quarta-feira, 17 de julho de 2019

Beata Teresa de Sto. Agostinho e Companheiras, Mártires da Revolução Francesa - 17 de julho (cont.)

     A escritora Gertrud von le Fort mostrou em seu livro A Última ao Cadafalso, por meio de recursos literários, o quão perversa e sanguinária foi a Revolução Francesa (1789) que nada teve de “Igualdade, liberdade e fraternidade”, como se propaga, mas foi a encarnação diabólica do mal na França, especialmente contra a Igreja Católica.
     O texto abaixo, faz parte da narrativa que, baseada em fatos reais, mostra o assassinato covarde e revoltante de 16 irmãs carmelitas de Compiègne, na guilhotina, acusadas maldosamente de serem “subversivas” e inimigas da Revolução. Foi o ódio de Satanás contra aquelas que ofereciam a Deus a sua vida para aplacar a cólera de Deus na França. Esta obra de uma forma geral, por meio da trama que se desenrola para explicar o que aconteceu com Carmelitas de Compiègne, nos ajuda a compreender profundamente o contexto da Revolução Francesa e o quanto foi cruel.

     “São cerca de oito horas da tarde. É verão e o céu ainda está claro. A multidão comprime-se em volta da guilhotina, erguida no centro da antiga Place du Thrône, atual Barriére de Vincennes. Junto dos degraus que conduzem ao cadafalso, o carrasco, Charles-Henri Sanson, espera respeitosamente de pé, flanqueado por dois ajudantes. O calor é opressivo, e em toda a praça reina um odor mefítico de sangue. Vindos da cidade, despontam os carroções. Hoje são dois, e vêm bastante cheios: ao todo, serão quarenta vítimas. Recebem-nas as exclamações e ameaças habituais, mas o barulho logo se abafa em murmúrios de espanto. Acontece que, entre os condenados, se veem diversas mulheres de capa branca: são as dezesseis carmelitas do convento de Compiègne, Ao contrário dos seus companheiros de infortúnio, não deixam pender a cabeça nem choram ou gritam; trazem o rosto erguido, e a linha firme do corpo é sublinhada pelas mãos amarradas às costas. E cantam: aos ouvidos de todos, ressoam as notas quase esquecidas da Salve Rainha em latim e do Te Deum. Até para o mais empedernido dos basbaques presentes, é um espetáculo inaudito.
     Quando os carroções param ao pé do cadafalso, o burburinho faz-se silêncio absoluto. Até essas mulheres histéricas, as chamadas “fúrias da guilhotina”, que sempre estão na primeira fila dos espectadores, emudecem.
    As primeiras a descer são as carmelitas. Uma delas, a priora, Madre Teresa de Santo Agostinho, aproxima-se do carrasco e pede-lhe que lhes conceda uns minutos para poderem renovar os seus votos e que a deixe ser a última a sofrer a execução, para que possa animar cada uma das suas filhas até o fim. Sanson, o carrasco, alma delicada, concorda de bom grado.
     Todas juntas, cantam o Veni Creator Spiritus. A seguir, renovam os seus votos religiosos. Enquanto rezam, uma voz de mulher sussurra na multidão: “Essas boas almas, vejam se não parecem anjos! Pela minha fé, se essas mulheres não forem diretas ao paraíso, é porque o paraíso não existe!… “.
     A priora recua até a base da escada. Tem nas mãos uma estatueta de cerâmica da Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo. A primeira a ser chamada, a mais jovem de todas, é a noviça Constança. Ajoelha-se diante da Madre e pede-lhe a bênção. Segundo uma testemunha, ter-se-ia também acusado nesse momento de não haver terminado o ofício do dia.
     Com um sorriso, a Madre diz-lhe: “Vai, minha filha, confiança! Acabarás de rezá-lo no Céu”, e dá-lhe a beijar a imagem. Constança sobe rapidamente os degraus, entoando o salmo Laudate Dominum omnes gentes“Louvai o Senhor, todos os povos”. “Ia alegre, como se se dirigisse para uma festa”. O carrasco e seus ajudantes, com gesto profissional, dispõem-na debaixo da guilhotina. Ouve-se o golpe surdo do contrapeso, o ruído seco da lâmina que cai, o baque da cabeça recolhida num saco de couro. Sem solução de continuidade, o corpo é lançado ao carroção funerário.
     Uma por uma, as freiras ajoelham-se diante da priora e pedem-lhe a bênção e permissão para morrer. Cantam o hino iniciado por Constança. Quando chega a vez da Irmã de Jesus Crucificado, que tem 78 anos, os jovens ajudantes do carrasco têm de descer para ajudá-la a vencer os degraus. Ela diz-lhes afavelmente: “Meus amigos, eu vos perdoo de todo o coração, tal como desejo que Deus me perdoe”.
     Só falta a Madre. Com gesto simples e firme, beija a estatuazinha e confia-a a primeira pessoa que tem ao lado (*). Tem 41 anos, um rosto expressivo, nem muito bonito nem feio; o porte é, mais do que altivo, descontraído. Os olhos castanhos, sofridos, mas irradiando bondade, procuram os do Pe. Lamarche, que as confessara no dia anterior na prisão e que se encontra entre a multidão. Como quem tem pressa em concluir uma tarefa urgente, sobe por sua vez os degraus.
     Agora tudo terminou. Pode-se cortar o silêncio como se fosse um queijo. Muitos dos assistentes choram baixinho. Anos mais tarde, encontrar-se-ão – registrados em cartas pessoais, diários íntimos e memoriais – os ecos da emoção que experimentaram e dos efeitos que ela lhes causou: muitos sentiram a necessidade de mudar de vida, de retomar a prática dos sacramentos, um ou outro de ingressar num convento... Um deles, um menino que presenciara a cena das janelas de um prédio situado em frente da guilhotina, guardou dela uma impressão tão profunda que, anos mais tarde, quando fazia o serviço militar, carregava sempre consigo as obras de Santa Teresa de Ávila e acabou por fazer-se sacerdote. “O amor vence sempre”, costumava dizer a Madre priora; “o amor vence tudo”.
     Os corpos foram levados às pressas para o antigo convento dos agostinianos do Faubourg de Picpus. Lá foram lançados na fossa comum e cobertos de cal viva. Hoje há ali um gramado cercado de ciprestes, com uma simples cruz de ferro. É um lugar de silêncio e oração.
     Na capelinha anexa a esse cemitério, há uma lápide que traz o nome das dezesseis mártires beatificadas em 27 de maio de 1906 por São Pio X.

(*) Essa imagem foi devolvida mais tarde à Ordem e encontra-se hoje no Carmelo de Compiègne, novamente fundado em 1867.


Cemitério de Picpus
     O Cemitério de Picpus é um lugar com uma história bastante particular. Criado durante os dias mais atormentados da Revolução Francesa, este é o único cemitério privado de Paris ainda em atividade.
     O cemitério contém valas comuns com as vítimas guilhotinadas entre 13 de junho e 28 de julho de 1794 na Place de la Nation. Em pouco tempo, cerca de 1306 pessoas foram decapitadas. O Tribunal Revolucionário decidiu dispor dos corpos na vala comum não muito longe da guilhotina. Assim, encontraram um lugar a apenas cinco minutos da Place de la Nation, no jardim de uma capela de um antigo convento dos Canônicos de Santo Agostinho, confiscado durante a Revolução Francesa.
     Entre os guilhotinados estavam muitos nobres cidadãos franceses como o poeta André Chénier, o Marques de Lafayette, além do pai da Imperatriz Dona Amélia de Leuchtenberg, Alexandre de Beauharnais. Entretanto, há quem pense que o Terror da Revolução aconteceu somente dentro da nobreza. Ledo engano, pessoas do povo também foram mortas, em sua grande maioria sapateiros, cozinheiros, costureiras. Seu crime? Trabalhar para o Rei. Há uma lista onde consta o nome de uma família inteira que foi chacinada, mais o seu animal de estimação, que era um papagaio que falava "Vive le Roi!".
     Em seus porões estão os crânios e ossos, dando ao visitante uma experiência terrível daqueles dias. Contam os cronistas da época que as poças de sangue que ficavam estagnadas nas ruas deixaram a cidade com o odor a podridão durante muito tempo.
     Uma vala foi cavada no fundo do jardim, onde os corpos decapitados eram jogados juntos, nobres e freiras, comerciantes e soldados, trabalhadores e estalajadeiros. Uma segunda vala foi cavada quando a primeira foi preenchida.
     Os nomes daqueles que foram enterrados nas duas valas comuns, 1.306 homens e mulheres, estão inscritos nas paredes da capela. Dos 1.109 homens, havia 108 nobres, 108 clérigos, 136 monges (gens de robe), 178 militares e 579 pessoas comuns. Há 197 mulheres enterradas lá, sendo 51 da nobreza, 23 freiras e 123 plebeias. O derramamento de sangue parou quando o próprio Robespierre foi decapitado e o jardim foi fechado.
     Entre as mulheres, 16 freiras carmelitas com idades de 29 a 78 anos foram trazidas para a guilhotina juntas, cantando hinos enquanto eram levadas para o cadafalso, um fato relembrado na ópera de Poulenc, Diálogo das Carmelitas. Elas foram beatificadas em 1906 como as Mártires de Compiègne.
      Em 1797, sob o Diretório, a terra foi secretamente adquirida pela Princesa Amália Zephyrine de Salm-Kyrburg, cujo irmão, Frederico III, Príncipe de Salm-Kyrburg (que foi morto pela Revolução), foi enterrado em uma das sepulturas comuns. Em 1803, quando Napoleão foi o Primeiro Cônsul, um grupo de familiares de aristocratas, parentes das vítimas, comprou o restante da terra e construiu um segundo cemitério ao lado das covas comuns. E ainda hoje, só os seus descendentes podem ser enterrados no Cemitério de Picpus. Desde 1998, este cemitério está listado como um monumento histórico francês.

https://en.wikipedia.org/wiki/Picpus_Cemetery

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