, um
alto sentido comum e um abandono confiante nas mãos de Deus.
Onze anos depois de sua profissão foi
eleita priora, em 1789 tinha trinta e sete anos e estava preparada para os
grandes tormentos que a esperavam.
Irmã
São Luís - Era a subpriora.
Maria Ana Francisca Brideau nasceu e foi
batizada em 7 de dezembro de 1751, em Beltfort, e fez seus estudos no convento
da Visitação de Compiègne, onde seu padrinho estava como "encarregado do
quartel militar do rei". Isto pode explicar sua entrada no Carmelo de
Compiègne aos 19 anos.
"O grande atrativo que sentia nossa querida
irmã pela recitação do Ofício Divino, seu interesse por conhecer bem as
rubricas, sua pontualidade em assistir os atos da comunidade fizeram com que
fosse eleita subpriora, ofício no qual se entendia perfeitamente com a Madre
Priora. Era por natureza doce, modesta e silenciosa". Tinha 38 anos em
1789.
Irmã
de Jesus Crucificado
Era a mais antiga de todas nessa
comunidade em que "exerceu durante muitos anos o ofício de sacristã".
Maria Ana Piedcourt nascera em Paris, em 9 de dezembro de 1715 e entrou no
convento aos 19 anos.
Irmã
Carlota da Ressurreição
Ana Maria Madalena Francisca Teresa
Thouret nasceu em 16 de setembro de 1715, em Mouy, diocese de Beauvais.
"Tinha um temperamento vivo e alegre" e verdadeira paixão pela dança.
Aos 21 anos entrou no Carmelo, onde se desdobrou como enfermeira até o ponto de
contrair uma deformação da coluna vertebral que a fez sofrer muito. Foi também
subpriora, ecônoma, primeira torneira e sacristã.
Irmã
Eufrásia da Imaculada Conceição
Maria Cláudia Cipriana Brard nasceu a 12
de maio de 1736, em Bourth, no Eure, e entrou no Carmelo aos 20 anos. Cheia de
vida, de grande imaginação, entusiasmada, um tanto original, "era, no
entanto, de temperamento sério, e pela gravidade de seu aspecto ninguém poderia
crer que fosse a alma de nossas recreações, pela graça e amenidade de seu falar".
A rainha Maria Leczinska chamava-a sua "afabilíssima monja filósofa".
Em fins de abril ou princípios de maio de
1794 escreveu a Irmã Maria da Encarnação, que se encontrava em Paris: "Querida
irmãzinha, une-te a mim para cantar as misericórdias do Senhor e dar graças a
sua infinita bondade por ter feito que caíssem dos meus olhos as enormes
escamas que os cobriam e que me impediam ver o horroroso precipício aonde ia
conduzir-me esse miserável e infernal espírito de orgulho e de inveja que
sempre houve em mim". E humilhou-se com toda a sinceridade de seu coração.
Em 1789, tinha 53 anos.
Madre
Henriqueta de Jesus
Maria Francisca de Croissy, sobrinha de
segundo grau de Colbert, nasceu em Paris aos 18 de junho de 1745 e entrou no
Carmelo aos 17 anos, depois de ter tentado fazê-lo aos 16. Recebeu o véu das
mãos da rainha Maria Leczinska, que gostava de assistir a essas cerimônias.
Maria Henriqueta de Jesus "se fez
apreciar mais pela índole de seu coração, sua terna piedade, seu zelo e o
harmonioso conjunto de todas as virtudes religiosas que por seus dotes naturais
e os conhecimentos que havia adquirido. Por isso a comunidade julgou-a digna de
presidi-la, embora não tivesse ainda 34 anos". Foi reeleita priora até
1786. Então Madre Teresa de Santo Agostinho confiou-lhe o cargo de mestra de
noviças. Tinha 44 anos em 1789.
Irmã
Teresa do Coração de Maria
Maria Ana Hanisset nasceu em Reims, em
1742, e entrou no Carmelo em 1763. "Dotada de uma grande sabedoria,
prudência e discernimento", era a primeira torneira interna. Tinha 47 anos
em 1789.
Irmã
Teresa de Santo Inácio
Maria Gabriela Trézel nasceu em Compiègne
em 4 de abril de 1743 e foi indiscutivelmente uma mística. Chamavam-na "o
tesouro escondido" devido à profundidade de sua vida contemplativa feita
de solidão e de silêncio. Às que estranhavam vê-la no coro sem livros,
respondia: "Deus descobre em mim uma ignorância tão profunda, que pensa
que ninguém senão Ele seria capaz de instruir-me, e por isso quer ter o incômodo
de fazê-lo Ele mesmo".
"Nossa querida irmã - conclui Irmã
Maria da Encarnação - foi no mundo (entre 1792 e 1794) o que havia sido no
claustro, mantendo em meio às tormentas e tempestades um talante sempre sereno,
tranquilo e agradável, que não era outra coisa que a prova de sua contínua
união com quem era o único objeto de seus pensamentos, de seus desejos e de
todos os seus afetos". Tinha 46 anos em 1789.
Irmã
Júlia Luísa de Jesus
Rosa Crétien de Neuville nasceu em 30 de
dezembro de 1741, em Euvreux, no Eure, e aos 18 anos casou-se com um primo
carnal, do qual ficou viúva depois de cinco ou seis anos de casamento. Durante
longos meses viveu encerrada em sua dor, sem querer ver ninguém; mas acabou por
vencer esse "estado de melancolia" graças a seu tio, o sacerdote De
Vaux, a quem confessou suas resistências à graça. Encontrou-se com Madame Luísa
de França, que em 1776 orientou-a para o Carmelo de Compiègne.
Teve um noviciado difícil, mas "a
partir do dia em que pronunciou os votos apareceram em sua frente a alegria e a
serenidade, e substituíram seu aspecto grave ... ". Tinha 47 anos em 1789.
Irmã
Maria Henriqueta da Providência
Nascida em Cajarc, no Lot, aos 16 de junho
de 1760, Maria Antonieta Pelras pertencia a uma família de doze filhos. Um de
seus irmãos se tomou sacerdote e três irmãs entraram na Congregação das Damas
da Caridade de Nevers, onde também ela ingressou quando tinha uns 15 ou 16
anos. Mas sua formosura nada comum fazia-a correr não poucos perigos, razão por
que renunciou por completo ao mundo e aos 25 anos pediu ser admitida no Carmelo
de Compiègne. Nele desempenhou o ofício de enfermeira. Tinha 29 anos em 1789.
A
noviça: Irmã Constância
Maria Genoveva Meunier nasceu em
Saint-Denis, na região do Sena, em 28 de maio de 1765, e em 1788 entrou no
Carmelo de Compiègne. Tinha que fazer a profissão em fins de 1789, quando um
decreto da Assembleia Constituinte proibiu a partir de então, os votos
religiosos (outubro de 1789).
Esta dura prova redobrou-se pelas
dificuldades criadas por sua família, que ao ter notícia do decreto quis fazê-la
voltar à casa paterna. Após uma tentativa inútil de um de seus irmãos,
interveio a Justiça.
Irmã Constância respondeu aos oficiais:
"Senhores, estou aqui com total consentimento de meus pais. Se querem
fazer-me sair só porque seu carinho os alarma por causa dos perigos que eu
possa correr permanecendo aqui, agradeço-lhes, mas só a morte poderá separar-me
da companhia de minhas Madres e Irmãs".
A Madre Priora escrevia em 14 de agosto de
1790 a uma antiga postulante: "Irmã Constância continua aqui como noviça;
não lhe faltaram provações por parte de sua família: atualmente já não querem
que lhes escreva nem querem ouvir falar dela; o Senhor o permite para
assegurar-Se de sua fidelidade; quanto ao mais, sente-se muito feliz de que
agora a deixem tranquila aqui: espera que Deus acabará tocando-lhes o coração e
que um dia vejam sem desgosto sua perseverança". Em 1789, Irmã Constância
tinha 24 anos.
As
Irmãs conversas (externas)
As três Irmãs conversas eram:
Irmã
Maria do Espírito (Angélica Roussel) tinha 47 anos em 1789. Procedia de
Fresnes, e entrou no Carmelo aos 31 anos. "O Senhor Deus quis provar a
paciência dessa querida Irmã com um estado de contínuos sofrimentos, que ela
suportou de maneira sumamente edificante para a comunidade, e de uma forma
tanto mais meritória quanto era uma mulher naturalmente enérgica e muito
ativa".
Irmã
Santa Marta (Maria Dufour) também tinha 31 anos quando saiu de sua cidade
natal de Bannes, em Sarthe, para entrar no Carmelo. Tudo o que sabemos dela
cabe em duas linhas: "Nunca deixou de ser a alegria e o consolo de suas
superioras e um motivo de edificação para as Irmãs". Tinha 48 anos em
1789.
Irmã
São Francisco Xavier (Isabel Júlia Vérolot), natural de Lignères, em Aube,
tinha 25 anos em 1789 e estava há dois anos no Carmelo. Aberta, cheia de
entusiasmo e de bondade. "Nossa Madre acreditou ser seu dever, antes que
nossa Irmã fizesse seu compromisso, pôr-lhe ante os olhos a perspectiva das
adversidades que ameaçavam as Ordens religiosas (isso era em janeiro de 1789):
'Não, querida Madre - respondeu ela com sua habitual ingenuidade e seu falar
camponês - pode ficar totalmente tranquila, pois se tiver a alegria de
consagrar-me a Deus, não desejo outra coisa. Assim, querida Madre, não se preocupe
comigo, que Deus se encarregará disso'."
As
torneiras
Duas irmãs nascidas em Compiégne: a mais
velha, Ana Catarina Soiron (47 anos em 1789), e a mais nova, Teresa Soiron (41
anos em 1789) eram encarregadas do serviço externo como torneiras desde 1772.
Convém destacar que as irmãs Soiron não
eram carmelitas. Eram seculares - não usavam hábito - a serviço da comunidade e
solidárias com esta até o martírio, ao qual não quiseram de modo algum
subtrair-se. Em razão dessa fidelidade, a Igreja as reconheceu e beatificou
junto às carmelitas e como carmelitas.
(Fonte:
HUGELÉ, Philippe. El Carmelo de Compiègne en 1789. In: HUGELÉ, Philippe et al. No
las dejaron ser libres. Burgos: Monte Carmelo, 1998. Tradução/adaptação: Fr.
José Gregório OCD)
Da
Revista Mensageiro de Santa Teresinha – Ano 87 – Julho. Agosto. Setembro de
2011
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