A escritora Gertrud von le
Fort mostrou em seu livro A Última ao
Cadafalso, por meio de recursos literários, o quão perversa e sanguinária
foi a Revolução Francesa (1789) que nada teve de “Igualdade, liberdade e
fraternidade”, como se propaga, mas foi a encarnação diabólica do mal na
França, especialmente contra a Igreja Católica.
O
texto abaixo, faz parte da narrativa que, baseada em fatos reais, mostra o
assassinato covarde e revoltante de 16 irmãs carmelitas de Compiègne, na
guilhotina, acusadas maldosamente de serem “subversivas” e inimigas da
Revolução. Foi o ódio de Satanás contra aquelas que ofereciam a Deus a sua vida
para aplacar a cólera de Deus na França. Esta obra de uma forma geral, por meio
da trama que se desenrola para explicar o que aconteceu com Carmelitas de
Compiègne, nos ajuda a compreender profundamente o contexto da Revolução
Francesa e o quanto foi cruel.
“São cerca de oito horas
da tarde. É verão e o céu ainda está claro. A multidão comprime-se em volta da
guilhotina, erguida no centro da antiga Place du Thrône, atual Barriére de
Vincennes. Junto dos degraus que conduzem ao cadafalso, o carrasco,
Charles-Henri Sanson, espera respeitosamente de pé, flanqueado por dois
ajudantes. O calor é opressivo, e em toda a praça reina um odor mefítico de
sangue. Vindos da cidade, despontam os carroções. Hoje são dois, e vêm bastante
cheios: ao todo, serão quarenta vítimas. Recebem-nas as exclamações e ameaças
habituais, mas o barulho logo se abafa em murmúrios de espanto. Acontece que,
entre os condenados, se veem diversas mulheres de capa branca: são as dezesseis
carmelitas do convento de Compiègne, Ao contrário dos seus companheiros de
infortúnio, não deixam pender a cabeça nem choram ou gritam; trazem o rosto
erguido, e a linha firme do corpo é sublinhada pelas mãos amarradas às costas.
E cantam: aos ouvidos de todos, ressoam as notas quase esquecidas da Salve
Rainha em latim e do Te Deum. Até para o mais empedernido dos basbaques
presentes, é um espetáculo inaudito.
Quando os carroções param
ao pé do cadafalso, o burburinho faz-se silêncio absoluto. Até essas mulheres
histéricas, as chamadas “fúrias da guilhotina”, que sempre estão na primeira
fila dos espectadores, emudecem.
As primeiras a descer são
as carmelitas. Uma delas, a priora, Madre Teresa de Santo Agostinho,
aproxima-se do carrasco e pede-lhe que lhes conceda uns minutos para poderem
renovar os seus votos e que a deixe ser a última a sofrer a execução, para que
possa animar cada uma das suas filhas até o fim. Sanson, o carrasco, alma
delicada, concorda de bom grado.
Todas juntas, cantam o Veni
Creator Spiritus. A seguir, renovam os seus votos religiosos. Enquanto
rezam, uma voz de mulher sussurra na multidão: “Essas
boas almas, vejam se não parecem anjos! Pela minha fé, se essas mulheres não
forem diretas ao paraíso, é porque o paraíso não existe!… “.
A priora recua até a base
da escada. Tem nas mãos uma estatueta de cerâmica da Virgem Maria com o Menino
Jesus ao colo. A primeira a ser chamada, a mais jovem de todas, é a noviça
Constança. Ajoelha-se diante da Madre e pede-lhe a bênção. Segundo uma
testemunha, ter-se-ia também acusado nesse momento de não haver terminado o
ofício do dia.
Com um sorriso, a Madre
diz-lhe: “Vai, minha filha, confiança! Acabarás de rezá-lo no Céu”,
e dá-lhe a beijar a imagem. Constança sobe rapidamente os degraus, entoando o
salmo Laudate Dominum omnes gentes, “Louvai o Senhor, todos os
povos”. “Ia alegre, como se se dirigisse para uma
festa”. O carrasco e seus ajudantes, com gesto profissional,
dispõem-na debaixo da guilhotina. Ouve-se o golpe surdo do contrapeso, o ruído
seco da lâmina que cai, o baque da cabeça recolhida num saco de couro. Sem
solução de continuidade, o corpo é lançado ao carroção funerário.
Uma por uma, as freiras
ajoelham-se diante da priora e pedem-lhe a bênção e permissão para morrer.
Cantam o hino iniciado por Constança. Quando chega a vez da Irmã de Jesus
Crucificado, que tem 78 anos, os jovens ajudantes do carrasco têm de descer
para ajudá-la a vencer os degraus. Ela diz-lhes afavelmente: “Meus amigos, eu vos perdoo de todo o coração, tal como desejo que
Deus me perdoe”.
Só falta a Madre. Com
gesto simples e firme, beija a estatuazinha e confia-a a primeira pessoa que
tem ao lado (*). Tem 41 anos, um rosto expressivo, nem muito bonito nem feio; o
porte é, mais do que altivo, descontraído. Os olhos castanhos, sofridos, mas
irradiando bondade, procuram os do Pe. Lamarche, que as confessara no dia
anterior na prisão e que se encontra entre a multidão. Como quem tem pressa em
concluir uma tarefa urgente, sobe por sua vez os degraus.
Agora tudo terminou.
Pode-se cortar o silêncio como se fosse um queijo. Muitos dos assistentes
choram baixinho. Anos mais tarde, encontrar-se-ão – registrados em cartas
pessoais, diários íntimos e memoriais – os ecos da emoção que experimentaram e
dos efeitos que ela lhes causou: muitos sentiram a necessidade de mudar de
vida, de retomar a prática dos sacramentos, um ou outro de ingressar num
convento... Um deles, um menino que presenciara a cena das janelas de um prédio
situado em frente da guilhotina, guardou dela uma impressão tão profunda que,
anos mais tarde, quando fazia o serviço militar, carregava sempre consigo as
obras de Santa Teresa de Ávila e acabou por fazer-se sacerdote. “O amor vence
sempre”, costumava dizer a Madre priora; “o amor vence tudo”.
Os corpos foram levados às
pressas para o antigo convento dos agostinianos do Faubourg de Picpus. Lá foram
lançados na fossa comum e cobertos de cal viva. Hoje há ali um gramado cercado
de ciprestes, com uma simples cruz de ferro. É um lugar de silêncio e oração.
Na capelinha anexa a esse
cemitério, há uma lápide que traz o nome das dezesseis mártires beatificadas em
27 de maio de 1906 por São Pio X.
(*) Essa imagem foi devolvida mais tarde à Ordem e encontra-se hoje
no Carmelo de Compiègne, novamente fundado em 1867.
Cemitério de Picpus
O Cemitério de
Picpus é um lugar com uma história bastante particular. Criado durante os dias
mais atormentados da Revolução Francesa, este é o único cemitério privado de
Paris ainda em atividade.
O cemitério contém valas comuns com as
vítimas guilhotinadas entre 13 de junho e 28 de julho de 1794 na Place de la
Nation. Em pouco tempo, cerca de 1306 pessoas foram decapitadas. O Tribunal
Revolucionário decidiu dispor dos corpos na vala comum não muito longe da
guilhotina. Assim, encontraram um lugar a apenas cinco minutos da Place de
la Nation, no jardim de uma capela de um antigo convento dos Canônicos de
Santo Agostinho, confiscado durante a Revolução Francesa.
Entre os guilhotinados estavam muitos
nobres cidadãos franceses como o poeta André Chénier, o Marques de Lafayette,
além do pai da Imperatriz Dona Amélia de Leuchtenberg, Alexandre de
Beauharnais. Entretanto, há quem pense que o Terror da Revolução aconteceu
somente dentro da nobreza. Ledo engano, pessoas do povo também foram mortas, em
sua grande maioria sapateiros, cozinheiros, costureiras. Seu crime? Trabalhar
para o Rei. Há uma lista onde consta o nome de uma família inteira que foi
chacinada, mais o seu animal de estimação, que era um papagaio que falava
"Vive le Roi!".
Em seus porões estão os crânios e ossos, dando
ao visitante uma experiência terrível daqueles dias. Contam os cronistas da
época que as poças de sangue que ficavam estagnadas nas ruas deixaram a cidade
com o odor a podridão durante muito tempo.
Uma vala foi cavada no fundo do jardim,
onde os corpos decapitados eram jogados juntos, nobres e freiras, comerciantes
e soldados, trabalhadores e estalajadeiros. Uma segunda vala foi cavada quando a
primeira foi preenchida.
Os
nomes daqueles que foram enterrados nas duas valas comuns, 1.306 homens e
mulheres, estão inscritos nas paredes da capela. Dos 1.109 homens, havia 108
nobres, 108 clérigos, 136 monges (gens de robe), 178 militares e 579 pessoas
comuns. Há 197 mulheres enterradas lá, sendo 51 da nobreza, 23 freiras e 123
plebeias. O derramamento de sangue parou quando o próprio Robespierre foi
decapitado e o jardim foi fechado.
Entre as mulheres, 16 freiras
carmelitas com idades de 29 a 78 anos foram trazidas para a guilhotina
juntas, cantando hinos enquanto eram levadas para o cadafalso, um fato relembrado
na ópera de Poulenc, Diálogo das Carmelitas. Elas foram beatificadas em
1906 como as Mártires de Compiègne.
Em 1797, sob o Diretório, a terra foi secretamente adquirida pela Princesa Amália
Zephyrine de Salm-Kyrburg, cujo irmão, Frederico III, Príncipe de Salm-Kyrburg
(que foi morto pela Revolução), foi enterrado em uma das sepulturas comuns. Em
1803, quando Napoleão foi o Primeiro Cônsul, um grupo de familiares de
aristocratas, parentes das vítimas, comprou o restante da terra e construiu um
segundo cemitério ao lado das covas comuns. E ainda hoje, só os seus
descendentes podem ser enterrados no Cemitério de Picpus. Desde 1998, este
cemitério está listado como um monumento histórico francês.
https://en.wikipedia.org/wiki/Picpus_Cemetery
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