A
descoberta
Numa
fria manhã de dezembro de 1644, Guilherme Cassé, coveiro e sineiro da igreja de
Pibrac, pequena cidade francesa, e seu ajudante, Gaillard Baron, iniciaram os
trabalhos de escavação de um túmulo para enterrar uma defunta.
Eles
golpeavam o solo diante do altar, quando estarrecidos descobrem o corpo de uma
jovem de uns vinte anos, conservado em sua mortalha um tanto escurecida. O
corpo parecia ter sido colocado no túmulo há poucos dias. A jovem apresentava
cicatrizes no pescoço e sua mão direita era deformada. Quem seria aquela jovem?
Após se acalmarem, levaram o caso ao conhecimento do Pároco e de seu
assistente, que não souberam identificar o cadáver.
A
notícia rapidamente se espalhou pela pequena Pibrac. Dois anciãos, Pedro
Pailhès e Joana Salères, reconheceram-na como sendo Germana Cousin, falecida em
1601.
O
corpo foi instalado num caixão perto do púlpito da igreja paroquial, e o povo,
que a tinha em conta de santa, logo afluiu para contemplá-la. Outros
ridicularizam os ingênuos que ali vão e exigem que o caixão seja transferido
para outro lugar. Entre estes estava Maria de Clément Gras, esposa do nobre
Francisco de Beauregard.
Pouco
tempo depois, esta senhora foi surpreendida por um câncer no seio, e a criança
que ela amamentava ficou doente e esteve às portas da morte. O esposo então se
lembrou do desprezo que ela demonstrara pela pobre Germana, e comentou com ela
se Deus não ficara ofendido e quisera puni-la. Maria de Clément Gras foi então
para junto do corpo de Germana e pediu perdão por sua atitude, suplicando
também a sua cura e a de seu filho, prometendo oferecer à igreja um caixão de
chumbo para colocar seu corpo.
Na
noite seguinte, ela foi despertada por uma grande claridade em seu quarto:
Germana lhe aparece e prediz a cura de seu filho! Após a visão, a chaga do seu
seio estava quase fechada. Ela fez vir seu filhinho: ele estava são e sugou
longamente o leite que ele recusava há tempos.
A
cura da Sra. Beauregard e de seu filho foram atribuídas à intercessão de
Germana. O fato é reconhecido como o primeiro milagre realizado pela
intercessão da jovem após a descoberta de seus despojos.
Feia,
escrofulosa e aleijada
Germana
Cousin foi a última filha de Lourenço Cousin, pequeno e honrado proprietário
agrícola de Pibrac, e de sua terceira esposa, Maria Laroche, mulher piedosa e
de saúde frágil. Mestre Lourenço chegou a ser alcaide de Pibrac em 1573 e em
1574.
A
data de nascimento de Germana não é precisa, mas ela provavelmente veio ao
mundo no ano de 1579. Talvez devido a avançada idade dos pais, ela nasceu com
um corpo débil e repleto de escrófulas, além de uma deformação na mão direita.
Não chegou a conhecer a mãe, que faleceu pouco tempo depois de seu nascimento.
Mais ou menos dois anos após seu nascimento, perdeu também o pai.
Hugo,
seu irmão mais velho, filho do primeiro casamento paterno, tornou-se o herdeiro
dos bens de Mestre Lourenço e acolheu a pequena órfã. Esse irmão era casado com
Armanda Rajols, uma mulher de péssimo caráter, que não poupava maus tratos à
pequena. Dava-lhe pouco alimento e pouco zelava por sua saúde, deixando-a aos
cuidados de uma criada, Joana Aubian. Essa boa mulher tratava das feridas da
criança, dividia com ela a comida e a cama.
Mais
tarde, Germana foi obrigada a dormir no paiol. Seu leito era de palhas e de
ramagem de vinhedo; o único aquecimento nas noites frias de inverno eram as
ovelhas que ali dormiam também. No verão ela ficava alojada num pequeno
compartimento sob a escada da casa. Ninguém na família parecia notar sua
inteligência. Não lhe ensinaram a ler e a escrever, nem mesmo a fazer os
trabalhos domésticos.
Quando
Germana completou nove anos, Armanda achou que ela já estava na idade de poder
prestar algum serviço: encarregou-a do pastoreio do rebanho da família. Era
também uma forma de mantê-la longe da vista, pois ela passaria o dia todo com o
rebanho nas pastagens à margem do rio Courbet.
Uma
alma admirável num corpo disforme
A
França enfrentava então uma guerra de religião entre católicos e huguenotes,
como eram chamados os protestantes franceses. Era uma trágica crise em que se
via a aristocracia dividida em dois partidos: a Casa de Valois e a Casa de
Guise. O conflito se estendeu pelos séculos XVI e XVII. Havia saques e
conflitos por toda parte.
Germana
enfrentava uma situação difícil dentro e fora de casa, pois horríveis
sacrilégios eram cometidos pelos hereges nas igrejas da vizinhança. Ela rezava,
fazia sacrifícios em reparação, confiava em Deus e em Nossa Senhora.
Felizmente
Joana Aubian, que velara pelos primeiros anos de Germana, era uma excelente e
piedosa mulher que lhe incutiu os fundamentos da religião e, em alto grau, a
virtude da caridade.
Frequentando
a igreja paroquial de Pibrac, o zeloso Pároco viu naquela criança inocente uma
alma escolhida por Deus. Graças àquele virtuoso sacerdote, Germana conseguiu
ter uma boa instrução religiosa que aprimorou os primeiros ensinamentos dados
por sua boa ama.
Correspondendo
às graças que recebia, Germana cumpria à risca os deveres de estado.
Mostrava-se em tudo um modelo de simplicidade, modéstia, doçura e paciência.
Revelou-se uma ótima catequista. Ensinava doutrina às crianças pobres, que
ouviam atentas suas histórias.
Vivendo
ela mesma apenas de pão e água, com frequência levava pão para as crianças e os
pobres, pois era grande a miséria causada pela guerra civil.
Santa
Germana tinha um amor ardente pela Sagrada Eucaristia, que recebia com frequência,
e uma devoção especial pela Santa Missa, que assistia diariamente.
O
Bom Pastor
Germana
logo se adaptou ao seu ofício de pastora. Ela aproveitava o tempo do pastoreio
de suas ovelhas para pensar e rezar. Ao invés de se sentir só, ela encontrou um
amigo em Deus Nosso Senhor. Nessa escola de pobreza, sofrimento do corpo e da
alma, Germana aprendeu bem cedo a prática da paciência e da humildade. A vida
solitária tornou-se para ela uma fonte de luz e de bênçãos. Ela foi agraciada
por um maravilhoso senso da presença de Deus.
Ela
não tinha conhecimentos de teologia - ela havia adquirido apenas os
conhecimentos básicos do Catecismo - mas possuía um Rosário feito de nós numa
corda... Na meditação dos mistérios do Rosário ela se unia a Mãe de Deus e ao
Divino Redentor, e desta contemplação advinha a sua sabedoria.
As
pessoas notavam que ao se aproximar uma festa de Nossa Senhora a piedade de
Germana aumentava. Sua devoção pelo Ângelus era tão grande, que ao primeiro
toque dos sinos ela costumava cair de joelhos aonde quer que se encontrasse,
mesmo atravessando algum córrego.
Os
seus únicos bens materiais eram o cajado de pastora e a roca com a qual fiava
lã.
A
fim de atender ao apelo do Rei dos reis, que a atraía para a Santa Missa, sem
se descuidar de seu dever de cuidar das ovelhas, Germana usava um método
singular: apenas ouvia o sino soar chamando para a Missa, ela cravava o seu
cajado de pastora no solo e ordenava às ovelhas que dele não se afastassem.
Seu
rebanho era o mais bem tratado da região e embora as pastagens ficassem
próximas da floresta de Bouconne, onde havia muitos lobos, nunca um só dos seus
animais foi atacado por eles. O rebanho era cuidado pelo Bom Pastor, enquanto a
sua humilde pastora rendia-Lhe suas homenagens na igreja paroquial.
Glorificação
da rejeitada
Numa
noite de junho de 1601, um sacerdote da diocese de Auch, que seguia de viagem
para Toulose, e dois religiosos que tinham encontrado asilo nas ruínas de um antigo
castelo próximo de Pibrac, afirmaram que em meio à noite foram despertados pelo
som de uma música maravilhosa. Eles olharam ao redor, e viram o céu iluminar-se
e um cortejo celeste de virgens descer sobre uma casa rural das redondezas de
Pibrac. Em seguida, o mesmo cortejo subiu para o céu acompanhado de uma jovem
vestida de luz e coroada de flores silvestres.
Ao
amanhecer, entrando no povoado, eles relataram o maravilhoso fato aos
habitantes de Pibrac, e estes constataram que se tratava da casa onde pouco
antes fora encontrada morta uma pobre pastora chamada Germana Cousin.
Naquela
manhã de verão, percebendo que ela não se levantara no horário costumeiro, seu
irmão foi chamá-la. Ele encontrou-a morta no seu humilde refúgio sob a escada.
Ela morrera sem ruído, sozinha, tal como havia vivido.
Seu
corpo foi sepultado na Igreja de Santa Madalena e tudo parecia esquecido... Na
memória do povo ela ficou esquecida, mas não nos planos de Deus!
Fatos
posteriores a descoberta de seu corpo
Em
22 de setembro de 1661, o Vigário Geral da Arquidiocese de Toulouse, Jean
Dufour, foi a Pibrac. Ele ficou admirado ao ver uma urna funerária na sacristia
e mandou que a abrissem. O corpo de Germana permanecia intacto! Ele fez uma
declaração oficial do fato.
Depoimentos
de médicos especialistas evidenciaram que o corpo não havia sido embalsamado, e
testes mostraram que a preservação não se devia a qualquer propriedade do solo.
O vigário mostrou-lhe um relatório de inúmeras curas milagrosas atribuídas a
Germana.
Em
1739, um conjunto de documentos foi confiado a um missionário apostólico, para
que ele o entregasse à Sagrada Congregação de Ritos na sua passagem por Roma.
Tal documentação deve ter-se extraviado, pois nunca chegou ao seu destino.
Em
1793, durante a sangrenta Revolução Francesa, os membros do "comitê de
salvação pública" levaram a cabo um desígnio sacrílego de subtrair o
precioso cadáver à devoção das multidões: o caixão foi profanado por um
revolucionário de nome Toulza, fabricante de estanho.
Acompanhado
de três cúmplices, Toulza retirou o corpo do caixão e nem à vista do milagre de
um corpo incorrupto aqueles corações endurecidos se comoveram: enterraram-no na
sacristia, jogando cal e água sobre ele. O caixão de chumbo foi enviado para
Toulouse para ser usado na fabricação de balas. Os revolucionários foram
atacados por dolorosas deformações: dois arrependeram-se e invocaram o auxílio
da Santa e foram ouvidos.
Depois
da Revolução Francesa, a pedido da população o prefeito de Pibrac, Jean
Cabriforce, mandou procurar o local onde os revolucionários haviam enterrado o
corpo de Germana. Uma vez mais Germana foi descoberta: seu corpo estava quase
intacto, apesar de ter permanecido durante anos sob a ação da cal viva.
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Relicário de Santa Germana |
Em
janeiro de 1845, os documentos que compunham o processo de beatificação foram
entregues. Eles atestavam mais de 400 milagres ou graças extraordinárias, além
de 30 cartas de Bispos e Arcebispos da França, dirigidas a Santa Sé, pedindo a
beatificação de Germana.
Gregório
XVI assinou a aprovação dos trabalhos da Comissão apostólica. Mas, foi o Beato
Pio IX quem proclamou, no dia 7 de maio de 1854, a beatificação de Germana. E
em 29 de junho de 1867, foi ele quem a colocou entre as virgens santas.
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Basílica Santa Germana em Pibrac, França |
Fontes:
1) Les Petits Boullandistes, Vie
des Saints, d'aprés de Père Giry, Bloud et Barral, Paris, 1882, t. VII;
2)
José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Edit. A. O. - Braga
Postado
neste blog em 14 de junho de 2011