segunda-feira, 13 de maio de 2024

Beata Juliana de Norwich, Mística - 13 de maio

     Ignora-se o seu nome de batismo e o de sua família. O seu livro “Revelações do Amor Divino”, que contém dados sobre sua existência, é mencionado por uma testemunha recentemente descoberta: Margery Kempe, outra mística inglesa de seu tempo, que em sua autobiografia diz que no ano 1414 visitou "Lady Julian" (Sra. Juliana) para obter conselhos de direção espiritual.
O Cardeal Adam Easton, beneditino de Norwich, pode ter sido o diretor espiritual de Juliana e editado o seu Texto Longo.
     Juliana, nome como era conhecida em vida, e pelo qual ficará conhecida para sempre, talvez tenha sido adotado em honra de São Julião, patrono da igreja junto à qual transcorreu grande parte de sua vida. A igreja pertencia ao Mosteiro de Beneditinas de SS. Maria, dentro da cidade de Norwich. Há um debate acadêmico sobre se Juliana era uma monja do priorado, ou uma leiga. Ela viveu em uma ermida de três quartos do lado de fora do mosteiro, e tinha duas servidoras que a atendiam quando atingiu a idade avançada.
     Aos 30 anos, quando ela vivia em casa, sofreu uma doença grave. Julgando-se que estivesse perto da morte, um padre veio-lhe administrar a Santa Unção em 8 de maio de 1373. Como parte do ritual, o padre manteve o crucifixo no ar acima dos pés da cama. Juliana relata que estava a perder a vista e entorpecida, mas quando olhou para o crucifixo viu que a imagem de Jesus começou a sangrar. Durante as horas seguintes, Juliana teve uma série de dezesseis visões de Jesus Cristo, que terminaram quando ela se recuperou da sua doença, em 13 de maio de 1373.
     Juliana escreveu sobre as suas visões imediatamente depois de terem acontecido, apesar do texto final pode não ter sido terminado durante alguns anos, numa primeira versão das Revelações do Amor Divino, agora conhecida como o Texto Curto, com 25 capítulos e cerca de 11 000 palavras. Vinte a trinta anos depois, talvez no início da década de 1390, Juliana começou a escrever uma explicação teológica do significado das visões, conhecida esta versão como o Texto Longo, que consiste em 86 capítulos e cerca de 63 500 palavras. Este trabalho parece ter passado por várias revisões, antes de ser completado, talvez na primeira ou na segunda década do séc. XV. Acredita-se ser o mais antigo livro escrito no idioma inglês por uma mulher.
 
Revelações do Amor Divino
     “Revelações do Amor Divino” é uma obra célebre no Catolicismo por causa da clareza e da profundidade da visão de Deus de Juliana.
     O Texto Curto sobrevive apenas num manuscrito de meados do séc. XV, o Manuscrito Amherst, que foi copiado de um original escrito em 1413, ainda em vida de Juliana. O Texto Curto parece não ter sido muito lido e apenas seria publicado em 1911. O Texto Longo parece ter sido um pouco mais bem conhecido, mesmo assim parece não ter sido muito divulgado na Inglaterra do final da Idade Média. O único manuscrito sobrevivente desta época é o Manuscrito de Westminster, escrito de meados a final do séc. XVI, que contém uma parte do Texto Longo, sem referência à autoria, reescrito como um tratado didático em contemplação.
     A primeira edição impressa das “Revelações do Amor Divino” foi da responsabilidade do monge beneditino inglês Serenus Cressy, tendo sido publicada em 1670. Esta versão foi reedita em 1843, 1864 e 1902. O moderno interesse pela obra aumentou na sequência da edição da responsabilidade de Grace Warrack, em 1901, com uma linguagem modernizada, tendo sido a principal responsável por dar a conhecer aos leitores contemporâneos esta obra. As “Revelações do Amor Divino” vêm sendo publicadas em várias línguas, tornando-se muito populares no âmbito da literatura mística cristã.
     A versão do livro feita por Grace Warrack, em 1901, introduziu os escritos de Juliana junto à maioria dos leitores do início do século 20. Após a publicação da edição de Warrack, o nome de Juliana se espalhou rapidamente e se tornou tema de muitas palestras e escritos. Em 1979, uma edição do livro foi publicada e, como resultado, o livro tornou-se amplamente vendido e discutido, em um momento de espiritualidade renovada. Juliana de Norwich é agora reconhecida como uma das místicas mais importantes da Inglaterra.
     Os beneditinos de Norwich e o Cardeal da Inglaterra, Adam Easton, podem ter sido os diretores espirituais de Juliana de Norwich, e os editores de seu Longo Texto mostrando o Amor.
     O ditado: "... Tudo estará bem, e todos estarão bem, e todos os tipos de coisas deverão estar bem", que Juliana afirmou ter sido dito a ela por Deus, reflete sua teologia. É uma das linhas mais famosas da escrita teológica católica e é uma das mais famosas frases da literatura de sua época.
     Em suas visões, Juliana viu o sangue fluindo sob a Coroa de Espinhos de Jesus Cristo, viu a Virgem como uma jovem e simples senhora; e em relação à Cruz, ela viu a misericórdia Divina caindo como uma fina chuva de graças durante a Sua Paixão. Ela viu o Senhor morrendo, os Seus terríveis tormentos, e escreveu: “Assim eu O vi e eu O amava”.
     De sua ermida na Inglaterra da virada do século XIV para o XV, Juliana de Norwich é uma das vozes que se destacam nesse percurso, levando totalmente a sério a identificação que o cristianismo faz entre Deus e o amor.
     “Vi com certeza que quando Deus nos criou já nos amava, e tal amor nunca diminuiu nem diminuirá. Nesse amor ele fez todos os seus trabalhos, fez todas as coisas benéficas a nós, e nesse amor nossa vida é eterna. Na nossa criação tivemos um princípio, mas o amor em que nos fez estava nele desde a eternidade; nesse amor temos nosso princípio”, escreveu Juliana na última página de seu único escrito, em que procurou aprofundar, no decorrer de sua vida, uma visão que teve em um dia de maio de 1373, quando tinha 30 anos de idade.
     Se Deus é amor, “Ele está em tudo que é bom” e “é Ele a bondade que cada coisa tem” – disso Juliana estava convencida. Segundo a sua visão, estamos profundamente arraigados em Deus. O pecado não foi e não é capaz de negar que é em seu útero maternal que vivemos. “Nada pode estar entre Deus e nossa alma”, escreveu ela. “Deus nunca está fora da alma, na qual habita alegremente e sem fim”.
     Deus está mais próximo de nós do que a nossa própria alma, pois Ele é o fundamento em quem nossa alma repousa”, afirmou Juliana. “Nossa alma se assenta em Deus no verdadeiro descanso e nossa alma se assenta em Deus na verdadeira força, e nossa alma está naturalmente enraizada em Deus no amor infinito. E, portanto, se desejamos ter conhecimento de nossa alma, comungar e envolver-nos com ela, é necessário buscar nosso Senhor Deus, em quem ela está incluída”.
 
    É precisamente prestando atenção a essa presença amorosa de Deus na interioridade que a pessoa pode recobrar a semelhança com Ele. “Ele ensinará à alma como deve comportar-se quando O contempla”, explicou Juliana. Cristo, que assume a nossa natureza humana e sensível, fazendo com que tudo aquilo que somos se insira definitivamente na realidade divina, é o amor de Deus, “o fundamento de todas as leis”.
     É o amor a garantia de que tudo acabará bem, apesar dos contextos conflituosos em que vivemos. É o amor que dará sentido à história e é no amor que serão reconciliadas todas as coisas. “Assim como a Santíssima Trindade criou todas as coisas a partir do nada, assim então a mesma Santíssima Trindade fará ficar bem tudo o que não está bem”, escreveu Juliana.
     O rosto do Deus que lhe fala em sua visão é a própria expressão disso: “Tudo isso Ele me revelou cheio de felicidade, mostrando assim: ‘Vê! Eu sou Deus. Eu estou em todas as coisas. Vê! Eu fiz todas as coisas. Vê! Eu nunca retiro as minhas mãos da minha obra, nem nunca retirarei, eternamente – vê! E conduzo todas as coisas até o final que ordenei desde o início dos tempos, pelo mesmo poder, sabedoria e amor com os quais as criei. Como poderia alguma delas ser errada?
     Na época de sua morte, a Beata tinha uma vastíssima reputação e atraia visitantes de toda a Inglaterra para a sua cela. Embora Juliana não tenha sido formalmente beatificada, é mencionada como Beata por vários autores e na Inglaterra a invocam como Santa.
     A festa da Beata Juliana de Norwich na tradição católica romana é a 13 de maio.
 
Fontes: Juliana de Norwich – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Juliana de Norwich, la mística desconocida | BalmesLibreria.com
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quinta-feira, 9 de maio de 2024

Santa Solange de Bourges, Mártir da pureza - 10 de maio

     
Solange foi uma pastora do século IX. É uma das padroeiras de Berry, França. Ela é invocada para o alívio da seca.
     “A ilustríssima virgem Solange é a patrona e, por assim dizer, a Santa Genoveva de Berry. Ela nasceu em 863, no burgo de Villemont, a duas ou três léguas da cidade de Bourges. Seu pai era um pobre vinhateiro que levava uma vida muito católica; Deus recompensou sua piedade abençoando seu casamento. Ele teve uma filha a quem pôs o nome de Solange. Nesta admirável criança a beleza do corpo e a beleza da alma faziam as delícias de Deus e dos homens”.
     “Antigas crônicas a chamam de Solange ou Soulange; o local de seu nascimento não existe mais; podemos ver as ruínas de uma casa no meio do Prado Verdier, que dizem que era a habitação de Santa Solange. Esta pradaria fica a meia légua do burgo que recebeu o nome da Santa após sua morte”.
     “As lições do ofício que a Igreja consagrou a ela narram que dia e noite aparecia sobre sua cabeça uma estrela que a conduzia em suas caminhadas, e que lhe servia de regra em tudo o que ela devia fazer; esta estrela servia especialmente para guia-la e adverti-la, assim que o tempo que ela destinava à oração ou à salmodia se aproximava, como se esta luz, que outrora convidara os Santos reis Magos a ir reconhecer e adorar Jesus Cristo, tivesse sido reproduzida para favorecer esta Santa esposa do Salvador, e indicar a ela os preciosos momentos que o divino Esposo pedia suas adorações”. (Extraído dos Petits Bollandistes)
     Ela era forte, alegre e piedosa; gostava de ouvir as vidas dos santos durante as longas noites de inverno. Especialmente gostava da história de Santa Inês, que tinha sofrido um terrível martírio, e para si repetia que haveria de seguir os seus passos. Aos sete anos fez voto de castidade.
     Quando se tornou mais velha, passou a se ocupar do pequeno rebanho da família. Levantava-se ao amanhecer, passava diante da pequena igreja e parava para deixar algumas flores sobre o altar, depois seguia para o campo, onde havia construído uma capelinha toda para si e ali se ajoelhava rezando com fervor.
     Algumas vezes era transportada por êxtases e o tempo passava velozmente, mas os anjos a chamavam de volta à realidade. Era muito generosa com os pobres e também foi abençoada com o poder de curar os doentes e curou muitos.
     Um dia, atraído pela reputação da pastora, Bernardo de la Gothie, filho de Bernardo, Conde de Poitiers, de Bourges et do Auvergne, montou seu cavalo e, sob pretexto de ir à caça, foi em direção a Villemont, onde Solange guardava seu pequeno rebanho. Ao vê-la, ele desejou vivamente tê-la, mas ela recusou sua proposta.
     Aparentemente resignado, o jovem, entretanto voltou a abordá-la no mesmo local dias depois e, diante de nova recusa, agarrou-a e levou-a em seu cavalo. Solange, decidida a não consentir em seus avanços, conseguiu escapar e caiu em um riacho próximo da estrada. Bernardo, cego de raiva diante da persistente recusa de Solange, a decapitou (outros dizem que ele a traspassou com sua espada).
     Solange, que estava de pé, calmamente estendeu seus braços para receber sua cabeça e caminhou até Saint Martin du Cros (um cruzeiro) onde caiu sem vida e foi sepultada. (Boll. T. 5, pp. 427 à 431) A ereção de cruzes nas encruzilhadas era então muito frequente.
     A tradição tem como data do martírio de Solange o dia 10 de maio de 878, sob o pontificado de Frotario, Arcebispo de Bourges (876-890). Uma nova igreja foi construída sobre o túmulo da Santa e lhe foi dedicada.
    Desde a Idade Média até os dias de hoje seu culto permanece importante em Berry. Seus restos foram exumados “por causa dos milagres que eles operavam” (Guérin). Inicialmente colocados em um relicário de madeira, foram depois postos em um relicário de cobre. A última transladação ocorreu em 1511. Em 1657, a cidade de Bourges doou um relicário de prata para substituir o antigo. Em 1793, durante a Revolução Francesa, as relíquias foram dispersas.
Igreja da Santa na
cidade de Solange 
     "Fazendo minha visita a Méry-ès-Bois, em 5 de abril de 843 – escreve M. Caillaud, vigário geral – aí encontrei relíquias de Santa Solange: um osso do crânio, a mandíbula superior e um dente da Santa. Estas relíquias pertenciam, antes da Revolução, à abadia dos bernardinos de Luis e tinham sido transferidas com grande pompa à Méry-ès-Bois em 1791, assim que os monges deixaram o convento; eu dividi estas relíquias em duas porções iguais, das quais uma ficou em Méry-ès-Bois, e a outra foi dada à paroquia de Santa Solange”.
     Todos os anos, os fiéis peregrinos levam o relicário contendo as relíquias de Santa Solange até a capela consagrada, no “Campo do martírio”. A igreja foi classificada como monumento histórico em 1913.
     O Papa Alexandre VII autorizou a criação de uma confraria dos “Primos de Santa Solange".
 

Etimologia: Solange = do latim Solemnia, “solene, majestosa”.

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Beata Gisela da Hungria, Rainha, abadessa - 7 de maio

A Beata Gisela com seu
 filho Sto. Américo
     
Gisela, filha do duque Henrique II da Baviera, e de Gisela da Borgonha, nasceu c. 980/985. Era a irmã mais nova de Henrique II da Alemanha, de Bruno, que depois se tornaria bispo de Augsburgo, e de Brígida, futura abadessa de Mittelmuenster. 
     Foi a época em que seu pai se reconciliou definitivamente com a imperatriz Teofana, regente da Alemanha.
     Gisela recebeu uma educação católica muito profunda, notadamente por parte do Bispo Wolfgang de Ratisbonne, confessor e conselheiro da corte ducal. Por toda sua infância ela viu seu pai em conflito quase constante com a Hungria.
     Em agosto de 995, seu pai faleceu deixando a Baviera ao seu filho mais velho, o futuro imperador Henrique II. Gisela foi logo dada em noivado ao herdeiro da Hungria, Estevão. Desde pequena ela desejara tornar-se religiosa, mas decidiu aceitar um casamento que contribuiria muito para a expansão do cristianismo, deixando sua vocação para mais tarde.
     A união teve lugar no Castelo de Scheven no fim de 995, ou no início de 996, com concessões de ambas as partes: os húngaros cederam o sudeste da Morávia e a bacia de Vienne. Além disso, eles aceitaram a evangelização do país. Em troca, a Baviera prometia a paz; por nove séculos a fronteira de Morávia e de Leitha permaneceu estável.
     Um cortejo numeroso acompanhou Gisela ao país de seu esposo e muitos eram religiosos. Gisela se tornou a primeira rainha católica húngara.
     Gisela e Estevão tiveram muitos filhos: o primogênito, nascido em 1002 e outro nascido depois, morreram muito jovens, e as fontes que os mencionam são posteriores, já as informações sobre o mais velho, Américo da Hungria, que foi canonizado, são mais extensas. Nascido em 1007, ele faleceu em 1031, antes de seus pais.
     Gisela construiu muitas igrejas e mosteiros, inclusive a Catedral de Vezprim, decorando-a com trabalhos dos mais importantes artistas da época, até mesmo de escultores gregos.
     Além da importância religiosa e cultural que seu reinado obteve, há de considerar-se também a importância política que permitiu, graças a seu casamento e à conversão da Hungria, que as boas relações com a Alemanha chegassem até o século XXI.
     Gisela cumpriu essa missão com muito sofrimento pessoal: a perda de seu filho mais velho e de uma filha; duas filhas seguiram seus maridos para terras distantes e ela nunca mais as viu; como vimos, o herdeiro, Américo, sucessor natural do trono, também faleceu. Mas, embora tivesse enfrentado várias tragédias, a que a fez mais sofrer ocorreu em 1038: a morte de seu esposo, Santo Estevão.
     Ainda teria que enfrentar os húngaros opostos a ela, que assumiram o poder desejando neutralizar a sua influência junto ao povo. Pedro, sobrinho e sucessor de seu esposo, negou seus compromissos e tiranizou os habitantes, inclusive ela. Despojada de seus bens, permaneceu presa por vários anos, sem qualquer contato com os parentes do exterior. Em 1045, depois de muitas negociações com o rei Henrique III, Gisela pôde retornar à sua Baviera natal.
     Na Baviera, ela se retirou no Mosteiro de Niedernburg, Passau. Gisela foi eleita abadessa, governando até o dia 7 maio de 1065, quando faleceu. O seu túmulo em Passau foi objeto de peregrinações e veneração dos fiéis.
     Assim, esta grande figura feminina da história da Igreja deixou uma marca profunda no final do primeiro milênio. Gisela, a rainha católica que se fez abadessa, patrocinou grandes obras de caridade, construiu igrejas, ajudou a converter a Hungria e por isso teve grande participação política na expansão do Cristianismo.
     Seu culto é muito antigo e ainda intenso em todo o norte da Itália, Hungria, Alemanha, França, por todo o Oriente e pelos países onde os beneditinos se instalaram, levando com eles a comemoração litúrgica desta rainha abadessa no dia 7 de maio.
     Gisela foi declarada Beata em 1975. Em 1908, foi realizado um reconhecimento de suas relíquias. 
 
Etimologia: Gisela: do alemão Geisila = “bastão, vara, açoite”; ou ainda abreviação de Gisel = “prisioneiro de guerra, refém”.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Serva de Deus Elisabeth Leseur, Esposa, Mística – 3 de maio

“Deus soube fazer jorrar a verdade de meus próprios erros e apoderou-se de mim pelos meios mais inesperados. E agora, com a sua graça, minha fé é íntima, consciente e tão profunda, que as pessoas ou coisas que me fazem sofrer por ela, não podem mais perturbá-la”.
“Esposas, nunca se esqueçam disso: Deus JAMAIS as abandonará e SEMPRE ouvirá suas orações”.
 
     Em 16 de outubro de 1866, nascia em Paris, Elisabeth Arrighi, jovem de boa condição financeira, bem-educada e de boa família católica. Seu nome de batismo Paulina Elisabeth Arrighi, Elisabeth tinha tido hepatite quando criança, que retornou ao longo de sua vida com ataques de gravidade variável.
     Em 1887, ela conheceu o médico Félix Leseur (1861-1950), também oriundo de uma rica família católica. Pouco antes de se casarem em 31 de julho de 1889, Elisabeth descobriu que Félix havia deixado de ser um católico praticante. O Dr. Félix Leseur logo se tornou conhecido como materialista e colaborador de jornais anticlericais em Paris.
     Assim conta Félix: “No momento de nosso casamento, me comprometera a respeitar as crenças de minha mulher e deixá-la praticar em liberdade. Mas logo comecei a suportar impacientemente outras convicções que não eram as minhas negações, e, como a neutralidade religiosa é uma burla nas relações particulares assim como nas instituições públicas, tomei Elisabeth como objeto do meu proselitismo às avessas. Pus-me a atacar a sua crença, esforcei-me para arrancar-lhe e, – que Deus me perdoe! – quase o consegui”.
     Sua campanha ardorosa para esta conversão às avessas de sua esposa, a conduziu a certo esfriamento da prática religiosa. Ele buscava influenciá-la através de livros, que ele pensava que poderiam “ajudar”. Assim, deu-lhe livros de Renan, “História das origens do Cristianismo”, “A Vida de Jesus”.
     Mas estes tiveram o efeito contrário… Sua alma reagiu diante da apostasia… e retornou para Deus, começando para ela uma fase nova: frequência dos sacramentos, ascese, oração e de formação.
     Se Félix tem sua biblioteca anticatólica, ela inicia sua própria, com a leitura de São Jerônimo, São Tomás, São Francisco de Sales, Santa Teresa.
     Ela escrevera: “Comecei a estudar filosofia e muito me interessa. Esse estudo esclarece muita coisa e põe em ordem o espírito. Não compreendo que não se faça dele o complemento de toda educação feminina”.
     Os Leseur são um casal de seu tempo, de uma Paris efervescente: amigos, jantares, viagens internacionais. Cercados de amigos, mas praticamente todos partilhavam da aversão religiosa e da incredulidade de Félix.
     Este seu percurso interior é extremamente só. E a Nosso Senhor ela diz na oração: “Sede Senhor, o caro Companheiro da minha solidão interior, o Hóspede divino de minha alma, vivei nela e dai-lhe sem cessar, na comunhão e na oração, as vossas mais íntimas graças. Fazei de mim o apóstolo do vosso Coração pela prece, pelo sofrimento e pela ação”.
     E sua Vida Espiritual vai se aprofundando. Ela vai se tornando contemplativa, orante, verdadeira mística, sem nada de extraordinário, exceto seu amor a Deus.
     Aos amigos, aos incrédulos, buscará ajudar com suas palavras, com suas respostas cheias de convicção, com sua amabilidade e com sua amizade. Mas especialmente com sua oração e sacrifício. Ela diz: “Deus se encarrega de fazer por nós, e melhor que nós, o que sonhamos empreender. A influência que quiséramos exercer, Ele a emprega no bem das almas, enquanto nós Lhe oferecemos unicamente o nosso silêncio, a nossa fraqueza e inércia aparente”.
     Para seu amado Félix, ela deseja que reencontre a Deus. Redobra as orações, os sacrifícios: “Meu Deus, dar-me-eis um dia… em breve... a alegria imensa de uma plena comunhão de alma com meu caro marido, de uma mesma fé e uma mesma existência completamente orientada para vós? Quero por esta intenção, redobrar as orações, mais que nunca suplicar, sofrer e oferecer a Deus comunhões e sacrifícios, a fim de obter essa graça tão desejada”.
     Elisabeth sempre teve uma saúde frágil, e durante sua vida, as enfermidades se sucederam. Muitas vezes a obrigaram a longos repousos e a várias intervenções cirúrgicas. Deus a vai conduzindo ao Calvário: “Sofrer parece ser verdadeiramente minha vocação e o apelo íntimo de Deus para minha alma. E depois, sofrer me permite fazer obra de reparação, de obter – eu espero – as grandes graças que eu desejo tanto para minhas almas queridas, para as almas”.
     Em meio a esta solidão interior e sofrimento físico, Deus lhe dá um grande conforto: durante uma visita ao famoso Hôtel-Dieu, de Beaune, ela conhece uma religiosa, Irmã Marie Goby, que será sua amiga. Que consolo uma verdadeira amizade espiritual! O contato epistolar entre as duas trará a Elisabeth muito consolo, já que com ela podia abrir sua alma.
     Diz Nosso Senhor: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15,13). E Elisabeth ama profundamente seu esposo Félix, ama com aquele verdadeiro amor… Assim escreve: “Meu caro Félix, nem minha família, nem essas outras almas pelas quais tão pouco posso fazer, sabem talvez a que ponto eu as amo. Na “querida eternidade”, no centro do amor mesmo, é que gozaremos inteiramente esses afetos. Mas, meu Deus, como se pode amar quando não se ama em Vós?”.
     E, por amor, desejava que ele conhecesse a Verdade do Evangelho, que ele experimentasse a felicidade que ela vivia, felicidade da Vida em Deus. Assim, em um momento decisivo, quando foi decidido que ela seria submetida a uma operação cirúrgica, ela faz com Nosso Senhor um “Pacto íntimo entre minha alma e Deus, meu coração e o Coração de Jesus”.
     E nesta oração, de coração a Coração, que repetirá nos últimos anos de sua vida, ela se oferece por Félix, ela se oferece pela conversão do seu esposo. “Meu bom Salvador, entre o Vosso Coração e o meu é que se deve fazer esse pacto de amor, que Vos dará uma alma, e a mim, para a eternidade, aquele que amo e quero comigo no Céu”.
     Assim, escreverá posteriormente Félix: “No momento em que foi decidida a operação que se tinha que fazer, concluíra com Deus uma espécie de PACTO oferecendo sua vida em troca da minha conversão. O seu sacrifício era absoluto e estava convencida que Deus o havia aceitado e que a chamaria para Si prematuramente. Mas, estava também persuadida que ele asseguraria a minha conversão. (…), ela própria me declarara algumas semanas antes de sua morte. Conversávamos uma tarde sobre Sua crença na vida futura e na Comunhão dos Santos, e ela terminou com esta afirmação dita com autoridade um tanto solene: ‘Virás encontrar-me, estou certa”.
A profecia de Elisabeth Leseur a seu marido
     Deixemos que seja o próprio Félix Leseur a contar-nos:
     “- Hei de morrer antes de ti – disse-me ela à queima-roupa, ao terminar uma conversa.
     – Por que me dizeis isto? – respondi – como o sabeis?
     –Sei, com todas as doenças que tenho tido e os vestígios profundos que elas deixam em meu organismo, isto é certo.
     – Mas não, as saúdes delicadas são em geral as mais duráveis e a tua não está tão comprometida como o supões.
     – Sim, morrerei antes de ti. E, quando eu morrer, hás de te converter e quando estiveres convertido, te farás religioso. Serás Dom Leseur ou o Padre Leseur. Serás o Padre Leseur.
     – Mas é absurdo o que dizes. Conheces minhas idéias e meu agnosticismo só tem se acentuado, assim como a minha hostilidade.
     – Verás – disse ela certamente para terminar – verás”.
-.-
     Depois de longos sofrimentos, Elisabeth morre no dia 3 de maio de 1914, nos braços de seu amado Félix.
     Mas, tudo estava por começar… A grande mudança só estava começando na vida de Félix Leseur. Assim, ele contará:
     “Depois de sua morte, quando tudo parecia acabado para mim, achei o Testamento Espiritual, que redigira em minha intenção, e por indicação de minha cunhada, seu DIÁRIO. Mergulhei-me nessa leitura, li-o, reli-o e uma revolução operou-se em todo meu ser moral. Compreendi a beleza celeste daquela alma, que aceitara seus sofrimentos, os oferecera, mais até, que se oferecera e sacrificara principalmente por minha conversão”.
     “Pouco a pouco, se abriram os olhos da fé. Senti Elisabeth, na aparência desaparecida, no entanto guiando-me”.
     “Elisabeth me conduzia à verdade, e continua, bem o sinto no meu íntimo, a sustentar meus passos para uma união ainda maior com Deus”.
     Em 1917, Félix publica o Diário da sua Elisabeth, fazendo que o mundo conhecesse a preciosa obra que Deus realizou na alma de sua esposa. E o segredo de Elisabeth, sua vida interior, que durante toda sua vida fora desconhecida para todos, especialmente para Félix, agora se fazia conhecida…
     Assim, Deus realizava os desejos mais profundos que Elisabeth deixou escrito: “Que Ele me conceda a graça de ser apóstolo, e de fazer conhecer às almas, por meus exemplos e meus atos, a força e a vida que Ele traz a uma alma e como pode transformar um ente humano, mesmo fraco como eu. O Espírito Divino que fez de pescadores ignorantes, apóstolos de coração ardente, pode servir-se de mim para fazer algum bem; isso rogo-lhe com ardor”.
     Em 1919, Félix entra no noviciado dos Dominicanos, seu nome religioso será Frei Marie-Albert Leseur, e em 8 de julho de 1923, menos de dez anos após a morte de Elisabeth, ele é ordenado sacerdote.
     Dedicar-se-á a fazer conhecida a vida e espiritualidade de sua esposa, que ele assim descreve: “A existência de Elisabeth Leseur não apresenta, sem dúvida, fatos sensacionais; ela decorreu muito simplesmente no amor de Deus e do próximo, na unidade confiante da família e do lar, no cumprimento dos deveres de estado, de todos os deveres, na aceitação do sofrimento físico e moral, muitas vezes muito penoso, na resignação e submissão à vontade de Deus”; ela “prova que, uma senhora, tendo parte na vida mundana do século XX, casada com um incrédulo, é possível ter uma religião ativa e esclarecida, fortalecida na oração, inspirando seus atos e elevando-a aos cumes da perfeição cristã. Ela se torna assim, para qualquer senhora no mundo, um guia seguro, um apoio sólido, e seu exemplo é, nesse ponto de vista, um argumento apologético de primeira ordem”.
     Ele se encarregará da publicação de seus escritos íntimos, cartas etc., e de preparar a sua causa de beatificação, até sua morte em 1950.
O processo de beatificação de Elisabeth Leseur
     O Postulador geral da Ordem dos Pregadores está buscando dar um novo impulso a causa de beatificação da Serva de Deus Elisabeth Leseur (1866-1914).
     Hoje mais que nunca, precisamos do seu testemunho de fidelidade, sua profunda vida interior e sua vivência do Evangelho na vida cotidiana. Sua mensagem é atual e necessária ao nosso tempo atribulado.
     Portanto, pedimos a todos que receberam graças (físicas ou espirituais), a todos que foram tocados pela vida e pelos escritos da Serva de Deus, o favor de entrarem em contato com a Postulação Geral dos Dominicanos:
Frei Llewellyn Muscat O.P.
postulatio@curia.op.org
     Rezemos ao Senhor que nos conceda a graça da beatificação da Serva de Deus Elisabeth Leseur.
 
Fonte: http://www.claustrum.com.br/2016/11/28/serva-de-deus-elisabeth-leseur/

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Santa Franca de Piacenza, Abadessa - 26 de abril

      Franca Vitalta (1170–1218) nasceu em Piacenza (Emilia), Itália. Era filha dos condes de Vitalta. Ela nasceu em um castelo a 550 m do nível do mar. Tinha apenas sete anos quando entrou no convento beneditino de São Ciro de Piacenza para se educar.
     Aos 14 anos fez sua profissão religiosa, e, apesar de sua juventude, superava as outras religiosas em obediência, devoção e esquecimento de si mesma.
     Por ocasião da morte da abadessa, foi eleita para sucedê-la, porém a férrea disciplina imposta por ela produziu sua imediata substituição no cargo.
     Durante anos a santa teve que enfrentar calúnias, falsos testemunhos e graves provas interiores. Seu único consolo era uma jovem chamada Carencia; Franca persuadiu os pais da noviça a construir uma casa cisterciense em Montelana. Franca se tornou abadessa deste convento e manteve uma estrita norma e austeridade, porém depois de dois anos decidiu transladar suas monjas para o convento de Vallera e em seguida para Pittolo (Plectoli), em Piacenza, para não expô-las aos roubos e assaltos, bem como a falta de alimentos.
     A santa foi nomeada abadessa da nova fundação, onde reinava a austeridade e a pobreza da regra cisterciense. A abadessa não ficava satisfeita e passava noites inteiras na capela entregue à oração.
     Ao verem que a saúde da abadessa se debilitava de forma alarmante, as religiosas ordenaram que o sacristão guardasse a chave da capela; porém isto não bastou para impedir que a fervorosa superiora continuasse com suas vigílias.
     Finalmente, a santa faleceu em 25 de abril de 1218, resultado de uma febre, aos 43 anos de idade.
     Suas filhas religiosas, levando em conta a sua grande devoção por seu mosteiro, sepultaram-na na igreja do convento em Pittolo. Ali seus restos mortais foram objeto de grande veneração e mais ainda quando grandes milagres aconteceram por sua intercessão.
     Em 1273, seu culto foi confirmado pelo Papa Gregório X (1271-1276). Parece que esta confirmação foi feita verbalmente quando o Papa passou por Piacenza se dirigindo ao Concilio de Lyon.
 
Santuário de Santa Franca
     O santuário de Santa Franca de Vitalta está localizado a 1.100 metros acima do nível do mar, em Colombello, na serra de Santa Franca.
     O santuário anterior, dedicado à Virgem Maria, era a igreja interna construída no alto da montanha, onde Franca viveu por alguns anos.
     Em 1214, Franca decidiu seguir o exemplo de Carenzia Visconti, que fundou um mosteiro cisterciense feminino no topo da Montelana (antigo nome da montanha de Santa Franca). Ela recebeu o nome de abadessa do mosteiro.
     A cerca de 250 metros do prédio, ainda há uma fonte de água, onde Franca e suas freiras coletavam a água para suas necessidades diárias.
     
De acordo com a tradição, essa água tem propriedades milagrosas, tanto que é costume bebê-la, coletá-la e armazená-la como um tiro para a doença dos olhos. Toda a área circundante é um local fiel e de culto para as pessoas.
     O edifício atual é composto por uma arcada lateral, que é superada por uma cúpula octogonal. No interior há uma escultura de Santa Franca, cultuada como protetora de crianças e representada como abadessa cisterciense.
     Franca foi declarada Padroeira do Alto Vale do Arda. Desde muitos séculos ela é celebrada na montanha que é intitulada para ela (chamada 'Montelana' antes). As celebrações acontecem no primeiro e no último domingo de agosto, com uma grande festa reforçada por romarias e serviços religiosos.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Beata Erluca de Bernried, Reclusa - 19 de abril

     

     E
rluca von Bernried, também conhecida como Herluka von Epfach, (1060 - 1127) foi uma leiga alemã e defensora da reforma gregoriana. Grande parte do que se sabe de Erluka pode ser atribuída às obras de Paulo von Bernried, um padre alemão e amigo de Erluca, em sua Vita Herlucae (Vida de Herluka, composta c. 1130/1) e em partes de sua Vita Gregorii (Vida de São Gregório VII, composta c. 1128). A Beata viveu entre os séculos XI e XII.
      De saúde debilitada, graças às inúmeras doenças que a afligiram desde muito jovem, Erluca abandonou a vida no mundo para se dedicar a obras de caridade em favor das crianças, auxiliada pela Condessa Adelaide, esposa do Conde Menegoldo de Veringen.
      Com o conforto do seu diretor espiritual, o abade Guilherme de Hirschau e do seu discípulo Dietger, que mais tarde se tornou bispo de Metz, ela decidiu abraçar a vida religiosa, retirando-se por volta de 1086 para a aldeia de Epfach, às margens do rio Lech.
     Dedicada ao ascetismo, decidiu viver na pobreza voluntária, optando pelo celibato. Ali viveu durante trinta e seis anos com uma companheira, uma certa Douda, trabalhando ativamente em favor do culto de São Victerpo e pela reforma gregoriana.
      Erluca teve contatos com vários bispos e prelados.
     Em 1122, quando Paulo, o sacerdote de Resensburg, seu futuro biógrafo, decidiu tornar-se monge em Bernied, Erluca foi viver reclusa naquele mosteiro pelo resto da vida.
      Está documentado que Erluca teve diversas visões que direcionaram sua vida como mulher santa. Em uma dessas visões, Victerpo, o ex-bispo de Augsburg, apareceu para ela, bem como um Cristo Ensanguentado. O prelado informou a Erluca que o sofrimento de Cristo que ele testemunhava era causado pela imoralidade sacerdotal.
      Depois desta visão, a beata recusava-se a assistir às missas ou a aceitar o pão consagrado por aqueles padres impuros, incluindo Richard, um padre local que trabalhava em Epfach.
      Segundo o seu biógrafo, esta rejeição pública aos padres não celibatários encorajou outros a fazer o mesmo e aumentou o apoio público à reforma gregoriana.
      Ainda existem alguns testemunhos de sua correspondência com o Beato Diemut, que também levou uma vida reclusa no vizinho mosteiro de São Pedro em Wessobrunn.
      A Beata Erluca de Bernried é celebrada e lembrada no dia 19 de abril.
 
Ref.:
I.S. Robinson, 'Conversio and conversatio in the Life of Herluca of Epfach', in Conor Kostick (ed.), Itália Medieval, Mulheres Medievais e Modernas. Ensaios em Honra de Christine Meek (Dublin, 2010), pp. 172-94
A Reforma Pontifícia do Século XI: Vidas do Papa Leão IX e do Papa São Gregório VII (Manchester: Manchester University Press, 2004), 262-364
Herluka von Bernried – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Beata Erluca di Bernried (santiebeati.it)

terça-feira, 16 de abril de 2024

Beata Clara Gambacorti, Viúva, Abadessa dominicana – 17 de abril


Martirológio Romano: Em Pisa, na Toscana, Beata Clara Gambacorta que, ao perder seu esposo muito jovem, aconselhada por Santa Catarina de Siena fundou o mosteiro de São Domingos sob uma regra austera e dirigiu com prudência e caridade as Irmãs, distinguindo-se por haver perdoado o assassino de seu pai e de seus irmãos.
 
     A Beata Clara era filha de Pedro Gambacorta, que chegou a ser praticamente o senhor da República de Pisa. Clara nasceu em 1362; seu irmão, o Beato Pedro de Pisa (17 de junho), era sete anos mais velho. Pensando no futuro de sua filha, que em família era chamada de Dora, apócope de Teodora, seu pai a prometeu em casamento a Simão de Massa, rico herdeiro, embora a menina tivesse apenas 7 anos. Apesar da tenra idade, Dora costumava tirar o anel de noivado durante a missa e murmurava: “Senhor, Tu sabes que o único amor que eu quero é o Teu”.
     Quando os pais a enviaram para a casa de seu esposo, aos doze anos de idade, ela já havia começado sua vida de mortificação. Sua sogra mostrou-se amável com ela, mas quando percebeu que era demasiado generosa com os pobres, proibiu sua entrada na despensa da casa. Desejosa de praticar de algum modo a caridade, Dora se uniu a um grupo de senhoras que assistiam aos enfermos e tomou a seu encargo uma pobre mulher cancerosa.
     A vida matrimonial de Dora durou muito pouco tempo: tanto ela como seu esposo foram vítimas de uma epidemia na qual seu marido perdeu a vida. Como Dora era muito jovem, seus parentes pensaram em casá-la de novo, mas ela se opôs com toda a energia de seus 15 anos.     
     Santa Catarina de Siena exerceu uma profunda influência sobre a Beata Clara. Em 1375, por pedido de Pedro Gambacorta, Catarina foi a Pisa para colaborar nos entendimentos da região. Quando Dora conheceu Catarina era uma jovenzinha casada.    
     Pisa foi importante para Catarina: ali recebera os estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ainda se conserva cartas de Santa Catarina a Dora. Na primeira, a Beata Clara ainda era casada. A segunda carta foi escrita em 1377, quando Dora já era viúva, para aconselhá-la a ingressar na vida religiosa. Quando em 1380 Santa Catarina faleceu, Clara tinha 18 anos e era monja dominicana.
     A carta de Catarina animou Dora: ela cortou os cabelos e distribuiu aos pobres os seus ricos vestidos, o que causou indignação de sua sogra e de suas cunhadas. Depois, com a ajuda de uma de suas criadas planejou sua entrada secreta na Ordem das Clarissas Pobres. Quando tudo estava pronto, fugiu de casa para o convento, onde recebeu imediatamente o hábito e mudou seu nome para Clara.
     No dia seguinte seus irmãos se apresentaram no convento para buscá-la; as religiosas, muito assustadas, colocaram-na pelo muro nos braços de seus irmãos, que a levaram para casa. Ali Clara ficou como prisioneira durante seis meses, porém nem fome nem ameaças conseguiram fazê-la mudar de resolução. Então seu pai mudou de atitude convencido pelo bispo, Afonso de Valdaterra, íntimo amigo da família Gambacorta e que havia sido o último diretor espiritual de Santa Brígida da Suécia.
     Pedro não só permitiu que sua filha ingressasse no convento dominicano da Santa Cruz, como também construiu o novo convento de São Domingos. (Na 2ª. Guerra Mundial o convento foi seriamente danificado e as monjas se transladaram para o Palácio Serafini, onde construíram uma nova igreja e o adaptaram como convento. Ali estão as relíquias da Beata Clara.)
     No convento Clara conheceu Maria Mancini, que também era viúva e ia alcançar um dia a honra dos altares. Os escritos de Santa Catarina de Siena exerceram profunda influência nas duas religiosas que no novo convento, fundado por Pedro Gambacorta em 1382, conseguiram estabelecer a regra com todo o fervor da primitiva observância.
     A Beata Clara foi inicialmente subpriora e em seguida priora do convento, do qual partiram muitas das santas religiosas destinadas a difundir o movimento de reforma em outras cidades da Itália. Até hoje na Itália as religiosas de clausura de São Domingos são chamadas “as irmãs de Pisa”. No convento da beata reinava a oração, o trabalho manual e o estudo. O diretor espiritual de Clara costumava repetir às religiosas: “Não se esqueçam nunca de que em nossa ordem há poucos santos que não tenham sido também sábios”.
     Durante toda sua vida Clara teve que enfrentar dificuldades econômicas, pois o convento exigia constantemente alterações e novos edifícios. Apesar disto, em uma ocasião em que chegou às suas mãos uma grande soma que podia empregar no convento, preferiu dá-la para a fundação de um hospital. Mas, as virtudes em que ela mais se distinguiu foram, sem dúvida, o senso do dever e o espírito de perdão, que praticou em grau heroico.
     Tiago Appiano, a quem Gambacorta havia ajudado sempre e em quem colocara toda sua confiança, o assassinou a traição quando este se esforçava por manter a paz na cidade. Dois de seus filhos morreram também nas mãos dos partidários o traidor. Outro dos irmãos de Clara, que conseguiu escapar, chegou a pedir refúgio no convento da beata, seguido de perto pelos inimigos.
     Mas Clara, consciente de que seu primeiro dever consistia em proteger suas filhas contra a turba, negou-se a introduzi-lo na clausura. Seu irmão morreu assassinado diante da porta do convento, e a impressão fez Clara adoecer gravemente. Entretanto, a beata perdoou Appiano de todo coração, pedindo-lhe que enviasse um prato de sua mesa para selar o perdão compartilhando sua comida. Anos mais tarde, quando a viúva e as filhas de Appiano se encontravam na miséria, Clara as recebeu no convento.
     A beata sofreu muito até o fim da vida. Recostada em seu leito de morte, com os braços estendidos, murmurava: “Meu Jesus, eis-me aqui na cruz”. Pouco antes de morrer, um radiante sorriso iluminou seu rosto e a beata abençoou suas filhas presentes e ausentes. Era o dia 17 de abril de 1420; tinha, ao morrer, 57 anos. Seu culto foi confirmado em 1830 pelo Papa Pio VIII.
     Uma religiosa, contemporânea da beata, escreveu sua biografia em italiano; na Acta Sanctorum, abril, vol. II, se encontra traduzida para o latim. Algumas cartas de Santa Catarina de Siena também foram publicadas. Ver M. C. Ganay, Les Bienheureuses Dominicaines (1913), pp. 193- 238; e Procter, Lives of the Dominican Saints, pp. 96-100. A biografia mais completa é a de Taurisano, Catalogus hagiographicus O.P., p. 34.
 
Fonte: dominicasorihuela.org  
Beata Chiara Gambacorti (santiebeati.it)