Hildegarda
de Bingen nasceu no Condado de Spanhein, Diocese de Maicus, no ano de 1098.
Seus pais, Hildeberto e Matilde, provavelmente originários de Bermerschein, no
Condado de Spanheim, pertenciam à nobreza do Palatinado.
Conforme
prática comum naquela época, com a idade de oito anos ela foi levada ao
Mosteiro de Disibodensberg, ou do monte de Santo Disibode, onde foi colocada
sob a direção de Jutta, filha do Conde de Spanhein, que tomou a si o encargo de
cuidar dessa menina que dava sinais de grande vocação. Sua virtude sobressai de
tal modo que, aos 39 anos, quando morre Jutta, as religiosas elegem Hildegarda
como Abadessa.
Sabe-se
que Hildegarda tinha uma saúde muito frágil e que sempre era favorecida por
visões, além de ter intuições sobrenaturais de coisas por suceder. Todas essas
manifestações sobrenaturais eram por ela narradas com simplicidade a sua tutora
e a um dos monges do mosteiro de Santo Disibode, chamado Volmar, que
posteriormente exercerá o ofício de seu secretário durante 30 anos.
Como
ela mesma conta em seus escritos: "Aos meus 40 anos, tive uma
visão onde uma voz dizia: ‘Diga o que viste e entendeste, não à maneira de
outro homem, mas segundo a vontade dAquele que sabe, vê e dispõe todas as
coisas no segredo de seus mistérios’".
Era
uma ordem decisiva que indicava a vocação de Hildegarda, semelhante à dos
profetas do Antigo Testamento, os quais eram as bocas de Deus. Sobre esta
vocação, Hildegarda insistirá dizendo que "uma voz do Céu
mandava-me tudo dizer e escrever, tal qual ouvia e era-me ensinado". Esta
voz apresentou-se a ela como “a Luz viva que ilumina o que é obscuro”.
Durante
muito tempo ela resistiu por humildade e desconfiança. Mais por temor do que
por desobediência, continuava a recusar a escrever. Foi então que caiu doente.
Confiou sua preocupação ao seu diretor espiritual. Depois de aconselhar-se com
os religiosos mais sábios da comunidade e de interrogar Hildegarda, o Prior
ordenou-lhe que escrevesse. Assim que ela começou a escrever, imediatamente se
viu curada e levantou-se da cama.
Ajudada
pelo monge Volmar, escreveu, entre 1141 e 1151, a sua grande
obra Scivias (Conhece as vias do Senhor), uma espécie de Apocalipse
sobretudo dogmático e um pouco moral.
Em
1147, o prior, desconfiando do seu próprio critério, apresentou os escritos de
Hildegarda ao Arcebispo Henri, de Mainz, Diocese onde se localizava o Mosteiro
de Disibodensberg. Aproveitando a presença do Papa Eugênio III em
Trier, onde iria reunir-se um Sínodo preparatório do Concílio de Reims, o
arcebispo consulta o Papa.
Trier
é a cidade do Imperador Constantino, que ali residiu com sua mãe Santa Helena
até o ano 316. O Papa Eugênio III era um cisterciense formado por São Bernardo.
Ele reuniu Cardeais, Bispos e Abades para um alto tema: confirmar mais uma vez
as reformas empreendidas pelo Papa São Gregório VII.
O
Papa, desejoso de conhecer melhor o assunto, enviou o Bispo de Verdum, Alberon,
ao Mosteiro de Hildegarda, que respondeu com simplicidade às perguntas que lhe
foram feitas. Os escritos feitos até então por Hildegarda foram entregues a ele
e lidos em voz alta na presença do Arcebispo, dos Cardeais e de todo o
clero reunido. Entre os ouvintes estava a maior figura da Cristandade: São
Bernardo de Claraval.
A
conclusão da assembleia é atribuída a São Bernardo: "É preciso impedir
que se apague uma tão admirável luz animada pela inspiração divina".
Este Santo conhecera Hildegarda e pediu que o Papa divulgasse tão grande graça
concedida por Deus à Igreja no seu pontificado, e a confirmasse com sua
autoridade.
O
Papa seguiu seu conselho, escreveu a Hildegarda: "Nós ficamos
admirados, minha filha, que Deus mostre em nosso tempo novos milagres. Nós
te felicitamos pela graça de Deus. Conserve e guarde esta graça". (*)
Pediu ele ainda que ela relatasse com frequência tudo que lhe fosse revelado
por intermédio do Espírito Santo.
A
santa relatou ao Papa Eugênio III, em carta bastante longa, tudo quanto ouvira
da voz celeste relativamente ao pontífice. Anunciava uma época difícil, cujos
primeiros sinais já se manifestavam:
“As
próprias montanhas, que são os prelados, em lugar de se elevarem continuamente
a comunicações íntimas com Deus, a fim de cada vez mais se transformarem na luz
do mundo, descuidam-se e obscurecem-se. Daí a sombra e a perturbação que reina
nas ordens superiores. E porque vós, grande Pastor e Vigário de Cristo, deveis
buscar luz para as montanhas e conter os vales, dai preceitos aos senhores e
disciplinas aos súditos. O Soberano Juiz recomenda-vos que condenais e repilais
de junto de vós os tiranos importunos e ímpios, no temor de que, para vossa
grande confusão, eles se imiscuam na vossa sociedade, mas sede compassivo com
as desgraças públicas e particulares, pois Deus não desdenha as chagas e as
dores daqueles que O temem”.
Começou
assim uma nova vida para Hildegarda. Sua fama, não só devido a seus escritos,
mas também aos milagres, difundiu-se além do Reno. Muitos vêm visitá-la. Ela
penetra nos pensamentos dos peregrinos e afasta-se dos que se aproximam com más
intenções ou para provar sua virtude. Exorta à conversão à Fé verdadeira os
judeus que vêm ouvi-la. Hildegarda livrou do demônio uma possessa de Colônia,
que os sacerdotes da Abadia de Brauweisler não tinham conseguido expulsar.
Santa
Hildegarda mantém correspondência com Papas, Bispos e altas autoridades
temporais, como, por exemplo, os Imperadores Conrado III e Frederico
Barbaruiva, da Alemanha.
Frederico
Barbaruiva pede que a Santa o visite em seu palácio de Ingelheim, perto de
Mainz. Os detalhes desse encontro são conhecidos pelas cartas do Imperador e
das respostas de Santa Hildegarda. Ela não se intimida diante de tão ilustre
destinatário e o adverte em termos proféticos e pede que o Imperador "vele
pelos costumes dos Prelados que caíram na abjeção", exortando-o a que
"tome cuidado para que o Supremo Rei não te lance por terra por culpa
da cegueira de teus olhos. Seja tal, que a graça de Deus não te falte".
O
Imperador lutou contra o Papado, destituiu o Arcebispo de Mainz, fiel a Roma,
mandou suas tropas arrasar Milão e nomeou nada menos do que quatro antipapas
apenas durante o pontificado de Alexandre III. Ficou surdo às exortações
da Santa!
Correspondia-se
ela com São Bernardo de Claraval, que lhe escreveu em termos elogiosos e
sobrenaturais: "Agradeço a graça de Deus que está em ti.
Eu te suplico de lembrar-te de mim diante de Deus..."
Numa carta a São Bernardo, a mística
renana confessa: “A visão arrebata todo o meu ser: não vejo com os
olhos do corpo, mas aparece-me no espírito dos mistérios... Conheço o
significado profundo do que está exposto no Saltério, nos Evangelhos e nos
outros livros, que me são mostrados na visão. Ela arde como uma chama no meu
peito e na minha alma, e ensina-me a compreender profundamente o texto” (Epistolarium
pars prima I-XC: CCCM 91).
Ela
recebera a vocação de aconselhar, segundo os caminhos de Deus, não só as mais
altas autoridades da época, mas também pessoas simples que a ela recorriam
pedindo um conselho. A todos Hildegarda respondia com o tom que caracterizava o
seu estilo, isto é, com solenidade, humildade e severidade.
Santa
Hildegarda anunciou a eclosão de uma terrível heresia que ergueria o povo
contra o Clero, porque este "tinha uma voz e não ousou levantá-la",
o que permitiu ao inimigo "oferecer os seus próprios bens, enchendo os
olhos, as orelhas e o ventre de todos os vícios!" Pouco tempo
depois, explodiu a heresia dos cátaros, descrita por ela com detalhes que
surpreendem os historiadores. Ela vai além, prevendo a vitória da Igreja sobre
essa heresia.
Santa
Hildegarda é mística, profetiza, escritora, pregadora, conselheira, médica e
compositora. Seus outros dois livros que compõem a trilogia hildegardina são:
o Líber vitae meritorum ou Livro dos Méritos, onde são apresentados
os grandes dados da moral do século II; e o Líber divinorum operum ou
Livro das obras divinas, de caráter científico, contendo ilustrações de grande
precisão e originalidade. Ela compôs ainda diversas obras de menor importância
sobre assuntos variados, como o Tratado de Medicina. Compôs também 77 sinfonias
em um estilo similar ao gregoriano.
Santa
Hildegarda viveu seus últimos anos no convento de Eibingen, o terceiro fundado
por ela na outra margem do Reno. Foi o único que se salvou dos bárbaros e das
guerras. Uma das religiosas narra a morte de Santa Hildegarda: "Nossa
boa Mãe, depois de combater piedosamente pelo Senhor, tomada de desgosto da
vida presente, desejava cada dia mais evadir-se desta Terra para unir-se com
Cristo. Sofrendo de sua enfermidade, ela passa alegremente deste século para o
Esposo celeste, no octogésimo ano de sua existência, no dia 17 de setembro de
1179".
Em
1233 foi feito um inquérito sobre as suas virtudes e os seus milagres, ordenado
pelo Papa Gregório IX, mas não chegou a bom termo. A partir do século XIII
havia um culto de Santa Hildegarda, e em 1324 uma carta concedia indulgências a
quem visitasse o seu túmulo em Bingen.
(*) A
carta é uma das 390 que aparecem no livro recentemente publicado na Alemanha
sob o patrocínio da Abadessa Walburga Storch OSB, da própria Abadia de Santa
Hildegarda, em Rüdesheim-Eibingen.
“Por
que Deus quis que ela tivesse essas visões? Porque o verdadeiro católico tem
que ter uma filosofia da História. Ele deve saber que sua época é um elo entre
o passado e o futuro, e deve interpretar os acontecimentos de sua época não
como acontecendo só hoje, mas como nascidos de mil fatores do passado e gerando
mil coisas no futuro. É um processo, é uma coisa que gera outra, que gera
outra, que gera outra, que gera outra. Para nós conhecermos este processo veio
esta revelação”.
Adendo: Apesar da música
de Hildegarda ter ficado esquecida por séculos, em 1982, a soprano inglesa Emma
Kirkby gravou um álbum com composições da Santa: A Feather On The Breath Of
God. O álbum se tornou muito popular na época, ganhando prêmios inclusive.
Quem tiver curiosidade de ouvir, só se ligar no link:
https://www.youtube.com/watch?v=_NGTsdL2YzE
Fontes:
Catolicismo setembro 1998; Pe. Rohbacher
Postado
neste blog em 16 de setembro de 2011