Santa Gertrudes a Grande, no IV livro da obra Liber
specialis gratiae (O livro da graça especial), no qual se narram as graças
especiais que Deus outorgou a Santa Matilde, afirma: "O que escrevemos
é bem pouco em comparação com o que omitimos. Unicamente para a glória de Deus
e utilidade do próximo publicamos estas coisas, porque nos pareceria injusto
manter o silêncio sobre tantas graças que Matilde recebeu de Deus, não tanto
para ela mesma, segundo nosso parecer, mas para nós e para os que virão depois
de nós" (Mechthild von Hackeborn, Liber specialis gratiae, VI, 1).
Com
Gertrudes nós nos introduzimos na família do Barão de Hackeborn, uma das mais
nobres, ricas e poderosas da Turíngia, aparentada com o imperador Frederico II,
e entramos no Mosteiro de Helfta no período mais glorioso da sua história.
O barão
já havia dado uma filha ao mosteiro, Gertrudes de Hackeborn (1231/1232 - 1291/1292),
dotada de uma destacada personalidade. Abadessa durante 40 anos, foi capaz de
deixar uma marca peculiar na espiritualidade do mosteiro, levando-o a um
florescimento extraordinário como centro de mística e de cultura, escola de
formação científica e teológica. Gertrudes ofereceu às monjas uma elevada
instrução intelectual, que lhes permitia cultivar uma espiritualidade fundada
na Sagrada Escritura, na Liturgia, na tradição patrística, na Regra e
espiritualidade cistercienses, com particular predileção por São Bernardo de
Claraval e Guilherme de Saint-Thierry. Foi uma verdadeira mestra, exemplar em
tudo, na radicalidade evangélica e no zelo apostólico.
Santa Matilde, desde a sua juventude, acolheu e vivenciou o clima
espiritual e cultural criado pela irmã, oferecendo depois sua marca pessoal.
Matilde de Hackeborn, uma das grandes
figuras do mosteiro de Helfta e do monaquismo alemão no século XIII, nasceu em 1241
ou 1242, no Castelo de Helft, Saxônia, na nobre e poderosa família Hackeborn,
que era possuidora de terras na Turingia. A terceira filha do barão nasceu tão
frágil que se chegou a acreditar estar morta, mas o padre que foi batizá-la
profetizou que ela chegaria a ser santa e que Deus obraria grandes coisas por
meio dela.
Aos 7 anos, com sua mãe, visitou sua
irmã Gertrudes no mosteiro de Rodersdorf. Ficou tão fascinada por esse
ambiente, que desejou ardentemente fazer parte dele. Entrou como educanda e, em
1258, converteu-se em monja do convento que entrementes havia se transferido para
Helfta, na propriedade dos Hackeborn.
Distinguiu-se pela humildade, fervor,
amabilidade, limpeza e inocência de vida, familiaridade e intensidade na
relação com Deus, com Nossa Senhora e com os santos. Dotada de elevadas
qualidades naturais e espirituais, como “a ciência, a inteligência, o
conhecimento das letras humanas, a voz de uma suavidade maravilhosa: tudo a
tornava adequada para ser um verdadeiro tesouro para o mosteiro, sob todos os
aspectos”. (Ibid., Proemio).
Assim, o "rouxinol de Deus" -
como era chamada -, ainda muito jovem, converteu-se em diretora da escola do
mosteiro, diretora do coro e mestra de noviças, serviço que levou a cabo com
talento e infatigável zelo, não somente em benefício das monjas, mas de todo
aquele que desejasse acudir à sua sabedoria e bondade.
Iluminada pelo dom divino da contemplação
mística, Matilde compôs numerosas orações. É mestra de fiel doutrina e de
grande humildade, conselheira, consoladora, guia no discernimento: "Ela
- lê-se - distribuía a doutrina com uma abundância que nunca tinha sido
vista no mosteiro, e temos grande temor de que nunca se volte a ver algo
semelhante. As monjas se reuniam ao seu redor para escutar a palavra de Deus,
como a um pregador. Era o refúgio e a consoladora de todos e tinha, como dom
singular de Deus, a graça de revelar livremente os segredos do coração de cada
um. Muitas pessoas, não só no mosteiro, mas também estranhos, religiosos e
leigos, vindos de longe, testemunhavam que esta santa virgem lhes havia
libertado de suas penas e que nunca haviam provado tanto consolo como ao seu
lado. Além disso, ela compôs e ensinou tantas orações que, se fossem reunidas,
superariam o volume de um saltério" (Ibid., VI,1).
Em 1261, chegou ao convento uma menina de
5 anos, de nome Gertrudes: foi confiada aos cuidados de Matilde, então com 20
anos, que a educou e guiou na vida espiritual até fazer dela não somente sua
discípula excelente, mas sua confidente. Em 1271 ou 1272, entrou no mosteiro
também Matilde de Magdeburgo. O lugar acolheu, assim, 4 grandes mulheres - duas
Gertrudes e duas Matildes -, glória do monaquismo germânico.
Em sua longa vida transcorrida no
mosteiro, Matilde passou por contínuos e intensos sofrimentos, aos quais
acrescentou as duríssimas penitências escolhidas para a conversão dos
pecadores. Dessa forma, participou da Paixão do Senhor até o final da sua vida
(cf. ibid., VI, 2). A oração e a contemplação foram a fonte da sua existência:
as revelações, seus ensinamentos, seu serviço ao próximo, seu caminho na fé e
no amor têm aqui sua raiz e seu contexto.
No primeiro livro da obra Liber
specialis gratiae, as redatoras recolhem as confidências de Matilde
indicadas nas festas do Senhor, dos santos e, de modo especial, de Nossa
Senhora. É impressionante a capacidade que esta santa tinha de viver a Liturgia
em seus vários componentes, inclusive os mais simples, levando-a à vida
monástica cotidiana. Algumas imagens, expressões, aplicações talvez estejam
longe da nossa sensibilidade, mas se considerarmos a vida monástica e sua
tarefa de mestra e diretora de coro, perceberemos sua singular capacidade de
educadora e formadora, que ajuda suas irmãs a viverem intensamente, partindo da
Liturgia, cada momento da vida monástica.
Na oração litúrgica, Matilde deu
particular importância às horas canônicas, à celebração da Santa Missa,
sobretudo à Santa Comunhão. Nesse momento, ela frequentemente se elevava em
êxtase, em uma intimidade profunda com Nosso Senhor em seu Coração ardentíssimo
e dulcíssimo, em um diálogo estupendo no qual pedia iluminação interior,
enquanto intercedia de modo especial por sua comunidade e por suas irmãs. No
centro estão os mistérios de Cristo, aos quais Nossa Senhora remete
constantemente, para caminhar pela senda da santidade: "Se desejas a
verdadeira santidade, fica perto do meu Filho; Ele é a própria santidade que
santifica tudo" (Ibid., I,40). Nesta sua intimidade com Deus está
presente o mundo inteiro, a Igreja, os benfeitores, os pecadores. Para ela, céu
e terra se unem.
Suas visões, seus ensinamentos, as
circunstâncias da sua existência são descritas com expressões que evocam a
linguagem litúrgica e bíblica. Capta-se, assim, seu profundo conhecimento da
Sagrada Escritura, seja tomando símbolos, termos, paisagens, imagens ou
personagens. Sua predileção era pelo Evangelho:
"As palavras do Evangelho eram
para ela um alimento maravilhoso e suscitavam em seu coração sentimentos de tal
doçura, que frequentemente, pelo entusiasmo, não conseguia terminar sua
leitura... A forma como lia estas palavras era tão fervente, que suscitava a
devoção em todos. Assim também, quando cantava no coro, estava toda absorta em
Deus, transportada por tal ardor, que às vezes manifestava seus sentimentos com
os gestos... Outras vezes, elevada em êxtase, não ouvia quem a chamava ou a
movia e com dificuldade recuperava o sentido das coisas exteriores"
(Ibid., VI, 1).
Em uma das suas visões, o próprio Jesus
lhe recomenda o Evangelho; abrindo-lhe a ferida do seu dulcíssimo Coração,
disse-lhe: "Considera quão imenso é meu amor; se queres conhecê-lo bem,
em nenhum lugar o encontrarás expresso mais claramente que no Evangelho.
Ninguém jamais sentiu a expressão de sentimentos mais fortes e mais ternos que
estes: como meu Pai me amou, assim eu vos amei (Jo 15, 9)" (Ibid.,
I,22).
A discípula Gertrudes descreve com
expressões intensas os últimos momentos da vida de Santa Matilde de Hackeborn,
duríssimos, mas iluminados pela presença da Beatíssima Trindade, de Nosso
Senhor, de Nossa Senhora, de todos os santos, e também de sua irmã de sangue,
Gertrudes. Quando chegou a hora em que o Senhor quis levá-la com Ele, ela lhe
pediu para poder viver mais um pouco no sofrimento pela salvação das almas, com
o que Jesus aquiesceu, contente com este último sinal de amor.
Matilde tinha 58 anos. Percorreu o último
trecho do caminho caracterizado por 8 anos de graves doenças. Sua obra e sua
fama de santidade se difundiram amplamente. Chegada a sua hora, "o Deus
de Majestade (...), única suavidade da alma que o ama (...), cantou-lhe: Venite
vos, benedicti Patris mei... (Vinde, benditos do meu Pai, vinde receber o
Reino) e a associou à sua glória" (Ibid., VI,8).
Santa Matilde de Hackeborn nos confia ao
Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora. Convida a louvar o Filho com o
Coração da Mãe e venerar Maria com o Coração do Filho: "Eu vos saúdo, ó
Virgem veneradíssima, neste dulcíssimo orvalho, que do Coração da Santíssima
Trindade se difundiu em vós; eu vos saúdo na glória e no gozo com que agora vos
alegrais eternamente, Vós que, com preferência a todas as criaturas da terra e
do céu, fostes escolhida antes ainda da criação do mundo! Amém"
(Ibid., I, 45).
Matilde percorreu um caminho de íntima
união com Nosso Senhor, entrando em diálogo com o seu dulcíssimo e ardente
Coração, fonte de luzes interiores e ocasião de intercessão pelas suas irmãs.
Pouco após a sua morte, a sua obra e a sua fama de santidade já tinham se
difundido grandemente.
Matilde faleceu em 19 de novembro de 1299
com 59 anos de idade. A fama e a importância que a ela atribui sua discípula,
Santa Gertrudes de Helfta, a Grande, acabou por fazer sombra a Santa Matilde,
que a partir do século XVI passou para um segundo plano.