Esta
princesa faleceu quando as cortes europeias eram grandes responsáveis pela
expansão dos costumes renascentistas, enquanto dando prestígios aos
intelectuais que lançavam as ideias da Renascença, aos juristas que plasmavam o
Estado absolutista, e levando uma vida esplêndida, luxuosa, no meio das
delícias, esquecidos do fim último de sua vocação de ser exemplo para as
classes inferiores.
Durante
muito tempo esta princesa praticou a virtude da mortificação na própria corte,
a ponto de tomar como emblema a coroa de espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Sua atitude entrava em choque com todas as tendências da época e repercutiu,
nesse período já adiantado da Renascença, como uma espécie de reminiscência da
Idade Média.
Também
dentro do convento o modo como ela praticava as virtudes religiosas era um agir
contra, pois as religiosas viviam de um modo muito relaxado naquele tempo. Era
uma época de grande decadência das ordens religiosas.
Décadas
depois, a grande Santa Teresa de Jesus contava como viviam as carmelitas
no tempo dela: recebiam visitas o dia inteiro; tinham guitarras, alaúdes e
cantavam no claustro canções muitas das quais eram cantigas profanas; por
qualquer motivo eram autorizadas a passar temporadas enormes na casa da família
etc. Os conventos eram verdadeiros receptáculos de mundanismo.
Esta
Santa admirável é exemplo para todos os tempos de como devemos combater: de
frente, com vigor e sem respeito humano.
*
* *
Após
súplicas e orações prementes, pois ainda não havia herdeiro para o trono,
nasceu Joana, a filha primogênita do rei D. Afonso V, décimo segundo rei de
Portugal, e de sua esposa, Da. Isabel, no dia 6 de fevereiro de 1452, e foi
jurada princesa herdeira do trono. Trocou esse título pelo de Infanta depois do
nascimento de seu irmão, que foi o rei D. João II. A augusta menina cresceu
como flores de altar, educada com grande esmero pela Princesa Dona Beatriz de
Meneses.
Sua mãe faleceu quando a princesa tinha 14
anos. Seu pai, D. Afonso, conhecendo o grande talento da filha, ordenou que
nada se alterasse no governo da casa real, ficando a princesa substituindo sua
falecida mãe. A beata soube aproveitar a nova situação para se entregar com
mais liberdade à prática da penitência. Usava por debaixo das vestes reais uma
túnica de tecido áspero juntamente com um cilício. Jejuava muitos dias a pão e
água, particularmente às sextas-feiras, empregando vários meios para dissimular
sua abstinência.
De personalidade marcante, chegou a
exercer temporariamente a regência do Reino. Enquanto viveu na corte, praticou
as mais altas virtudes cristãs. Profundamente compassiva, procurava o quanto
podia amenizar as misérias de seu próximo. Encarregara uma pessoa virtuosa de
distribuir suas esmolas. Anotara num livro os nomes dos necessitados, o grau de
pobreza de cada um e o dia em que a esmola lhes devia ser dada. Na Quinta-feira
Santa, lavava os pés de doze mulheres pobres; despedia-as depois de lhes dar
roupas novas e dinheiro.
A Beata antes de se tornar religiosa |
Era
tão formosa que, segundo afirma Frei Luís de Sousa, vieram pintores de outras nações
para retratá-la. Joana recusou várias propostas de casamento, inclusive de
Carlos VIII da França. Em 1485 recebeu também uma proposta de casamento do
recém-viúvo Ricardo III, da Inglaterra, que era apenas oito meses mais novo que
ela. Esta boda deveria ser parte de uma aliança que supunha ao mesmo tempo o da
sobrinha daquele rei, Isabel de Iorque, com seu primo, o futuro D. Manuel
I. No entanto, a morte de Ricardo em combate, do qual Joana teve um sonho
profético, suspendeu esses planos.
Joana aspirava ardentemente entrar para
uma ordem religiosa, mas as dificuldades eram muitas. Teve que lutar contra as
resistências de seu pai e de seu irmão, que preferiam que ela fizesse um
casamento vantajoso.
Em
1471, D. Afonso V tomou Arzila e ocupou Tanger, abandonada pelos mouros. A princesa Joana exerceu a regência enquanto
seu pai ia à frente de uma esquadra conquistar aquelas cidades na África.
Quando de seu retorno ao Reino, Joana,
aproveitando o clima de euforia, disse-lhe que os monarcas da antiguidade
costumavam oferecer sacrifícios aos deuses quando alcançavam qualquer vitória,
que ele oferecesse também a Deus o sacrifício de sua única filha. D.
Afonso não pode negar o que ela lhe pedia, consentindo que entrasse para um
convento, apesar de os príncipes e as damas da corte acharem isto
inconveniente.
Depois de estar algum tempo no mosteiro de
Oldivelas, partiu para o convento dominicano, em Aveiro, em 1475. Encerrou-se
no Mosteiro de Jesus, da Ordem de São Domingos, em Aveiro, onde recebeu o
hábito de noviça. Sua humildade e obediência foram tão grandes, que ninguém
podia dizer que ali estava uma filha de rei. Levou sua humildade até
o ponto de lavar roupa, amassar pão, varrer o convento. Aprendeu a fiar e a
tecer. Do linho preparado por ela se faziam os corporais para a igreja.
Caindo gravemente enferma, o rei mandou
que tirasse o hábito. Consultado o vigário geral dos Dominicanos em Portugal e
vários teólogos, estes foram de parecer que ela não devia professar, por causa
de seus poucos anos. Estando reunida a comunidade, a beata declarou à Priora
que, por obediência, desistia da profissão. Tirou o hábito e o colocou sobre o
altar. Algumas horas depois tornou a vesti-lo, dizendo que, dali para a frente,
o traria por devoção. E que, embora não estivesse obrigada à Regra,
cumpri-la-ia com todo o esmero.
Em 1479,
a peste assolou o país. Joana, obedecendo ao pai, rumou para o Alentejo,
aonde a peste não chegara. Passados onze meses Joana voltou a Aveiro.
Em
1481, faleceu D. Afonso, seu querido pai, a quem sucedeu seu irmão D. João II.
Todos esses infortúnios a aproximavam cada vez mais de Deus; não havendo nada
neste mundo que a prendesse, suspirava pelo céu.
Trabalhou
ainda esta princesa denodadamente pela conversão das almas, pois a preocupava
muito a sorte dos pecadores. A sua obra predileta foi a redenção dos cativos da
África. Sua breve vida foi um holocausto de amor e de sacrifício.
Sua
saúde começou a declinar em 1489, e em princípios de maio de 1490 reconheceu
que sua morte estava próxima. Na madrugada do dia 12 de maio, a comunidade
reuniu-se em torno de seu leito e rezou o Ofício da Agonia. À invocação Omnes
Sancti Innocentes, orate pro ea, Joana abriu os olhos e ergueu-os para o
Céu por um breve espaço de tempo; depois, expirou suavemente. Sua alma voou em
companhia dos santos inocentes.
Em
seu túmulo ocorreram inúmeros milagres obtidos por sua intercessão; a memória
de Joana foi sempre guardada em Aveiro.
O
Papa Inocêncio XII a beatificou, confirmando o seu culto, em 1693. D. Pedro II
mandou construir um túmulo luxuoso depois da beatificação, para onde foram
trasladados os seus santos despojos e onde ainda hoje se conservam.
A
5 de janeiro de 1963, Paulo VI a declarou especial protetora da cidade de
Aveiro.
Postado
neste blog 12 de maio de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário