Figura feminina
extraordinária a muitos títulos, essa soberana exerceu papel decisivo na História
da Espanha e de toda a Cristandade por seu espírito de cruzada contra o poder
muçulmano da época
José Maria dos Santos
Muito foi escrito sobre esta soberana cujo
processo de canonização está em andamento. Seguem algumas pinceladas de sua extraordinária
existência, ressaltando do seu aspecto guerreiro e espírito de cruzada, o que é
possível transmitir num simples artigo.
Filha
de João II, Rei de Castela, e sua segunda esposa, nasceu Isabel a 22 de abril
de 1451 na pequena cidade de Madrigal. Aquela que seria a última mulher cruzada
descendia, tanto pelo lado paterno quanto pelo materno, de dois reis santos e
cruzados: São Luís IX, da França, e seu primo São Fernando III, de Castela.
Falecendo o pai quando sua idade era pouco
mais de três anos, foi educada piedosamente pela mãe, juntamente com seu irmão
menor Afonso. “Bordava telas e casulas, costurava roupas para os pobres,
aprendia a fiar como as mulheres do povo. Tecia sedas, urdia e confeccionava
tapetes com assombrosa habilidade”. (1) Aos 11 anos foi levada com Afonso por
Henrique IV, seu meio-irmão, para a corte castelhana, considerada então a mais
corrompida da Europa.
Na corte castelhana, dois partidos em disputa
Na corte castelhana, “a princesinha
estudava música, pintura, poesia, costura e gramática. Cada dia passava muito
tempo em oração pedindo a Deus que os guardasse, a ela e a Afonso, livres de
todo pecado; e especialmente invocava a Bem-aventurada Virgem, São João
Evangelista e o apóstolo São Tiago, patrono de Castela”. (2)
Pela fraqueza dos reis castelhanos, “nesse
período [os nobres] tinham chegado ao ponto de despojar completamente o trono
de sua autoridade. Aproveitavam-se da incrível imbecilidade de Henrique IV e
das escandalosas relações entre Joana de Portugal, sua segunda mulher, e seu
favorito Beltran de la Cueva”, (3) a quem atribuíam a paternidade da infanta
Joana, por isso cognominada la Beltraneja.
Com a chegada dos jovens príncipes,
formaram-se logo na corte dois partidos: um que defendia a legitimidade destes
ao trono, e outro que defendia a da Beltraneja. O primeiro partido tornou-se
tão poderoso, que obteve do fraco rei que reconhecesse Afonso e Isabel como
seus legítimos herdeiros.
Falecendo o príncipe Afonso, o partido de
Isabel quis aclamá-la rainha no lugar de Henrique IV. “Nessa ocasião, Isabel
deu uma das primeiras provas de suas grandes qualidades, recusando a coroa
usurpada que lhe era oferecida, e declarando que nunca, enquanto seu irmão
vivesse, aceitaria ela o título de rainha”. (4)
Aos 18 anos, Isabel casou-se secretamente
com o herdeiro da coroa de Aragão, o príncipe D. Fernando, para evitar as
tratativas que seu irmão fazia para casá-la com outro pretendente.
Assume as rédeas do governo e reconstrói o país
Isabel assumiu o governo aos 23 anos, à
morte de Henrique IV. Com sua energia, e acompanhada de seu marido Fernando,
foi obtendo a adesão de cada cidade para sua causa. Mas o Rei de Portugal,
Afonso V, querendo assenhorear-se de Castela, entrou no país para casar-se com
a Beltraneja, a qual, afirmava ele, era a legítima herdeira do trono. Vários
potentados castelhanos tomaram seu partido, aliando-se a ele. A alternativa
para Isabel era ceder, ou então guerrear. E ela não cedia num ponto em que
julgava estar inteiramente com a razão. Assim, apesar de estar esperando um
segundo filho, pôs a cota de malhas e, a cavalo, foi recrutando gente em todas
as suas cidades, enquanto Fernando fazia o mesmo em Aragão. Habilíssimo general
e grande estrategista, Fernando obteve retumbante vitória sobre o soberano
português, consolidando assim Isabel no trono.
Triste foi a herança que recebeu Isabel de
seu fraco e imoral meio-irmão. “As indústrias quebravam, a moeda andava
escassa, centenas de cidades desafiavam sua autoridade sob o mando de prefeitos
que se criam reis delas, o povo morria de fome e de epidemias. A Igreja
necessitava de reforma, o governo existia só de nome, e por todas as partes os
camponeses estavam oprimidos por bandos de ladrões”. (5)
Os jovens soberanos entregaram-se com
energia à tarefa de reconstruir o país. Começaram a reprimir severamente os
abusos e aplicar a justiça contra quem quer que fosse. Fizeram reviver, para
isso, a Santa Irmandade, força de voluntários que servia de polícia local, com
jurisdição sobre assassinatos, atos de violência, rapina, atentados a mulheres
e desobediência às leis e aos magistrados. Isabel obteve do Papa a instauração
da Santa Inquisição em Castela para pôr fim aos abusos, na esfera religiosa,
principalmente de cristãos-novos (judeus convertidos), muitos dos quais tinham
fé duvidosa e utilizavam a usura para pressionar os cristãos.
Isabel era muito ciosa de sua autoridade
como rainha. Por isso, em 1475 firmou com seu esposo o acordo denominado
Concórdia de Segóvia, pelo qual recebeu o título de Rainha e proprietária de
Castela, e seu esposo o de rei consorte. “Desde esse momento os esposos formam
um bloco impossível de dividir, e com essa firmeza podem fazer frente ao
estalido da guerra”. (6)
A cruzada contra os infiéis maometanos
Um dos maiores empenhos que Isabel teve em
seu reinado foi mover a guerra santa contra o invasor muçulmano. Para esse
empreendimento, obteve do Papa as mesmas indulgências de Cruzada concedidas aos
que iam lutar na Terra Santa, tendo o Sumo Pontífice lhe enviado uma cruz de
prata para ir à frente de seus exércitos.
Nas várias campanhas que encetou, e
sobretudo na reconquista de Granada, Isabel arrebatava seus soldados por sua
energia sobre-humana, senso do dever e espírito sobrenatural. Estes “criam que
ela era uma santa. Como Santa Joana d’Arc, sempre lhes recomendava viver
honestamente e falar bem. Não havia nem blasfêmias nem obscenidades no
acampamento onde ela se achava, e viam-se curtidos soldados ajoelhar-se para
rezar, enquanto se celebrava a missa ao ar livre por ordem da piedosa rainha”. (7)
A presença da soberana era para os
guerreiros como uma garantia de vitória, pois lhes inspirava valor e confiança.
Até os mouros admiravam a grande rainha, cantando sua bondade e beleza em suas
canções, apesar de a temerem como inimiga.
Enquanto Fernando, um dos melhores
guerreiros de sua época, comandava o exército, a rainha cuidava de toda a
retaguarda, como recrutamento de reforços, envio de alimentos e munições, bem
como projetava os hospitais — foi ela quem instituiu o primeiro hospital
militar da História, e suas enfermeiras precederam as da Cruz Vermelha em mais
de trezentos anos. Cavalgava de um lugar a outro, indo mesmo aos acampamentos
revestida de leve armadura de aço, para elevar o moral dos soldados. Mas essa
rainha guerreira fazia questão de ela mesma costurar a roupa de seu marido,
nunca usando o monarca outras senão as confeccionadas pelas hábeis mãos de
Isabel ou de suas filhas.
Título glorioso de “Reis Católicos”
Um fato mostra a têmpera dessa rainha. No
cerco de Granada, uma vela mal colocada ateou fogo na tenda ao lado da rainha,
e desta propagou-se para todo o acampamento, que foi tomado pelas chamas. Os
mouros, das muralhas, cantavam vitória. Mas a enérgica soberana, para mostrar
sua determinação de conquistar a cidade, mandou edificar novo acampamento de
pedra, surgindo assim uma verdadeira cidade à qual deu o nome de Santa Fé. Foi
de lá que partiram as investidas contra Granada, obtendo-se sua capitulação.
O
Papa Alexandre VI concedeu ao real casal, por seus serviços em prol da
Cristandade, o título de Reis Católicos, em harmonia com o de Rei
Cristianíssimo, concedido anteriormente ao monarca francês.
A política matrimonial que seguiram os
Reis Católicos teve como intuito isolar a França, sua grande rival na época.
Mas não tiveram felicidade com seus filhos. A primogênita, também chamada
Isabel, casou-se com o jovem príncipe português Afonso e, ao enviuvar
precocemente, contraiu matrimônio com o seu herdeiro Dom Manuel, o Venturoso. O
príncipe João casar-se-ia com Margarida de Áustria, filha do Imperador
Maximiliano I, mas morreria jovem. Joana, que entrará para a História como
Joana a Louca, contraiu matrimônio com Felipe de Áustria, o Formoso, e tornou-se
herdeira do trono que passou para seu filho, o futuro Carlos V. Maria casa-se
com seu cunhado, o viúvo Dom Manuel, e Catarina será a desafortunada esposa do
lúbrico Henrique VIII, da Inglaterra.
Três meses após a conquista de Granada,
Isabel assinou uma ordem de expulsão dos judeus de seus territórios; e
favoreceu a empresa de Cristóvão Colombo, que descobriria assim a América.
A morte desta grande rainha foi muito
lamentada pelos seus contemporâneos. Um deles deixou este depoimento: “O mundo
perdeu seu adorno mais nobre; uma perda que deve chorar não somente a Espanha,
que ela já não levará mais no caminho da glória, mas todas as nações da
Cristandade, porque ela era o espelho de todas as virtudes, o amparo do
inocente e o sabre vingador do culpado. Não conheço ninguém de seu sexo, nos
tempos antigos nem nos modernos, que, a meu juízo, possa equiparar-se com esta
mulher incomparável”. (9)
A Soberana no leito de morte dita seu testamento (Rosales) |
E-mail
do autor: josemaria@catolicismo.com.br
________
Notas:
1.
Luís Amador Sanchez, Isabel, a Católica, tradução de Mario Donato, Empresa
Gráfica O Cruzeiro S. A., Rio de Janeiro, 1945, p. 55.
2.
William Thomas Walsh, Isabel de España, tradução castelhana de Alberto de
Mestas, Cultura Española, 1938, p. 49.
3.
Ramón Ruiz Amado, DO, The Catholic Encyclopedia, Vol. VIII, transcrito por WGKofron, copyright © 1910 de Robert Appleton
Company, online edition copyright © 1999 by Kevin Knight. 4. Id. ibid.
5.
William Thomas Walsh, op.cit., p. 171.
6.
(Site: www.artehistoria.com, Protagonistas de
la História, Isabel la Católica.)
7.
Walsh, op.cit., p. 160.
8.
The Catholic Encyclopedia, online edition.
9.
Carta de Pedro Mártir, um dos secretários da rainha, comunicando a morte de
Isabel ao Arcebispo Talavera, in William Thomas Walsh, Isabel de España, p.
599.
(Fonte:
Catolicismo,
julho de 2004)
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