sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Adele Brise e O Milagre do Incêndio de Peshtigo (EUA)

    
     Quando jovem, Marie Adele Joseph Brise viveu na Bélgica, origem de sua família. Pertenceu a um grupo de fervorosas amigas, que tinham feito promessa de se tornarem religiosas. Mas em meados do século XIX seus pais decidiram emigrar da Bélgica rumo aos Estados Unidos, um país novo e meio desconhecido. Pior ainda, não iriam para uma cidade ou região já civilizada, mas se estabeleceriam no Wisconsin, então um local na fronteira entre a civilização e o desconhecido. Nem indícios de conventos havia por lá. Enquanto as amigas cumpriam a promessa, aos 24 anos (ela nascera em 30/1/1831) obedeceu aos pais e partiu com seus familiares para o outro lado do mundo. Na região os imigrantes tendiam a ficar em fazendas muito distantes entre si e devido à falta de igrejas, capelas ou escolas, iam perdendo a fé por falta de práticas religiosas.
     Em outubro de 1859, Adele ia ao moinho levando um saco de grãos na cabeça, quando viu entre duas árvores uma Senhora vestida de branco. Assustada, não se moveu. A Senhora nada disse, e lentamente desapareceu, deixando uma nuvem branca no local. Adele terminou sua tarefa e retornou para casa, onde comentou com os pais o sucedido. Estes julgaram que talvez se tratasse de uma alma do Purgatório que necessitava de orações.
     No domingo seguinte, dia 9 de outubro, ela saiu para ir à missa, acompanhada de sua irmã e uma vizinha. A igreja ficava a 17 quilômetros de distância, e para lá chegar era necessário passar pelo mesmo local da aparição. Novamente Adele viu a Senhora de branco. Suas companheiras nada viram, mas ficaram impressionadas com o temor que notavam em Adele. Depois de algum tempo ela disse que a Senhora tinha desaparecido. Conversando sobre o assunto, concluíram novamente que seria uma alma do Purgatório.
Conselho do confessor
     Após a missa, Adele se confessou com o Pe. Verhoef e narrou-lhe os dois episódios. O sacerdote disse-lhe para não ter medo, e que perguntasse à Senhora de branco o que desejava; se fosse uma mensageira de Deus, não lhe faria qualquer dano. No caminho de volta, no mesmo local, Adele viu novamente a Senhora, e desta vez notou que tinha uma fita amarela na cintura. Seguindo as indicações do confessor, perguntou: “Em nome de Deus, quem sois e o que desejais?”. E a Senhora lhe respondeu: “Sou a Rainha do Céu, que reza pela conversão dos pecadores, e desejo que faças o mesmo. Recebeste a Sagrada Comunhão hoje de manhã, e isso é bom. Mas tens que fazer mais ainda. Deves fazer uma confissão geral e oferecer a comunhão pela conversão dos pecadores. Se eles não se converterem e não fizerem penitência, meu Filho será obrigado a puni-los”.
     Nesse momento as duas companheiras perguntaram a Adele com quem ela falava, pois não viam nada. Ela simplesmente lhes disse: “Ajoelhem-se, pois Ela diz ser a Rainha do Céu”. E as duas companheiras assim fizeram obedientemente, o que alegrou a Santíssima Virgem, pois disse: “Bem-aventurados os que acreditam sem ver”. E voltando-se para Adele, acrescentou: “Que fazes aqui parada, enquanto tuas companheiras trabalham na vinha de meu Filho?”. Era uma alusão direta ao fato de suas companheiras belgas terem cumprido a promessa de se tornarem religiosas, mas ela ainda permanecia como leiga. Ouvindo a reprovação de Nossa Senhora, ela se comoveu e perguntou:
     — O que mais posso fazer, querida Senhora?
     — Reúne as crianças deste país e mostra-lhes o que deveriam saber para se salvarem.
     — Mas como lhes ensinarei, se eu mesma sei tão pouco?
     — Ensina-lhes o catecismo, como fazer o sinal da cruz e como se aproximarem dos sacramentos; isso é o que desejo que faças. Vai e não tenhas medo. Eu te ajudarei.
     Após este breve diálogo a Senhora levantou as mãos, como implorando uma bênção sobre aquelas que estavam a seus pés, e desapareceu lentamente.
     Estimulada pela aparição, Adele começou a reunir as crianças e ensinar-lhes os princípios da fé católica. Um primeiro oratório de madeira foi construído por seu pai, Lambert Brise, no local da aparição; uma capela de madeira foi construída em 1861. A capela logo se tornou muito pequena para acomodar os peregrinos. Em meio a numerosas provações, em 1867 Adele conseguiu construir uma escola, bem como congregou outras jovens para ajudá-la.  Em 1869, elas anunciaram seu internato, Academia de Santa Maria, e logo atraíram muitos estudantes. Adele realizou também muitas peregrinações apostólicas para conclamar os pecadores à conversão. Nessa missão, ela chegava a caminhar mais de 80 quilômetros no meio de florestas, passando por todo tipo de perigos.
     Embora sendo conhecidas como Irmãs da Boa Ajuda – Adele e suas companheiras eram tratadas como Irmãs e usavam um hábito modificado –, essas mulheres formavam uma ordem terceira secular, isto é, mulheres leigas que escolheram viver juntas, seguindo o modo de vida franciscano.
     "Irmã" Adele nunca fez votos em uma comunidade religiosa, embora algumas de suas companheiras mais tarde o fizessem. Duas companheiras de seu grupo - Celina Londo e Cecilia Frisque - se juntaram às Irmãs de São Francisco da Santa Cruz em Bay Settlement em 1903. Essas Irmãs assumiram a responsabilidade pela capela e sua escola em 1902. Elas fizeram isso seis anos após a morte de Adele, a pedido do bispo Sebastian Messmer.
     Finalmente, em 5 de julho de 1896, com a idade de 66 anos, Adele faleceu no cumprimento de sua vocação e foi enterrada na capela construída no local das aparições.
     Numa época em que as pessoas se esquecem da salvação da própria alma e vivem em função do dinheiro e dos prazeres, temos o dever de lembrar a todos que o verdadeiramente importante é a vida eterna, e que os sacramentos nos são indispensáveis para lá chegarmos. Pode haver melhor momento para alertar as almas sobre isso?
     Na opinião do Pe. John Doefler, Reitor do Santuário de Nossa Senhora da Boa Ajuda, estas aparições poderiam estar vinculadas às da Virgem de Lourdes em 1858.

Adele (círculo) com suas companheiras e alunos
O milagre do incêndio de Peshtigo
     O incêndio de Peshtigo aconteceu no dia 8 de outubro de 1871 - o mesmo dia do Grande Incêndio de Chicago, que é tão conhecido na história americana. Embora ofuscado pelo Incêndio de Chicago, o incêndio de Peshtigo matou mais pessoas (cerca de 2.500) e destruiu mais propriedades.
     O Pe. Pedro Pernin descreve a ferocidade do incêndio em um emocionante relato em seu livro, The Great Peshtigo Fire, um relato de testemunha ocular.
     Em 6 de outubro, o Pe. Pernin viu um toco de madeira espontaneamente explodir em chamas, mesmo não havendo faíscas ou incêndios nas proximidades. Enquanto o fogo era apagado, isto sinalizou as piores coisas que viriam e o Pe. Pernin decidiu se preparar para o pior. Levou várias horas para cavar um poço no chão para enterrar objetos sagrados, estátuas, livros, roupas sob uns 30 cm de terra, que ele considerou suficiente. Enquanto isto, vários vizinhos riam dele por fazer esse esforço.
      Quando terminou, o Pe. Pernin quase não teve tempo de soltar seu cavalo e carregar o tabernáculo em um carrinho de mão. A conflagração caiu logo sobre a aldeia e tudo ficou no caos. As pessoas corriam em todas as direções. O Pe. Pernin tropeçou e caiu sobre os cadáveres de uma mãe e sua filha.
     Ao longo de um lado do rio, as chamas dos edifícios da aldeia formavam um dossel impenetrável de fogo. O Padre Pernin foi para o outro lado. À beira da água, ele encontrou pessoas de pé, olhando com espanto, atordoadas e boquiabertas, à vista do caos em torno delas. Ele começou a empurrá-las para a água, pois era o único lugar seguro. Imediatamente todos a sua volta entraram dentro d’água.
     O ar tornou-se uma mistura de cinzas, faíscas, fumaça, fogo e calor opressivo. Em um ponto, um moinho de madeira explodiu em chamas. Esta estrutura que normalmente levaria horas para queimar foi consumida em trinta minutos. O calor era intenso. Todos ficaram na água fria jogando água uns sobre os outros por quase cinco horas. No pico do incêndio, o Pe. Pernin descreveu o ar acima deles como um furacão de fogo, mais brilhante do que o dia, causando cegueira temporária. Era uma cena do inferno na terra.
     O incêndio finalmente afastou-se de Peshtigo. Com os ventos servindo de fole, o fogo continuou seu caminho destrutivo, acabando por queimar um total de 1,2 milhões de acres.
Enquanto Peshtigo queimava, uma capela de madeira foi poupada
     Enquanto esse caos ocorria em Peshtigo, havia uma cena diferente na aldeia de Robinsonville, Wisconsin. Agora chamada de Champion, esta aldeia estava no caminho do indomável inferno.
     A vila era o local da primeira aparição de Nossa Senhora nos Estados Unidos, à Adele Brise, em 1859. Em homenagem à aparição, uma capela de madeira fora construída e dedicada a Nossa Senhora da Boa Ajuda. Muitos habitantes locais acreditavam na aparição, em grande parte devido à reputação de santidade de Adele.
     No início da manhã de 9 de outubro, os moradores buscaram a segurança da proteção de Nossa Senhora da Boa Ajuda. Parece irracional procurar segurança em uma estrutura de madeira no meio do maior incêndio na história americana. No entanto, a fé às vezes vai contra o que parece racional. Os habitantes locais tinham tanta confiança na proteção de Nossa Senhora, que eles levaram seus animais para a capela.
     Adele liderou uma procissão dos habitantes com uma imagem de Nossa Senhora enquanto rezavam o rosário. Quando o ar se tornou opressivo, eles foram obrigados a continuar a rezar dentro da capela. As vozes dos fiéis enchiam o ar de uma oração esperançosa.
     Apesar do furor do incêndio, a estrutura de madeira milagrosamente se recusou a queimar. As orações dos fiéis foram ouvidas. Os ventos pesados ​​que dirigiam a conflagração se acalmaram e o fogo diminuiu. O som doce da chuva logo foi ouvido. Foi tão imediato quanto quando Jesus ergueu as mãos para acalmar a tempestade. Os fiéis ficaram admirados.
Confirmação do Milagre
     O Pe. Pernin, que testemunhou a selvageria do incêndio em Peshtigo, foi investigar esse suposto milagre com seus próprios olhos. Ele contou o que viu em um segundo manuscrito chamado, The Finger of God (o Dedo de Deus).
     "[Todas] as casas e cercas do bairro foram queimadas, com exceção da escola, da capela e as sebes que cercam os seis hectares de terra consagrados à Santíssima Virgem. (...) [A propriedade] santificada pela presença visível da Mãe de Deus agora brilhava como uma ilha de esmeralda em meio a um mar de cinzas". (1)
     Todos os habitantes locais e seus animais foram poupados. A capela de madeira foi poupada. A cerca de madeira em torno do terreno foi poupada. Não há uma lição a ser aprendida com isso?
     Este milagre foi fundamental para convencer o Bispo David L. Ricken a declarar, em 8 de dezembro de 2010, Festa da Imaculada Conceição, a autenticidade das aparições de 1859 a Adele Brise. Este local sagrado agora é chamado de Santuário de Nossa Senhora da Boa Ajuda.
     Segundo declarações do Prelado, “a vida de Adele é um dos testemunhos mais convincentes da autenticidade das aparições. Em vez de atrair a atenção dos outros para si, dedicou-se humildemente a cumprir a missão que a Virgem lhe incumbira”. Adele “podia passar vários dias com as crianças ensinando-lhes o catecismo e conversando com seus pais sobre a fé. Realmente tinha um espírito evangelizador e o demonstrou não só com sua mensagem, mas com toda sua vida”.
     Curiosamente, o grande Incêndio de Peshtigo diminuiu no 12º aniversário de uma das aparições, em 9 de outubro.
 
O Santuário e a Capela atuais

Nota: (1) Fr. Edward Looney, Our Lady of Good Help, Mary’s Message and Mission for Adele Brise and the World, p.16.

Fontes: Catolicismo, por Valdis Grinsteins, março de 2011 www.catolicismo.com.br

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