Algumas cartas de São Jerônimo, em especial a de número 127 (1) para a virgem Principia, discípula de Marcela, constituem a principal fonte para a vida da Santa.
A presença pagã ainda era forte no Império quando Marcela nasceu. Havia decorrido pouco mais de uma década do Edito de Milão (ano 313), pelo qual Constantino tirou a Igreja das catacumbas, dando-lhe liberdade e permitindo sua expansão.
Santa Marcela viveu quando Roma já não era mais a orgulhosa cidade que causava inveja a todos os povos. Com a divisão do Império e a importância que adquiriu Bizâncio, perdera muito de sua grandeza. Os imperadores posteriores a Constantino pouco permaneceram em Roma, escolhendo outras cidades do Império para capital, como Milão e Ravena.
A Cidade Eterna tornou-se cobiçada como possível presa por vários povos bárbaros. Alarico, rei dos visigodos, a sitiou duas vezes em 408. Alarico retornou dois anos depois, invadindo e saqueando a cidade a ferro e fogo.
Marcela pertencia a uma das mais ilustres famílias romanas, os Marcelos (segundo outros dos Claudios). Nasceu em 325, ficando órfã do pai na adolescência. Com a educação que recebeu, Marcela tornou-se uma donzela muito culta, capaz de manter conversação em qualquer campo do saber. Cresceu em meio ao luxo, freqüentando os mais altos ambientes de Roma.
Casou-se muito jovem, ficando viúva apenas sete meses depois das núpcias. Jovem, bela, de alta estirpe, logo apareceram vários pretendentes à sua mão. Apesar das pressões da mãe, Albina, Marcela tinha decidido consagrar-se inteiramente a Jesus Cristo, dedicando-se inteiramente a uma vida retirada. Assim, segundo S. Jerônimo, Marcela foi a primeira matrona romana a desenvolver os princípios do monaquismo entre as famílias nobres, desafiando o ambiente mundano que a cercava.
Marcela entrou em contato com alguns sacerdotes de Alexandria refugiados em Roma devido à perseguição ariana, dos quais ouviu o relato da vida de Santo Antão, ainda vivo, e de como funcionavam os mosteiros da Tebaida fundados por São Pacômio para virgens e viúvas. Resolveu seguir o exemplo dessas heroínas da solidão. Vestiu-se com uma pobre túnica, passou a jejuar moderadamente por causa de sua frágil saúde, e a dedicar longo tempo à oração e ao estudo das Sagradas Escrituras.
Seu majestoso palácio do Aventino transformou-se em um cenáculo para onde confluíam outras nobres romanas como Sofronia, Asélia (sua irmã), Principia, Marcelina, Lea; a própria mãe, Albina, aderiu àquela nova forma de vida.
Entre aquelas nobres romanas destacou-se Santa Paula (2), de tão alta estirpe quanto a de Marcela, que também tinha consagrado a Deus sua viuvez. São Jerônimo afirma que “foi na cela de Marcela que Eustóquia (filha de Paula, ainda criança), esse paradigma de virgens, foi gradualmente formada”. Mais tarde Santa Eustóquia mudou-se com sua mãe para a Terra Santa, a fim de trabalharem com São Jerônimo. Santa Paula conhecia os idiomas grego e hebraico. Ela e a filha auxiliavam São Jerônimo nos seus trabalhos de tradução dos textos bíblicos, a famosa Vulgata usada durante séculos pela Santa Igreja. Mãe e filha finalmente fundaram um mosteiro na Terra Santa, onde viveram santamente.
A casa de Marcela tornou-se um centro de propaganda monástica. Penitência, jejum, oração, estudo, exclusão de conversações fúteis eram praticados na vida quotidiana.
No ano 382 o imperador Teodósio e o Papa São Dâmaso resolveram convocar um sínodo em Roma para combater as heresias que pululavam principalmente no Oriente. Entre os que compareceram figuravam Santo Epifânio, bispo de Salamina (Chipre), e São Paulino, bispo de Antioquia. Com eles veio a Roma o monge Jerônimo, já então com fama de grande exegeta. Adoecendo Santo Ambrósio, que deveria ser o secretário do sínodo, São Dâmaso nomeou São Jerônimo para substituí-lo.
Esse futuro Doutor da Igreja assinalou-se tanto por sua erudição e segurança de doutrina que, terminado o sínodo, São Dâmaso escolheu-o para seu secretário particular.
Santa Marcela, estudiosa erudita das Escrituras, tudo fez para que o santo a dirigisse, com suas discípulas, nos estudos e na vida de piedade. Conta São Jerônimo:
“Em minha modéstia, evitava os olhos das damas de alta categoria. Contudo ela pleiteou tão pressurosamente — ‘oportuna e importunamente’ (2 Tm 4, 2), como diz o Apóstolo — que por fim sua perseverança superou minha relutância. E, como nesses dias meu nome tinha alguma fama como estudante das Escrituras, ela nunca veio me ver sem que me perguntasse alguma questão relativa a elas; nem aquiescia logo às minhas explicações, pelo contrário, as debatia. Não era entretanto para discutir, mas para aprender as respostas às objeções que poderiam ser feitas aos meus pronunciamentos”. Com admiração, acrescenta: “Quanta virtude e habilidade, quanta santidade e pureza encontrei nela, espanto-me em dizer. [...] E o que em mim era o fruto de longo estudo e, como tal, feito pela constante meditação que se tornou parte de minha natureza, isso ela saboreou e fez como próprio dela” (Carta 127, 7).
Quando São Jerônimo retirou-se para Belém, Santa Marcela ficou como árbitra em matéria de Sagrada Escritura para os discípulos que o santo deixara em Roma, inclusive alguns sacerdotes.
São Jerônimo diz que Santa Marcela estava atenta à pureza da fé. E quando surgiram em Roma, ou nela se tornaram conhecidas algumas heresias como a dos pelagianos, ela pôs-se em guarda: “Consciente de que a fé de Roma — louvada por um apóstolo (Rm 1, 8) — estava agora em perigo, e de que essa nova heresia estava levando consigo não somente padres e monges, mas também muitos leigos, [...] ela resistiu a seus mestres, escolhendo agradar antes a Deus que aos homens” (Id. nº 9).
A Santa desejou transferir-se para Belém, atendendo ao pedido de suas amigas Santas Paula e Eustóquia, mas preferiu continuar a vida ascética e penitente em Roma. Por volta do ano 399 mudou-se para um local mais isolado, nos arredores de Roma, onde vivia com a jovem Principia, sua discípula, mantendo entretanto sua casa no Aventino.
Em 410, quando Alarico e os seus bárbaros invadiram Roma, encontraram a casa de Santa Marcela no prestigioso bairro do Aventino. Apesar dos seus 85 anos de idade, ela os recebeu sem nenhum temor. Quando perguntaram por ouro, mostrou-lhes seu pobre hábito como prova de que vivia na pobreza. Mas eles não acreditaram, e flagelaram-na impiedosamente. Esquecida de si mesma, ela só pedia que poupassem Principia, então ainda nova, pois sabia que a ela, octogenária, eles não ultrajariam, o mesmo não se dando com a jovem virgem. Afinal os bárbaros levaram as duas para a basílica de São Paulo Apóstolo, e lá as abandonaram. Poucos dias depois, Santa Marcela entregava sua alma a Deus (Id. nº 13).
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Notas:
1. Cfr.Saint Jerome , Letters, New Advent, CD-Rom.
Notas:
1. Cfr.
2. Festejada dia 26 de janeiro.
nossa que tristeza ver na historia pessoas tão boas serem martirizadas e violentadas. Que linda a estoria de Santa Marcela.
ResponderExcluirMeu nome é Marcela, em homenagem a Santa Marcela.
ResponderExcluirSomente hoje fiquei sabendo de sua história.
Maravilhosa sua passagem na terra e de outros heróis de nossa história.